Opção cultural

“O Crime do Cais do Valongo” é leitura imprescindível para nos aproximar, através da imaginação estética e da pesquisa histórica, de parte do nosso passado

Alguns dias amanhecem irritados. E a gente nem imagina o motivo. Acordamos descansados, saudáveis, numa cama e, muito provavelmente, com um bom cobertor. Minha avó costumava falar que acordar vivo já era bom demais. Eu a entendo. Realmente é preciso estar vivo para acordar. Alguém que morre durante o sono, não acorda. E numa terça ou quarta-feira dessa semana passada tive uns desses dias amarelados. Igual uma pessoa com "sorriso amarelo".
Foi um dia que tentei entender demais as pessoas. E quando estamos nessa fase deixamos de, literalmente, viver o dia. Ele passa como a última volta de uma corrida de Fórmula 1. Quando o homem levanta a bandeira branca o dia acabou.
Tinha programado de levar meu filho para cortar o cabelo naquela manhã. Diferente de mim, ele estava animado.
Saindo da nossa rua, de carro, em direção ao barbeiro, ele apoia o queixo na fileta entre o vidro e a porta e presta atenção na rua. De repente me chama com uma pergunta:
- Pai, de quem é essa casa?
- Não sei.
A resposta sai ríspida. Mas ele nem liga. Sem entender porque o humor dos adultos está agradável num dia e insuportável num outro, ele já tem presciência dessas coisas da vida. Pergunta novamente, apontando para outra casa:
- De quem é aquela casa amarela?
De novo? O menino acha que eu sei o nome de todos os proprietários de casas em Goiânia. E a pergunta se repetiu inúmeras vezes no caminho de casa ao barbeiro. E no caminho de volta também.
Ele queria saber o nome das pessoas que moravam em todas as casas que ele via: verdes, amarelas, cinzas, brancas, rosas. Não entendi se ele escolhia a casa pela cor ou pelo tamanho. Talvez por saber identificar a fachada da casa da tia e da avó, de cor, ele queria saber de quem era as casas alheias.
Na rua de casa já. A pergunta torna a se repetir.
- Não sei de quem são essas casas -, respondo menos irritado. Quase abrindo um sorriso para ele. Faltava pouco. Como dizem em Goiânia: "falta um beiço de pulga". Nunca ouvi essa expressão na minha cidade natal, Brasília. Acho impressionante a engenhosidade das pessoas que inventam essas expressões tão acuradas.
- Pai, de quem é a casa mal assombrada?
Uma casa pegou fogo há uns quatro meses na nossa rua. Bem próxima à minha, umas três de lado do meu vizinho, no máximo. Desde então não mora mais ninguém lá. Na casa mal assombrada. Só o vento ladeia as paradas queimadas fazendo aquele barulho clássico de filme de terror. Não tem mais telhado. Caiu no chão. As portas também. Algumas janelas se seguraram na parede. Todas as esquadrias de ferro ficaram chamuscadas pelo fogo.
Também não sabia de quem era a casa mal assombrada. Agora, curioso sobre a necessidade em saber quem era os donos das casas, pergunto.
- E você sabe de quem são essas casas todas?
- Sei sim.
- De quem são?
- Do vizinho.
- Como assim?
- A casa amarela é do vizinho da casa verde, que é vizinho da casa mal assombrada, que é vizinho da gente.
Que raciocínio fantástico. Na verdade, o meu entendimento da pergunta estava errado. Ele era muito mais óbvio do que aparentava. A resposta foi "beiço de pulga" que faltava para o sorriso abrir. E o dia amanheceu de novo num céu azul tão lindo quanto a resposta.

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Pedidos de crianças devem ser atendidos, sempre que possível. Como a vida, eles são prementes

No auge das proezas típicas dos quatro anos de idade, meu filho pede um beliscão carinhoso e beijos nas costas. Deitado na cama, de pijama com mangas e calças cumpridas, o imobilizo atendendo ao irresistível pedido.
A brincadeira foi apelidada de "boca beijadura". Uma tentativa de pronunciar corretamente "beijadora". De certa forma era "beijadura". Uma mistura de boca dura e beijadora.
Após horas de beliscões e beijos nas costas, que o levaram a falta de ar de tanto rir, a guardiã das leis que regem as nossas casas socorreu a criança de um iminente episódio de vômito.
Aos gritos, a mãe baixa um novo decreto: nada mais de "boca beijadura" naquela noite. E nas seguintes também. Talvez para sempre, vai saber.
- Você não viu que o menino podia sufocar?, questiona furiosa a mãe.
- Ele gosta. Respondo.
- De qualquer forma está na hora de dormir. Dez horas da noite não é mais hora para rir.
A criança ainda me cutuca, da cama dela para a minha.
- Pai?
- Sim.
- Quero mais boca "beijadura".
- Não pode mais. Ordens de sua mãe. Faça silêncio e durma.
- Eu estou ouvindo sua voz Bernardo. Isso significa que você não está dormindo. Interrompe a mãe antes de eu falar "durma".
O pequeno e eu nos calamos. Era preciso deixar a mãe dormir. Ela acorda mais cedo que nós dois para trabalhar. Mais cedo é bem mais mesmo: seis horas da manhã. Nós dois repousamos duas horas a mais que a mãe. E duas horas são deliciosamente incontestáveis. Para adultos e crianças.
- Pai?
- Oi?
- Já mandei ir dormir. Adverte a mãe com tom de voz aumentado. Aquele que qualquer um entende a consequência de não obedecer.
O silêncio paira no quarto novamente. Enfim, todos dormem.
Ao raiar de sol na fresta da janela, escuto:
- Pai?
- Sim.
- Quero mais boca "beijadura".
- Bom dia né.
- Bom dia não. Boca "beijadura". A mamãe já foi trabalhar.
- Vamos tomar café da manhã primeiro, fazer as tarefas da escola, arrumar o quarto, guardar os brinquedos bagunçados de ontem, arrumar o almoço e o uniforme e, depois, vemos se dá tempo para "boca beijadura".
- Mas não vai dar tempo se você fizer tudo isso. Tem que ser agora.
- Se eu fizer não. Você vai fazer. No máximo, eu ajudo.
- Mas aí a gente não vai brincar?
- Se der tempo, brincamos.
Às tarefas de casa. Arruma casa, quarto, guarda brinquedos jogados no chão, arruma uniforme de escola, lava louça, ajuda criança nas tarefas da escola.
- Pai, acabou a tarefa. Quero boca "beijadura".
Nestes momentos, depois de muito insistir sem sucesso, os pedidos começam a vir carregados de manha. E cada vez mais.
- Por favor pai -. Abraça minha perna direita. Beija minhas costas. Faz voz de choro. - Só uma vez.
- Não dá tempo filho. Ainda tenho que arrumar o almoço. Fica para depois.
O pequeno então pede para assistir desenho na televisão. Enquanto ele assiste do quarto, vigio-o da cozinha, fazendo alguma coisa. Ele fica lá, deitado na cama com carinha emburrada de quem teve o pirulito roubado pelo colega mais forte da classe.
Passados alguns poucos minutos. Nem cinco, no máximo. O menino vem da cama pedir para brincar de boca "beijadura". Adverto-o mais uma vez. Pela quinta, sexta, sétima, oitava vez, que não posso. Estou atarefado com a casa.
Mas olhando de novo aquele rosto amuado, assistindo à televisão sozinho no quarto, decido tirar uns dois minutos para não deixá-lo naquela tristeza infindável, que só as crianças sentem quando os pais dizem "não".
Para superar o trauma do "não", me preparo para uma brincadeira de boca "beijadura" mais incrementada. Penso em novos elementos, gestos, beliscões e beijos.
Com o intuito de pegá-lo de surpresa vou agachado no chão, da cozinha para o quarto, como um cobra. Silenciosa. Sorrateira.
Arrasto a barriga e o rosto no chão frio. Tremo de frio. Em Goiânia, tem feito 18º graus pela manhã cedo nestes últimos dias. Dou de cara com carrinhos no chão quase furando meus olhos. Mas nada disso importava mais. Só queria impressioná-lo com a brincadeira favorita e mais um pouco de novas emoções.
Do pé da cama, o bote de cobra o assusta.
- Tá na hora de boca "beijadura"-, grito.
Agarro, belisco, beijo, rosno, jogo para cima, deito em cima, bagunço o cabelo dele.
Ele me olha desconfiado, saindo debaixo dos meus braços com rapidez.
- Pára pai. Você lembra que a mamãe disse que posso me sentir mal?

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