Crônicas italianas (1)
29 abril 2019 às 18h20
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Trieste, 29 de abril, 2019. – O sol se põe tarde em Trieste nesta primavera nebulosa e fria. Para os nativos, tudo parece ameno, diante do inverno e dos ventos que devem ter enfrentado nos últimos meses.
Há uma notável alegria nos que passeiam nas ruas com um pouco menos de agasalhos e que, ao fim da tarde, tomam seus drinks do lado de fora dos bares e cafés.
Estou apenas há algumas horas aqui e sinto a força multicultural da cidade em pequenos gestos, em línguas diversas – o esloveno predominando entre as línguas estrangeiras. Sigo protegido do que para nós brasileiros é tempo frio, mas agradável se o “bora” não resolver soprar com força desde o Adriático para o continente.
Alguns amigos não entenderam minha escolha nesta viagem pela área de Trieste. Explico: minha mulher sempre teve um interesse cultural por conhecer Liubliana, cidade nos Balcãs e muito próxima daqui. Antes, houve a maravilha do filme que fez a cabeça de muitas jovens nos anos 60 – “Sissi, a imperatriz”. Ela, minha mulher, está interessada no caldo cultural da Itália com os países vizinhos (dos Bálcãs).
O leitor saberá mais sobre Sissi na Wikipédia. Ela nasceu Isabel Amália Eugénia; Munique, 24 de dezembro de 1837, e foi assassinada em Genebra, 17 de setembro de 1898; foi esposa do imperador Francisco José I e Imperatriz Consorte do Império Austríaco e seus demais domínios de 1854 até 1898.
Era amada nesta cidade, onde teria passado temporadas de veraneio, mas há quem diga que nunca conviveu com o castelo de Miramar. Eu não sei, não pesquisei isso ainda. Minha mulher adora Sissi, como quase todos os moradores de Trieste o fizeram, principalmente pelo glamour que a vida daquela nobre os inspirou.
Venho até aqui inspirado pela personalidade de dois escritores: o irlandês James Joyce e o hebreu Ettore Schmitz (cognome literário Ítalo Svevo).
Eles se encontraram aqui, no que seria o endereço da Escola Berlitz de Línguas, onde Joyce dava aulas de Inglês, entre 1906-07 e o entendimento entre eles foi imediato e seguido de uma série de intercâmbios literários que ao longo do tempo levaram a desenvolvimentos interessantes.
Joyce não é nem de longe meu escritor predileto no século XX. Deveria esperar na fila por Thomas Mann, Georges Bernanos, Robert Musil, Herman Hesse etc., mas me provoca e me faz admitir que a diferença é uma boa partida para a leitura. Um amigo muito querido e ficcionista de primeira em minha terra gosta demais de “O retrato do artista como jovem”. O socialista Joyce era oportunista, o anticlericalista Joyce me desagrada, o homem cheio de desejos que inspirou o título “Senilidade” (ao amigo Ítalo Svevo) me desafia.
Leio Joyce sob a lupa de Campos, de Leminski, de Galindo, mas me falta a leitura de Dirce W. do Amarante, que muito me interessa por ser um sobrevoo sobre todas as versões.
Gosto muito de “Os exilados” a peça quase impossível de ser montada, segundo os especialistas, e que diz tanto dos erros e acertos de Joyce e Nora na fuga para a Itália, sem o aval dos pais para o matrimônio tradicional – ele não aceitava, como anticlerical que era que alguém desse a “benção” à sua união com a melhor pessoa que passaria em sua (dele) vida: Nora Bernacle.
Sem Nora, Joyce seria ainda mais infeliz, com ou sem a filha “louca”. Caetano Galindo fala sobre isso numa nota de uma tradução extraordinária de “Os mortos” (e outros contos) que fez recentemente.
Sabe-se que vida sem Nora teria sido uma desgraça para o autor do “Retrato” e de “Ulisses”, este catatau quase ilegível para a maioria dos amantes da literatura do século XX.
O problema de Joyce é o de quase todos os prolíficos do século passado (Musil, Proust, Mann, Broch e tutti quanti). São ilegíveis hoje pela massa apressada e acostumada aos 140 caracteres da expressão das mídias sociais.
Joyce nunca me foi um problema, a não ser quando me lembro de Paulo Francis dizendo que um sujeito como Antonio Houaiss jamais poderia se habilitar a traduzi-lo. Fui muito influenciado por Francis para ter que esperar por mais de três décadas pela tradução de Caetano W. Galindo. Ainda hei de ler o Ulisses (de Joyce, pois o original de Homero o li quando muito moço) quem sabe?
Por ora, sou um viajante interessado no percurso de Joyce em Trieste.
Talvez consiga alguma coisa interessante para um livreto ou, quem sabe, para alguns posts. Hoje, vi o Adriático, ao fim da tarde, tendo às costas a Igreja de Santo Antonio Taumaturgo e o Grand Canal.
Interessa-me também saber que um jovem tradutor do talento de Caetano Galindo está interessado em algo mais, além do glamour de ser tradutor de Joyce, embora admita que:
“Ele [Joyce] mudou a minha vida, como leitor, como professor, como tradutor, como pessoa mesmo. Tenho grande amor (desculpa a palavra brega) por ele, por seus personagens, por suas obras. E gosto demais de ser “reconhecido” como alguém ligado ao trabalho de divulgação da obra dele no Brasil. Me orgulha demais ter produzido uma tradução do “Ulysses”, uma de “Um retrato do artista quando jovem”, uma de “Dublinenses” e, claro, o guia de leitura “Sim, eu digo sim”…. e ter produzido assim uma espécie de via de acesso, completa, a esse romance incrível.
Como esta é apenas uma despretensiosa crônica de viagem, remeto o leitor interessado em Joyce a ir direto ao ponto e repetir com Molly Bloom (seria a figura de Nora como protagonista!), “Sim, eu digo sim”, lendo o Guia de Leitura de título símile de autoria de Caetano W. Galindo.
— O guia pretende realmente ser como um guia, a pessoa que, por ter se informado mais aprofundadamente sobre um museu, uma igreja, pode dar aos visitantes toda uma série de informações que eles só teriam se tivessem lido todos os livros que o camarada leu em seu treinamento. É um passeio pelo “Ulysses”: “preste atenção naquilo ali”; “percebeu como aquilo é bonito?”; “sabe por que aquilo é daquele jeito?”. A ideia foi a de dar ao maior número de pessoas o maior acesso possível a um livro infinitamente denso, rico — diz Galindo” – cf. entrevista ao jornal “O Globo” (2016).
Bem, amigos, volto ao assunto em breve, depois do repouso merecido após este dia intenso de Pádua a Trieste.
Sim, eu também digo sim à pesquisa e ao entendimento dos exilados Nora e James, qui a Trieste. À dopo.
Adalberto de Queiroz, 64, Jornalista e poeta, membro da Academia Goiana de Letras, cadeira 32. Autor de “O rio incontornável” (poesia, 2017).