O apoio ao afrouxamento da quarentena tem sido aprovado por alguns políticos que veem a medida como um precipício para a economia

Movimentado restaurante de Goiânia tem portas fechadas e atendimento por delivery desde o decreto estadual / Foto: Ton Paulo

Na última quinta-feira, 16, o presidente da República chamou à sua presença, no Palácio da Alvorada, o médico ortopedista Luiz Henrique Mandetta para comunicar que, a partir daquele momento, ele não era mais o titular do Ministério da Saúde. Não foi surpresa para os brasileiros, e nem para o próprio Mandetta, uma vez que já vinha sendo anunciado aos quatro ventos que sua cabeça estava a prêmio. O maior e mais acentuado ponto de atrito entre o presidente e o ministro chegou a levantar torcidas: de um lado, Mandetta dava entrevistas e cobrava mais rigidez no isolamento social contra o novo coronavírus – que instalou uma crise nunca antes vista no Brasil -; do outro, Bolsonaro armava-se de um ‘é grave, pero no mucho’, pedindo a reabertura do comércio e o fim das restrições aplicadas. O ministro foi substituído, mas a crise ficou e continua dividindo opiniões sobre a melhor e mais viável solução para ela.

Bolsonaro tem endossado o discurso contra o isolamento social de forma ininterrupta. No último dia 15 de abril, o presidente publicou em suas redes sociais um vídeo em que o escritor Guilherme Fiuza argumenta que “não existem mapas do efeito mitigador do distanciamento social na prevenção do novo coronavírus”. Antes disso, no dia 11, em visita à obra de construção do primeiro hospital de campanha em Águas Lindas de Goiás, o presidente tirou fotos com apoiadores, apertou mãos, deu abraços e não demonstrou nenhum incômodo com a aglomeração que acabou se formando.

O evento foi mais uma prova de que, enquanto uma parte majoritária da população apoia o isolamento social como medida eficaz contra a proliferação do vírus causador da Covid-19 (pesquisa Datafolha realizada na primeira semana de abril apontou que as medidas adotadas têm apoio de 76% da população brasileira), outra parte acompanha o presidente Bolsonaro e defende que o confinamento precisa acabar.

E engana-se quem crê que o apoio ao afrouxamento das medidas para a contenção da propagação do coronavírus – recomendadas pelas autoridades sanitárias – está restrito a uma pequena porção de apoiadores populares. O discurso é aprovado também por vários políticos, inclusive goianos, que têm visto o isolamento social como um precipício para a economia e até como uma estratégia política dos governadores para sabotar o governo federal.

Em Goiás, alguns deputados e vereadores, já conhecidos pelo alinhamento com o presidente da República, defendem que, caso o isolamento social seja mantido, as consequências podem ser até piores do que a própria pandemia do coronavírus. É o caso do vereador de Goiânia Oseias Varão, do PP. Forte apoiador de Jair Bolsonaro, Oseias argumenta que o alongamento das medidas restritivas no âmbito estadual está sendo adotando ignorando a realidade das famílias mais pobres que, segundo ele, “são obrigadas a ficar dentro de casa, passando fome”.

Para ele, as medidas estão sendo tomadas com boas motivações, mas serão extremamente nocivas para a sociedade. “Estão tentando resolver o problema, é preciso reconhecer que a intenção é até boa, mas essas medidas que estão sendo tomadas vão causar um estrago pior do que o provocado pela pandemia”, diz.

Para Oséias Varão, a intenção do isolamento é boa, mas trará efeitos negativos para a sociedade / Foto: Facebook

O vereador defende que o fato de o comércio estar parado vai gerar um efeito colateral sem precedente e que, inclusive, o isolamento social pode acarretar até mais mortes. “Eu estava conversando com uma amiga minha, médica, e ela disse que as mortes por infarto aumentaram durante esse período [de isolamento social]. Porque a pessoa começa a sentir os sinais, sente as dores, e não procura um hospital por medo de ser infectado”, relata.

Oseias também criticou a cobertura da imprensa da crise do coronavírus. Para ele, a “grande mídia” não tem mostrado a realidade da população socialmente vulnerável. “Todos os dias dezenas de pessoas me procuram pra falar sobre isso. Por que a imprensa não mostra um pai de família com os filhos dentro de casa, passando fome?”, arremata.

Flexibilização geral

Um outro parlamentar que também acredita que o isolamento social adotado para impedir o avanço do coronavírus deve findar é o deputado estadual Major Araújo, do PSL (antigo partido do presidente Jair Bolsonaro). O deputado, que também é pré-candidato à Prefeitura de Goiânia, diz que “não tem uma posição nem tanto voltada para o governo federal, nem tanto para o estadual”, entretanto, ele defende que as restrições impostas até agora deveriam ser flexibilizadas e até mesmo revogadas em alguns pontos do Estado.

“Eu acho que, nas cidades aqui em Goiás que não apresentam nenhum caso [de Covid-19], poderia haver uma flexibilização. Na capital, nas maiores cidades onde o foco é maior, eu acho que deve manter a quarentena. Mas essa medida [de isolamento social] em locais que não apresentaram nenhum caso, eu acho que é muito extrema”, disse.

Apesar de acreditar que a manutenção das medidas de restrição em Goiânia, capital do Estado, seria o ideal, Araújo diz que até nela seria possível uma “flexibilização geral”, desde que fossem seguidas as recomendações das autoridades. “Aqui em Goiânia, adotando as cautelas apresentadas pelas autoridades sanitárias, também poderiam ser abertos os serviços. Tem alguns serviços que o atendimento é feito por uma pessoa, com a ajuda de só mais uma, então são empresas muito pequenas, não causariam aglomeração e não teria tanto problema. Eu particularmente acho que dava pra flexibilizar no geral, até mesmo aqui na capital”, argumenta.

Segundo o Major Araújo, Goiânia já está preparada para ter o comércio flexibilizado / Foto: Facebook

Porém, Araújo esclarece que a flexibilização deve estar acompanhada de exigências das medidas de prevenção contra o contágio do coronavírus. Além disso, deve haver exceções em alguns pontos da cidade para a reabertura do comércio.

“Tem que ser uma flexibilização ampla, mas exigindo das empresas as medidas recomendadas pela OMS [Organização Mundial da Saúde], pelas autoridades sanitárias do Brasil, enfim, que é cuidar da higienização das mãos, uso de máscara, especialmente dos funcionários que vão atender, que vão prestar serviços. Mas tem lugar que não dá pra flexibilizar. A região da 44 é uma delas. Locais onde tem grande aglomeração não tem como flexibilizar. Fica impossível até de cumprir qualquer recomendação de autoridade sanitária num lugar daquele”, conclui.

O parlamentar também afirmou que o endurecimento das medidas de quarentena no Estado de Goiás podem ter tido intenções políticas, o que envolve o rompimento do governador Ronaldo Caiado com o presidente Jair Bolsonaro. “Até então eu vinha defendendo o Caiado em todas as suas ações. Estava sendo bem conduzido, o achatamento da curva de casos de coronavírus mostra isso. Mas tem um ingrediente político aí, não é só a questão do coronavírus, é uma conveniência também. É pra forçar o Congresso a apoiar algo que o Caiado vem buscando desde o início do seu governo, que é o Plano Mansueto, e que deve vir goela abaixo do Bolsonaro”, finalizou.

“Com certeza os comércios têm que reabrir”, diz deputado

Para o deputado estadual Delegado Humberto Teófilo, membro do PSL e outro forte apoiador de Bolsonaro, o isolamento social teve serventia por um tempo para a redução da transmissão do coronavírus, mas agora, segundo ele, as medidas estão sendo exageradas.

O deputado prega que o comércio deve ser reaberto com urgência para que os impactos na economia sejam reduzidos, e defende que o uso por parte da população de itens de proteção contra o vírus, como máscara e álcool em gel, é o suficiente para que o Estado retome sua rotina.

“Sou favorável à reabertura dos comércios de forma gradativa. O isolamento social foi importante até durante 30 dias, mas nesses 15 últimos dias eu já achei um pouco exagerado. Agora, com certeza os comércios têm que reabrir e adotar as medidas preventivas, usar álcool em gel, fazer a desinfecção dos locais, respeitar o distanciamento, evitar aglomeração das pessoas, limitar a quantidade de pessoas no local”, alegou.

De acordo com o deputado Delegado Humberto Teófilo, já é hora de o comércio reabrir / Foto: Facebook

Teófilo afirmou que a postura adotada pelo governo estadual é prejudicial, e a adoção de restrições no comércio sem qualquer flexibilização causa “um sofrimento muito grande para a população, principalmente para os mais pobres”.

O parlamentar também comentou a demissão do ex-ministro Mandetta, e declarou que a saída do médico se concretizou devido ao fato de ele e Bolsonaro não terem chegado a um ponto de concordâncias nas negociações. De acordo com Teófilo, “a questão da demissão do ministro da Saúde foi uma questão política do presidente”, e que “se o ministro não está em alinhamento com o presidente da República, então eles devem que chegar num meio termo, mas o que o ministro fez foi enfrentar o presidente”.

Ao discorrer sobre seu posicionamento, que segue a linha do que é defendido por Bolsonaro, Teófilo enfatiza que entende a seriedade da crise na saúde gerada pelo novo coronavírus, mas diz que o discurso adotado equilibra os dois pontos de vista. “Ele [Bolsonaro] queria a reabertura do comércio, concordo, mas também temos que adotar as medidas preventivas, e que é o que o presidente sempre diz. Às vezes ele foi infeliz em algum discurso que ele fez, mas a finalidade do discurso é a reabertura do comércio com a flexibilização e as medidas preventivas. Então eu concordo com o presidente nesta parte da reabertura, e eu entendo a seriedade da doença. Não estamos brincando com o coronavírus”.

Assim como Teófilo, o ex-prefeito de Piracanjuba e atual deputado estadual pelo PRP, Amauri Ribeiro, o ‘deputado do chapéu’, também é favorável que o isolamento social tenha um fim, e diz que a “maioria da população” é contrária às medidas impostas no Estado.

