Reportagens
Apesar de programas sociais, repasses do SUS e verbas de emenda parlamentar, organizações de interesse social contam com poucas fontes de renda estável
[caption id="attachment_242708" align="alignnone" width="620"]
Projeto da corregedoria do TJGO auxilia iniciativas de interesse social | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção[/caption]
Instituições filantrópicas de todo o Brasil dependem de doações para sobreviver. Mesmo associações que gerenciam grandes hospitais e que recebem pagamento por prestação de serviços via Sistema Único de Saúde (SUS) precisam da caridade para fechar contas, já que repasses são reconhecidamente defasados e não cobrem a estrutura. Para se virar, esta classe de organização, que pode ir desde pequenos projetos até prestadores de serviço em nível internacional – a condição é que sejam organizações sem fins lucrativos – têm se organizado para se alimentar de diversas fontes.
A Associação de Combate ao Câncer (ACCG) é a organização que responde pelo Hospital Araújo Jorge, pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (IEP) e pela Unidade Oncológica de Anápolis. O presidente da ACCG, Cláudio Cabral, recebeu o Jornal Opção e mostrou as fontes de renda da associação para discutir o financiamento das instituições de interesse público no Brasil. Segundo o presidente, cerca de 70% do orçamento vem da prestação de serviço via SUS ou planos de saúde.
Entretanto, como o Hospital Araújo Jorge é o principal foco da ACCG, tendo realizado 1,2 milhão de atendimentos a 65 mil pacientes em 2019, os repasses são insuficientes para pagar a atividade, manutenção e expansões da organização. Para suprir o restante da demanda, doações pessoas físicas são incentivadas e pedidas à sociedade (podendo ser feitas pelo site da ACCG).
Existe também convênio entre a ACCG e o Governo do Estado de Goiás, que foi renovado e melhorado em 2019, segundo Cláudio Cabral. Além disso, emendas parlamentares são negociadas entre responsáveis pela associação e deputados estaduais e federais. Por último, doações de pessoas jurídicas podem ser realizadas por meio de programas. Uma destas modalidades de doação foi criada na corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO).
[caption id="attachment_242964" align="alignnone" width="620"]
Cláudio Cabral, diretor da ACCG | Foto: Assessoria de Comunicação / ACCG[/caption]
O programa, chamado Banco de Projetos Sociais, foi iniciativa do juiz Murilo Vieira de Faria, e funciona através de um cadastro de instituições de interesse social no TJGO. “Qualquer um pode apresentar seu projeto sem fins lucrativos no site da corregedoria. O juiz tem livre escolha de destinar indenizações para o projeto que considerar adequado, através dos critérios de lisura e efetividade”, explica Kennedy Augusto, um dos responsáveis por operar o banco.
Magistrados à frente de processo da área cível podem doar indenizações públicas, geradas por dano moral coletivo. Esta natureza de indenização é rara, explica Kennedy Augusto, mas volumosa. “O dano moral coletivo é muito específico. Por exemplo: o rompimento de barragem em Brumadinho é o tipo de processo que pode gerar uma multa deste tipo, que, se acontecesse em Goiás, seria destinada ao Banco de Projetos Sociais.”
Para que uma entidade receba doações, ela tem de possuir as certificações de qualidade de sua atuação (como a Cebas - Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social na Área de Educação), além de estar em dia com a legislação do marco regulatório do terceiro setor. Não há fiscalização ou exigências a serem cumpridas além desta.
Também é possível para estas organizações receber penas pecuniárias, advindas da área criminal. “Uma briga de vizinhos, por exemplo, pode gerar um dinheiro que vai sendo acumulado em uma conta judicial. Quando se acumula um montante significativo, o magistrado da comarca libera junto ao conselho da comunidade a verba às entidades de interesse público”, afirma Kennedy Augusto.
[caption id="attachment_226138" align="alignnone" width="620"]
Fundado em 1981, o Cevam iniciou em 1996 o processo de acolhimento de mulheres vítimas da violência doméstica e gênero. Em 2004, passou a realizar, também, asilamento de adolescentes e crianças vítimas da violência doméstica. O poder público goiano não oferecesse este tipo de serviço. | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção[/caption]
O Instituto Espirita Batuira de Saude Mental é uma das organizações filantrópicas que recebem essa natureza de depósito. A diretora do instituto, Nívea Teixeira, afirma: “Do TJGO, recebemos dinheiro, itens de higiene pessoal e de limpeza”. O Batuíra é um hospital psiquiátrico que atende pacientes de transtornos mentais e alcoolismo. Atualmente, conta com 133 leitos disponíveis à Prefeitura de Goiânia.
A instituição é filantrópica e atende via SUS, realizando tratamento gratuito. Por isso, Nívea Teixeira afirma: “Temos uma equipe multidisciplinar composta por médicos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, psicólogos, serviço social, nutricionistas e farmacêuticos. Dependemos muito de doações para continuar nossa atividade (detalhes de como doar ao fim da reportagem).”
Outra organização filantrópica que depende de doações é o Centro de Valorização da Mulher Consuelo Nasser (Cevam). Segundo a diretora da instituição, Carla Monteiro, o centro eventualmente recebe auxílio financeiro do Tribunal de Justiça, mas considera mais importante outro tipo de ajuda: “Somos muito gratas por poder participar do programa como recebedores de apenados, que prestam os mais diversos serviços, devidamente assistidos e acompanhados pelo Tribunal de Justiça. Nos sentimos como que contribuindo para que levem suas vidas de modo digno. Uma parceria edificante para ambos lados”.
Carla Monteiro afirma que todo funcionamento do Cevam depende de projetos sociais, convênios e doações. A instituição tem como objetivo principal a implantação de programas e ações preventivas e mitigadoras de cenário de risco, vulnerabilidade e violência contra a mulher. O centro também promove estudos sobre a condição feminina e busca assistir e garantir direitos às mulheres, seus filhos, crianças e adolescentes em situação de violência, oportunizando assistência social, psicológica e jurídica.
“As arrecadações, anualmente, têm minguado”, diz Carla Monteiro. “As pessoas deixam de doar quando não conseguem receber seus salários. Os doadores têm alegado que o custo de vida está alto. Mas tudo do Cevam é bem-vindo. Dinheiro, roupa, alimento, abraço, o contar de uma história, uma visita. Tudo que garanta a instituição de portas abertas. E as doações não são suficientes para cobrir as despesas. Aliás não trabalhamos no vermelho, mas no roxo. Afinal de contas, temos que executar um serviço com qualidade alta sem saber se teremos ou não recursos para custear as despesas.”
[caption id="attachment_242966" align="alignnone" width="620"]
Vila São Cottolengo encontra maneiras alternativas de financiamento | Foto: Reprodução[/caption]
Outra associação filantrópica que depende de doações é a Vila São Cottolengo, localizada na cidade de Trindade. A associação realiza 2400 atendimentos médicos por dia em diversas especialidades, sendo referência na área de oftalmologia. Com mais de 300 internos, o responsável pela comunicação afirma que a Vila consome o equivalente de três a quatro vacas por semana na alimentação.
“Além das doações do TJGO e repasses do SUS, temos de nos virar vendendo material para indústrias de reciclagem; fazendo bazares quando há excesso de roupas doadas; instalando nossos cofrinhos em farmácias e supermercados”, afirma Carlos Toledo, comunicador da instituição. “Temos todos os certificados do terceiro setor e precisamos de qualquer doação.”
Carlos Toledo afirma ainda que em tempos de crise e surto pandêmico, a Vila passa mais dificuldades do que o normal. “Oferecemos cerca de 320 calçados e coletes ortopédicos, são dispensadas 40 próteses auditivas e mamárias mensalmente além de 250 meios auxiliares de locomoção. Os repasses do Sus suprem cerca de metade de nossas necessidades, mas precisamos fazer esforço redobrado para manter nossos 742 funcionários colaboradores”.
Como Doar
ACCG: http://www.accg.org.br/ajude Vila São Cottolengo: https://cottolengo.org.br/doe-agora/ Cevam: Quem se interessar pode vir ser voluntário do Cevam. Estamos de portas, braços e corações abertos. Quem quiser fazer doações em dinheiro pode fazê-las por meio de nossa conta bancária (CEF, agência 1551, operação 013, conta 14.964-1, CNPJ: 04.789.956/0001-75) Batuíra: Instituto Espírita Batuíra de Saúde Mental CNPJ - 01.653.450/0001-46 Banco do Brasil Agência - 1242-4 Conta - 115747-7 CEF Agência - 1575 OP - 003 Conta Corrente - 75600/2 www.batuira.org.br / [email protected] / Twitter: @BatuiraGO / Instagram: oficialbatuira
Em tempos de polarização, goianos que se posicionam no espectro político identificado como esquerda dizem o que pensam sobre o Brasil
Com a experiência de quem acompanhou a proliferação da aids e da gripe suína, Boaventura Braz de Queiroz compara a Covid-19 à Segunda Guerra Mundial
Esse bem essencial para a vida – e cada vez mais escasso – tem merecido atenção especial do Governo de Goiás desde o início de nossa gestão
Setor de Turismo é um dos mais impactados pela disseminação do novo coronavírus no mundo. Municípios goianos param a atividade
Relatos de duas goianas mostram como a Europa lida com a pandemia do novo coronavírus
[caption id="attachment_242560" align="alignnone" width="620"]
Novo coronavírus surgiu na China e se espalhou pelo mundo. Europa é o novo epicentro da pandemia | Foto: Reprodução[/caption]
“Acredito que, a princípio, as pessoas estavam mais calmas pensando que não era para tanto, não precisavam entrar em pânico”, diz a publicitária goiana Ana Luiza Ciuffreda, de 37 anos, sobre a pandemia de Covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2), que assola a Itália. Ela e o marido vivem em Milão e estão em quarentena em um apartamento no Affori Centro desde o dia 9 de março.
Ela diz que no primeiro momento, os italianos tomaram medidas como lavar bem as mãos, mas continuaram a levar a vida normalmente. Escolas, academias, universidades, pontos turísticos e museus foram fechados. Tentou evitar pegar transporte público (metrô e ônibus ) ao máximo, mas podia ir para o trabalho, academia e supermercado a pé.
O marido dela, o desenvolvedor de software Antônio Ciuffreda, de 37 anos, não foi dispensado pela empresa para trabalhar em casa e continuou a pegar dois metrôs para ir ao trabalho de segunda a sexta-feira.
No início o governo lançou uma campanha publicitária, com um vídeo com a hashtag #milanononsiferma que significa algo como “Milão não para”. Porém, uma semana depois, no último dia 8, o primeiro-ministro, Giuseppe Conti, decretou quarentena, com fechamento das fronteiras da Lombardia, onde fica a cidade de Milão, no norte da Itália.
Quarentena
[caption id="attachment_242562" align="alignleft" width="300"]
A publicitária Ana Luiza Ciuffreda está em quarentena em Milão, no norte da Itália (Foto: Arquivo Pessoal)[/caption]
Foi tudo muito rápido. Já na segunda-feira seguinte após o fechamento das fronteiras da Lombardia, Giuseppe Conti decretou quarentena por toda a Itália. Houve restrição quase total de movimentação pelo país e fechamento do comércio, exceto supermercados e farmácias.
“Foi aí que começamos a perceber que realmente não era só uma simples gripe, que o corona é um vírus que causa um caos social muito grande mesmo não sendo letal pra maioria das pessoas”, diz Ana Luíza. “Os hospitais estão lotados e tiveram, por exemplo, que aumentar o número de leitos em 60% em questão de dias”, aponta.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou a Covid-19 como pandemia na quarta-feira, 11, e na sexta-feira, 13, o mesmo órgão considerou o continente europeu, e não mais a China, como o centro global da doença. A Itália, que até então registrava mais de 15 mil casos e 1.016 mortes, era o epicentro da epidemia na Europa.
A taxa de mortalidade escalou rapidamente, chegando a oito vezes maior que a Coreia do Sul, que adotou o esquema de testes em praticamente todos os infectados por coronavírus, localização dos contatos dessas pessoas e confinamento. Na Itália, que não adotou tais medidas, 6,21% dos pacientes com Covid-19 morreram. No país asiático, apenas 0,7%.
O país europeu registrou, na última quarta-feira, 18, o maior número de mortes em um único dia: 475, chegando ao total de vítimas de 2.978. O que deixou o sistema de saúde da Itália praticamente colapsado e fez com que médicos passassem a escolher dar tratamento paliativos para os pacientes que não respondem bem.
Rotina
“Desde então vivemos em absoluta quarentena, só saindo para ir ao supermercado ou farmácia, que são os únicos locais públicos abertos”, explica Ana Luiz. “No meu caso, do meu marido, sócio e amigos próximos, nós temos a sorte de poder trabalhar em casa. Todos são aconselhados a trabalhar de casa”, diz. Para sair é preciso ter uma boa justificativa. Ainda assim, há risco de a polícia parar quem se aventure na rua e indague o porquê a pessoa está fora de casa. Há, inclusive, multas pesadas para quem desobedecer. O número de multas a cidadãos que violaram a quarentena chegou a 27.616 desde que o decreto entrou em vigor. Ana Luzia diz que uma amiga que foi levar as compras do supermercado para a mãe, que é idosa, chegou a ser abordada por um policial. “Desde que a quarentena começou saímos somente uma vez para ir ao supermercado e à farmácia. Me senti bastante tensa, com medo do contágio e apreensiva tendo que manter a distância das pessoas. A vida perde a naturalidade uma vez que temos que pensar nos mínimos detalhes para se proteger”, afirma. “Com quase dez dias de quarentena, eu pessoalmente me sinto um pouco ansiosa, desorientada e com bastante dificuldade de concentração e até mais emotiva”.Em Portugal, há medo de desemprego
[caption id="attachment_242771" align="alignleft" width="300"]
A editora Aline Soares Lima, de 37 anos, relata que Portugal têm seus primeiros efeitos (Foto: Arquivo Pessoal)[/caption]
Enquanto a Itália experimenta momento de pânico, sem saber exatamente como e quando a epidemia vai acabar, Portugal ainda registra suas primeiras mortes. Entre elas, de Mário Veríssimo, antigo massagista do clube de futebol Estrela da Amadora e amigo de Jorge Jesus, treinador do Flamengo. E do presidente conselho de administração do banco Santander, António Vieira Monteiro.
A Direção-Geral da Saúde, órgão português semelhante ao Ministério da Saúde, emitiu recomendações às empresas aconselhando-as a definir planos de contingência para casos suspeitos entre os trabalhadores. Ela estabelece zonas de isolamento e regras específicas de higiene, evitando reuniões, e que devem se preparar para que funcionários não trabalhem, em caso de doença, além de eventual suspensão de transporte público e fechamento das escolas.
Ainda assim, o clima não é dos melhores. A percepção geral é de que o número de casos aumentará, o que pode gerar medidas mais drásticas e afetar a estabilidade econômica. A diretora editorial Aline Soares Lima, de 37 anos, explica que a sensação é a de que quem está em situação de emprego precário vai ficar sem trabalho e os trabalhadores independentes também vão ficar sem boa parte dos rendimentos.
[caption id="attachment_242564" align="alignleft" width="300"]
Rua Miguel Bombarda, Porto, por volta das 19h. Horário que geralmente há cafés abertos, restaurantes e muita gente a passear | Foto: Arquivo Pessoal[/caption]
Aline, que saiu de Goiânia há 9 anos para fazer pós-graduação na cidade do Porto, afirma que o mercado está sendo afetado em todos os setores. O turismo é uma das áreas mais atingidas e o turismo tem representado muito para a economia portuguesa. Sobretudo para os brasileiros, já que a maioria trabalha na área de restaurantes. Com os estabelecimentos fechados, acabam sem trabalho. “A situação é preocupante não só pela saúde, mas pelo colapso social”, diz.
O governo português tem tomado medidas de contenção da propagação, ainda não radicais. As escolas estão fechadas, shopping, cinemas, academias, faculdades, serviços públicos e supermercados com horário reduzido. Portugal amargou seus piores momentos após a crise de 2008, mas conseguiu se levantar, em grande parte devido ao turismo, o que atraiu hordas de brasileiros para o país da Península Ibérica.
