Fale de mim em suas crônicas
15 outubro 2024 às 17h19
COMPARTILHAR
— Ei, Sinésio, posso falar você. É conversa rápida, não vou tomar seu tempo.
Eu disse “sim”, mas um pouco assustado, por ter sido abordado no meio rua, sendo que não vi nenhuma pessoa por perto quando eu estava lá. E ainda falou meu nome. Na verdade, eu estava no meio da ilha da Avenida Leste-Oeste, no Setor dos Funcionários. Setor cujo nome antigo era Vila Operária e que tinha um bar que se chamava Liberdade. Creio que você, altaneiro leitor, já leu ou ouviu sobre isso. Em relação à garçonete do recinto com charme de manequim, não sei nada a seu respeito. Quem melhor pode informar sobre ela é o poeta, cantor e compositor Renato Castelo, pois foi para ele que a gata olhou.
— Eu queria te pedir algo, já que você vem escrevendo com certa constância sobre plantas e bichos em suas crônicas. Parece ser seu tema predileto.
Sem perguntar em que eu poderia ajudar, fiz outra pergunta: “Tais assuntos não fazem parte do seu paladar de leitura?”.
— De modo algum. Tenho uma ligação bem profunda com a natureza, principalmente com o mundo das árvores. Não amar as árvores seria um ato insano de minha parte. Seria não me amar.
No meio da nossa conversa, meu telefone tocou. Pedi licença para atender a ligação. “Fique à vontade.” Era minha amiga Ângela Lobo, sobre a qual já falei neste mesmo espaço. Ligou para reclamar de um assunto repetido: os gatos soltos dentro do Bosque dos Buritis, que estão comendo as saracuras-três-potes e outras aves. “Acabei de ver um gato pegando mais uma saracura”, disse em tom de contrariedade. As saracuras são as presas mais fáceis dos felinos por elas viverem no chão. Assim os gatos se amoitam e, quando a ave passa, dão um bote certeiro. Ver saracuras por lá era algo constante alguns anos atrás. Já cheguei a ver umas sete em locais diferentes do parque.
Ângela é também uma frequentadora assídua do Bosque dos Buritis, a este define como diamante verde no coração de Goiânia. A biodiversidade por lá é rica. Muito rica. Há, no entanto, um porém: no interior da mata, há alguns bichos que utilizam certos cantinhos sebentos para fazer sexo e ainda deixam esses locais poluídos com preservativos e outros resíduos, que, de modo algum, deveriam ser deixados dentro da mata. Nem por lá deveriam transar.
Certa vez, participei de uma ação de limpeza do interior do parque promovida pela Amma. No frigir dos ovos, cerca de vinte sacos de lixo foram recolhidos, preservativos predominaram. Uma mãe que levou sua filhinha de uns cinco anos com intuito de envolvê-la na proteção ao meio ambiente desistiu de ir até o final da ação, pois encontrou muitos preservativos usados. “É muita promiscuidade isso aqui e muito desrespeito para com a natureza”, disse.
Neste último sábado, fui pela manhã ao Bosque dos Buritis me espairecer e colher imagens. Fiz um achado borboletístico maravilhoso. Enquanto fazia algumas fotos de um garrinchão-de-barriga-vermelha fazendo ninho na folha de um bacuri, vi passando uma borboleta rara, que conheço como malaquita. Em mais de três décadas de fotografia da natureza, só consegui fotografar tal espécie três vezes: a primeira numa chácara em Cristianópolis, a segunda no Park Santa Branca em Terezópolis de Goiás e a última no Bosque dos Buritis.
Quando a vi passando em seu voo lento (um poeminha alado) procurando um local para pousar, eu, em meu jeito manoelino de bocó, lhe disse: “Uau, você por aqui, sua linda!”. Ela nem tchum para mim. Continuou voando. Para a minha felicidade, pousou na folha de uma planta rasteira a uns três passos de mim. Eu, então, pé ante pé (como fazem os gatos do Bosque para pegar as saracuras), me aproximei dela. Filmei-a por uns bons momentos. Aquele serzinho lindo coloriu meus olhos de uma alegria bucólica. Uma alegria sublime, daquela que nos conecta a Deus quando nos contactamos com a natureza com reverência.
Após eu falar com Ângela, a conversa prosseguiu.
— Então. O meu pedido a você é que me ajude a divulgar o meu nome. Certamente já deve ter observado que os veículos de comunicação, em suas pautas anuais sobre flores, só falam de ipês e flamboyants. Parece-me que os jornalistas só conhecem essas duas espécies. O meu desejo não é movido por vaidade. É para fazer chegar às pessoas que, dentro das árvores que embelezam Goiânia com suas flores, há também os resedás-gigantes, os cega-machados, as cássias-javanesas, os jacarandás-mimosos (entre os quais estou). Já que parou na ilha para fotografar minhas flores, percebi que era um bom momento para pedir a você que também fale da minha beleza.
“Seu pedido me deixa muito feliz”, disse eu ao jacarandá-mimoso todo carregado de flores, cuja beleza levei dentro de mim no meu retorno para casa.
Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza
- Leia também: Os ossos não dizem nada sobre os mortos