Polêmica com a China por causa do coronavírus não interessa a Goiás
12 abril 2020 às 00h00
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Mais de metade das exportações goianas são destinadas à China, que reduz seu consumo em decorrência do coronavírus. Demanda da soja, entretanto, se mantém alta
A balança comercial goiana teve um aumento de 32,53% em março, quando comparada a igual período do ano passado. O saldo foi impulsionado por um aumento expressivo nas exportações de soja. O principal destino da produção foi a China, com 58,4% das exportações, segundo dados do Centro Internacional de Negócios (CIN) da Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg).
A soja teve papel fundamental no resultado, já que o produto in natura representou 92,9% das saídas para o país asiático, com um crescimento de 42,9% quando comparado a igual período de 2019. Com isso, Goiás avançou três posições no ranking nacional, sendo o oitavo Estado que mais exportou no Brasil. Em direção oposta, o relatório do CIN/Fieg aponta redução nas exportações para Espanha (-59%), Itália (-76%) e Irã (-78%).
Segundo a Federação, o impacto na balança comercial goiana é consequência direta da pandemia de coronavírus nesses três países no mês de março. “O pico de coronavírus que esses países apresentaram no mês de março, dificultou manter o mesmo ritmo de importações”, diz o CIN/Fieg no documento.
Enquanto as importações tiveram aumento mínimo de 0,97%, quando comparadas a igual período do ano passado, em relação a fevereiro de 2020 o incremento foi de 17,63%. O CIN/Fieg faz um destaque para insumos destinados à fabricação de produtos relacionados ao combate e prevenção ao coronavírus. Irlanda e Alemanha se destacaram como fornecedores de indústrias goianas.
Aos olhos dos chineses
O atual superintendente de Negócios Internacionais da Secretaria de Desenvolvimento e Inovação, Edival Lourenço Júnior, viveu, estudou e trabalhou na China entre 2011 e 2018. O goianiense estudou na Universidade de Pequim e trabalhou para a ZhuZhou Times New Material and Technology (TMT), subsidiária da estatal China Railway Rolling Stock Corporation (CRRC), considerado o maior grupo do ramo ferroviário do mundo, listada na bolsa de Xangai e com mais de 180 mil empregados. Além disso, promoveu rodadas de investimento em países como o Brasil
Edival Lourenço Júnior afirma que a queda de importações na Europa e outros fenômenos atípicos fizeram com que a China comprasse 60% de tudo que Goiás exportou: “Por conta do atraso na colheita de soja em fevereiro, a venda ficou acumulada no mês de março e deve ainda se desdobrar em abril. Além disso, a quarentena contra o coronavírus causou uma fila recorde de navios esperando; muitas vendas foram executadas em março”.
Como consequência, a balança comercial goiana teve incremento de 32,53% em março. “Existe interdependência entre as economias brasileira e chinesa, uma complementariedade. Diferentemente dos Estados Unidos, que competem tecnologicamente com a China, nós não estamos nesse mercado ainda. Temos tudo o que os chineses precisam: minério e alimento. Eles são nossos principais parceiros comerciais desde 2009 e nossa relação é extremamente positiva, pois foi sempre superavitária para nós. É uma reserva de mercado importantíssima”, diz Edival Lourenço Júnior.
O fiel da balança comercial
O financista Moisés Ferreira da Cunha, doutor em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo (USP), afirma que em todo o mundo houve diminuição do comércio exterior em consequência das medidas de quarentena, que reduzem também o consumo. Moisés da Cunha lembra que a Índia iniciou no dia 31 de março um isolamento de todos seus 1,3 bilhão de habitantes (17% da população da Terra) e que os impactos da providência serão sentidos em breve. “Mas gostaria de ratificar que podemos recuperar a economia posteriormente, e que o mais importante agora é salvar vidas”, diz o financista.
Michel Magul, ex-presidente da Comissão Especial de Direito Internacional da OAB de Goiás, afirma sobre o tema: “Não é fácil. Há um paradoxo dicotômico entre proteger vidas com a quarentena e proteger a economia com o trabalho, mas não podemos politizar questões de saúde pública. A vida humana tem de ser prioritária, sem radicalizar decisões e apresentando-as com ponderação e diálogo.”
As áreas econômicas em que o Brasil se destaca são principalmente duas, segundo Moisés da Cunha: a produção e exportação de commodities e o mercado financeiro especulativo. “Na área de commodities, exportamos alimentos, e esse setor não sofreu uma queda tão grande quanto os demais por se tratar de uma necessidade humana básica e incontornável”, diz. Moisés da Cunha conjectura que, quando o problema do novo coronavírus passar, esse setor também não irá se valorizar tanto quanto os demais.
Por outro lado, o Brasil também exporta minérios de ferro e seus concentrados, óleos brutos de petróleo, e outros produtos minerais – 30% de toda produção mineral vai para a China – e este setor sofreu queda pelo fechamento de indústrias mundo afora. Para Goiás, que é exportador de ferro-níquel, ferro-nióbio, sulfetos de minérios de cobre, a pandemia representou um golpe, já que aproximadamente 58% da produção do estado vai para o gigante asiático.
Fora do setor de commodities, Moisés da Cunha estima que o varejo (bens de consumo não duráveis) seja o primeiro a se recuperar da crise, enquanto entretenimento, turismo e aviação comercial podem ser os últimos. Também pode representar uma vantagem para a balança comercial goiana o fato de que, no mês de março, 19,5% de todas as importações corresponderam a produtos imunológicos, e estes gastos cairão com a solução da pandemia.
Em crise com o maior parceiro
Danyelle de Lima Wood, mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), afirma que a relação entre Brasil e China ficou realmente abalada com as provocações de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e Abraham Weintraub (ministro da Educação) no Twitter. Em sua opinião, a animosidade não fica restrita à rede social e ganha importância diplomática por ser vocalizada pelo filho do presidente, não apenas um deputado federal como outro qualquer.
Danyelle Wood afirma: “Acredito que haja uma posição de membros do governo que pode gerar problemas concretos ao Brasil. Nós nunca vimos a China tomar uma postura de colaboração internacional quanto agora, auxiliando países que estão atravessando a pandemia com equipamentos e know how. A China ajudou a Itália e se mostrou aberta a qualquer país que necessitasse de ajuda. Essa postura ideológica de membros da família do presidente e racista de integrantes do governo é duplamente perigosa quando se considera que a China pode retaliar o Brasil economicamente.”
Edival Lourenço Júnior diz sobre a perspectiva dos chineses do conflito: “Quando essas lideranças do governo federal falam absurdos no Twitter, ofendem o país, são coisas ofensivas para um povo. Fazer chacota com um povo não agrega em nada. Deveríamos concentrar esforços em ter uma boa relação com a China, que é o principal fornecedor de soluções para combater a pandemia no mundo.”
“Eu particularmente não acredito em retaliação econômica porque, no fundo, o negócio do chinês é fazer business”, afirma Edival Lourenço Júnior. “Em 1978, quando Deng Xiaoping falou ‘enriquecer é glorioso’, o chinês levou isso muito a sério. O negociador chinês é pragmático. Eu tive equipes, chefes e subordinados chineses, posso afirmar que eles são pragmáticos e objetivos. O interesse da China é fazer negócios, eles [os chineses] não querem enfrentamento ideológico nesse momento. Não vamos tratar mal nosso principal cliente.”
Etiologia do Conflito
Foi o fato de o presidente americano Donald Trump ter demorado a responder adequadamente ao coronavírus, segundo epidemiologistas, que precipitou a postura original de animosidade contra a China, diz Danyelle Wood. “No início, Trump apontou dedos para a China em uma tentativa de repassar a culpa, já que para ele este é um ano eleitoral e sua popularidade é a questão imediata.” Segundo a estudiosa das relações internacionais, a postura foi copiada por alinhamento ideológico ao presidente americano – até mesmo o termo estigmatizante “vírus chinês” foi cunhado pelos americanos e propagado no Brasil.
“O governo federal agiu com incompetência e irresponsabilidade, tentando achar culpados para tirar o foco do problema maior, que é o fato de o vírus estar aí, não importando de quem é a culpa”, diz Danyelle Wood. Entretanto, nos Estados Unidos houve uma mudança de postura pragmática por volta da semana do dia 22 de março. Antes antagonistas, os Estados Unidos adotaram discurso de cooperação com a China, quando passaram a importar produtos imunológicos e, principalmente, respiradores para internos em UTI com a Covid-19.
No Brasil, tal mudança no tom do discurso não aconteceu e o país foi deixado antagonizando a China em nosso próprio detrimento. Segundo Danyelle Wood, seremos forçados a reconhecer a importância do gigante asiático cedo ou tarde: “O que estamos vendo é uma mudança profundo do polo de poder. A minha leitura que neste momento a China está emergindo e os Estados Unidos estão em decadência. É perigoso tomar um lado tão obliquamente, sem pensar no futuro comercial e estratégico.”
Na opinião de Moisés da Cunha, falas atrapalhadas de ministros e deputados são ruído na relação entre os dois países, mas os fatos permanecem os mesmos: o Brasil é um grande produtor de commodities e a China é uma grande consumidora. “Eles não vão parar de comprar de nós completamente e esse não é um efeito duradouro. Mas pode haver consequências concretas da inabilidade diplomática, sim. Não somos os únicos produtores de alimentos – os Estados Unidos tiram ‘uma casquinha’ de nossas trapalhadas, estão fazendo o papel deles. Grande parte da animosidade original entre os dois se deve ao fato de que o havia um déficit gigantesco do lado americano, e eles vêm consertado este desequilíbrio comercial.”
Direito Internacional
Michel Afif Magul, ex-presidente da Comissão Especial de Direito Internacional da OAB de Goiás, afirma que outros países conseguiram lidar exemplarmente com a pandemia: Coreia do Sul, Singapura, Taiwan, Israel – todos do continente asiático. Enquanto não estamos acostumados a ver países europeus recebendo ajuda humanitária, o fenômeno tem a ver com a preparação que os países asiáticos tiveram para enfrentar pandemias devido a seu histórico e investimento em ciência. Apenas através da testagem em massa é possível tomar medidas públicas eficientes para lidar com a Covid-19.