Região da 44 deixa de vender R$ 600 milhões na quarentena
12 abril 2020 às 00h00

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Aproximadamente 150 mil pessoas trabalham no local e esperam pelo fim das medidas essenciais para conter a disseminação do coronavírus

Segundo maior polo de moda do Brasil, atrás apenas do Brás, em São Paulo, a Rua 44 está parada há 25 dias, desde que o governo decretou a quarentena em Goiás, para combater a disseminação da pandemia de Covid-19. Segundo cálculos da Associação Empresarial da Região da 44 (AER44), com base na média diária anual, nesse período deixaram de ser comercializados quase R$ 600 milhões.
À primeira vista, o valor assusta. Contudo, um mergulho nos números da região, a mais movimentada do comércio em Goiânia, revela que a conta não é exagerada. Incluindo a tradicional Feira Hippie, que funciona na Praça do Trabalhador, por ali existem 21 mil pontos de venda, distribuídos em 120 empreendimentos, como galerias, shoppings e hotéis. Juntos, eles empregam aproximadamente 150 mil pessoas, incluindo guias turísticos, montadores de barraca, vendedores e demais funcionários de lojas e confecções.
Os números gigantescos, porém, escondem histórias de gente de carne e osso, que está passando por dificuldades diante da paralisação da atividade econômica – medida indispensável para evitar um elevado número de mortes pela Covid-19. Cristina Medeiros é um desses rostos invisíveis. Por ser ambulante, não aparece nem mesmo nas estatísticas da AER44.

Aos 54 anos de idade, Cristina vende cocadas, que ela própria faz em casa, nas ruas da região. Em um dia normal, vende entre 50 a 60 unidades. No fim do mês, fatura entre R$ 500 e R$ 600. Dinheiro que ajuda nas despesas da família. No Residencial Itaipu, na Região Sudoeste de Goiânia, ela divide o lote em que mora com dois filhos – José Alexandre, de 32 anos de idade, e Luciana, de 30 – e quatro netos, todos meninos: Matheus Henrique, 14 anos; Caio Gabriel, 12 anos; Lucas, 12 anos; e Luan, de 8 anos de idade.
A família inteira depende da renda como ambulantes. Com o comércio da Rua 44 e adjacências fechado, o dinheiro sumiu. “Ninguém [da família] está trabalhando e os meninos estão em casa, pois não pode sair para a rua. Estou com [o pagamento de] água e energia atrasados”, afirma. Na última quinta-feira, 9, ela foi buscar uma cesta básica em uma ação que reuniu 27 empresários. “Veio em boa hora. Graças a Deus tem gente que ajuda”, disse. Mesmo ciente dos riscos da exposição, Cristina engrossa a voz daqueles que admitem correr riscos para buscar o sustento. “Tenho criança em casa”, justifica.
Do outro lado
A preocupação, porém, não é apenas dos trabalhadores. Do outro lado do balcão, os empresários se equilibram em uma corda-bamba. Dono de uma confecção e de uma loja na região da 44, Fernando Faustino diz que usou recursos que estavam sendo guardados para investimentos na empresa para pagar os 62 funcionários – 58 da produção e quatro vendedores. Em salários, “com pouca comissão, pois a loja estava fechada”, foram R$ 94 mil.
Para pagar a folha de abril, em 5 de maio, o empresário buscou uma linha de crédito disponibilizada pelo governo federal exclusivamente para o pagamento de salários. O recurso não é o suficiente, mas representa “uma boa parte” do custo total, conforme Faustino.
Mesmo que a atividade comercial seja liberada nas próximas semanas, o empresário prevê que serão necessários vários meses para que o movimento volte à normalidade. “Ninguém vai sair comprando”, alerta. Para tentar driblar a crise, ou ao menos diminuir seus impactos, ele planeja diversificar a estratégia de venda, hoje focada na Região da 44. “Vamos começar alguns projetos, como vender no interior, que está mantendo algum tipo de produção”, explica.
Demissões
Faustino, porém, é realista. Admite que dificilmente conseguirá manter o atual quadro de funcionários. “Já estou selecionando [os empregados que serão mantidos]. A gente vai ter de mudar muita coisa, diminuir o número de parceiros, não tem como pagar essa conta”, lamenta.
O empresário tem uma loja na região desde 2002 – antes, era feirante na Feira Hippie. Nesses 18 anos, viu muita coisa mudar, mas nada parecido com os dias atuais. “Não me preparei para um desastre desses, mas tenho esperança, o interior vai salvar a gente”, acredita.
Mas, mesmo com esse otimismo, ele percebe que muitos empreendedores não sobreviverão. “Eles estão piores. Dependem muito da venda de fim de semana, pegam cheques para pagar as contas e comprar para a semana seguinte. Além disso, não têm crédito nos bancos”, lamenta.

Associação espera reabertura ainda para abril
A Associação Empresarial da Região da 44 (AER44) espera que o comércio local seja reaberto após o vencimento do decreto que prorrogou a quarentena em Goiás até o dia 19 de abril, com exceção de serviços considerados essenciais (como supermercados e drogarias, entre outros). Segundo o presidente da entidade, Jairo Gomes, os lojistas prepara “uma reabertura responsável”.
A associação preparou uma série de medidas para tentar convencer as autoridades sanitárias de que é viável abrir as portas do comércio local, ainda que seja uma das regiões que mais aglomeram pessoas em Goiânia. Entre as providências sugeridas estão o escalonamento das excursões de outros Estados, desinfecção dos ônibus que trouxerem compradores, limitação de funcionários nas lojas, distribuição de máscaras e de álcool em gel.
“Quando formos comunicados da data da reabertura, faremos lá uma limpeza geral, com desinfecção das lojas, pintura de meio-fio, entre outras medidas”, diz Jairo Gomes. Segundo ele, um protocolo foi elaborado, com ajuda de médicos sanitaristas.
Caiado
O presidente da AER 44 afirma que será necessário, no mínimo, um semestre para que o comércio da região volte à normalidade. “Se piorar [a pandemia], 2020 vai para o lixo”, afirma. Proprietário de uma galeria, ele conta que os donos dos grandes empreendimentos têm ajudado os pequenos lojistas com a isenção do aluguel, por 30 dias.
Ainda assim, ele acredita que muita gente não vai reabrir, caso a quarentena permaneça por muito tempo. “Sem soar pejorativo, mas muita gente precisa vender o almoço para comprar o jantar”, afirma. Em seus cálculos, entre 10% e 20% dos empresários não reabrirão as portas, mesmo quando o isolamento social for encerrado.
Jairo Gomes conta que conversou pessoalmente com o governador Ronaldo Caiado, que manifestou a ele preocupação com a situação de empresários e trabalhadores da região. Desse diálogo, ficou o compromisso do governo do Estado de facilitar o acesso às linhas de créditos da Goiás Fomento. “O governo deve enviar um projeto de lei para a Assembleia Legislativa facultando a apresentação de aval para tomada de empréstimo. O próprio governo será o avalista”, adianta.