Crônica
O caburé, menor corujinha do mundo, é uma ave de rapina em cujo cardápio entram pequenas aves, roedores, lagartos, pequenas cobras. Dias atrás, apareceu um na minha sacada e levou uma rolinha-roxa para sua ceia. Saí na sacada e o vi com a rolinha presa em suas garras na ponta de um poste. Eu tinha acabado de colocar comida para ela e outras iguais e também para outras de espécies diferentes: avoantes e periquitos-de-encontro-amarelo. Agora também está vindo chupins, que é uma ave malandra, que bota seus ovos em ninhos de outras espécies e cai no mundo.
Acredito que essa corujinha deve morar perto da minha casa, pois a ouço cantando frequentemente à noite. Seu canto é uma sequência de assobios. Já fotografei uma após capturar um calango, que comia mosquitos que se alimentavam das frutas de calabura caídas no chão. Os pássaros frugívoros fazem a festa na época de frutificação, já na floração, a festança é dos insetos, principalmente das abelhas. Em alguns parques de Goiânia, há calabura. Eu também faço a minha festinha com as frutas num pé que existe no Bosque dos Buritis.
Entre as rolinhas que escaparam da investida do caburé, uma acabou entrando na minha sala e pôs-se a voar desesperada batendo na parede sem encontrar a porta pela qual entrou. Inclusive derrubou o poeta e filósofo Thoreau da parede, ou melhor, uma foto do bardo americano. Ainda bem que a moldura não quebrou. Para evitar que ela se machucasse a ponto de não conseguir mais voar, entrei em ação: consegui pegá-la jogando sobre ela uma toalha de banho quando estava no chão. Senti, em minha mão, seu coraçãozinho batendo acelerado. Recomendei-lhe calma enquanto a segurava, dizendo que tudo estava bem. Levei-a até a sacada, depois de alguns instantes, recobrou as forças, bateu asas e foi embora.
Estou contando esse episódio da rolinha para relacioná-lo ao trágico acidente aéreo no qual morreram 62 pessoas, ocorrido recentemente em Vinhedo, cidade paulista. Um homem que não conseguiu embarcar, por ter chegado atrasado, disse, numa matéria televisiva, que foi Deus que o salvou da morte. Será mesmo? Tenho dúvida. Conversei com uma amiga de trabalho, que me disse ser espírita, sobre esse entendimento do homem quanto ao milagre que recebera. Perguntei-lhe onde estava a racionalidade de Deus em salvar um e deixar que 62 morressem. Me respondeu que os 62 fazem parte de um carma coletivo: que é quando, ao mesmo tempo, um grupo de pessoas morrem num evento ou tragédia, isso pelo destino delas de virem ao mundo e se defuntarem para marcar um fato ou acidente.
O fato de poder nos moldarmos por nossas escolhas, pela construção dos nossos pensamentos, isso me deixa incrédulo em relação ao destino, atrás do qual está o fato de que a morte tem a finalidade de expiar erros de nossas vidas anteriores. Se o conjunto da nossa vida é decorrente de forças exteriores e não vindas de nossas escolhas, para que então fomos dotados de faculdade mentais? Há um bom tempo, coisa de muitos anos, um jornalista goiano, que era espírita, falou num artigo que alguém certa vez o perguntou por que uma determinada criança nasceu com anomalia física, e ele respondeu que foi em virtude de erros de outras vidas daquela criança. Não consegui digerir a resposta dele. A subjetividade religiosa constrói verdades que até Deus duvida e a razão desconhece totalmente.
Sobre a rolinha que escapou da fome do caburé, penso que, se ela pensasse (numa capenguice subjetiva), certamente diria que foi Deus que a salvou e assim deixou a outra para encher o bucho do caburé. Não passo por tal questionamento metafísico, minha toada de vida é singela. O que sei mesmo (parafraseando Fernando Pessoa), é que quero uma casa no cimo de um outeiro, haja vista que meus olhos foram empurrados para longe de todo o céu; o horizonte me foi escondido, e isso pelo fato de as casas da cidade terem fechado minha vista à chave.

Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza
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A parte mais difícil de ter o segundo filho é fazer com que o primeiro ainda se sinta amado e cuidado
Fiquei intrigado com o fato de o homem, mesmo morando na rua, pegar as plantas (certamente numa lixeira) e levá-las para “adornar” seu lugarzinho de dormir na calçada suja. Aos seus olhos, as flores certamente serviram de enfeite
A ação criteriosa Amma, além de sua eficiência ambiental, evita desperdício de dinheiro público com o plantio de árvores, que, posteriormente, terão de ser retiradas quando adultas, justamente no momento de desempenharem o seu papel fundamental no meio ambiente
Tirei uma foto tremida e comecei a refletir sobre como o nascimento de um filho faz a gente repensar toda a relação com a nossa mãe. A mãe da mãe é bênção, é sorte, é presente de Deus
Percebi que a piedade para com Tadinha era a mesma que consta na crônica “Um cão apenas”, de Cecília Meireles, em que ela fala de um cachorrinho doente que encontrou na rua, mas que o amou “com uma caridade inútil, sem qualquer expressão concreta”
Por trás dessa marionetização coletiva de imbecilidade, estão alguns “homens que não merecem respeito maior que um espantalho ou monte de lama”. Thoreau fala desses homens em seu livro “Desobediência Civil”, no qual o leitor não encontra carícias poéticas como em “Walden”, mas bofetadas políticas doloridas, porém muito instrutivas
Certa vez um navio passou de raspão no barco em que Heriberto estava. Isso à noite. O motor parou, a embarcação ficou à deriva. Os três pescadores esperaram o dia amanhecer e improvisaram velas com os lençóis que levam para dormir; tudo terminou bem
Gustavo Gayer ostenta-se honrado e probo, mas exibe motivos explícitos de que não é simpatizante de uma democracia “pujante” como a que está em curso conforme manda nossa Constituição, a qual foi defendida brilhante pelo comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva
Semear os estudantes em terra boa é fazê-los dar bons frutos socialmente quando adultos, é poupá-los da adoção do mundo do crime, é livrá-los das cadeias, é livrá-los da mira das armas das polícias
Nos três anos em que trabalhei no TCE, onde dei curso de Redação Oficial e Língua Portuguesa, o Eurico Barbosa estava entre as poucas pessoas que se tornaram minhas amigas
O tolo não sabe onde nasce o sol, pois seu coração vive num escuro constante
O encontro do canário com uma gatinha aconteceu, pois suas peninhas amarelas foram encontradas próximas à sede da fazenda com manchas de sangue
Vejo no Centro, num trecho da Avenida Anhanguera com maior fluxo de pessoas, muitos comerciantes cegos de ignorância, insensíveis à deficiência de visual de muitas pessoas
“Iracema, a virgem dos lábios de mel, (…) tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira”, José de Alencar
