Asclépio, filho do deus Apolo com a mortal Corônis, era o maioral no panteão na arte da medicina. Falta muito isso em nossos médicos, haja vista que a escolha da profissão por parte da maioria não vem do amor pelas pessoas, mas em decorrência do status da atividade e junto a isso o essencial: os rendimentos do ofício.

Essa ausência de paixão pela medicina me leva a algo dito pelo admirável médico cardiologista e professor Celmo Celeno Porto. Segundo ele, isso dito num vídeo que circula nas redes sociais, um médico é mais perigoso que um louco, pois deste a pessoa pode correr, enquanto àquele ela se entrega. E isso muitas vezes é o que gera os perniciosos erros médicos graves e letais vindos de ações imprudentes, negligentes. No Brasil tem crescido o número de casos nesse sentido, e a punição puro placebo

Celmo Celeno Porto, médico cardiologista e professor, diz que um médico é mais perigoso que um louco, pois deste se pode correr e enquanto àquele a pessoa se entrega | Foto: Reprodução

Conforme reza a lenda, eram tantas as habilidades médicas de Asclépio que chegou a ressuscitar mortos ainda recentes na partida, sem que ainda tivessem pegado a barca de Caronte. Esse poder extraordinário de Asclépio gerou descontentamento de Hades – o deus do submundo, do reino dos mortos -, visto que o curandeiro estava interrompendo a chegada de almas ao submundo. Zeus, enquanto o deus mais poderoso do Olimpo, sensibilizado com a reclamação de Hades, trucidou Asclépio com um raio. Para vingar a morte do filho, Apolo matou os Ciclopes, dos quais Zeus se valia para lançar seus raios em suas vítimas. Zeus então expulsou Apolo do Olimpo e o condenou a ser pastor de um mortal por um ano.

A lenda continua, mas isso é assunto para outro momento. Cabe salientar que a citação de Asclépio se encaixa no texto. O assunto aqui é muito grave, ou melhor, é gravíssimo: as pessoas que morreram recentemente por falta de UTI: Severino Santos, Katiane Silva, Janaína de Jesus, Luiz Felipe Figueiredo da Silva, João Batista Ferreira e Rodrigo Paulo Araújo. Isso é algo abominável. Execrável.

É repugnante saber que vidas vêm sendo ceifadas por falta de o Estado cumprir o seu dever conforme determina a Constituição Federal no artigo 196. Artigo este que é meramente letra morta: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” Há em outros artigos outras letras mortas em nossa Carta Magna, no que diz respeito aos direitos essenciais do cidadão brasileiro.

Matéria do Jornal Opção fala sobre o descaso em que se encontra a saúde pública em Goiânia, o que vem ocasionando mortes constantes | Foto : Reprodução

Consta no livro Romanos 6:23 que “o salário do pecado é a morte”. Só que a morte, no caso dessas pessoas, a estas puniu por um pecado que não é delas. O pecado é do poder público. Se fossem pessoas endinheiradas, certamente a esta hora estariam vivas, pois teriam se valido de um “bom” plano de saúde ou então teriam ido para São Paulo, mais precisamente aos hospitais Albert Einstein ou Sírio-Libanês. Morreram em decorrência da enfermidade gravíssima que toma conta da saúde pública no Brasil.

O médico Wilson Pollara, que o chefiava a Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia, se encontra preso por suposto ato de corrupção em pagamentos irregulares em contratos administrativos da pasta. Além dele mais dois servidores do órgão. Seu advogado diz que Pollara “é um médico renomado, de conduta ilibada”. Pode até ser mesmo. Vamos esperar o desenrolar da trama, que interfere substancialmente na qualidade dos serviços oferecidos à população e consequentemente ocasiona perdas de vida.

Se ele fosse um cidadão comum e as dores no peito que sentiu fossem mesmo problema cardíaco, ele certamente teria morrido devido à demora no atendimento, como aconteceu com Severino Santos, Katiane Silva, Janaína de Jesus, Luiz Felipe Figueiredo da Silva, João Batista Ferreira e Rodrigo Paulo Araújo. O socorro chegou rápido a Polllara: pôde até fazer eletrocardiograma dentro da ambulância quando estava a caminho do Ciams e depois foi transferido para o Hospital Ruy Azeredo. Foi tudo jogo rápido.

Falta aos governos o espírito fraterno de Asclépio, eles dão a entender que jogam no time de Hades.

Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza