Opção cultural

Continuação do texto sobre os agentes duplos que pertenceram ao topo da hierarquia dos serviços secretos de Inglaterra mostra como foram ganhando posição, influência e acesso a informações progressivamente mais sensíveis e decisivas
[caption id="attachment_111257" align="alignnone" width="620"] Kim Philby: nascido na região do Punjab, na Índia, recebeu o nome de Kim por ressonância do livro homônimo de Rudyard Kipling | Foto: Divulgação[/caption]
FRANK WAN
Especial para o Jornal Opção
Como em todos os grandes acontecimentos da história humana, a sorte e o acaso tiveram um papel decisivo. É impressionante o número de vezes em que os “cinco magníficos” de Cambridge (Kim Philby, Donald Duart Maclean, Guy Burgess, Anthony Blunt e John Cairncross) conseguiram passar ao lado do desastre total por um triz. A lista desses acontecimentos seria gigantesca e aborrecida. Em todos eles, cada um dos “cinco” foram ganhando posição, influência e acesso a informações progressivamente mais sensíveis e decisivas.
Ao acompanhar a evolução inicial de cada um dos cinco, facilmente vemos já luzes de “sorte” a brilhar. É este acaso-sorte que os vai colocar na posição em que os veremos mais tarde.
Um exemplo revelador do papel da sorte: Kim Philby era agente da anterior NKVD e depois da KGB. Nasceu na região do Punjab, na Índia, e mais tarde foi para Londres. Era um clássico “indian english”, recebeu o nome de Kim por ressonância do livro de Rudyard Kipling. Em Londres, estudou na Escola de Estudos Eslavos onde aprendeu russo. Típico inglês de boa cepa, nem com estes meios todos, conseguiu falar russo com um mínimo de qualidade. Dedicou-se ao jornalismo, atividade que costuma acolher todos os desafinados da literatura.
Philby viajou até Sevilha, em 1937, período da “Guerra Civil” conduzida do lado “Nacionalista” pelo General Francisco Franco. Ele viajou na qualidade de jornalista, como correspondente do jornal britânico “Times”, e teve acesso total ao lado franquista. Levava na agenda missões entregues, quer pelos soviéticos, quer pelos ingleses. Segundo algumas fontes, Stálin pretendia assassinar Francisco Franco, e essa seria a missão de Philby, mas, no decorrer dos acontecimentos, Stálin mudou de ideia – esta tese está longe de ser unânime entre os diversos especialistas das diversas áreas vizinhas.
O mais espantoso ao estudar estes assuntos é a semelhança com os filmes de espionagem. Por exemplo, para contatar os russos, Philby contatou uma pseudonamorada de nome Mle Dupont (registre-se a falta de imaginação típica), com quem trocava cartas criptografadas, típica cena de filme de espionagem. Para o lado inglês, a informação era simples de transmitir através de Handaye.
Philby estava presente na famigerada “Batalha de Teruel”. Viajou com os correspondentes da Associated Press, Newsweek e Reuters. Pegara carona com um grupo republicano, cujo carro sofreu uma explosão matando a todos, menos Philby, que saiu ileso, apenas com algumas escoriações. Após o acidente, Philby foi considerado um herói, recebendo a supermedalha “Cruces del Mérito Militar” das mãos de Francisco Franco, e passou a ter acesso ilimitado às elites fascistas. Relembro que na Espanha, os jornalistas ingleses eram conhecidos como bêbados, homossexuais e comunistas, combinação que nem sempre é lisonjeira.
A ideia dos “jornalistas ingleses serem todos comunistas” vinha da participação maciça de ingleses nas brigadas internacionais. O próprio Franco mudou de ideia acerca deles depois. Um general também pode-se enganar no labirinto dos seus preconceitos: Philby era comunista e homossexual.
Xadrez político
Como sempre, todos os acontecimentos em matéria de espionagem são uma mistura de verdades e mentiras. Os interessados na verdade total da ligação de Philby aos russos podem consultar as perturbadoras informações de Walter Krivitsky, antigo membro da GRU (Main Intelligence Directorate) que desertou, e que em todos os depoimentos que prestou perante todas as comissões (inglesas e americanas) afirmava sempre nada saber sobre as atividades de Philby na Espanha. Ou não disse tudo – os desertores nunca contam a verdade total –, ou estava a reservar-se para outra ocasião. Walter foi assassinado num hotel em Washington pouco depois das declarações, e muita coisa morreu com ele.
Entretanto, Guy Burgess tornou-se radialista, posição que na época dava grande notoriedade e permitia ter acesso às grandes figuras do xadrez político inglês e até internacional. As grandes entrevistas que conduziu para a BBC deram-lhe uma invejável agenda de contatos. Contatava, convidava, almoçava, trocava ideias prévias e posteriores às entrevistas e crescia pessoalmente e como “agente”, em qualquer sentido da palavra. Impressionou e tornou-se um contato e, algumas vezes, íntimo de pessoas que vão de Churchill a Rothschild.
Uma das grandes perguntas que as “pessoas simples” colocam a estes homens brilhantes é: como é que após a “traição” de Stálin, ao assinar o tratado germano-soviético, gente tão esclarecida não percebeu imediatamente quão pérfido Stálin era? Note-se que esse acontecimento não alterou nada em nenhum deles: nem a visão, nem o trabalho. Resta sempre a tese ténue de que seria demasiado tarde para qualquer um deles admitir erros e mudar de rumo.
Obviamente, os cinco eram arrogantes, davam-se ares de muito importantes e tomavam-se por superiores. A tentação é grande, uma vez que a gigantesca maioria da elite social, financeira e política inglesa é constituída por ignorantes, depravados, viciosos e cabeças ocas. Entre estes, os “cinco magníficos” destacavam-se quase sob qualquer aspecto. É essa arrogância que lhes sairia cara: as cabeças ocas e medíocres esperaram o seu momento e fizeram-nos pagar por todas as humilhações e superioridades a que se arrogaram.
Agente recrutador
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Guy Burgess: ao ser utilizado como agente recrutador, o fato de ser homossexual e extremamente sedutor teve um peso decisivo | Foto: Divulgação[/caption]
Em 1940, houve o gigantesco alistamento. A Inglaterra está em guerra nessa ocasião. MI5 e MI6 e outras secções são, quase do dia para a noite, alargadas e superativadas. Dá-se uma captação de todos os bons cérebros e competências disponíveis. Dois dos elementos dos Cinco Magníficos vão ser imediatamente integrados. Donald Maclean é integrado no Foreign Office, com acesso aos planos chamados de “Top Secret”, mas é Guy Burgess que vai ter um papel decisivo.
Do lado soviético, Burgess foi recrutado para fins de contrainformação, devido aos seus conhecimentos do mecanismo de comunicação social; do lado do MI5, Burgess passa a ser utilizado como agente recrutador. O fato de ele ser homossexual e extremamente sedutor tem um peso decisivo. Esta condição dava-lhe acesso ao “gay world” (mundo gay), dominante naqueles meios e dava-lhe condições privilegiadas de sedução, em todos os sentidos da palavra, a todos os novos agentes.
Burgess movia-se com desenvoltura entre o “mundo gay”, o mundo da mídia e o mundo da espionagem. Todos os que conviveram com ele são unânimes: era extremamente inteligente e excêntrico. A extrema excentricidade, normalmente contraproducente num espião “de carreira”, por um paradoxo de que a vida é fértil, servia-lhe de disfarce: ninguém alguma vez acreditaria que um fala-barato, barulhento e espalha-brasas daqueles fosse um temível espião.
Burgess trouxe Philby para os serviços secretos. Philby foi colocado na famosa seção D para se formar. De noite, copiava as informações do MI5 e entregava-as ao KGB. Philby tinha tempo, acesso e meios. Vasculhou detalhadamente todos os ficheiros. Com isto, o KGB sabia quem eram todos os agentes colocados em toda a parte do mundo – na prática, para que fique bem claro, muitas vezes, entregando colegas (ingleses e não só) à morte.
Essa era a situação geral de 1940: Philby, Burgess e Blunt entregavam aos russos todas as informações de tudo o que havia de mais secreto no MI5. Estranhamente, no entanto, John Cairncross é quem vai entregar as informações mais importantes.
(Continua)
Frank Wan vive em Portugal. É ensaísta, poeta, tradutor e professor

Em “Cavaleiro das Américas”, Filipe Masetti Leite narra as histórias e experiências vividas por ele ao longo de uma jornada de 16 mil quilômetros
[caption id="attachment_111072" align="alignnone" width="620"] Filipe e seus três cavalos, na andadura de seu sonho, que era o de atravessar o continente americano; nessa aventura, ele percorreu dez países | Foto: Divulgação[/caption]
Nada mais emblemático do que um jornalista empreendendo uma jornada a cavalo. Filipe Masetti Leite, jornalista e caubói brasileiro, realizou essa tarefa galopante atravessando as Américas do Canadá a Barretos, no Brasil, ao longo de dois anos. Ele percorreu 16 mil quilômetros, passando por dez países.
Filipe conta as experiências vividas nessa aventura no livro “Cavaleiro das Américas” (HarperCollins Brasil, 2017, 320 páginas, R$ 29,90). O autor estará em Goiânia no dia 14 de dezembro para lançar sua obra, na Livraria Saraiva do Shopping Flamboyant. Segundo ele mesmo conta, já sabia que quando terminasse a viagem, sua vida não seria mais como antes.
Desde criança, Filipe queria fazer uma viagem como essa. Ainda garoto, ouvia do pai umas histórias incríveis de Aime Tschiffely, caubói que foi cavalgando da Argentina a Nova York, para provar que os cavalos crioulos eram os mais resistentes do mundo.
Enquanto escrevia o livro e passava a limpo uma história e tanto, o jornalista fez outras viagens com seus três cavalos, Frenchie, Bruiser e Dude, incluindo um pulo à Terra do Fogo, no extremo Sul da Argentina.
Sobre o autor
Filipe Masetti Leite é jornalista, caubói e aventureiro. Formado em jornalismo pela Ryverson University de Toronto, ele já fez trabalhos para a TV Omni, a Radio CBC e a Globo Internacional. Atualmente escreve para diversas publicações no Canadá e no Brasil, incluindo os jornais Toronto Star e Caledon Enterprise e as revistas Trip e Country Fever no Brasil. Durante sua longa jornada de dois anos em cima de uma sela, Filipe filmou, editou e publicou 90 episódios da viagem, disponíveis agora no site www.outwildtv.com/journeyamerica.

Cineasta paulista, radicada em Goiânia, apresentará três curtas-metragens no Cine Lumière Bougainville, que debaterão assuntos fundamentais para a sociedade nos dias de hoje, como liberdade, repressão, escolhas e psiquiatria
[caption id="attachment_111047" align="alignnone" width="620"] Rosa Berardo: “Reunimos filmes que falam de aspectos muito importantes para a sociedade, que marcam o destino de um povo ou uma pessoa” | Foto: Divulgação[/caption]
