Destarte

Porque "poetas amam viagens", conforme disse Henri Michaux, vou justificando esse amor com esta crônica feita no Vêneto, na Itália.

James Joyce motivou a viagem, mas Trieste não segurou o cronista

Trieste, 29 de abril, 2019. – O sol se põe tarde em Trieste nesta primavera nebulosa e fria. Para os nativos, tudo parece ameno, diante do inverno e dos ventos que devem ter enfrentado nos últimos meses.
Há uma notável alegria nos que passeiam nas ruas com um pouco menos de agasalhos e que, ao fim da tarde, tomam seus drinks do lado de fora dos bares e cafés.

Estou apenas há algumas horas aqui e sinto a força multicultural da cidade em pequenos gestos, em línguas diversas – o esloveno predominando entre as línguas estrangeiras. Sigo protegido do que para nós brasileiros é tempo frio, mas agradável se o “bora” não resolver soprar com força desde o Adriático para o continente.
Alguns amigos não entenderam minha escolha nesta viagem pela área de Trieste. Explico: minha mulher sempre teve um interesse cultural por conhecer Liubliana, cidade nos Balcãs e muito próxima daqui. Antes, houve a maravilha do filme que fez a cabeça de muitas jovens nos anos 60 – “Sissi, a imperatriz”. Ela, minha mulher, está interessada no caldo cultural da Itália com os países vizinhos (dos Bálcãs).
O leitor saberá mais sobre Sissi na Wikipédia. Ela nasceu Isabel Amália Eugénia; Munique, 24 de dezembro de 1837, e foi assassinada em Genebra, 17 de setembro de 1898; foi esposa do imperador Francisco José I e Imperatriz Consorte do Império Austríaco e seus demais domínios de 1854 até 1898.
Era amada nesta cidade, onde teria passado temporadas de veraneio, mas há quem diga que nunca conviveu com o castelo de Miramar. Eu não sei, não pesquisei isso ainda. Minha mulher adora Sissi, como quase todos os moradores de Trieste o fizeram, principalmente pelo glamour que a vida daquela nobre os inspirou.
Venho até aqui inspirado pela personalidade de dois escritores: o irlandês James Joyce e o hebreu Ettore Schmitz (cognome literário Ítalo Svevo).
Eles se encontraram aqui, no que seria o endereço da Escola Berlitz de Línguas, onde Joyce dava aulas de Inglês, entre 1906-07 e o entendimento entre eles foi imediato e seguido de uma série de intercâmbios literários que ao longo do tempo levaram a desenvolvimentos interessantes.
Joyce não é nem de longe meu escritor predileto no século XX. Deveria esperar na fila por Thomas Mann, Georges Bernanos, Robert Musil, Herman Hesse etc., mas me provoca e me faz admitir que a diferença é uma boa partida para a leitura. Um amigo muito querido e ficcionista de primeira em minha terra gosta demais de “O retrato do artista como jovem”. O socialista Joyce era oportunista, o anticlericalista Joyce me desagrada, o homem cheio de desejos que inspirou o título “Senilidade” (ao amigo Ítalo Svevo) me desafia.
Leio Joyce sob a lupa de Campos, de Leminski, de Galindo, mas me falta a leitura de Dirce W. do Amarante, que muito me interessa por ser um sobrevoo sobre todas as versões.
Gosto muito de “Os exilados” a peça quase impossível de ser montada, segundo os especialistas, e que diz tanto dos erros e acertos de Joyce e Nora na fuga para a Itália, sem o aval dos pais para o matrimônio tradicional – ele não aceitava, como anticlerical que era que alguém desse a “benção” à sua união com a melhor pessoa que passaria em sua (dele) vida: Nora Bernacle.
Sem Nora, Joyce seria ainda mais infeliz, com ou sem a filha “louca”. Caetano Galindo fala sobre isso numa nota de uma tradução extraordinária de “Os mortos” (e outros contos) que fez recentemente.
Sabe-se que vida sem Nora teria sido uma desgraça para o autor do “Retrato” e de “Ulisses”, este catatau quase ilegível para a maioria dos amantes da literatura do século XX.
O problema de Joyce é o de quase todos os prolíficos do século passado (Musil, Proust, Mann, Broch e tutti quanti). São ilegíveis hoje pela massa apressada e acostumada aos 140 caracteres da expressão das mídias sociais.
Joyce nunca me foi um problema, a não ser quando me lembro de Paulo Francis dizendo que um sujeito como Antonio Houaiss jamais poderia se habilitar a traduzi-lo. Fui muito influenciado por Francis para ter que esperar por mais de três décadas pela tradução de Caetano W. Galindo. Ainda hei de ler o Ulisses (de Joyce, pois o original de Homero o li quando muito moço) quem sabe?
Por ora, sou um viajante interessado no percurso de Joyce em Trieste.
Talvez consiga alguma coisa interessante para um livreto ou, quem sabe, para alguns posts. Hoje, vi o Adriático, ao fim da tarde, tendo às costas a Igreja de Santo Antonio Taumaturgo e o Grand Canal.
Interessa-me também saber que um jovem tradutor do talento de Caetano Galindo está interessado em algo mais, além do glamour de ser tradutor de Joyce, embora admita que:
“Ele [Joyce] mudou a minha vida, como leitor, como professor, como tradutor, como pessoa mesmo. Tenho grande amor (desculpa a palavra brega) por ele, por seus personagens, por suas obras. E gosto demais de ser “reconhecido” como alguém ligado ao trabalho de divulgação da obra dele no Brasil. Me orgulha demais ter produzido uma tradução do “Ulysses”, uma de “Um retrato do artista quando jovem”, uma de “Dublinenses” e, claro, o guia de leitura “Sim, eu digo sim”…. e ter produzido assim uma espécie de via de acesso, completa, a esse romance incrível.
Como esta é apenas uma despretensiosa crônica de viagem, remeto o leitor interessado em Joyce a ir direto ao ponto e repetir com Molly Bloom (seria a figura de Nora como protagonista!), “Sim, eu digo sim”, lendo o Guia de Leitura de título símile de autoria de Caetano W. Galindo.
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— O guia pretende realmente ser como um guia, a pessoa que, por ter se informado mais aprofundadamente sobre um museu, uma igreja, pode dar aos visitantes toda uma série de informações que eles só teriam se tivessem lido todos os livros que o camarada leu em seu treinamento. É um passeio pelo “Ulysses”: “preste atenção naquilo ali”; “percebeu como aquilo é bonito?”; “sabe por que aquilo é daquele jeito?”. A ideia foi a de dar ao maior número de pessoas o maior acesso possível a um livro infinitamente denso, rico — diz Galindo” – cf. entrevista ao jornal “O Globo” (2016).
Bem, amigos, volto ao assunto em breve, depois do repouso merecido após este dia intenso de Pádua a Trieste.
Sim, eu também digo sim à pesquisa e ao entendimento dos exilados Nora e James, qui a Trieste. À dopo.
Adalberto de Queiroz, 64, Jornalista e poeta, membro da Academia Goiana de Letras, cadeira 32. Autor de "O rio incontornável" (poesia, 2017).

Creio que não cabe nesta coluna "Destarte" falar deste cronista, mas diante da grande alegria e da emoção que foi assumir a cadeira nº 32 da Academia Goiana de Letras, na quinta-feira, 11 de abril passado, eu peço a paciência do leitor para este artigo
Fui recebido pelo Acadêmico Brasigóis Felício, que traçou minha trajetória de vida e destacou, citando trechos da entrevista a Ademir Luiz, aqui no Opção, quando ele me concedeu o cognome de "o barqueiro da poesia".
Brasigóis expressou sua alegria em duplo sentido: primeiro, por ter apresentado meu primeiro livro, em 1985; e, agora, mais de 30 anos depois, de receber-me como novo integrante da Academia, “por merecimento, tendo recebido voto de todos os acadêmicos e acadêmicas presentes à sessão. Acertei no vaticínio, ao escrever o texto de apresentação do livro “Frágil Armação”, do estreante que nos veio solicitar o endosso, a palavra de estímulo, ante a angústia dos primeiros passos na jornada. Esta é a alegria que tenho hoje” - destacou.
E, para não cair no terreno escorregadio da emoção pura, usei como apoio as palavras do escritor que me precedeu, o professor José Mendonça Teles, em discurso nesta mesma casa, em 1979:
“Entro para a Academia Goiana de Letras consciente de que devo fazer muito ainda para merecer esta honraria. Estou convicto de que será uma experiência das mais fecundas para mim, uma vez que estarei sentado ao lado daqueles que construíram e constroem a cultura goiana.”
Em seguida, renovei minha fórmula de gratidão já conhecida dos meus seis leitores, que tomei de empréstimo ao escritor inglês Gilbert Keith Chesterton, na qual creio firmemente – sou feliz e grato à Vida, pois creio que “A prova de toda felicidade é a gratidão”.
É que, mesmo tendo nascido em meio à escassez e à carência, de recursos e de afetos; eu tive a sorte de encontrar suporte e afeto nos meus pais adotivos – Modesta e Roque Bernardes Sobrinho, diretores do Abrigo Evangélico Goiano que acolhia 100 crianças carentes, na década de 1960, em Anápolis.
Foi pela generosidade dos irmãos evangélicos de Anápolis e da missão United Brothers norte americana que pude ter alimentação, acesso a vacinas e tratamentos de saúde e aos primeiros estudos no Colégio Couto Magalhães, em Anápolis.
Depois, voltei a Goiânia, cidade em que nasci, para enfrentar o que chamávamos de “a vida lá fora do Abrigo” para o vestibular da UFG de 1973. Foi, pois, graças à generosidade dos meus pais adotivos, que posso hoje trazer-lhes minha leitura poética do mundo, colocando a Vila Jaiara no mapa da poesia goiana:
“Ele, na Vila Jaiara, vira a fábrica de tecidos
onde trabalhavam tantos e tão próximos; sim.
E os porcos no meio da rua e seu relógio
no bolso do morto – o defunto, sim –
com quem uma gambira havia urdido...
“Eu sou esse menino no corpo do velho d´agora.
Sou o que vi: novas terras seriam anunciadas;
com o brilho do luar, terras a conquistar.
“O que toda a gente negara ao menino,
sob a costa americana, eu –
um pobre diabo da Vila Jaiara, olhei:
a harmonia da linha do horizonte
O skyline da vila enorme – sonhei,
como sonham outros em outras luas,
anônimos em suas quitinetes, sonhando
palácios da lua, luando neon multicor.”
Expressei gratidão à minha família, a começar pela minha amada companheira de mais de quatro décadas, Helenir Queiroz, uma mulher guerreira, companheira de todas as horas, minha leitora número um, mulher de uma energia imensa – uma força da Natureza - como diz Euler Belém –, e que é o pilar moral e afetivo da família Queiroz.
Expressei gratidão e respeito a todos os Acadêmicos que me possibilitaram chegar à AGL, com a unanimidade dos 30 votantes, na eleição do último dia 28 de fevereiro.
Divaguei, como gosto de fazer aqui na “Destarte”, quando pensei em dirigir a palavra de minha oração inicial na AGL, porque me veio à mente o Discurso por excelência – o de Heráclito, que elaborou muito sobre um “rio da realidade”, assegurando que há um “ditado inexorável de um misterioso destino”.
“No mesmo rio não há como entrar duas vezes” – diz um fragmento de Heráclito, contrariando noções mitológicas, como nos lembra o professor Donald Schüler:
“O rio em que entra Heráclito é sem nome, sem personalidade. Heráclito entrou várias vezes no mesmo rio; na verdade, entrou todos os dias; ou melhor, contemplou-se já dentro do rio, se o rio é o da existência. A entrada deu-se com o abrir de olhos atentos. E, quando se punha a examinar, percebia que, embora o rio fosse o mesmo, outras eram as águas, e ele, que as contemplava, já não era igual a si mesmo. Este não é o olhar de Narciso, enamorado de sua face desenhada no espelho úmido. O que Heráclito busca não está ao alcance dos sentidos”.
Lembrei-me do poeta João Cabral de Melo Neto, que poetizou a fluidez da vida, no poema já famoso “Rios de um dia”:
“Os rios, de tudo o que existe vivo,
vivem a vida mais definida e clara;
para os rios, viver vale se definir
e definir viver com a língua da água.
Silenciosa meditação
Fruto da silenciosa intuição – meu discurso de posse na AGL foi composto como reflexões de um náufrago da emoção e do temor, que soprava as cinzas do passado e revia as brasas da presença de José Mendonça Teles e do patrono Francisco Ayres da Silva, começando pelos versos do poeta Ivan Junqueira, em “Três Meditações na Corda Lírica (1)”:
E tudo é apenas isso, esse fluir
de vozes quebradiças, ida e vinda
de ti por tuas veias e teus rios,
onde o tempo não cessa, onde o princípio
de tudo está no fim, e o fim na origem,
onde a mudança e movimento filtram.
E se é fato que “somos rio com o rio”, eis-me diante do Destino ansioso por entender seus mistérios. Por isso, em primeiro lugar coube-me reconhecer a magnanimidade com que os acadêmicos me trataram ao sufragarem meu nome para a Cadeira 32 desta Casa.
Repassei o livreto “Um rio dentro de mim”, opúsculo que traz os discursos da chegada do ilustre José Mendonça Teles a esta Cadeira 32, à qual está ligado para a eternidade e para a qual foi guiado pelos seus pares e regiamente recepcionado por Nelly Alves de Almeida, quando indagava:
“Que mistério é esse que me prende, agora, ao Tocantins, quando meus olhos ainda passeiam pela memória do Meia-Ponte?” – para arrematar elogiando nosso Patrono: “a resposta está no destino que me guiou à Cadeira 32, da Academia Goiana de Letras, cujo Patrono é Francisco Ayres da Silva, médico, político, jornalista, que nasceu, viveu e morreu às margens do [rio]Tocantins, na sua sempre querida Porto Nacional.”
Concordei que o discurso que move a história da Cadeira 32 deverá ser mesmo como rio caudaloso e telúrico; por isso recorri a uma metáfora construtiva que me parece válida aqui e a construí inspirado na minha esposa engenheira: “o passado deve ser visto como a estrutura, a fundação, onde se assentam os pilares, fortemente armados para a construção do edifício do ser. E cada novo andar se sustenta no anterior, baseado no passado mas erguendo-se para o futuro”.
O patrono da Cadeira 32
O nosso patrono é Francisco Ayres da Silva, que nasceu no dia 11 de setembro de 1872, no antigo Porto Imperial, atual Porto Nacional, hoje estado do Tocantins, e lá faleceu com 85 anos. Foi médico e homem público de grande renome; foi 1º. Vice-presidente do Estado e Deputado Federal por Goiás, em várias legislaturas, tendo sido eleito sucessivamente para a Câmara Federal de 1914 a 1930.
Durante a ditadura Vargas, o Dr. Francisco continuou “fiel aos seus princípios, aos seus ideais e aos amigos, participando ativamente dos movimentos políticos organizados para combater o Estado Novo.
Patriota que era, o Patrono da Cadeira 32 continuou editando o jornal “Norte de Goiás”, mesmo com as dificuldades técnicas com que esbarrava na pequena oficina de impressão em Porto Nacional. Na juventude, Francisco Ayres fora para São Paulo, onde entrou na Faculdade de Direito e, depois, para o Rio de Janeiro, onde se formou em Medicina.
Voltou à terra natal para exercer sua profissão, principalmente assistindo aos mais pobres e à gente abandonada dos rincões do vale do Tocantins.
“E disso não fazia segredo a ninguém” – assinala José Mendonça, completando que, “muito embora fosse convidado a permanecer no Rio de Janeiro, com um futuro mais promissor na carreira de médico, preferiu retornar a sua Porto Nacional, que o esperava e acreditava em seu regresso, como o primeiro filho do Norte a se formar em Medicina”.
Francisco Ayres foi colaborador da revista A Informação Goyana, fundada no Rio de Janeiro, onde exerceu o jornalismo puro, apaixonante e culto, em que acionava o esforço de sua inteligência para defender os interesses dos homens mais humildes do interior goiano.
“Caminhos de Outrora”, segundo José Mendonça Teles, “narra a epopeia vivida pelo autor nas viagens que empreendeu, de bote, de Porto Nacional a Belém, vencendo cachoeiras e correntezas do Tocantins e a extraordinária aventura de transportar do Rio de Janeiro a Porto Nacional, um caminhão Ford e um automóvel Chevrolet, que foram os primeiros veículos que trafegaram pelo Norte de Goiás em 1928”.
[caption id="attachment_178256" align="alignright" width="201"] O poeta Gilberto Mendonça Teles ao lado do busto erguido em homenagem ao irmão José Mendonça, em frente ao IHGG (25/3/2019)[/caption]
Por todos os feitos memoráveis de Francisco Ayres da Silva, a cidade de Porto Nacional concedeu-lhe um busto em praça pública, quando do seu centenário de nascimento. O mesmo fizeram os amigos de José Mendonça Teles, no último dia 25 de março, em frente ao Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, para celebrar os 83 anos do meu antecessor na AGL.
José Mendonça Teles, meu antecessor
No dia fatídico de sua despedida, durante o velório, o poeta Gilberto saudou o irmão com uma oração fúnebre que se transformou num poema.
“O meu irmão José Mendonça Teles nasceu no dia 25 de março e se despediu da vida neste 29 de abril – “o mais cruel dos meses” /para o poeta T.S. Eliot que se angustiava com o clarão da Beleza/na primavera londrina, assim como nos inquietamos/com a do outono brasileiro em Goiás”.
E concluía:
“Assim, José, você que tanto fez pela cultura de Goiás
que escreveu poemas, crônicas, contos, prefácios e tudo que podia,
você com certeza está sendo recebido por aquele São Pedro bonachão
que possivelmente está lhe dizendo no ouvido esquerdo:
- Entra, Zezé, você não precisa agora pedir licença.
Enquanto no ouvido direito, batendo as asas silenciosas,
anjos e arcanjos da Poesia lhe sussurram secretamente:
- “O Terrível agora é estar em face da Beleza Absoluta”.
O biógrafo e amigo próximo, o poeta e historiador Ubirajara Galli, em discurso emocionado nesta Academia, na Sessão da Saudade realizada em homenagem a José Mendonça declarou, emocionado, laços quase filiais que o mantiveram ligado ao seu:
“Generosidade com todos, generosidade é a palavra, é o sentimento que talvez possa resumir timidamente a passagem do Zé, do “Zezé”, de José Mendonça Teles, por nosso eito terreno, meu mentor dos trieiros da historiografia goiana. Na verdade, a nossa convivência era de um pai biológico que eu já não tinha mais; e dele em relação a mim, um filho que ele não teve”.
Na recepção que fez ao então jovem acadêmico, a Sra. Nelly Alves de Almeida vaticinou o que seriam os profícuos 38 anos do titular da Cadeira 32:
“José Mendonça Teles, faça de nossa Academia, que o recebe tão festivamente, sua Casa da Cultura. Uma cultura que vibre, cresça, se dimensione, se universalize. É sumamente importante o papel das Academias: elas não lhes reservam o direito de apenas guardar o já feito, mas requerem o propósito de muito realizar. E poucos, como você, podem cumprir tal destinação. Faça, aqui, valer mais e mais seu espírito de entendimento e cooperação, para que possamos continuar dando à nossa Casa a certeza de existir, de saber por que existe. De apreciar, através da fruição sadia de suas possibilidades, as belezas das criações artísticas, o valor da inteligência, a soberania das coisas nobres que iluminam o espírito. Só assim poderemos estender, aos limites universais, o que culturalmente temos realizado com tanto amor na área regional. Aguarda-o a Cadeira 32. Torne-a imensa com sua juventude, seu talento e sua capacidade de trabalho, numa homenagem à memória de Francisco Ayres da Silva e num propósito de elevação maior da Academia Goiana de Letras! Que a semente lançada por ele, em suas mãos, jovem Acadêmico, se transforme em messe gloriosa, para nossa maior grandeza e afirmação!”.
