Araguaia em Foco

Essas plantas formam a base da cadeia alimentar, fornecem abrigo para peixes e invertebrados, atuam como filtros naturais, absorvendo poluentes na água

A Bacia do Rio Araguaia abrange uma grande variedade de características abióticas, como diferentes formas de relevo, tipos de solo e corpos d’água, que, em conjunto, formam o que chamamos de “Geodiversidade”

por Por Andreia Juliana Rodrigues Caldeira, Thais Rodrigues Oliveira, Ana Clara Diniz, Josana de Castro Peixoto, Charles Lima, Ludgero Cardoso G. Vieira e Mariana Pires de Campos Telles*
Especial para o Jornal Opção
No Cerrado, pesquisadores e comunidades ribeirinhas se juntaram para transformar conhecimento em histórias reais e materiais educativos. Os filmes que serão exibidos no tradicional “Festival Internacional de Cinema Ambiental” (FICA) 2025, realizado na Cidade de Goiás desde 1999, são resultado desse trabalho coletivo, realizado por meio dos programas “Araguaia Vivo 2030” (TWRA/FAPEG) e “PPBio Araguaia” (PUC Goiás/CNPq). Guias de pesca, professores, moradores da região e cientistas de diferentes áreas participaram da produção, contribuindo com suas vivências e saberes sobre o território. As gravações acompanharam de perto pesquisas científicas, visitas a comunidades e o dia a dia de quem vive na região, mostrando de forma autêntica os desafios e a riqueza do Cerrado.
No dia 14 de junho de 2025, às 14h, no Cine Teatro São Joaquim, na cidade de Goiás, acontecerá a estreia de três filmes que contam essas histórias. Essas exibições compõem a Sessão “Araguaia Vivo” no Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA) 2025, com a primeira exibição do documentário Expedição Araguaia, seguida das animações Florinha do Cerrado e A Lenda da Serra das Areias. Uma ótima chance de ver na telona tudo que foi construído com tanta dedicação por quem estuda e vive no Araguaia. Esperamos você por lá!
A realização dessas produções só foi possível graças ao investimento do Governo do Estado de Goiás, por meio da FAPEG, e do Governo Federal, por meio do CNPq. Esses recursos foram fundamentais não apenas para viabilizar as pesquisas científicas, mas também para transformar os resultados em materiais acessíveis, educativos e audiovisuais. Apoiar a divulgação científica em diferentes mídias e linguagens é essencial para aproximar a ciência da sociedade. Iniciativas como essa não só reforçam a importância da Política Nacional de Popularização da Ciência, mas também reconhecem o direito de todos ao conhecimento científico, além de estimular a participação da população nos debates sobre meio ambiente, conservação da biodiversidade, território e o futuro do planeta. Nesse sentido, agradecemos de forma especial às equipes da “Bold Studio Produtora Audiovisual e Podcast”, da “LMT Projetos e Produções” e da “Bem-te-vi Produções” pelo profissionalismo, sensibilidade e parceria em todas as etapas destes trabalhos. Desde as filmagens em campo até a finalização dos materiais, cada produtora contribuiu de maneira essencial para transformar conhecimento em linguagem acessível e inspiradora. Graças a esse envolvimento coletivo, foi possível dar voz e imagem às histórias do Cerrado e do Araguaia, refletindo com autenticidade e beleza a diversidade e a riqueza desse território.
O FICA é um dos maiores festivais com temática ambiental do Brasil e do mundo, que neste ano traz como tema “Cerrado: a savana brasileira e o equilíbrio do clima”. É um dos mais importantes eventos para a discussão e promoção de temas ambientais, cultura e arte, especialmente na região do Cerrado brasileiro. Criar narrativas audiovisuais sobre o Cerrado é quase um ato político, diante do silêncio imposto a esse bioma, que é o segundo maior do Brasil, mas que raramente protagoniza nossas telas ou nossas conversas. O Cerrado está em ameaça e poucos percebem. Desse modo, filmes que retratam o Cerrado não só exibem um trabalho, mas abrem espaço para que o cinema transforme imagem em consciência, som em memória, luz em mobilização. Estar no FICA é reafirmar o papel do cinema como ferramenta viva de transformação. Além disso, a participação na programação do festival possibilita um maior alcance dos trabalhos científicos junto ao público geral, estudantes, críticos e profissionais do audiovisual. É uma oportunidade de mostrar as pesquisas científicas e inovadoras realizadas no Programa “Araguaia Vivo 2030” e no “PPBio Araguaia” por meio das ferramentas que o audiovisual pode proporcionar. Com histórias que unem conhecimento, sensibilidade e engajamento, os lançamentos reafirmam o papel do cinema como mediador entre ciência, meio ambiente e sociedade.
O Documentário “Expedição Araguaia”
Sob direção da professora de Cinema Thais Oliveira (UEG) e da Bióloga e Professora Mariana Telles (UFG e PUC Goiás), o documentário “Expedição Araguaia” apresenta um recorte informativo e sensível sobre uma das maiores iniciativas científicas já realizadas na bacia do Araguaia. Em fevereiro de 2025, a bordo de um barco-hotel, pesquisadores de diversas instituições navegaram cerca de 3.500 quilômetros e visitaram mais de 150 lagos, promovendo um levantamento aprofundado sobre a biodiversidade local. A expedição buscou também compreender os impactos socioambientais que afetam o território, ao mesmo tempo que estimulava o intercâmbio entre ciência, políticas públicas e os saberes das comunidades ribeirinhas.
Ao acompanhar de perto as atividades de pesquisadores de diferentes universidades, o filme documenta uma rica diversidade de olhares científicos abordando temas que vão desde a biodiversidade e a saúde das águas até aspectos sociais e históricos da região. Para a professora Thais Oliveira, o filme representa mais do que um registro, ele se transforma em uma ponte entre o conhecimento acadêmico e a sociedade, tornando acessíveis os desafios e potencialidades enfrentadas em um território tão vasto como a bacia do rio Araguaia: “Gravar em um barco-hotel navegando pelo rio oferece uma perspectiva única e poética da paisagem do Araguaia. A mobilidade do barco-hotel permite que a equipe acesse áreas remotas, vivencie o cotidiano das comunidades ribeirinhas e registre a dinâmica viva da natureza em sua diversidade. Esse formato de produção também simboliza a fluidez das trocas de saberes entre cientistas, moradores locais, ambientalistas e comunicadores. Todos os dias, nossa equipe acordava de madrugada para acompanhar a rotina dos pesquisadores, que partiam às 5h da manhã do barco-hotel em lanchas menores. Cada grupo seguia com uma missão específica, realizando pesquisas individualizadas por temas. Ao todo, cinco lanchas saíam diariamente para realizar coletas no rio, garantindo a abrangência e a profundidade dos dados coletados.”
Exibir o documentário em um dos maiores festivais ambientais do planeta é uma oportunidade de aproximar o público do conhecimento gerado no Programa “Araguaia Vivo” e do “PPBio Araguaia”, contribuindo para a ciência brasileira e sensibilizando sobre a urgência da preservação ambiental.
A animação “Florinha do Cerrado”
A animação “Florinha do Cerrado” (7 minutos), com direção de Charles Lima Ribeiro, Andreia Juliana Rodrigues Caldeira e Josana de Castro Peixoto, é baseada na coletânea infanto juvenil de mesmo nome. A pesquisa que originou o projeto, integra as atividades do Programa Araguaia Vivo e resulta de um trabalho que tem o Cerrado como foco principal, servindo de plataforma de discussão sobre a flora, ecologia, preservação e conservação do bioma.
A coletânea que deu origem a animação foi publicada pela Editora da UEG, organizada em forma de box, contendo um livro texto (literatura infantil) e três cadernos de atividades (educação ambiental, botânica e matemática). O livro narra a história de uma flor de ipê-amarelo (Sara) e duas abelhas (Déia e Jô), que embarcam em uma expedição pelo Cerrado com o objetivo de conhecer a flora e unir forças em defesa do bioma. As personagens buscam compreender os impactos ambientais sofridos pelo território e apontam caminhos possíveis para sua preservação. O material didático tem sido utilizado na capacitação de professores para trabalhar temas socioambientais com estudantes da rede básica de ensino na região do Araguaia.
Segundo, Andreia Juliana Rodrigues Caldeira, coordenadora da atividade 4 do projeto Araguaia Vivo e uma das autoras da coletânea e animação “Florinha do Cerrado”, "A invisibilidade botânica e do Cerrado faz com que a riqueza e a abundância de espécies biológicas presentes bioma, assim como sua importância para a manutenção do equilíbrio ecológico, ainda sejam negligenciadas. E, na perspectiva de uma educação emancipatória e para a vida, nosso projeto busca construir espaços de discussão das realidades, utilizando a alfabetização e o letramento científicos, voltado ao público infanto-juvenil, com auxílio de recursos didáticos diversos como a coletânea, jogos de tabuleiro e agora a animação “Florinha do Cerrado”.
Para a animação, o roteiro da coletânea foi adaptado, ganhou nova vida, transformando palavras em movimentos e ampliando o alcance da história. Elementos antes descritos em texto — como paisagens, personagens e emoções — passaram a ser recriados visualmente, ganhando cor, ritmo, expressão e voz. A adaptação exigiu um trabalho cuidadoso de tradução narrativa, em que cada cena foi repensada para o tempo audiovisual, respeitando a essência poética e lúdica da obra original. Com a animação, a história ultrapassa as páginas e se abre para novas leituras, tocando crianças de diferentes idades e contextos, agora através da linguagem sensível e cativante do cinema.
“Desse modo, a animação é uma oportunidade de contribuir para o conhecimento botânico, trabalhado de forma lúdica e interativa, proporcionando a sensibilização socioambiental e científica, assim como movimentos de defesa, proteção e conservação do Cerrado. É uma grande honra levar a animação para ser exibida dentro de uma sala, onde grandes nomes da ciência e do cinema estiveram fazendo cultura. Além disso, é uma oportunidade para refletirmos sobre as riquezas naturais, sociais e culturais do Cerrado, bioma- território este, muitas vezes negligenciado em produções de grande alcance. Possibilita ouvir as narrativas locais, fortalecendo a identidade regional do Cerrado no debate global sobre meio ambiente e cultura”, reforçam Andreia Juliana e Josana.
A animação “A lenda da Serra das Areias”
A animação “A lenda da Serra das Areias”, tem 8 minutos e também foi dirigida pela professora Thais Oliveira, em parceria com Larissa Melo. É derivada de um projeto que foi financiado pela Lei Paulo Gustavo, por meio da Prefeitura de Aparecida de Goiânia, e recebeu apoio do Programa “Araguaia Vivo 2030” e do “PPBio Araguaia”, para sua divulgação.
O filme tem como público-alvo crianças, jovens e adultos e busca resgatar mitos da cultura popular com o folclore brasileiro com a mensagem de destacar a importância da preservação ambiental. A protagonista da história é Vétera, uma menina curiosa que parte para um passeio com seu pai na Serra das Areias. Ao longo do trajeto, Vétera se vê guiada por forças mágicas do folclore brasileiro, que surgem no filme para revelar os perigos enfrentados pela natureza e o despertar da consciência ambiental da menina. “Nosso objetivo é unir encantamento e reflexão onde Vétera representa essa nova geração que pode aprender com a sabedoria ancestral e se tornar guardiã do meio ambiente” revela Thais Oliveira. A estética do filme celebra as belezas do Cerrado com ipês amarelos e roxos, a flor do pequi, trilhas e fauna típica. O uso do folclore como ferramenta narrativa não é apenas simbólico, mas também educativo e o filme traz figuras como Cuca e Curupira de forma atualizada, permitindo que as crianças conheçam estes personagens como protetores da natureza e não como vilões.
O lançamento no FICA 2025 marca a pré-estreia dos filmes com a missão de encantar, educar e convocar a todos a se tornarem defensores do Cerrado. Após a exibição no festival, as produções também estarão disponíveis nas redes sociais do Programa “Araguaia Vivo” (@araguaiavivo) e do “PPBio Araguaia” (@ppbio.araguaia), para que mais pessoas possam assistir, compartilhar e se inspirar com essas histórias. A proposta é ampliar o acesso ao conteúdo e fortalecer a conexão entre ciência, educação e sociedade, valorizando o Cerrado e quem vive nele!
Andreia Juliana Rodrigues Caldeira - Professora da UEG e coordenador da atividade 4 do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e pesquisadora responsável pela educação ambiental no “PPBio Araguaia”.
Thais Rodrigues Oliveira - Professora da UEG e pesquisadora no Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA.
Ana Clara Diniz - Publicitária e bolsista na atividade 4 do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA.
Josana de Castro Peixoto - Professora da UEG e da Unievangélica e pesquisadora no Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e pesquisadora no “PPBio Araguaia”.
Charles Lima - Professor da rede municipal de ensino de Anápolis-GO e da rede estadual de ensino do Estado de Goiás.
Ludgero Cardoso G. Vieira - Professor da UNB, vice-coordenador do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e pesquisador no “PPBio Araguaia”.
Mariana Pires de Campos Telles - Professora da PUC Goiás e da Universidade Federal de Goiás (UFG), coordenadora geral do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e do “PPBio Araguaia”.

O comprometimento hídrico na bacia do Rio Araguaia poderá causar impactos no equilíbrio ecológico, perda de produtividade agrícola, conflitos pelo uso da água e alterações no ciclo hidrológico

Pesquisadores registraram 1.665 pescarias envolvendo 4.578 pescadores. Ao todo, 10.753 peixes de 24 espécies diferentes foram capturados — algumas criticamente ameaçadas de extinção

Predadores de topo de cadeia alimentar, os botos desempenham a função de regular diferentes níveis tróficos, contribuindo para a biodiversidade nos ecossistemas fluviais. Além disso, são importantes indicadores da qualidade ambiental

O Araguaia tem enorme biodiversidade de microrganismos que, apesar do pequeno tamanho, são fundamentais para a manutenção do equilíbrio desse ecossistema

O DNA ambiental é uma ferramenta moderna e eficiente para transformar a conservação e manejo dos ecossistemas, permitindo conhecimento amplo e detalhado da biodiversidade

A descoberta da Copaifera araguaiensis não é apenas um nome a mais na lista da flora do Cerrado, mas uma prova do quanto ainda temos a aprender sobre nossa biodiversidade e da urgência em protegê-la

O desmatamento e as queimadas são as principais fontes de mercúrio na bacia hidrográfica do rio Araguaia. O consumo de peixes contaminados com o metal pode causar danos cognitivos

Exemplos de organismos da biodiversidade aquática que estão sendo monitorados pelo programa Araguaia Vivo 2030, incluindo (no sentido horário), Stauroneis sp. (fitoplâncton), Bosmina sp. (zooplâncton), um inseto aquáticodaordemEphemeroptera, Hoplisoma araguaiense (peixe siluriforme), “arraia-maça” (Paratrygon aiereba), espécie criticamente ameaçada de extinção, e Pontederia crassipes (macrófita aquática). O fitoplâncton e zooplâncton são visíveis apenas com auxílio do microscópio, com aumento de 400x, e o inseto aquático é visível com auxílio de uma lupa | Fotos: Marcela Fernandes de Almeida, Lígia Pereira Borges de Mesquita, Thales Yann da Silva Orlando, Fabrício Barreto Teresa
por João Carlos Nabout, Priscilla de Carvalho,
Fabrício Barreto Teresa e Ludgero Cardoso Galli Vieira*
Especial para o Jornal Opção
A biodiversidade representa toda a variedade de vida que existe em um ambiente e é um conceito fundamental para entender a riqueza e o funcionamento dos ecossistemas naturais. Quando falamos da biodiversidade aquática, referimo-nos às inúmeras formas de vida que habitam rios, riachos, lagos, águas salobras e ambientes marinhos. Esses organismos desempenham papéis essenciais no funcionamento dos ecossistemas, influenciando processos como o ciclo de nutrientes, a qualidade da água e a cadeia alimentar.
A biodiversidade aquática pode ser microscópica, como no caso das algas fitoplanctônicas e do zooplâncton, organismos invisíveis a olho nu e que encontramos flutuando na água, fundamentais para a base da cadeia alimentar aquática. Por outro lado, a biodiversidade aquática também inclui organismos de maior tamanho corporal, como peixes, plantas aquáticas (macrófitas), crustáceos e mamíferos aquáticos, que podem ser observados diretamente na natureza. A composição e a distribuição dessas espécies variam conforme as características dos ambientes em que vivem: rios de correnteza rápida apresentam um conjunto de espécies diferente daquelas encontradas em lagos de águas mais paradas, por exemplo. Da mesma forma, os padrões de biodiversidade mudam ao longo do tempo, influenciados pelos ciclos de cheia e seca ao longo do ano e por eventos climáticos extremos.
O Brasil é um dos países mais ricos do mundo em biodiversidade aquática. Com uma extensa rede de rios, lagos e áreas alagadas, o território brasileiro abriga uma grande diversidade de espécies aquáticas, muitas das quais são endêmicas, ou seja, não ocorrem em nenhuma outra região do planeta. A bacia hidrográfica do Rio Araguaia, por exemplo, é um dos sistemas fluviais mais importantes do país, servindo de habitat para uma ampla variedade de peixes, invertebrados e plantas aquáticas. Entretanto, apesar de sua riqueza, a biodiversidade aquática enfrenta ameaças crescentes. O desmatamento das matas ciliares, a contaminação por agrotóxicos e metais pesados, a introdução de espécies exóticas e as mudanças climáticas alteram significativamente os ecossistemas aquáticos, impactando diretamente a biodiversidade. A redução na quantidade e qualidade da água impactam diretamente a manutenção dos habitats aquáticos e por consequência as espécies que ocorrem nesses ambientes.
Diante desses desafios, pesquisas e projetos de monitoramento são essenciais para compreender as transformações nos ecossistemas aquáticos e promover a conservação da biodiversidade. Projetos amplos e integradores como o programa “Araguaia Vivo 2030” (financiado pela FAPEG e executado pela TWRA) e o PPBio Araguaia (financiado pelo CNPq e executado pela PUC-GO) em andamento são fundamentais para avaliar os impactos ambientais e propor soluções sustentáveis para garantir a manutenção os ecossistemas aquáticos. Por meio de expedições científicas e da combinação de métodos tradicionais com técnicas inovadoras de monitoramento ambiental, como o uso de drones e a análise de DNA ambiental, esses projetos busca mapear, avaliar e acelerar o monitoramento da biodiversidade aquática (esses tópicos serão detalhados nos próximos ensaios).
Biodiversidade aquática no programa “Araguaia Vivo 2030” e “PPBio Araguaia”
O inventário da biodiversidade aquática e seu monitoramento são ações centrais nos projetos em andamento no Araguaia. Informações inéditas vêm sendo obtidas por meio de expedições de coletas de organismos aquáticos ao longo da bacia. Essas coletas são realizadas especialmente em lagos conectados ao rio (lagoas de inundação) e aos seus principais tributários, e em riachos ao longo de toda a bacia. Até o momento, diversas expedições já foram realizadas, ampliando o conhecimento da biodiversidade da bacia, conforme os mapas apresentados abaixo.

Em primeiro lugar, já há alguns anos são realizadas expedições na época de cheia do rio, em geral nos meses de janeiro e fevereiro, sendo que a última expedição aconteceu ao longo do mês de fevereiro de 2025, como apresentado na primeira reportagem do “Araguaia em Foco”. Durante esta expedição, foram estudados 150 lagos, abrangendo uma ampla área de toda a planície alagável da porção média do rio Araguaia. Ao longo desses últimos anos, vem sendo realizado o levantamento da diversidade de algas planctônicas, zooplâncton, macroinvertebrados, algas perifíticas, macrófitas e peixes, além de coletar dados de paisagem, ambientais e imagens espectrais obtidas por drones. Mais recentemente, passamos a analisar também as populações de botos nos rios e nos lagos adjacentes, além de coleta de plantas e observação de aves nas suas margens.
Em 2025, a equipe de pesquisadores permaneceu embarcada em um barco-hotel, sendo as coletas realizadas utilizando quatro barcos, as chamadas “voadeiras”, cada uma delas sendo responsável por diferentes grupos biológicos. A expedição teve início no Povoado de Luiz Alves (município de São Miguel do Araguaia, em Goiás) e percorreu o rio inicialmente no sentido norte. Nesse trecho, foram realizadas coletas em lagos do rio Araguaia e em tributários como o rio Cristalino, rio das Mortes e rio Javaés. A amostragem mais ao norte ocorreu próximo ao município de Santa Maria das Barreiras, já no Estado do Pará. A expedição retornou a Luiz Alves e deu início à coleta na porção sul, voltando até Aruanã, em Goiás. Nesse trecho, as coletas foram realizadas no rio Araguaia e nos principais afluentes dessa região, incluindo o rio Crixás, o rio do Peixe, o córrego Água Limpa e o rio Vermelho.

Em setembro de 2024 foram selecionados oito lagos ao longo de uma extensão de 300 km entre Cocalinho-MT e a Ilha do Bananal para um estudo mais aprofundado focado nos peixes. Essa foi a Expedição de Peixes de Lagos, que possui uma logística diferente daquela utilizada na expedição com o barco-hotel. Uma equipe de 10 pessoas percorreu o trecho do rio acampando nas praias e realizando coletas com redes de espera e redes de arrasto nos lagos.
Nessa ocasião, além de realizar um diagnóstico das espécies que ocorrem nesses ambientes, a expedição focou no estudo de parasitas, microplástico e mercúrio presente no tecido dos peixes. Nessa expedição foram registradas espécies de peixes de maior porte e bem conhecidas, como o “sorubim-cachara” (Pseudoplatystoma reticulatum) e o “mandubé” (Ageneiosus inermis), além de dezenas de espécies menores e bem menos conhecidas, como o “peixe-folha” (Hypoclinemus mentalis), diversas espécies de “bagres”, “cascudos”, “tuviras”, “corrós” e “piabas”. Destaca-se a ocorrência da arraia Paratrygon aiereba, criticamente ameaçada de extinção, e de espécies endêmicas da bacia Tocantins-Araguaia (só ocorrem na bacia do Tocantins-Araguaia), como a “arraia-de-fogo” (Potamotrygon henlei).

Uma outra abordagem importante para entender a biodiversidade aquática na bacia do Araguaia é realizar coletas em pequenos corpos d´água e riachos de cabeceira ao longo de toda a bacia. Também em 2024 foi realizada a Expedição Riachos, em que foram estudados 80 riachos distribuídos ao longo da bacia com o objetivo de catalogar e monitorar a biodiversidade aquática nesses ambientes, algo essencial para uma abordagem integrada da bacia. Foram três equipes de oito pessoas que se distribuíram simultaneamente ao longo da bacia, percorrendo cerca de 10.000 Km nos estados de Goiás, Mato Grosso, Pará e Tocantins. Foram amostradas as comunidades perifíticas (organismos que colonizam as superfícies sólidas em ambientes aquáticos), insetos aquáticos e terrestres, fungos e os peixes, além da coleta de amostras para análise do “DNA ambiental”.
Entre os grupos biológicos estudados chamou a atenção a grande diversidade de peixes. Em sua maioria, as espécies de peixes de riachos são de pequeno porte e incluem dezenas de “piabas”, “cascudos”, “bagres”, “corrós” e “tuviras”. No entanto, chamou a atenção o registro do peixe-elétrico, o “poraquê” (Electrophorus voltai), além de algumas espécies com formatos corporais curiosos, como o “peixe-pau” (Farlowella sp.), um cascudinho que se camufla entre pequenos galhos e raízes, e o “muçum” ou “enguia” (Synbranchus marmoratus), que é totalmente desprovido de nadadeiras. O material coletado ainda está sendo identificado, e é possível que haja novos registros para a bacia, e muito provavelmente a descoberta de espécies que até então eram desconhecidas pela ciência.


Portanto, nos anos de 2024 e 2025, estão sendo realizadas grandes expedições com o intuito de conhecer a biodiversidade aquática e compreender como as espécies respondem às mudanças ambientais e ao uso do solo. Ou seja, nesse primeiro momento, está sendo feita uma ampla fotografia da biodiversidade aquática. Esse conhecimento será fundamental para o desenvolvimento de estratégias de monitoramento da biodiversidade aquática.
Monitorando a biodiversidade no rio Vermelho
Nos dias 03 e 04 de março de 2024, foram encontradas diversas espécies de peixes mortos no rio Vermelho e no rio Araguaia, na região de Aruanã. A partir desse ocorrido, foi montado um comitê de crise dentro do programa Araguaia Vivo, sendo realizadas emergencialmente coletas de água e microalgas planctônicas em diversos pontos amostrais no rio Vermelho. Uma discussão mais detalhada desse programa de monitoramento será apresentada oportunamente, mas algumas informações preliminares sobre a mortalidade podem ser encontradas em um boletim técnico publicado no primeiro número da “Revista TWRA: Ciência & Sustentabilidade”. Mas, em um contexto de biodiversidade aquática, é importante destacar que uma parte desse monitoramento envolve a coleta e identificação de microalgas, visíveis somente com o uso do microscópio, mas que são importantes sensores da qualidade da água.
No primeiro monitoramento, realizado em março de 2024, foram identificadas 36 espécies e 205.593 indivíduos de microalgas na bacia hidrográfica do Rio Vermelho. Em relação à quantidade de microalgas, tanto o Lago Acará quanto o ponto de amostragem fluvial mais próximo, seguindo o fluxo do rio (ou seja, à sua jusante), se destacaram de todos os demais pontos pelos elevados valores de quantidade de microalgas. Além disso, no Lago Acará a espécie predominante de cianobactéria identificada foi a Chroococcus sp, uma espécie generalista caracterizada pelo seu pequeno tamanho, forma de vida unicelular e reconhecida na literatura científica como não-tóxica. Devido ao seu rápido crescimento e tamanho diminuto, a alta concentração de nutrientes no ambiente propiciou um aumento significativo na sua densidade populacional, que pode funcionar como um indicador precoce de potenciais mudanças na comunidade de microalgas e outros organismos aquáticos. Com a alteração de outras variáveis ambientais, é possível que novas espécies fitoplanctônicas, incluindo cianobactérias potencialmente tóxicas, aumentem em densidade. Após o registro da mortalidade no rio Vermelho, iniciamos um protocolo de monitoramento, com coletas periódicas ao longo dos anos de 2024 e 2025, com a expectativa de entender melhor as causas da mortalidade e, desse modo, tentar evitar (ou pelo minimizar) novos eventos como esse.

Biodiversidade aquática e a integração de saberes
O conhecimento gerado por essas expedições e programas de monitoramento da biodiversidade é essencial para o desenvolvimento de estratégias de conservação da bacia e a preservação desse patrimônio natural, o rio Araguaia. Entretanto, é importante destacar que, além dos trabalhos específicos de pesquisa sobre a biodiversidade aquática, durante todas essas expedições os pesquisadores têm se aproximando das comunidades locais, que sempre acolhem essas iniciativas com grande receptividade. A participação da sociedade, cada vez mais, tem se mostrado fundamental para o sucesso do monitoramento e da conservação da biodiversidade em todo o mundo. Somente com a união entre ciência, conhecimentos tradicionais e políticas públicas eficazes será possível garantir que o rio Araguaia continue inspirando e encantando aqueles que o visitam, hoje e no futuro.
João Carlos Nabout – Professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), e coordenador da Atividade de Biodiversidade Aquática do programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA.
Priscilla de Carvalho – Professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) e vice-coordenadora da atividade de Biodiversidade Aquática do programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA.
Fabrício Barreto Teresa – Professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), coordenador da Atividade de Turismo e Pesca do programa “Araguaia Vivo 2030” e vice-coordenador de Biodiversidade do PPBio Araguaia.
Ludgero Cardoso Galli Vieira – Professor da Universidade de Brasília (UnB), vice-coordenador do Programa “Araguaia Vivo 2030” da TWRA e vice-coordenador do projeto PPBio Araguaia.

O corredor que foi em princípio chamado de “corredor da onça”, com foco na ligação entre as maiores populações ainda existentes de onça-pintada, no Pantanal e na Amazônia

Há muito a conhecer sobre o Rio Araguaia. O “Araguaia vivo 2030” busca garantir que recursos naturais sejam compreendidos e usados de forma adequada pelas próximas gerações