O Cine Lumière Bougainville vai apresentar nesta terça-feira, 28 de novembro, a mostra “Rosa Berardo: Acaso, Ditadura e Memórias”, com a exibição de dois curtas-metragens inéditos: “Alarme Falso” e “Marcas da Ditadura na Vida de um Ator”, dirigidos por Rosa Berardo, uma das mais consagradas cineastas brasileiras.
A mostra exibirá também uma versão restaurada do filme “André Louco”, adaptação da obra de Bernardo Élis, premiado na Suíça e que marcou a retomada do cinema goiano no início dos anos 90. “Reunimos filmes que falam de aspectos muito importantes para a sociedade, que marcam o destino de um povo ou uma pessoa”, conta Rosa Berardo. “Esses aspectos, às vezes, passam pela ordem social e política vigente; outras vezes, passam por segundos ou minutos que tomamos para refletir e mudar nossas escolhas ou opiniões sobre nosso destino”, diz a cineasta.
Depois de remasterizado e digitalizado, “André Louco”, de 1990, com o ator Toni Cotrin no papel principal, volta às telas. Com roteiro adaptado e direção de Rosa Berardo, feito em película 35 milímetros, é considerado o filme da retomada do cinema goiano. Foi também o primeiro filme feito por uma mulher em Goiás. A narrativa mostra o ponto de vista da cidade em relação à normalidade e à loucura, ao contar a história de André, jovem considerado louco pela população.
“Alarme Falso”, de 2017, com Gustavo Duque e Bela Carrijo, tem roteiro de Carlos Moreli. O filme mostra como as decisões e escolhas que fazemos em nossas vidas podem transformar nosso destino de maneira irreparável.
Já no documentário “Marcas da Ditadura na Vida de um Ator”, também de 2017, Rosa Berardo assina roteiro, direção de fotografia e direção-geral. O filme traz à tona um fato político, de profunda gravidade, que envolveu a vida do ator goiano Almir de Amorim, vítima da ditadura militar brasileira.
Doutora em Cinema pela Universidade de Sorbonne, na França, e pós-doutora pela Université du Québec à Montreal, Rosa Berardo tem uma longa trajetória na área do audiovisual, participando como diretora e júri em diversos festivais de cinema pelo Brasil e no exterior.
O evento começará às 19 horas, com uma coletiva de imprensa, seguido da apresentação dos filmes, um debate sobre as temáticas representadas no cinema da mostra e um coquetel de encerramento. Além da diretora, estarão presentes a atriz Bela Carrijo e os atores Gustavo Duque e Almir de Amorim.
Serviço
Local: Cine Lumière Bougainville, Shopping Bougainville, Setor Marista
19:00 – Coletiva com a imprensa com as presenças da diretora Rosa Berardo, atrizes e atores integrantes dos elencos dos filmes.
19:30 – Exibição dos curtas-metragens - Alarme Falso, Marcas da Ditadura na Vida de Um Ator e André Louco.
20:30 – Debate seguido de Coquetel de encerramento.

Livro de ensaios “Saudades dos Cigarros Que Nunca Fumarei”, publicado pela editora Record, é como um vento em campo aberto depois de uma longa e apertada sentinela nas trincheiras ideológicas

Obra seminal de autor francês é criadora de uma linguagem que flerta com o universo cinematográfico, que a usa para citações interessantes, embora pequenas, enquanto espera releitura digna de seu porte

Jornalista e escritora americana tem vida e obra narradas num belo filme, que dá um tom de passagem, uma mostra do tempo como artista da vida; laudatório, mas emocionante, íntimo, mas irradiador do universo sobre o qual ela escreveu

A web pode ajudar o leitor a penetrar melhor no bosque da ficção e colher dele boas safras de entendimento, nessa nova era de acesso ao conhecimento, de assombros e espantos

Livro de ensaios “Saudades dos Cigarros Que Nunca Fumarei”, publicado pela editora Record, é como um vento em campo aberto depois de uma longa e apertada sentinela nas trincheiras ideológicas

Espetáculo adaptado de clássico dinamarquês promete encantar público com romantismo, aventura e busca de sonhos, com a participação de mais de 800 crianças das turmas de formação em balé clássico
[caption id="attachment_110745" align="alignnone" width="620"] Crianças no balé clássico da Escola Basileu França; Coordenação de Dança vai apresentar oito espetáculos, com expectativa de que haja recorde de público[/caption]
De 25 a 30 de novembro, o Instituto Tecnológico de Goiás em Artes Basileu França vai realizar o espetáculo de balé infantil “A Pequena Sereia”, adaptado do livro homônimo de Hans Christian Andersen por Ronei Maciel. O evento terá a participação de mais de 800 crianças que integram as turmas de formação em balé clássico da escola.
Durante os seis dias, a Coordenação de Dança vai apresentar oito espetáculos, no Teatro Escola Basileu França. Segundo os organizadores, a expectativa é que haja recorde de público. Pais, colegas e apreciadores do balé assistirão às apresentações.
A maioria das pessoas conhece “A Pequena Sereia” da adaptação para o cinema feita pelos estúdios da Disney. No filme, muitos outros personagens aparecem para dar um colorido especial à história, incluindo um caranguejo pra lá de fanfarrão. Ariel, a princesinha sereia que vive no fundo do mar, tem uma profunda curiosidade de conhecer o que há na superfície.
O tritão, pai de Ariel, não gosta da ideia da filha, mas promete que a deixará subir quando ela fizer 16 anos. Sereia, mas tão curiosa quanto qualquer menina, ela não espera, e acaba contrariando o pai. A sequência da história é cheia de aventura e drama, que envolve um príncipe, uma bruxa, encantos e desencantos. A adaptação de Ronei Maciel leva em conta este universo todo de personagens.
“Nesse espetáculo os atores mirins se integram às coreografias de forma entusiasta, fazendo do palco um espaço nobre de atuação. Nosso objetivo é contribuir cada dia mais para a formação dos nossos alunos, contando com o apoio dos pais e professores. Assim, ao atuarem no palco, as crianças selam nossa parceria com as artes e a cultura, e reafirmam nosso compromisso de formação e transformação das mesmas junto à sociedade”, diz a coordenadora de Dança, Simone Malta Segurado.
Os ingressos podem ser adquiridos na Coordenação de Dança, no valor promocional de R$20 (meia entrada) até dia 24 de novembro. Após esta data, o valor é de RS 40 (inteira).
Serviço:
Espetáculo: “A Pequena Sereia”
Local: Teatro Escola Basileu França, (Av. Universitária, 1750 - Setor Leste Universitário)
Ingresso: R$20 (meia entrada) até dia 24 de novembro; depois, RS 40 (inteira)
Programação:
Festa A - 25 de novembro (sábado), às 16 horas; 26 de novembro (domingo), às 20 horas.
Festa B - 25 de novembro (sábado), às 20 horas; 26 de novembro (domingo), às 16 horas.
Festa C - 27 de novembro (segunda-feira), às 19h30; 28 de novembro (terça-feira), às 19h30.
Festa D - 29 de novembro (quarta-feira), às 19h30; 30 de novembro (quinta-feira), às 19h30.

O poeta romano, como todos os grandes da poesia, anunciou-se muito cedo, deixando uma obra profunda; não só Eneida, mas sobretudo os saborosos versos da sua juventude fazem-nos vibrar

"Como nossos pais" analisa as dinâmicas familiares brasileiras, em que a essencial figura feminina se vê em meio à carga brutal de afazeres e o drama da implacável falibilidade

No primeiro vídeo da banda, quarteto goiano apresenta a música mais longa do repertório do grupo em uma gravação ao vivo no Complexo Estúdio

“Entre quatro paredes”, um clássico moderno da dramaturgia francesa, estará em cartaz neste fim de semana, no Teatro Sonhus (Lyceu de Goiânia)

Otávio Henrique Soares Brandão apresentará o recital “Um outro olhar”, com músicas de Villa-Lobos, Bach e composições próprias

Com show de lançamento em ocupação artística no centro de Goiânia, disco ao vivo de Esdras Nogueira é ato de resistência em tempos delicados para a música brasileira
[caption id="attachment_110242" align="aligncenter" width="620"] Esdras Nogueira, o homem e a marca: o artista tem contribuições relevantes para a música instrumental brasileira contemporânea, e seus álbuns merecem espaço nas prateleiras[/caption]
André Luiz Pacheco da Silva
Especial para o Jornal Opção
Na rua 7, há uma porta discreta que pode parecer um pouco suspeita. Quem não conhece o estabelecimento, pode estranhar o movimento fora do horário comercial em plena zona central de Goiânia. Ao entrar e subir os primeiros degraus da longa e estreita escada, já é possível ouvir as notas e ver as tintas.
O Complexo Estúdio & Pub abriu as portas há dois anos. A além de produzir gravações - Carne Doce e Boogarins já passaram por lá -, mantém programação interessante com apresentações de jazz, música instrumental e bandas autorais. Para comemorar o biênio, a casa organizou a ocupação artística RENKA, com arte urbana e música de qualidade. Além de conferir os painéis coloridos na laje no prédio, quem foi ao lugar na noite do dia 8 deste mês, pôde desfrutar do show de lançamento do álbum mais recente de Esdras Nogueira.
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Foto: divulgação[/caption]
“Esdras Nogueira Quinteto - Ao Vivo” comporta a intimidade do show e leva aos ouvidos instrumentistas de louvável capacidade técnica para interpretar improvisos em cima de releituras de excelentes composições da música brasileira, como “Capivara” e “Voa Ilza”, do gênio Hermeto Pascoal, “Capricho de Raphael”, do bandolinista brasiliense Hamilton de Holanda. Há também a internacional “This ship will sink”, de Gustav Rasmussen e Michael Blicher. Mais que isso, apresenta autorais de músicos versáteis e sincretistas, misturando jazz com samba, ska e carimbó.
O novo álbum nasceu de uma apresentação no Sesc Ceilândia (DF), em 24 de maio, depois de ter sido amadurecido por dois meses durante a turnê do disco NaBarriguda (2016), que passou por casas importantes do país como Circo Voador (Rio de Janeiro) e Clube do Choro de Brasília, e por expressivos festivais nacionais como Sonido (Belém), Bananada (Goiânia), além do festival Jazzahead!, de Bremen, Alemanha.
Abrindo com a inédita “Plantas que nascem”, o álbum indica a influência do afrobeat no processo criativo de Esdras. A repetição das linhas de baixo ao longo dos compassos duplos e a marcação de bateria e percussão dão o tom dançante da faixa batizada pelo sobrinho de seis anos do saxofonista.
O ritmo felakutiano volta a aparecer na bela versão de “This ship will sink”, feita pelo grupo dinamarquês The KutiMangoes. De bom astral e com pinceladas de ska, “Chá de bananeira” é divertida, jovial e tem um quê de experimentação arlequinada.
“Tardinha” segue outra vertente: evolui preguiçosa, despretensiosamente gostosa. Ao longo de seis minutos e meio, vai do verde ao amarelo e tem sabor de fruta. Em pegada similar, porém com clímax mais enérgico, “Quase balada” é contemplativa e dotada de uma tímida dramaticidade que seduz o corpo a performar um número de dança minimalista.
De volta à pegada frenética, as canções “Nabarriguda” e “Olha o boi” destilam latinidade. Marcadas por ritmos do norte e nordeste do país como o carimbó, a guitarrada e o frevo, as duas são oriundas da robusta parceria entre Esdras e o guitarrista Marcus Moraes e suas respectivas bagagens. Além dessas, Marcus ainda assina sozinho “Salsa 02”, a outra inédita, que entra pro time das composições jazzy-tropicais.
O disco “Esdras Nogueira Quinteto - Ao Vivo” é notório por apresentar música de qualidade em tempos de resistência. A arte no Brasil, de forma geral, não passa por bons momentos, e em se tratando de música, projetos instrumentais sobrevivem graças aos festivais e a boas produções como este álbum. Com efeito, a palavra não foi necessária. Bateria, percussão, saxofone, baixo e guitarra conversam entre si para bons ouvidos escutarem.
Bacharel em saxofone, o músico fez sucesso na cena independente com o grupo Móveis Coloniais de Acaju. Depois de dezoito anos de carreira, os integrantes do grupo anunciaram no ano passado que dariam uma pausa em suas atividades. Esdras não parou. Ainda em 2014, já havia lançado o disco solo "Capivara", um tributo a Hermeto Pascoal. Em 2016, foi a vez da produção do álbum "NaBarriguda".
Com referências como John Coltrane, Dominguinhos, Kenny Garrett, Tokyo Ska Paradise Orchestra, Gonzaguinha, Astor Piazzola, Kamasi Washington, entre tantos outros, Esdras Nogueira (saxofone barítono) forma seu quinteto com Marcus Moraes (guitarra), Thiago Cunha (bateria), Rodrigo Balduíno (baixo) e Léo Barbosa (percussão).
Elogiado por Hermeto Pascoal em seu trabalho solo e contemplado com Prêmio Multishow em 2010, ainda na formação do Móveis, Esdras é talentoso. Mostra que a bagagem de uma longa carreira e a inevitável necessidade de criar e experimentar são elementos que podem resultar em uma obra sazonada com matizes exóticas. Contribuições relevantes para a música instrumental brasileira contemporânea, seus álbuns merecem espaço nas prateleiras - isso quando não estiverem rodando.
André Luiz Pacheco da Silva é estudante de psicologia e psicanálise, escritor e melômano