E que espécie de profetisa se tornou a Sra. Nelly: José Mendonça Teles, em mais de três décadas de titularidade da Cadeira 32, marcou época, mais do que como poeta, cronista, contista – sim, acima de tudo, um servidor da Cultura, na feliz expressão de Iuri Godinho no Réquiem ao nosso “general do Exército não remunerado da Cultura”.
“José Mendonça Teles enfrentou o Parkinson e perdeu a luta aos 82 anos. Seu amigo, o jornalista Jávier Godinho, debochava: “se tem alguma coisa que não dá dinheiro em Goiás, chame o Zé Mendonça que ele vai”. Ele se contentava em ser o general do exército não remunerado da memória goiana.
“Sua vida foi fantástica e vitoriosa, pois se metia nas coisas que ninguém imagina que existiam. Descobriu os rolos de concreto usados para aplainar as ruas nos anos iniciais de Goiânia. Resgatou do esquecimento o primeiro jornal de Goiás, o Matutina Meia-pontense. Escreveu a letra do hino oficial de Goiás. Foi presidente da Academia Goiana de Letras e do Instituto Histórico. (...)Um general da cultura.
“Muito tempo depois que eu e você estivermos mortos, Goiás ainda renderá vivas a José Mendonça Teles, nosso general seis estrelas da cultura goiana”.
Diferentemente de Iuri Godinho e Ubirajara Galli, tive apenas dois contatos formais com o professor, ambos de profícua realização para a cultura local. Em 1981, recém-formado em Comunicação Social e Relações Públicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, recebi o convite do nosso saudoso amigo Alfredo Talarico Filho para compor a Assessoria dele, chefiando na Caixa a área de Relações com a Imprensa e o legislativo.
Em 1983, recebi a visita do professor José Mendonça Teles, que buscava patrocínio para a edição fac-símile da Revista Oeste.
Escrito o projeto, nós o encaminhamos à Presidência da Caixa em Brasília e depois de inúmeras démarches obtivemos a autorização para participar daquela iniciativa cultural. Foi com muita alegria que acompanhamos o nascimento da obra em grande estilo.
Sobre a Revista Oeste disse Colemar Natal e Silva: “Uma vez editada e divulgada, vai valer como testemunho de uma fase áurea de nossas letras”
Novamente, em 1986, recebi a visita de José Mendonça Teles na sede da Caixa. Ele nos convidava a patrocinar o livro em homenagem aos 30 anos de poesia de Gilberto Mendonça Teles. Uma vez aprovado o projeto, José insistiu: “desta vez, você assina a apresentação”. Tudo porque ele sabia das veleidades literárias deste que lhes fala. E, então, assim me expressei, na apresentação de Trinta anos de poesia:
“Essa determinação de incentivo cultural por parte da Caixa, como o fazemos no caso de GMT, bem exemplifica a ação que o poeta Maiakóvski pedia à sociedade de seu tempo, em relação aos poetas, ao afirmar: “deixem de realizar suntuosos centenários e respeitem mais os poetas vivos, ao invés de render-lhes homenagens com edições póstumas. É preciso escrever artigos sobre os escritores vivos. Dar-lhes pão em vida! Dar-lhes papel em vida! Essa disposição de homenagear o poeta em vida e no auge de sua produção literária honra e dignifica a Caixa e a coloca à altura da sociedade que tem sabido respeitar em vida um dos mais profícuos e brilhantes poetas brasileiros.”
Naquela apresentação faltou-me dizer sobre o papel de apoio à Cultura que realizamos na Assessoria de Comunicação da Caixa, como o apoio financeiro a músicos locais, prover ambiente para o funcionamento do Cineclube “Antonio das Mortes”; abrir nossas agências para exposição de quadros de artistas goianos.
Não menos importante foi patrocinar a recuperação de dezenas de quadros do artista Frei Confaloni, que estavam ao abandono na Paróquia São Judas Tadeu, em Campinas.
Além disso, na Cidade de Goiás, quando inauguramos a Agência local, o apoio do meu saudoso chefe Talarico nos permitiu obter os recursos necessários para recuperar o Quartel do Vinte, uma obra que era solicitada pela comunidade.
O futuro na AGL
Vivemos em um mundo que o escritor Vargas Llosa intitula de “A civilização do espetáculo”, em que as esperanças na cultura livresca são decrescentes. Mesmo diante da conclusão melancólica de Llosa eu tenho muitas esperanças. Creio que é possível acreditarmos em palavras como “espírito, ideais, prazer, amor, solidariedade, arte, criação, beleza, alma, transcendência”.
Ao contrário de Llosa, no entanto, eu creio no futuro das relações do autor com um novo leitor, que continuará a buscar os livros, sejam estes em papel ou formato digital.
Cabe aos acadêmicos dar respostas válidas nesta 4ª. Revolução Industrial que já se iniciou, e ao vivenciarmos a onda de inovação do mundo que se avizinha não podemos cair num “jogo retórico, esotérico ou obscurantista”, nem nos fecharmos em copas como um grupo de intelectuais, que dá as costas à sociedade e vive apenas o passado.
Creio que devemos buscar o leitor deste novo “mundo-tela” ainda que mantenhamos o nosso apego à tela antiga do mundo romântico, ou clássico, mantendo-nos cultores das belas artes, das letras, do amor à boa música, às artes plásticas e ao intercâmbio entre os povos.
Gostaria de ver as academias voltadas ao mundo-tela de que nos fala o peruano – escritor do mundo e ganhador do prêmio Nobel de Literatura, mas não com a melancólica esperança de que voltemos ao passado; porém - isto sim, acreditando que podemos enfrentar as intempéries de tempos novos.
Admitir nossas limitações só nos engrandece, na medida em que possamos suprir essas carências através do trabalho colaborativo, realizado em torno da união pela cultura.
Afinal, como o próprio Llosa diz: “escrevendo, pode-se resistir à adversidade, atuar, influir na História”.
Assim, poderemos contribuir com os jovens que sentarão em nossas cadeiras no futuro. Esses jovens construirão a cultura da qual se alimentarão os nossos netos e as próximas gerações, sempre alicerçados na fundação que ora estamos forjando.
Encerrei, com um compromisso de fé. Disse que a AGL pode contar comigo, como mais um colaborador, os confrades e confreiras, com um amigo. Aquele que, como meu antecessor na Cadeira 32, sabe das limitações (poeta menor que sou), mas tem o pensamento em Deus, a mente voltada ao Bem e a alma sempre pronta ao serviço do Criador.
Adalberto de Queiroz, 64, Jornalista e Poeta. Membro da Academia Goiana de Letras, Cadeira 32. Autor de “O rio incontornável” (Poemas), 2017.