Entretanto, o parlamentar enfatiza que, se hoje a curva de transmissão em Goiás está baixa – num comparativo com os outros Estados – é devido aos decretos do governador Ronaldo Caiado. “Se o governador não tivesse feito o que ele fez, provavelmente ele estaria apanhando hoje porque teria muita gente morrendo. Hoje, o nosso Estado é um dos menos afetados por causa do isolamento social que ele fez, e ele teve peito pra fazer. Concordei no primeiro isolamento, não concordei tanto depois, mas hoje eu vejo que a atitude dele foi a mais sensata”, conta.

Para Amauri Ribeiro, Caiado “teve peito” para impor medidas de isolamento / Foto: Divulgação

Amauri vê Caiado em uma situação delicada e menciona que o chefe do Executivo estadual tem ouvido os parlamentares goianos para tomar decisões. Porém, o deputado acredita que se o isolamento social foi prolongado, as consequências poderão ser severas.

“A situação está complicada, mas eu acho que se continuar tudo parado do jeito que está, o Estado e o País vão entrar numa recessão jamais vista. Então, sou a favor de flexibilizar, mas vai ter critério. Vai ter que usar máscara, vai ter que seguir as recomendações direitinho”, relata Amauri.

A ‘guerra ao isolamento’ dos goianos na esfera federal

A defesa de políticos goianos à postura de Jair Bolsonaro extrapola os limites territoriais e chega, também, ao Distrito Federal. No Congresso Nacional, o líder do governo na Câmara, deputado Major Vitor Hugo, do PSL, é um apoiador irrestrito dos posicionamentos do presidente da República, o que, é claro, não deveria ser diferente pelo posto que ocupa na Câmara.

Logo após o pronunciamento feito por Bolsonaro na noite de 24 de março, em rede nacional, Vitor Hugo foi um dos primeiros a sair em defesa das palavras do presidente. O pronunciamento, em que Bolsonaro se referiu à Covid-19 como “gripezinha” e pediu a retomada das atividades comerciais e reabertura de escolas, foi duramente criticado por políticos e autoridades, e considerado a gota d’água para o rompimento por parte de Caiado. Todavia, para o deputado federal o pronunciamento do presidente era fruto da “visão de um estadista”.

“Excelente pronunciamento do nosso presidente Jair Bolsonaro! A visão estadista e a sua coragem em ir na contramão da histeria coletiva, construída sem critérios racionais, vão salvar as vidas de milhões de brasileiros. Salvar vidas e proteger empregos!”, escreveu Vítor Hugo, à época, em sua página no Twitter.

Desde o isolamento social foi decretado pelos governadores dos Estados, Vitor Hugo costuma endossar diariamente o posicionamento contrário às medidas firmado por Bolsonaro. No início da última semana, o deputado publicou no Twitter a seguinte mensagem: “Soltar bandidos e rastrear trabalhadores; negar as evidentes possibilidades da Cloroquina; prender pessoas nas ruas e nas filas… onde chegaremos?! Temos q focar em VIDAS e EMPREGOS, equilibrando essas duas vertentes, com urgência”, seguida da hashtag #UnidoscomBolsonaro.

Líder do governo, Vitor Hugo é um dos maiores apoiadores de Bolsonaro / Foto: Facebook

O parlamentar defendeu, inclusive, a aproximação do presidente com apoiadores na visita à obra do hospital de campanha em Águas Lindas de Goiás, e, após alfinetar o ex-presidente Lula, do PT, afirmou que Bolsonaro não havia convocado a aglomeração que havia se formado. “Deve ser realmente frustrante para ex-presidentes, hoje réus, acusados ou investigados, e parte da imprensa verem uma cena como essa. Não venham me falar q @jairbolsonaro quebrou regras sanitárias. Ele não convocou as pessoas, mas como todo Comandante está na linha de frente”, escreveu ele, também pelo Twitter.

O senador Vanderlan Cardoso, pré-candidato à Prefeitura de Goiânia, era um dos que consideravam exageradas as medidas adotadas pelo governo estadual. Porém, o parlamentar acabou flexibilizando seu próprio posicionamento.

Até o final de março, Cardoso era um crítico ao isolamento horizontal imposto por Caiado e chegou a afirmar que havia “exagero” no decreto que fechou temporariamente indústrias e escolas em Goiás. Em uma entrevista, o senador defendeu o isolamento vertical – o mesmo defendido por Bolsonaro -, em que apenas pessoas do grupo de risco (como idosos e portadores de doenças crônicas) deveriam ficar isolados.

Na época, ele afirmou que estava constatado que quase não havia vítimas fatais da Covid-19 com idade inferior a 30 anos, o que tornaria viável a reabertura do comércio, e pediu que o presidente assumisse “o controle do país”.

Porém, em uma entrevista posterior, no início de abril, o senador pareceu repensar sua postura, e declarou que não era a favor da abertura geral [dos estabelecimentos] em hipótese alguma, mas esclareceu que era partidário da flexibilização de algumas áreas.