Ações
A decisão de decretar estado de emergência preocupava os portugueses e só foi decretada na última quarta-feira, 18, justamente para que a economia não fosse tão afetada. Embora haja consenso que o caso da Itália é paradigmático, é a primeira vez desde 1975 que o país decreta este tipo de medida. Aline diz que as cidades portuguesas estão mais vazias e mais tristes, porque há muitos estabelecimentos fechados. Ela afirma que, nos primeiros dias de aulas suspensas e de trabalho remoto, muita gente foi para os cafés, praia, parques. No entanto, os parques, bibliotecas e tudo que é de gestão do estado foram fechados e as praias, interditadas. [caption id="attachment_242565" align="alignleft" width="300"]
Ruas da cidade do Porto, em Portugal, estão vazias devido às medidas de contenção | Foto: Arquivo Pessoal[/caption]
“Tudo está diferente, há sempre um clima de tensão no ar, os supermercados estão a ficar vazios. Algo curioso, o item que primeiro acabou nos supermercados foi o papel higiênico, não se entende bem a razão”, aponta.
“A primavera está a chegar e a cidade iria ficar novamente inundada de turistas, agora está tudo vazio. Moro numa rua no centro do Porto onde há muita agitação artística por causa das galerias de arte que existem aqui. Hoje estava tudo vazio, galerias fechadas, cafés”, relata.
Ela acompanha o que acontece no Brasil e diz que ainda não há uma percepção real do que acontece. Parece ser, para os brasileiros, uma realidade distante, embora em muitas cidades recomendem o distanciamento social.
Aline diz ter cogitado voltar para o Brasil, mas não considera que a situação no país não seja 100% segura. Além disso, não tem plano de saúde, por isso estaria mais vulnerável e poderia ser ainda mais uma pessoa para inflacionar o Sistema Único de Saúde (SUS). “Não nos resta mais nada a não ser ficar em casa, trabalhar e tentar não enlouquecer com as notícias e com o isolamento. Eu moro sozinha e ficar uma semana, duas, um mês em isolamento parece realmente dramático”, lamenta.
Goiás adota medidas necessárias para não virar uma Itália, aponta infectologista
A primeira ação do governador Ronaldo Caiado (DEM), após a confirmação de três casos em território goiano da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2), foi decretar estado de emergência da Saúde em Goiás. A partir daí, decretos assinados pelo chefe do executivo cancelaram grandes eventos, fecharam escolas, promoveu o teletrabalho para servidores públicos, fechou comércios e shopping centers, reduziu número de cirurgias eletivas. Tudo para que a curva do gráfico de infectados pelo vírus se achate o máximo possível. O limite principal é o número de doentes que o sistema público de saúde, no caso do Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS), consiga absorver sem colapsar. Esse é o grande problema da Covid-19. No início da epidemia argumentava-se que outras contaminações tinham o índice de morte mais elevado que o novo coronavírus. A taxa de letalidade calculada com base nos últimos dados oficiais divulgados é de 3,2%. Para se ter uma ideia, a síndrome respiratória aguda grave (Sars) matou quase 10% dos infectados na China. Já a síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS), também um coronavírus, possui taxa de mortalidade de 39%. O ebola chega a 60%. A questão é que, como a Sars, a Covid-19 pode evoluir para um quadro de pneumonia atípica — pneumonia inflamatória em parte deflagrada pela reação imunológica do paciente. Um tipo difícil de conter, pois não diretamente causada por um agente infeccioso (como uma bactéria ou vírus). Gripes, por exemplo, podem levar a quadros de pneumonia, mas como infecções secundárias. No caso da Covid-19, a pneumonia atípica é a progressão da doença, não uma infecção secundária. Isso quer dizer que todas as pessoas que apresentam sintomas mais graves da doença precisam dos chamados ventiladores mecânicos. Ou seja, precisam ficar entubadas para que um aparelho faça a respiração para elas. O que provoca a internação de um número elevado de pessoas com equipamentos específicos e pode colapsar o sistema de saúde. Por isso, as medidas de contenção.Timing
Segundo a infectologista Luciana Duarte de Morais é preciso não perder o timing. Ela diz que nos casos da Itália e da Espanha provavelmente as medidas de supressão não foram feitas a tempo — rompimento das cadeias de transmissão, para deter a epidemia e reduzir os casos ao menor número possível, como fez a China. O que levou a um contágio muito rápido de muitas pessoas, culminando com o colapso dos sistemas de saúde. Para ela, em Goiás, estão sendo adotadas as medidas indicadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) já no princípio da epidemia, o que tem o potencial de diminuir a curva no gráfico dos infectados pela doença. A partir do momento em que passa a haver contaminação do tipo comunitária, aquela em que os agentes de saúde não conseguem mapear a cadeia de infecção, a tendência do gráfico é verticalizar. Nesse momento é que as medidas de contenção devem ser eficazes para diminuir os casos. Por isso, aponta a infectologista, não há outra solução que não evitar o contato físico. É preciso mesmo restringir a movimentação das pessoas para assim diminuir o risco de contaminação, já que ela é altíssima para o novo coronavírus. Num piscar de olhos, a Itália passou de poucos infectados a um estado de calamidade pública que nem mesmo a quarentena radical conseguiu conter o avanço da doença. “Se não houver o isolamento social, podemos registrar um aumento muito grande dos casos e o sistema de saúde não consegue absorver. O que leva a pacientes com prognósticos bons acabando evoluindo para óbitos”, diz.Aprendizado
Luciana Duarte aponta que as medidas tomadas para conter o Sars-Cov-2 podem servir de aprendizado para novas epidemias no futuro, assim como os governos estão utilizando do que foi aprendido com a Mers e a Sars. “Cada vírus e epidemia é diferente. No entanto, vamos testando e adquirindo a experiência. Se um dia acontecer de novo, já teremos uma ideia de medidas drásticas e rápidas para conter a doença e não cometermos os erros que tivemos na Itália, por exemplo”, avalia.
Virologista explica que fim levou a zika, iluminando o que pode ocorrer com a pandemia de coronavírus se países colaborarem no controle da doença
Desde 2017, mais de 450 mil venezuelanos chegaram ao Brasil atrás de uma vida melhor. Em Goiás, eles tentam a sorte e revelam o sofrimento vivenciado no país de origem
[caption id="attachment_241437" align="alignnone" width="620"]
Thania viu a situação na Venezuela como insustentável, e decidiu vir para o Brasil atrás de uma vida melhor / Foto: Ton Paulo[/caption]
Sentada à uma mesa, Jonalquiz Viviana se distrai com a tinta descascada do móvel enquanto fala. Apesar da expressão dura e do tom de voz firme, a venezuelana de 36 anos deixa escapar algumas lágrimas durante seu relato. Ela conta que seu nome, Jonalquiz, quer dizer “Felicidade” num dialeto local de seu país. Entretanto, tal sentimento só voltou a ser experimentado por ela no ano passado, quando deixou a Venezuela para tentar uma vida melhor em solo tupiniquim. Desde o início da década, o país que faz divisa com o Brasil vem experimentando uma fuga em massa da população, impulsionada pelo aprofundamento da crise econômica e pelas contínuas violações de Direitos Humanos perpetradas pelo controverso comandante da nação, Nicolás Maduro.
De acordo com dados da Operação Acolhida, promovida pelo Exército Brasileiro, 454.890 venezuelanos entraram no Brasil entre 2017 e 2019. Crianças, jovens, adultos e idosos, homens e mulheres, todos fugindo da mesma coisa: o cenário de guerra que vive o país sul-americano governado por Maduro. Jonalquiz faz parte de um grupo de 128 que chegou em Roraima, especificamente na região de Boa Vista, no início do ano passado. Ela veio para o Brasil com a filha Liz, de 10 anos, e a companheira Anni, que também tem dois filhos pequenos, de 12 e 15 anos. Elas foram algumas das beneficiadas pela iniciativa da entidade filantrópica Obras Sociais do Centro Espírita Irmão Áureo (Osceia), de Goiás, em parceria com o Exército Brasileiro, Corpo de Bombeiros e missionários que atuam em Roraima.
Natural do estado de Anzoátegui, Jonalquiz revela que decidiu vir para o Brasil após a situação na Venezuela ficar insustentável. Não foi fácil, e as dificuldades começaram logo que pisou em solo brasileiro. Ela conta que, logo quando chegou em Roraima, suas malas, com todos os seus pertences, foram roubadas. Jonalquiz e Anni tiveram que ficar na rua, juntamente com as crianças, sem ter o que comer ou vestir. Só depois as venezuelanas tiveram contato com a obra da Osceia e deram entrada no programa de interiorização - estratégia de deslocamento de imigrantes venezuelanos para outros estados, que conta com apoio do governo federal e da Organização das Nações Unidas (ONU).
Em Goiás há três meses, onde chegou num avião da Força Aérea Brasileira (FAB) junto com outros venezuelanos, Jonalquiz trabalhava como comerciante em seu país natal, apesar de se declarar formalmente como operadora de máquinas pesadas. A rotina era dura na Venezuela: a jornada de trabalho começava às 5h e ia até às 20h. Entretanto, apesar de passar o dia todo e parte da noite trabalhando, o poder de compra do dinheiro que vinha no salário no fim do mês refletia a situação da Venezuela. Num português ainda misturado com espanhol, Jonalquiz narra como era ir ao supermercado quando recebia seu pagamento: “Não dava para comprar nada, sabe. Com o dinheiro, a gente comprava um pacote de arroz, um pouquinho de carne, algumas verduras e o que dava para produto [de higiene] pessoal”.
[caption id="attachment_241438" align="alignleft" width="428"]
Jonalquiz foi roubada quando chegou ao Brasil, mas não desistiu / Foto: Ton Paulo[/caption]
Jonalquiz conta que era frequente, devido à inflação desenfreada do país, observar um aumento de preço vertiginoso em alimentos e outros itens no supermercado. “Nós comprávamos uma coisa hoje por 50, e no dia seguinte o preço já era 100. Não dava para comprar nada, não”, diz. Atualmente, um dólar é equivalente a cerca de 73.600 bolívares venezuelanos.
Por causa de seu trabalho como comerciante, em que tinha contato direto com alimentos, Jonalquiz revela que costumava “regalar” seus amigos com comida. De acordo com ela, era uma forma de tentar reduzir o sofrimento dos amigos à sua volta. “Eu via muita, mas muita gente com necessidade, passando fome. Eu nunca passei fome, porque sempre trabalhei muito, mas muitos lá não conseguem emprego, não tem o que comer. E quando trabalham, não conseguem comprar nada com o dinheiro que ganham”, conta.
Aqui no Brasil, tanto ela quanto sua companheira, com quem está há nove anos, estão trabalhando. Jonalquiz como auxiliar de limpeza e Anni como cozinheira. O dinheiro que ganha é o suficiente para se manter aqui, ainda com ajuda da Osceia, e mandar um pouco para a mãe, que ainda vive na Venezuela mas que também deve vir em breve para o Brasil. Enquanto fala com a reportagem, Jonalquiz enfatiza o tempo todo o quanto está feliz no Brasil. Apesar da primeira má impressão ao chegar em Roraima, onde teve seus pertences roubados, ela agradece pelo fato de ter sua filha, assim como os filhos de sua companheira, na escola, de poder trabalhar e ganhar seu dinheiro e de poder ajudar quem ainda permanece na Venezuela. Quando perguntada se tem vontade de regressar ao país natal, Jonalquiz responde que sim, “mas no futuro, quando a Venezuela voltar a ser um bom lugar de se viver”.
“A gente só podia fazer uma refeição por dia”, diz venezuelana que veio com as filhas para o Brasil
“Agora estou falando dois idiomas: espanhol e português”, diz, entre risos, a venezuelana Thania Velez, de 28 anos. Ela está no Brasil há pouco mais de um ano, e veio no mesmo grupo de Jonalquiz. Também amparada pela Osceia, a moça de olhar doce se gaba de estar tendo aulas de Língua Portuguesa oferecidas pela entidade filantrópica, uma vez que, segundo ela, o idioma é uma das maiores dificuldades desde que pisou em território brasileiro.
Thania, que também veio de Anzoátegui, tem duas filhas: Victoria, de 7 anos, e Valéria, de apenas um ano. Na Venezuela, a moça trabalhava vendendo verduras ao lado da irmã. O negócio familiar era suficiente para suprir suas necessidades e das filhas, mas esse tempo ficou no passado. Segundo Thania, os últimos cinco anos foram de miséria e sofrimento para o povo venezuelano. Assim como Jonalquiz, Thania decidiu vir para o Brasil após ver seu país amargar numa depressão econômica agravada por repressão e violação de direitos por parte do governo.
Ela relata que o primeiro sentimento que teve ao chegar ao Brasil, em Roraima, foi o de “tranquilidade”. “Eu fiquei mais calma no primeiro momento que pisei aqui [no Brasil], porque eu vi muita coisa que não via há muito tempo na Venezuela, como muita comida, pessoas usando produtos de higiene pessoal, medicamentos. Lá [na Venezuela] não tem mais isso”. De acordo com Thania, suprimentos básicos são cada vez mais escassos para a população venezuelana. Com supermercados vazios, o que ainda há de alimento disponível para compra custa valores além do que o povo pode pagar. “É em dólar, não tem como comprar”, diz. Ela conta que as pessoas preferem comprar verduras do que arroz, por exemplo, devido ao valor menor e à maior quantidade disponível do alimento.
Com os olhos marejados, Thania revela que lhe doía ver pais de crianças tendo que escolher entre comprar sapatos para seus filhos irem à escola ou comprar comida. “Os pais preferiam comprar o que comer do que sapatos para seus filhos. Minha filha Victoria estudava lá, chegou um momento em que fiquei preocupada, porque não tinha mais dinheiro para comprar o que ela precisava para ir à escola”, relembra. O dinheiro para comprar comida, oriunda da venda de verduras, também era escasso. Segundo Thania, o alimento comprado só era suficiente para uma refeição por dia, às vezes – raras – duas.
[caption id="attachment_241439" align="alignright" width="379"]
"Só fazia uma refeição por dia", relembra Thania / Foto: Ton Paulo[/caption]
Todavia, a venezuelana recorda que nem sempre foi assim. Até o ano de 2014, segundo ela, a população da Venezuela vivia bem. O trabalho exercido por ela e pelos familiares e amigos era o bastante para comprar comida, vestimentas e até para o lazer. “Antes eu tinha uma vida boa. Todo mundo tinha trabalho, tínhamos dinheiro para tudo, para fazer mercado, para roupas. Hoje não tem mais isso não. Hoje o dinheiro é só para comer um vez por dia”.
Assim como Jonalquiz, Thania trabalha em Goiás como auxiliar de limpeza e também manda dinheiro para a mãe, de 57 anos, que vive na Venezuela. Ela expõe a saudade que sente, e revela que aquela era a primeira que vez que teve que se separar dela. “Hoje só posso falar com a minha mãe por telefone, mas está tudo bem. Estou trabalhando, estou ajudando ela”, conta. Thania é questionada pela reportagem se ela tem um sonho para o futuro. A pergunta parece pegá-la desprevenida. Com a voz embargada e já com lágrimas descendo pelo rosto, ela responde: “Sim. É que a Venezuela volte a ser como antes, e que eu me reencontre com minha mãe, e mi papa...”.
Repressão, violência e criminalidade
Num país em crise, quando os efeitos do desemprego e da fome passam a ser sentidos, os Direitos Humanos começam a virar “privilégios” de poucos. Esse parece ter sido o caso da Venezuela. Segundo Jonalquiz e Thania, a truculência policial e a violação da integridade do povo venezuelano por parte do Estado tornou-se uma amarga rotina para os que lá permaneceram.
De acordo com as venezuelanas, a polícia de seu país natal acabou sendo absorvida por um sistema autoritário que não mede esforços para conter manifestações de insatisfação quanto ao cenário vigente. Professores, idosos e até crianças, segundo elas, são vítimas de truculência policial e das mais variadas formas de violação de direitos quando são “pegas”. “Todo dia, todo dia a gente vê mortos e mortos nas notícias. Tanto pela violência, pela delinquência, quanto pela polícia. Não importa se é um menino, eles [policiais] podem atirar na sua cara. Professores que têm um telefone, ou qualquer coisa boa, a polícia primeiro toma essa coisa e depois faz mal para a pessoa, pode até matar”, revela Jonalquiz.
Mesmo a busca do povo venezuelano por ajuda externa era duramente reprimida por Maduro, conforme Thania. Ela conta que, na época em que o país começou a receber ajuda humanitária de outros países, doações de alimentos e medicamentos destinadas à população chegavam à Venezuela e eram prontamente destruídas pelo presidente. “Mandavam medicamentos, mandavam comida, mas o presidente não deixava que pegássemos não. Ele mandava queimar tudo, dizia que estava tudo contaminado”, revela.
No final de setembro do ano passado, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) aprovou uma resolução sobre a situação dos direitos humanos na Venezuela, apresentada pelo Brasil com os países que compõem o Grupo de Lima. A informação se deu em comunicado pelo Ministério das Relações Exteriores brasileiro.
Segundo a nota, divulgada na época, havia profunda preocupação “com a situação alarmante dos direitos humanos na Venezuela, que inclui violações contra todos os direitos humanos – civis, políticos, econômicos, sociais e culturais – no contexto da corrente crise política, econômica, política, social e humanitária” provocada pelo regime do presidente Nicolás Maduro, atualmente no poder.
Entidade filantrópica com mais de 35 anos de existência ofereceu amparo a refugiados venezuelanos
Fundada em Goiânia, em maio de 1984, a Obras Sociais do Centro Espírita Irmão Áureo (Osceia) é uma entidade filantrópica não governamental que se propõe, segundo a mesma, a "promover a assistência social e a educação". Mantendo-se de doações, a entidade conseguiu, com o apoio do governo federal e de órgãos ligados à ONU, transferir 26 famílias venezuelanas de Boa Vista, em Roraima, para Goiás, oferecendo a elas amparo e oportunidades para um novo recomeço em solo brasileiro. Com o anúncio da chegada dos venezuelanos a Goiás, em novembro de 2019, a Osceia conseguiu arrecadar, através de instituições e empresas parceiras, móveis, alimentos, roupas, medicamentos, calçados, eletrodomésticos e até doações em dinheiro.
Segundo a entidade, assim que chegam ao Estado, os refugiados recebem auxílio para a entrada no mercado de trabalho, através de intermédio da Osceia, e escola gratuita para as crianças. Além disso, a entidade aluga uma casa com móveis para cada família pelo período de três meses, até que os adultos possam se estabilizar e conseguir empregos.
Para cada família acolhida pela Osceia, é designada um tutor. Ele possui o papel de assistir a cada família em suas necessidades no período de adaptação. Para entidade, a atuação deles auxilia o recomeço dos refugiados após uma história de sofrimento. De acordo com um informativo da Osceia, “mais do que acompanhar, os tutores desempenham o papel da atenção e da fraternidade, representando de perto todos os voluntários que auxiliam direta e indiretamente”.
Professora Edna Aparecida (DC) começa a tomar conhecimento da situação deixada pelo ex-prefeito, afastado em fevereiro, diminui secretarias e comissionados
Para nomes como Roberto Balestra, José Lima Cruvinel, Issy Quinan e outros, presidente do partido toma decisões pessoais à frente da legenda
Sugestão para realização de uma audiência pública partiu do deputado Paulo Trabalho. Em justificativa, parlamentar defendeu: “precisamos ter pleno conhecimento dos reflexos desse projeto”
Enfrentamos a gripe aviária, a gripe suína e agora estamos frente a frente o coronavírus. Também poderemos vencê-lo?
Caso de isolamento de detento por risco de coronavírus expõe o restrito e precário atendimento médico dentro do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia
O universo jurídico se dividiu diante do questionamento: até onde a autoridade instituída pode ir em nome do Estado e por ele?
[caption id="attachment_240143" align="alignnone" width="623"]
Lei de Abuso de Autoridade está em vigor desde o início do ano / Foto: Reprodução[/caption]
Alvo de críticas, elogios e debates acalorados, a Lei nº 13.869, ou, como é popularmente conhecida, Lei de Abuso de Autoridade, foi promulgada em setembro do ano passado e passou a vigorar a partir do início de janeiro deste ano. Após quase dois anos de discussões para sua consequente aprovação, ela substituiu uma outra lei do ano de 1965, exclusiva do Poder Executivo, mas que tinha a mesma essência em seu efeito prático: até onde a autoridade instituída pode ir em nome do Estado e por ele?
A Lei enquadra 45 condutas no abuso de autoridade para servidores dos três poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário - e valem tanto para civis quanto para militares. Inicialmente, 53 condutas haviam sido tipificadas. O presidente da República, Jair Bolsonaro, dessas, vetou 23, mas 15 foram restauradas. É caracterizado como abuso de autoridade, conforme a Lei nº 13.869, o ato executado com o objetivo de beneficiar ou prejudicar o investigado ou qualquer outra pessoa. Tal ato, para ser enquadrado na lei, deve ser devidamente comprovado e o indivíduo ter se valido do cargo.
Todavia, a lei “rachou” o meio jurídico e civil, que se dividiu entre pros e contras ao “novo” sistema de execução da justiça. Enquanto uns vieram a público defendê-la com o argumento de que ela não exige nada mais do que o restrito e correto cumprimento da Constituição Federal e do Código Penal, outros alegaram que a lei contribui para o atraso e até inibição do combate à corrupção, livrando criminosos e infratores das devidas punições.
Um dos setores da sociedade que mais se destacaram no posicionamento contrário à Lei de Abuso de Autoridade foi o da Magistratura. Em outubro de 2019, um mês após a promulgação, entidades membros da Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas) chegaram a publicar uma carta aberta chamando a atenção para os supostos riscos da nova lei. Conforme a associação, formada por quase 40 mil juízes e promotores de Justiça, o chamado “freio” ao abuso de autoridade na verdade seria um “incentivo à impunidade”, além de um instrumento de fragilização do sistema de Justiça no país.
Na carta aberta, os magistrados alegam que “ao contrário de coibir os verdadeiros abusos de autoridade”, a Lei do Abuso atrapalha o poder-dever de “investigar, processar e julgar autores de crimes e de infrações civis e trabalhistas, sem o que não se sustenta uma sociedade democrática e fundada nos valores da democracia e da república”. A associação alerta para o texto da lei em si. Segundo os juízes, o mesmo é cheio de “expressões vagas, imprecisas, de múltiplos significados e de interpretação genérica”.
O documento divulgado pela Frentas chega a afirmar que a Lei nº 13.869 submete a polícia e os membros do Ministério Público à uma exposição, fazendo-os correr o risco de serem ameaçados com "representações criminais ou responderem ações penais pelo simples fato de estarem cumprindo com suas obrigações funcionais”.
Por outro lado, há o outro lado da sociedade que julga a promulgação da lei como um gigantesco avanço no cumprimento da justiça. O advogado e professor do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), Júlio Anderson, faz parte do “bloco pró” Lei de Abuso de Autoridade. De acordo com o professor, a lei em questão impõe o fator essencial de que a autoridade estatal tem um limite constitucional que não pode ultrapassar. Para ele, sem esse limite, “muitas atrocidades são cometidas contra os cidadãos”.
“No Estado democrático de direito, existem garantias na Constituição Federal que protegem o cidadão. E aqui no Brasil, o que se tem observado é que algumas autoridades públicas têm atropelado essas garantias”, diz.
[caption id="attachment_240144" align="alignright" width="377"]
O professor da PUC Goiás e advogado acredita que a lei viabilizará o correto cumprimento das leis / Foto: Arquivo pessoal[/caption]
Segundo o professor, a lei em questão responsabiliza o agente público que age em nome do Estado, impedindo-o de extrapolar sua competência baseado na convicção de que não será punido caso o faça. “Falam muito da Venezuela, que lá é uma ditadura. Mas por que falam isso? Por que lá não tem liberdades individuais, os agentes do Estado violam essas liberdades. Aqui no Brasil, a importância dessa lei é no sentido de frear o abuso do Estado contra as garantias individuais”, explica.
Quanto ao argumento contrário à lei, que dá conta de que ela inibiria o combate à corrupção, Júlio discorda. De acordo com ele, a lei tem justamente o efeito contrário ao alegado pelos críticos, uma vez que ela reforçaria a obrigação de seguir o devido processo legal no que tange a investigados e suspeitos de crimes. “A corrupção tem que ser combatida, mas dentro dos parâmetros da lei, sem abusos. Se fizer como está na lei, vai combater da forma correta. Não se combate um mal causando outro”, arremata.
Veja abaixo os 45 itens que foram promulgados na lei como sendo abuso de autoridade por parte de agentes do Estado:
- Usar cargo para se eximir de obrigação ou obter vantagem
- Constranger um preso a se exibir para a curiosidade pública
- Impedir que o preso, réu ou investigado tenha seu advogado presente durante uma audiência e se comunique com ele
- Não comunicar prisão em flagrante ou temporária ao juiz
- Não comunicar prisão à família do preso
- Não entregar ao preso, em 24 horas, a nota de culpa (documento contendo o motivo da prisão, quem a efetuou e testemunhas)
- Prolongar prisão sem motivo, não executando o alvará de soltura ou desrespeitando o prazo legal
- Não se identificar como policial durante uma captura
- Não se identificar como policial durante um interrogatório
- Negar ao investigado acesso aos documentos relativos a etapas vencidas da investigação
- Interrogar à noite, com exceções de flagrante ou consentimento
- Impedir encontro do preso com seu advogado
- Procrastinar investigação ou procedimento de investigação
- Exigir informação ou cumprimento de obrigação formal sem amparo legal
- Pedir vista de processo judicial para retardar o seu andamento
- Atribuir culpa publicamente antes de formalizar uma acusação
- Decretar prisão fora das hipóteses legais
- Não relaxar prisão ilegal
- Não substituir prisão preventiva por outra medida cautelar, quando couber
- Não conceder liberdade provisória, quando couber
- Prestar informação falsa sobre investigação para prejudicar o investigado
- Não deferir habeas corpus cabível
- Decretar a condução coercitiva sem intimação prévia
- Constranger um preso a se submeter a situação vexatória
- Bloquear bens além do necessário para pagar dívidas
- Constranger o preso a produzir provas contra si ou contra outros
- Constranger a depor a pessoa que tem dever funcional de sigilo
- Instaurar investigação de ação penal ou administrativa sem indício, sendo exceção a investigação preliminar sumária justificada
- Insistir em interrogatório de quem optou por se manter calado
- Insistir em interrogatório de quem exigiu a presença de um advogado, enquanto não houver advogado presente
- Impedir ou retardar um pleito do preso à autoridade judiciária
- Manter criança/adolescente em cela com maiores de idade
- Entrar ou permanecer em imóvel sem autorização judicial (exceções: flagrante e socorro)
- Coagir alguém a franquear acesso a um imóvel
- Cumprir mandado de busca e apreensão entre 21h e 5h
- Manter presos de diferentes sexos na mesma cela
- Alterar cena de ocorrência
- Eximir-se de responsabilidade por excesso cometido em investigação
- Constranger um hospital a admitir uma pessoa já morta para alterar a hora ou o local do crime
- Obter prova por meio ilícito
- Forjar um flagrante
- Usar prova mesmo tendo conhecimento de sua ilicitude
- Divulgar material gravado que não tenha relação com a investigação que o produziu, expondo a intimidade e/ou ferindo a honra do investigado
- Iniciar investigação contra pessoa sabidamente inocente
Profissionais que se identificam com a direita dizem o que pensam sobre o presidente Bolsonaro, economia, imprensa e costumes