Está o leitor diante de “Quarta-feira de cinzas”[i] – poema da parte final da produção de T.S. Eliot (1930), a que o crítico Northrop Frye intitula da “visão purgatorial” do poeta anglo-americano – onde, em seis partes numeradas, o poeta nos apresenta um deserto, um jardim e uma escadaria entre os dois.

Segundo o historiador das Religiões e mitólogo romeno Mircea Eliade: “Na geografia mítica, o espaço sagrado é o espaço real por excelência”, isto é, fica claro que “para o mundo arcaico o mito é real porque ele relata as manifestações da verdadeira realidade: o Sagrado”.
"Desse espaço sagrado, deste Centro é que partem as comunicações do homem e a divindade, assim o Centro constitui-se em “ponto de interseção” – portanto, daí, o Inferno, o centro da terra e a porta do céu encontram no Centro uma “passagem cósmica” de uma a outra região".
Essa passagem cósmica pode ser ilustrada observando-se atentamente os ritos de ascensão que têm lugar num “Centro” e Eliade anota que “um número considerável de mitos fala de uma árvore, de um cipó, uma corda, um fio de aranha ou de uma escada que ligam a Terra ao Céu, e através dos quais certos seres privilegiados sobem efetivamente ao Céu.”
Está o leitor diante de “Quarta-feira de cinzas”[ii] – poema da parte final da produção de T.S. Eliot (1930), a que o crítico Northrop Frye intitula da “visão purgatorial” do poeta anglo-americano – onde, em seis partes numeradas, o poeta se nos apresenta um deserto, um jardim e uma escadaria entre os dois.
A primeira tradução deste poema a que o cronista teve acesso em língua portuguesa foi talvez a de Ivan Junqueira (ou quem sabe de Oswaldino Marques?), quando lia com mais ansiedade e pressa do que nesta quadra da vida, quando então somos, leitores de Eliot, brindados pela tradução deste talentoso jovem Caetano W. Galindo, que fala de sua experiência de tradutor do poeta inglês[iii]:
“Lembro detalhadamente o dia em que saí
da universidade carregando um volume com a poesia reunida de T. S. Eliot. Devia
ser 1994, 1995. E tinha decidido que era hora de ver o que tinha a dizer aquele
poeta tão conhecido.

um "embate de gente grande".
“Lembro de passar pelos primeiros poemas sem entender muita coisa. Lembro de ter gostado da recorrência da persona(gem) Sweeney. E lembro com grande nitidez do momento em que topei com os versos de abertura de Ash Wednesday.
“Because I
do not hope to turn again
Because I do not hope
Because I do not hope to turn
“Li, reli: sorri. O ritmo, o pentâmetro jâmbico perfeito (o
“decassílabo” inglês) que depois se desfaz, a repetição, o uso algo estranho
daquele verbo “to turn”. Tudo me seduziu inapelavelmente. Encantatoriamente.
“Mal sabia que aquele poema seria ainda mais complexo que os outros. Mas isso
pouco importava naquele primeiro momento. O poeta me conquistou pela
sonoridade. E no trecho final do poema, como se não bastasse, os versos
reaparecem, agora transformados…!
“Porque
eu já não espero tornar mais
Porque eu já não espero
Porque eu já não espero tornar
De dons, visões alheias, desespero
A brasa de querê-los não me abrasa
(Devia a velha águia abrir as asas?)
Por que deveria chorar
A força finda de impérios normais?”
Assim Galindo inicia seu mergulho
na obra de Eliot, dando-nos a sua versão tanto do “Eliot cerebral, complexo, do
erudito” – o “incompreensível”, quanto do “Eliot, o travesso” de “O livro dos
gatos sensatos do Velho Gambá” (1939).
Nesta vertente, encontrará o leitor na tradução de Galindo saídas geniais para
o competente “versificador Eliot” – um dos
mais competentes do século”, segundo Galindo,que tomou a liberdade poética transformar o londrino gato Morgan
no gato (Chico?) Bento, alcançando resultados satisfatórios.
Sim, chega a bom termo o jovem e experiente tradutor, porém, não é dos gatos
que deseja o cronista se ocupar hoje, e sim do deserto, do jardim e das escadas.
Ficam os felinos para uma próxima jornada, sem demérito do tema e do bom resultado
alcançado pelo tradutor.
Como se sabe, “o deserto e o jardim são símbolos centrais em nossa tradição literária e religiosa e uma quantidade de elementos desse simbolismo se tornou tão intimamente interligada que se identifica de pronto” – diz Northrop Frye em se ensaio “Do fogo pelo fogo[iv]” sobre Eliot.
Segundo Frye, podem ser identificados sete desses símbolos no poema “Quarta-feira de cinzas”, que são esquematicamente:
1. A queda de Adão – “o milionário arruinado”, condenado a ganhar o sustento na Natureza, ao final será reconduzido ao jardim do Éden e terá restaurados a árvore e o rio da vida;
2. Israel vagueia no deserto quarenta anos, em busca da Terra Prometida – a Canaã – “Sob uma árvore no frescor do dia, com a benção da areia,/Esquecendo-se de si e uns dos outros, unidos/No silêncio do deserto. É esta a terra que haveis/De partilhar em lotes. E nem partilha nem inteireza/Importam. É esta a terra. Temos nossa herança[v]”
3. Israel em seu último exílio – reprimendas aos desobedientes e, de novo, o jardim: “Ó povo meu; que te tenho feito? // Irá a irmã velada entre os ramos que pendem/Dos teixos rogar por aqueles que a ofendem/E aterrados não conseguem, não se rendem/E afirmam ante o mundo e negam entre as rochas/No último deserto entre as últimas rochas azuis/O deserto no jardim o jardim no deserto/Da seca, cuspindo da boca a semente murcha da maçã.// Ó povo meu”.
4. A sabedoria de Salomão retomada por Eliot como “o contraste entre o mundo da vaidade (“carga de gafanhotos”) e o “jardim da Noiva e sua irmã” – onde há uma “Dama” (II) e uma “irmã de véu” – como a Beatrice de Dante. “Senhora dos silêncios/Calma e perturbada/Rota e quase inteira/Rosa da memória/Rosa do esquecimento/Exaurida e que dá vida/Tensa descansadamente/A rosa só/É ora o Jardim/Onde acabam os amores/Extermina o tormento/Do amor insatisfeito/O maior dos tormentos/Do amor satisfeito/Fim da infinita/Jornada sem fins/Conclusão de tudo que/É inconcluível/Fala sem palavra e/Palavra sem fala nenhuma/Graça à Mãe/Pelo Jardim/Onde acaba todo o amor”.
5. Do calendário da Igreja, tem-se que “a vida de Cristo é polarizada entre sua tentação, quando ele vagueia quarenta dias no deserto, e sua paixão, que se estende desde a agonia num jardim à sua ressurreição em outro”. Frye aponta a similaridade que há entre a tentação de Cristo (40 dias) e Israel que 40 anos vagou pelo deserto sob a liderança de Moisés; e a ressurreição de Cristo, similar à conquista da Terra Prometida por Josué – que tem o mesmo nome de Jesus.
6. “A comemoração da tentação pela Igreja nos quarenta dias da Quaresma, que começam na quarta-feira de cinzas, seguida imediatamente pela celebração da Páscoa”.
7. No "Purgatório" de Dante, o poeta nos conduz “para o alto da montanha pedregosa da penitência, na direção do nosso mundo primevo – o jardim do Éden”, afirma Frye.
Acima do deserto, afirma o crítico canadense, “os habitantes do jardim abandonaram “o sonho inferior” pelo “sonhos superior”, e a memória por uma vida “na ignorância e no conhecimento pleno” que, como a subida da escada que separa o purgatório do Paraíso, permite ao homem alçar voo. Afinal, “em Dante, o rio Letes, que oblitera a memória do pecado, e o rio Eunoé, que restaura o conhecimento pleno, estão no [jardim] do Éden”.
Ao se permitir (e corajosamente decidir) subir a escada, o leitor verá que consegue, graças ao condão da grande poesia (de Dante a Eliot), “lutar contra o demônio da esperança [desolada] e do desespero” (Frye), vê-se escapando da “gorja dentada de idoso tubarão[vi]”, como Jonas ou Dante:
“Na primeira volta da segunda escada
Voltei-me e vi lá embaixo
A mesma forma torta sobre a balaustrada
Sob o fedor da atmosfera pesada
Lutando com o demônio dos degraus, que usava
A face enganosa da esperança desolada.
“Na segunda volta da segunda escada
Deixei-os contorcidos, voltados pra baixo;
Sem mais faces, a escada era escuridão,
Úmida, entrecortada, como boca de velho que baba, condenada,
Ou gorja denteada de idoso tubarão.
[...]
“Sumindo, sumindo; força além da esperança desolada
Subindo a terceira escada.
Senhor, eu não sou digno
Senhor, eu não sou digno
Mas dizei uma só palavra.”
O fiel (e mesmo o incrédulo) sente-se diante de “Quarta-feira de Cinzas) no dever de tomar uma atitude. O poema teria feito “com que muitos da nova geração (1930) retornassem ao Cristianismo, enquanto outros se precipitavam para o comunismo, como sugere Rose Macaulay” – no depoimento de Russel Kirk, em “A era de T.S. Eliot[vii]”.
E assim, com esse poema complexo, pleno de imagens e símbolos, Eliot nos leva neste período fundamental do cristianismo a refletirmos sobre “a escada [que] contém um simbolismo extremamente rico, sem deixar de ser perfeitamente coerente: ela representa plasticamente a ruptura de nível que torna possível a passagem de um modo de ser a um outro; ou, colocando-nos sob o plano cosmológico, que torna possível a comunicação entre Céu, Terra e Inferno” – como afirma Mircea Eliade.
E do Purgatório – ousaria afirmar este cronista, que pode ser a passagem possível da terra desolada ao jardim sonhado (Éden ou Paraíso) – está o leitor diante de excelente escolha poética para ler e reler nesta Quaresma.
VI
“Embora eu não espere tornar mais
Embora eu não espere
Embora eu não espere tornar
Hesitando entre perdas e ganhos
No trânsito breve em que cruzam-se sonhos
Crepúsculo cruzado de sonhos em meio a parto e morte
(Abençoai-me, pai) embora eu não deseje tais coisas desejadas
Da larga janela para a praia de granito
As velas brancas voam sempre rumo ao mar, o mar por norte
Asas inquebradas
E o coração perdido se enrijece ao celebrar
No perdido lilás e nas vozes perdidas no mar
E o espírito fraco vê-se logo insurgido
Contra áureo cajado curvo e o aroma marinho perdido
Vai logo buscando
O grito da codorna, tarambola girando
E o olho cego cria
Entre os portões ebúrneos as formas vazias
E olfato refaz o sal, sabor da areia da terá
É este o tempo tenso que entre morte e parto se encerra
Lugar de solidão onde se cruzam três sonhos
Entre rochas azuis
Mas quando as vozes arrancadas do teixo se evolam
Que de um teixo outro se arranque outra resposta.
Beata irmã, santa mãe, espírito da fonte, do jardim,
Não permitas que nos escarneçamos com falsidade
Mostra como cuidar e não cuidar
Mostra-nos a imobilidade
Mesmo em meio a essas rochas
Nossa paz em Tua vontade
E mesmo em meio a essas rochas
Irmã, mãe
E espírito do rio, espírito do mar maior,
Não permitas que eu me veja separado
E chegue a Ti o meu clamor[viii].
Adalberto de Queiroz, 64, Jornalista e poeta, autor de “O rio
incontornável” (poemas), Editora Mondrongo, 2017.
[i]
Para ler o poema na íntegra, traduzido por Ivan Junqueira, siga este link: http://bit.ly/2Ub2f8P
Um trecho da recente tradução feita por Caetano W. Galindo pode ser ouvido neste
link do YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=Riiif-jQJXE
[ii]
Para ler o poema na íntegra, traduzido por Ivan Junqueira, siga este link: http://bit.ly/2Ub2f8P
Um trecho da recente tradução feita por Caetano W. Galindo pode ser ouvido neste
link do YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=Riiif-jQJXE
[iii] Depoimento ao Suplemento Pernambuco “Bastidores da tradução da poesia completa de T. S. Eliot - http://bit.ly/2Uf9AEj
[iv] FRYE, Northrop. “T.S. Eliot”. Tradução Elide-Lela Valarini. – Rio de Janeiro: Imago Ed., 1998, pág. 75-100.
[v] ELIOT, T.S. “Poemas”. Org., tradução e posfácio Caetano W. Galindo. 1ª. ed. – S. Paulo: Companhia das Letras, 2018, pág. 185,
[vi]ELIOT, T.S. op. cit., p.187.
[vii] KIRK, Russel. “A era de T.S. Eliot: a imaginação moral do século XX”. Tradução: Márcia Xavier de Brito. São Paulo: É Realizações, 2011, pág. 324.
[viii] ELIOT, T.S. op. cit., cf. IV acima, pág. 197-99.
[i]
Para ler o poema na íntegra, traduzido por Ivan Junqueira, siga este link: http://bit.ly/2Ub2f8P
Um trecho da recente tradução feita por Caetano W. Galindo pode ser ouvido neste
link do YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=Riiif-jQJXE

Não está aqui o cronista defendendo o pastiche, mas, tenta, isto sim, exemplificar parcamente a questão da persistência de modelos na literatura e da validade de se recriar para inovar

É preciso compreender que o mito dos mitos reside no Sagrado, mesmo que se sinta confuso com um mundo em que se ri da tradição

Retomo, como prometido, a examinar o tema a partir do livro “As imagens e os símbolos”, do estudioso romeno Mircea Eliade

Comento hoje lançamento da É Realizações intitulado “Esse Paraíso da Tristeza[i]”, peça teatral do francês Sébastien Lapaque

Hoje, minha croniqueta quer se fixar no entendimento do mito, a partir da releitura em perspectiva de estudo que fiz do livro “Imagens e símbolos”, de Mircea Eliade

Aos diletos amigos da coluna "Destarte" e aos que a fizeram tornar-se realidade, gostaria de deixar meu muito obrigado e prometer-lhes novas aventuras no ano que se segue

Escritor foi um prolífico criador em busca de uma América individual, delineada e forte

Extasiado, ao final da leitura de “Confiteor[i]”, de Ursulino Leão (1924-2018) pergunto-me: como transmitir esta emoção ao leitor da “Destarte”? À leitura deveria suceder um momento de reflexão mais profunda para que o cronista pudesse, então, trazer aos leitores desta coluna uma luz ainda que suave do clarão que exala dessas páginas, mas não...
[caption id="attachment_152241" align="alignright" width="300"] A fazenda São João - palco em que a maior parte das memórias foi composta...[/caption]
Rompo meu voto de sempre fazer uma reflexão posterior à leitura. Hoje deixo a emoção falar mais alto, quando o normal é a razão pontear as crônicas e ensaios sobre minhas leituras. Eis a resenha impossível de um livro memorável. É muito bom saber-me acólito e contemporâneo deste ser humano admirável que foi (que é!) Ursulino Tavares Leão.
Lembro-me de uma página de Albert Béguin ao falar do “peregrino do Absoluto” (Léon Bloy) que afirma que sua vocação não era literária – era ser santo. Sobre o Ursulino dessas confissões finais cabe advertir ao leitor que, embora tenha obtido êxito em duas outras carreiras (a de advogado e de político), a vocação dele era a literatura.
Literatura que, a exemplo de Bloy, Ursulino praticou sempre e até este final exuberante, com “o sentido, a necessidade e o instinto do Absoluto”.
Confiteor é livro de um homem no pleno domínio de suas habilidades, no exercício da virtude da prudência, um crente que se permite ceticismo diante do mundo e das escolhas que não o façam sempre e antes e conscientemente um servo do Deus Vivo. É um que pode sempre dizer ao final: “Laus tibi Deo”.
“Todo o Louvor a Deus” – sim, esta pode ser a fórmula da vida do escritor e conservador católico goiano Ursulino Tavares Leão.
O dom que nos é dado pelo Criador, às vezes, demora a ser revelado. Insistimos, como Ursulino insistiu com as petições e os habeas-corpus. A Academia Goiana de Letras (AGL), onde o Autor manteve longa convivência, “transformou em paixão o dom de escrever que o Senhor me concedeu” – confessa em Confiteor, XII, pág. 47.
Porque não escolhemos nossos temas, relembra-nos Ursulino, e sim por ele somos escolhidos. A frase completa é citada de leitura feita nos escritos de Mario Vargas Llosa: “o escritor não escolhe seus temas, é escolhido por eles” – afirma Ursulino na p. 46.
O tema que me escolheu neste livro foi o da “busca do Sagrado” em Ursulino. Ele é tão evidente, que o leitor atento poderá ir garimpando nos algarismos romanos dos capítulos, como se fosse um catecismo. Procure, dileto leitor, no sábio que escreve este livro, verdades sob a legenda do jurista romano Eneu Domício Ulpiano (Séc. II d.C.): “na verdade, sou apenas um homem que desde a infância tem procurado cumprir as incumbências naturais de todo ser humano: viver com honestidade, não causar dano a ninguém, dar ao dono o que é seu” (pág. 22).
O leitor encontrará muitas, como esta: “O irmão que eu não tive” – o irmão nosso e do aprendiz de fazendeiro de Crixás é o que ele reconhece como “o Cristo, Filho de Deus, concebido pelo poder do Espírito Santo, nascido da Virgem Maria, como meu irmão” (pág. 24).
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Fazenda São João, um dos cenários em que "Confiteor" foi gerado (c) 2018. Contato Comunicação.[/caption]
O homem que, como Cícero em seu “De senectude” (no ano 43 a.C.), exalta a chegada da velhice e procura aceita-la, há de reconhecer em Ursulino um clássico do sertão. “Acaso os adolescentes deveriam lamentar a infância e depois, tendo amadurecido, chorar a adolescência? A vida segue um curso muito preciso e a natureza dota cada idade de qualidades próprias. Por isso a fraqueza das crianças, o ímpeto dos jovens, a seriedade dos adultos, a maturidade da velhice são coisas naturais que devemos apreciar cada uma em seu tempo.” (Cícero, em "A arte de envelhecer", 43 a.C.)
É muito parecido ao que Ursulino diz sobre a sequência das fases de nossa vida: a infância, a meninice, a adolescência, a maturidade, a velhice – a senectude, de onde com o exercício diário do Autor chegamos a crer que “viver é transfigurar-se” (pág. 117).
E quem afirma essa verdade é o autor que admite que “Deus é o timoneiro” da sua (dele) vida – e o deveria ser sempre da nossa:
“Bem antes de chegar à velhice (aos trancos e barrancos), senti grande alívio quando fiquei convicto de que Deus é somente amor. Desde então, não o divorcio da minha vida.
“Tenho-o nos meus sentimentos, no que imagino, no que realizo, no que recebo, das lágrimas que padeço e, principalmente, nas esperanças que deposito em minha intemporalidade.
“Espírito perfeitíssimo, suprema inteligência, infinita misericórdia, bondade sem fim, justiça absoluta, onisciente e onipresente, sem princípio e sem fim, uno e trino, Deus é tudo.
“E está em tudo.”
É assim que Ursulino Leão, o para sempre “Leãozinho” para seu pai Seu Thomaz, fazendeiro e comerciante, dono da “Casa Maranhense” e para sua mãe Dona Luizinha, sua irmã Nazareth (Zaré) e todos os seus descendentes também poderiam declarar “Alvíssaras”, como ele assim professou aos 94 anos de uma vida exemplar – e nenhum poeta autêntico haveria de contestar:
“Sou quase um nada da criatura que fui pra viver me bastam do pão uma côdea e um pouco de vinho. Tateio na dúvida busco a verdade enxergo o mundo envolto em sombras perdida beleza. O perfume tênue da manhã e da flor um verso esquecido do ruído e das palavras somente ouço o fundo musical que os precede. Desventuras curvaram-me o dorso minhas pernas se escoram numa bengala mas não cedo minhas esperanças aos desenganos. Contudo outro dia minha velhice (marujo atento na gávea da nau) em distante curva descobriu os signos e me preveniu: Alvíssaras meu timoneiro! Avistei a travessia para os mares imensos permanentemente azuis infinitamente lindos em que Deus reside!”Os “signos indecifráveis” do outono da vida deste profícuo escritor goiano (e universal) – Ursulino Leão – estão postos neste “canto-de-cisne”. Leiam-no. Encantem-se com a sabedoria da mocidade deste nonagenário que tem em seu conservadorismo, em sua elegância de viver e de amar ao próximo, de respeitar sua família e suas tradições – uma lição inolvidável para o século XXI. E para os que nas confissões procuram a fofoca, a declaração inusitada e o fato político, lamento decepcioná-los. Talvez a fraternidade com Pedro Nava, transcrevendo o famoso bordão “eu não tenho ódio; eu tenho memória” (pág. 113) que fala de uma pequena mágoa. E a sua paixão por Lena, a amada de toda a vida de Ursulino, coisa que não é novidade para nenhum iniciado nas artes de envelhecer do Leãozinho (ou do Urbano). Transcrevo abaixo um emocionado réquiem para o "Leãozinho", escrito por seu amigo e confrade na AGL, Iuri Godinho, mas que eu endossaria com orgulho.
“RÉQUIEM PARA URSULINO LEÃO” – Por Iuri Godinho, publicado no Facebook do Acadêmico, em 20/OUT/2018. Ontem pela manhã recebi um telefonema terrível. Paulo Leão, filho do meu confrade da Academia Goiana de Letras, meu amigo, meu confidente, conselheiro Ursulino Tavares Leão vivia suas últimas horas. Uma semana atrás foi internado com problema nada grave nos pulmões. Na quarta-feira teve duas paradas cardíacas em casa e foi para UTI, entubado, de onde não mais saiu. Chorei, chorei, chorei. Nos últimos cinco anos fui o editor de Ursulino. Publiquei suas obras derradeiras. Bebi uísque com ele e bebi dele sua inteligência luminosa de respostas rápidas e deliciosas. Conversar com Ursulino foi musculação pro meu cérebro. Ele ligava, eu ia: "Chegue 4 da tarde porque durmo depois do almoço". Sempre disse a ele que não conseguia acompanhá-lo na bebida. Ele começava com duas taças de vinhos, passava pro uísque. Ria franco, aberto, os olhinhos acesos. Jamais se embriagava. Eu me divertia com a sua birra em não beber em copo de plástico, coisa com a qual nunca me importei. Sabia tudo de Goiás. Viúvo, continuava apaixonado por sua Lena. Católico, dele publiquei um livro com sua visão de Jesus Cristo. Foi vice-governador e aos 94 anos falava de tudo como uma adolescente: "Vou votar nessa bosta do Meireles, mas porque ele é goiano. Depois é que vai valer e vou dar chicotada com Bolsonaro", brincava. Ele não votará no Bolsonaro. Ursulino, como meu amigo, meu confidente, esperou que eu lançasse meu livro na noite dessa sexta-feira, 19 de outubro de 2018, para não me atrapalhar. Como me disse seu filho Paulo, deveria ter ido ontem, mas me esperou acabar de lançar o livro e se foi agora há pouco. Há um mês ele me chamou em seu apartamento no Setor Oeste. Tinha finalmente colocado um ponto final em suas memórias, que eu insistia para que publicasse até ele me chamar de chato. Ficava me enrolando. Ria quando eu cobrava o livro. Naquele dia em seu apartamento disse que estava deprimido, que sabia quando ia morrer, que o momento se avizinhava. Falei para ele parar de bobagem, nunca o havia visto daquele jeito. Tanto repeti que ele, para se ver livre de mim e com um olhar triste — que nunca foi o seu — pediu que eu não me importasse, que aquilo era coisa de velho. Queria, mais uma vez, se ver livre de mim. Quando seu filho Paulo me ligou ontem chorando, pediu para que eu publicasse o último livro de seu pai. Como se isso fosse necessário. O que Paulo não sabia era que naquela última conversa o Ursulino me disse tudo: como queria a capa, a contracapa, o papel do livro: "Vai ser meu último livro, capriche". Queria que eu publicasse a foto de uma árvore velha, encarquilhada, que ficava em sua fazenda. "Ela é como eu". Eu ria: "larga de ser besta". Estou morrendo de saudades do Ursulino. Uma saudade de filho, uma saudade desgraçada. Um misto de agradecido por ter tido a honra de conviver e trabalharmos juntos. Uma raiva porque nunca mais vamos beber uísque e porque eu queria ter nascido uns 50 anos antes para ter aproveitado mais do meu amigo, meu confidente.Adalberto de Queiroz, 63, Jornalista e poeta, autor de “O rio incontornável” (poemas, Editora Mondrongo, Itabuna-BA, 2017). [i] LEÃO, Ursulino. “Confiteor”. Goiânia, Contato Comunicação, 2018. 244 p. Prefácio de Ângela Jugmann. Autobiografia.

Um vasto painel da literatura mundial no século XX é o desafio proposto ao leitor pelo Abade Charles Moeller (1912-1986), sacerdote, teólogo, crítico literário e professor emérito de Teologia da Universidade de Lovaina, na Bélgica

Não há, pois, país perfeito porque não há governante perfeito, em decorrência não há aliado perfeito. Afinal, pela doutrina cristã do pecado original, todos estamos sujeitos a enganos e erros de toda sorte e por conta do pecado é que foi inventado o “regime legal”