Não sou um cinéfilo. Tenho entendimento raso sobre o assunto. Enfim, sou meramente um apreciador da sétima arte, mas que aprecia com moderação. Há um bom tempo, tenho andado longe das salas de cinema. O meu afastamento é motivado pela comodidade que as plataformas de streaming me proporcionam. Antes delas, eu recorria às videolocadoras. Em casa, posso dar uma pausa no filme, tomar uma água, fazer um xixi, parar uma cena para anotar uma frase que me sensibiliza.

Ufa! Sofri certa vez quando assisti a “Gandhi”, mais três horas de duração. Meu traseiro doeu por causa do longo tempo em que ficou pregado na poltrona. Depois o aluguei numa locadora e o reassisti com calma. O ator Bem Kingsley foi excelente na interpretação de Gandhi, que teve a sua vida interrompida a tiros por um membro do partido de direita Hindu Mahasabha em janeiro de 1948. Um ano após o crime, o assassino foi condenado à morte.

Gosto de assistir a filme de modo bem assistido. Se possível, tendo apenas a mim como companhia. Os metafóricos, que são os meus prediletos, exigem uma atenção dobrada, pois, nas três linguagens da película – verbal, sonora e visual -, vamos encontrar outras linguagens dentro delas. E a captura dessas outras informações só ocorre a quem já tiver um certo envolvimento com uma literatura mais bem elaborada, que fale criativamente pelas linhas e sobretudo pelas entrelinhas, que é onde as metáforas se escondem. E desnudar metáfora, sabe bem você, altaneiro leitor, é algo excitante dentro do mundo da linguagem.

O canto de um corvo numa determinada cena pode ir além da significação literal da sonorização da ave. Pode estar ligado à ave do poema de Edgar Alan Poe: “Qual é teu nome, ó nobre corvo, o nome teu no inferno torvo!” / E o corvo disse: ‘Nunca mais’”. No filme belga “Alabama Monroe”, de 2012, uma ave da espécie morre ao bater no vidro da casa de um casal muito apaixonado – Elise (Veerle Baetens) e Didier (Johan Heldenbergh) -, cuja filha ainda pequena tinha leucemia, o que acabou tirando-lhe a vida. É justamente a menina que presencia o corvo batendo no vidro. Chorando, ela o pega no chão e se recusa entregá-lo ao pai para que ele desse um destino à ave.

No filme “As Pontes de Madison”, de 1995, as pontes foram a oportunidade que a personagem Francesca (Meryl Streep) teve para sair de sua vida insossa de dona de casa, de seu casamento insípido, e viver o amor ardente com o fotógrafo da Robert (Clint Eastwood, que também é diretor do filme). Entre atravessar a ponte e ir para o outro lado, no caso partir com o fotógrafo da revista National Geographic, que estava no condado de Madison a trabalho para fotografar pontes antigas, Francesca (que levou Robert a uma ponte, pois estava perdido e apareceu na casa dela para pedir informação) ficou parada na mesma estação. Ou seja, deixou escapar o amor de sua vida em função da felicidade dos filhos.

Chega de digressão. Sobre o filme “A Baleia”, que é resultado da adaptação de uma peça teatral, achei-o muito pesado. E nessa minha consideração pesa menos fato de o personagem Charlie, um professor de redação, ter 270 quilos. Pesam mais os conflitos emocionais dos personagens, principalmente do professor, papel vivido pelo ator Brendan Fraser, que acabou faturando o Oscar de melhor ator em 2023. Fato alentador para ele, que assim retornou ao mundo hollywoodiano, haja vista que atravessava uma fase de vacas magras em relação a não estrelar alguma produção expressiva.

O filme recebeu carícias e bofetões da crítica. As aulas eram ministradas virtualmente, mas Charlie, envergonhado com seu peso, não se mostrava. Alegou na conversa que a câmera do seu laptop continuava quebrada. Fato que muda no final. Ele, que cobrou sinceridade dos alunos em suas redações, resolve dar as caras. A maioria dos alunos fez cara de espanto, uma jovem até riu ao ver o tamanho do dono da voz. O entregador de pizza na casa de Charlie também fez cara de espanto ao vê-lo sair de cadeira de roda até a porta para pegar a comida deixada numa mesa.

Composto de poucas personagens, todas as cenas se passam dentro da casa de Charlie, que não poderia ser um ambiente iluminado e bonito. A fotografia escura é a metáfora da escuridão psicológica do professor, aprisionado a uma teia de sofrimentos. E há chuva nesse cenário em dias diferentes. E chuva, em cinema, pode extrapolar o significado de ser meramente um elemento de ambientação. Pode significar desarranjo mental dos personagens, que é o caso de “A Baleia”. Também metaforiza significados bons, como romance tórrido, renovação (a água lavando os problemas).

Enfim, a baleia no filme não é a obesidade de Charlie, mas seu fardo de tristeza, culpa, arrependimento, falta de autopiedade. Ele não demonstra compaixão por si, pois está muito doente e se recusa a gastar o seu dinheiro para destiná-lo à filha, que abandonou quando ela tinha oito anos para se envolver num romance homoafetivo com ex-aluno seu. Charlie e a filha, que tinha muito rancor do pai pelo abandono, acabam se reconectando.

Os atores Meryl Streep e Clint Eastwood vivem o casal Francesca e Robert no filme “As Pontes de Madison” | Foto: Reprodução

Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza