Extraí o título desta crônica num poema do querido amigo poeta Gabriel Nascente. Os versos me trouxeram à lembrança um vídeo que fiz, intitulado de “Lixo não tem perna”. Nele mostro descartes irregulares de lixo em vários locais da cidade. Quem conhece bem Gabriel sabe que sua musa é uma cadela no cio: parindo, parindo… Caso você, altaneiro leitor, não tenha gostado da metáfora sobre a cadela no cio, esqueça-a. Aqui vai outra para afugentar o seu assombro: Gabriel é um vulcão em ebulição poética constante. E belas metáforas não lhe faltam no engaste dos seus versos.

O poema em questão, segundo o bardo, foi realizado na manhã do domingo (1º de dezembro) em que nos encontramos numa padaria do Setor Oeste. Cheguei e o vi sentado no fundo do estabelecimento. Sozinho. Estava cabisbaixo, lendo o que escrevera e movimentando os lábios sem nenhuma emissão de som, numa espécie de ecolalia. Gabriel sofre da benigna alucinação poética: sai para caminhar em volta do Bosque dos Buritis, que fica perto de sua casa, e leva consigo algumas fichas e uma caneta. Vai andando, para e escreve.

Fui até o poeta e me sentei em sua mesa: “Sinésio, vindo de casa para cá, vi, entristecido, as ruas repletas de lixo; Goiânia virou um cemitério de mosquitos”. Ele me contou que se sentou para tomar o seu costumeiro cafezinho dominical, mas foi impedido: “O poema pulou dentro da minha xícara antes mesmo que eu sorvesse o primeiro gole”. Me deu o poema para eu ler. “Muito bom. Você pôs um pingo preciso no i da fetidão da cidade”, disse-lhe. Permitiu, e eu então o filmei vociferando o seu canto de repúdio ao abandono por que passa Goiânia. E isso em seu peculiar jeito melancólico e arrastado de interpretar. A filmagem aconteceu na Praça Khalil Gibran, tendo o busto do maravilhoso poeta libanês como testemunha.

O lixo que toma conta de Goiânia, grande parte dele é resultado da ferrugem na gestão da Prefeitura de Goiânia na área de limpeza urbana. A prefeitura incorre num pecado primário de uma administração: a prestação de um serviço essencial à população. Serviço este diretamente ligado à saúde pública e ambiental. Uma parte da população tem também as suas digitais nesse lixo nas ruas. Afinal lixo não tem perna. Há muita gente que está pouco se lixando para limpeza de Goiânia e consequentemente fazendo descartes irregulares em lotes baldios, em praças, ruas, parques. Essa mistura maléfica de irresponsabilidade do poder público e das pessoas é que ocasiona o “cemitério de mosquitos”, citado pelo poeta Gabriel Nascente.

Poeta Gabriel Nascente, em seu poema “Goiânia Cadavérica”, se diz com saudade de uma Goiânia de outrora | Foto: Sinésio Dioliveira

Sobre o ombro da prefeitura recai a responsabilidade maior nesse episódio de caos na limpeza urbana de Goiânia. Aqui cabe inclusive citar a famosa “teoria das janelas quebradas”, criada nos Estados Unidos. Segundo essa teoria, se as janelas quebradas de um edifício não forem reparadas o mais rápido possível, isso estimulará os vândalos a quebrarem outras janelas e até mesmo incendiarem o prédio. Com o lixo deixado nas ruas e não recolhido também ocorre assim: vai acumulando nas ruas, lotes baldios, praças, parques. E aí vem um maluco e põe fogo e ocasiona uma fumaceira pútrida. Ao lado do meu prédio, aconteceu assim. O lixo estava sob uma guapeva já trintona ou mais. Felizmente a árvore não perdeu a vida no fogo.

Mesmo ainda não estando sentado na cadeira do Paço Municipal, Sandro Mabel já está usando o cetro. Em suas redes sociais, postou recentemente que vai fazer um mutirão da limpeza na cidade, e que vai jogar duro contra aqueles que fazem descarte irregular de lixo. “Não vai ter perdão para quem sujar a cidade”, disse. E não pode ter mesmo. Tomara que as árvores da cidade também entrem no seu radar de proteção. E que ele seja duro com algum edil que interceder por algum sujão que tenha seu veículo apreendido. O ex-vereador Paulo Daher fez feio certa vez nesse sentido.

Enfim há muitas janelas quebradas. Sandro terá um trabalho hercúleo para consertá-las. Com a faca e o queijo na mão, sua prudência certamente não o deixará comer a faca em vez do queijo, como aconteceu Rogério Cruz, que, por desconhecimento da lição valiosa em “O Príncipe”, optou em ser amado em vez de ser temido.

Em “O Príncipe”, livro lançado em 1537, Nicolau Maquiavel (1469 – 1527) diz que “Os homens hesitam menos em prejudicar um homem que se torna amado do que outro que se torna temido…” | Foto: Reprodução

Sinésio Dias de Oliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza