Aproximadamente 150 mil pessoas trabalham no local e esperam pelo fim das medidas essenciais para conter a disseminação do coronavírus

Antes e depois: dois momentos da Região da 44, em Goiânia | Fotos: Fernando Leite / Jornal Opção

Segundo maior polo de moda do Brasil, atrás apenas do Brás, em São Paulo, a Rua 44 está parada há 25 dias, desde que o governo decretou a quarentena em Goiás, para combater a disseminação da pandemia de Covid-19. Segundo cálculos da Associação Empresarial da Região da 44 (AER44), com base na média diária anual, nesse período deixaram de ser comercializados quase R$ 600 milhões.

À primeira vista, o valor assusta. Contudo, um mergulho nos números da região, a mais movimentada do comércio em Goiânia, revela que a conta não é exagerada. Incluindo a tradicional Feira Hippie, que funciona na Praça do Trabalhador, por ali existem 21 mil pontos de venda, distribuídos em 120 empreendimentos, como galerias, shoppings e hotéis. Juntos, eles empregam aproximadamente 150 mil pessoas, incluindo guias turísticos, montadores de barraca, vendedores e demais funcionários de lojas e confecções.

Os números gigantescos, porém, escondem histórias de gente de carne e osso, que está passando por dificuldades diante da paralisação da atividade econômica – medida indispensável para evitar um elevado número de mortes pela Covid-19. Cristina Medeiros é um desses rostos invisíveis. Por ser ambulante, não aparece nem mesmo nas estatísticas da AER44.

Cristina Medeiros: ambulante na Região da 44, recebeu uma cesta básica doadas pelos empresários locais | Foto: pessoal

Aos 54 anos de idade, Cristina vende cocadas, que ela própria faz em casa, nas ruas da região. Em um dia normal, vende entre 50 a 60 unidades. No fim do mês, fatura entre R$ 500 e R$ 600. Dinheiro que ajuda nas despesas da família. No Residencial Itaipu, na Região Sudoeste de Goiânia, ela divide o lote em que mora com dois filhos – José Alexandre, de 32 anos de idade, e Luciana, de 30 – e quatro netos, todos meninos: Matheus Henrique, 14 anos; Caio Gabriel, 12 anos; Lucas, 12 anos; e Luan, de 8 anos de idade.

A família inteira depende da renda como ambulantes. Com o comércio da Rua 44 e adjacências fechado, o dinheiro sumiu. “Ninguém [da família] está trabalhando e os meninos estão em casa, pois não pode sair para a rua. Estou com [o pagamento de] água e energia atrasados”, afirma. Na última quinta-feira, 9, ela foi buscar uma cesta básica em uma ação que reuniu 27 empresários. “Veio em boa hora. Graças a Deus tem gente que ajuda”, disse. Mesmo ciente dos riscos da exposição, Cristina engrossa a voz daqueles que admitem correr riscos para buscar o sustento. “Tenho criança em casa”, justifica.

Do outro lado

A preocupação, porém, não é apenas dos trabalhadores. Do outro lado do balcão, os empresários se equilibram em uma corda-bamba. Dono de uma confecção e de uma loja na região da 44, Fernando Faustino diz que usou recursos que estavam sendo guardados para investimentos na empresa para pagar os 62 funcionários – 58 da produção e quatro vendedores. Em salários, “com pouca comissão, pois a loja estava fechada”, foram R$ 94 mil.

Para pagar a folha de abril, em 5 de maio, o empresário buscou uma linha de crédito disponibilizada pelo governo federal exclusivamente para o pagamento de salários. O recurso não é o suficiente, mas representa “uma boa parte” do custo total, conforme Faustino.

Mesmo que a atividade comercial seja liberada nas próximas semanas, o empresário prevê que serão necessários vários meses para que o movimento volte à normalidade. “Ninguém vai sair comprando”, alerta. Para tentar driblar a crise, ou ao menos diminuir seus impactos, ele planeja diversificar a estratégia de venda, hoje focada na Região da 44. “Vamos começar alguns projetos, como vender no interior, que está mantendo algum tipo de produção”, explica.

Demissões

Faustino, porém, é realista. Admite que dificilmente conseguirá manter o atual quadro de funcionários. “Já estou selecionando [os empregados que serão mantidos]. A gente vai ter de mudar muita coisa, diminuir o número de parceiros, não tem como pagar essa conta”, lamenta.

O empresário tem uma loja na região desde 2002 – antes, era feirante na Feira Hippie. Nesses 18 anos, viu muita coisa mudar, mas nada parecido com os dias atuais. “Não me preparei para um desastre desses, mas tenho esperança, o interior vai salvar a gente”, acredita.

Mas, mesmo com esse otimismo, ele percebe que muitos empreendedores não sobreviverão. “Eles estão piores. Dependem muito da venda de fim de semana, pegam cheques para pagar as contas e comprar para a semana seguinte. Além disso, não têm crédito nos bancos”, lamenta.

Jairo Gomes: de 10% a 20% das lojas vão fechar | Foto: Divulgação

Associação espera reabertura ainda para abril

A Associação Empresarial da Região da 44 (AER44) espera que o comércio local seja reaberto após o vencimento do decreto que prorrogou a quarentena em Goiás até o dia 19 de abril, com exceção de serviços considerados essenciais (como supermercados e drogarias, entre outros). Segundo o presidente da entidade, Jairo Gomes, os lojistas prepara “uma reabertura responsável”.

A associação preparou uma série de medidas para tentar convencer as autoridades sanitárias de que é viável abrir as portas do comércio local, ainda que seja uma das regiões que mais aglomeram pessoas em Goiânia. Entre as providências sugeridas estão o escalonamento das excursões de outros Estados, desinfecção dos ônibus que trouxerem compradores, limitação de funcionários nas lojas, distribuição de máscaras e de álcool em gel.

“Quando formos comunicados da data da reabertura, faremos lá uma limpeza geral, com desinfecção das lojas, pintura de meio-fio, entre outras medidas”, diz Jairo Gomes. Segundo ele, um protocolo foi elaborado, com ajuda de médicos sanitaristas.

Caiado

O presidente da AER 44 afirma que será necessário, no mínimo, um semestre para que o comércio da região volte à normalidade. “Se piorar [a pandemia], 2020 vai para o lixo”, afirma. Proprietário de uma galeria, ele conta que os donos dos grandes empreendimentos têm ajudado os pequenos lojistas com a isenção do aluguel, por 30 dias.

Ainda assim, ele acredita que muita gente não vai reabrir, caso a quarentena permaneça por muito tempo. “Sem soar pejorativo, mas muita gente precisa vender o almoço para comprar o jantar”, afirma. Em seus cálculos, entre 10% e 20% dos empresários não reabrirão as portas, mesmo quando o isolamento social for encerrado.

Jairo Gomes conta que conversou pessoalmente com o governador Ronaldo Caiado, que manifestou a ele preocupação com a situação de empresários e trabalhadores da região. Desse diálogo, ficou o compromisso do governo do Estado de facilitar o acesso às linhas de créditos da Goiás Fomento. “O governo deve enviar um projeto de lei para a Assembleia Legislativa facultando a apresentação de aval para tomada de empréstimo. O próprio governo será o avalista”, adianta.