A cada vez que vou a Ouro Preto, procuro me inteirar mais sobre a história da Inconfidência Mineira, também chamada de Conjuração Mineira, e que aconteceu no final do século XVIII. Inclusive me encontro na cidade no presente momento. Desta vez dei um piparote na orelha do meu medo e me enfiei num buraco de quase 300 metros de profundidade: a Mina do Bijoca, que é do século XVIII. As minas entraram em cena após o fim dos tempos áureos do ouro de aluvião, que é aquele encontrado no fundo de córregos e ribeirões.

Me senti numa caverna de Platão diferente: em vez de sair da escuridão em busca da luz natural, afastando-me da luz refletida na parede da caverna, fiz o contrário. O guia turístico que me conduziu no percurso da visitação — um jovem de vinte e poucos anos — trouxe luz ao meu desconhecimento sobre todo o processo de retirada de ouro das entranhas das montanhas, mas com porém… Segundo ele, todo o conhecimento sobre a técnica de construção de minas veio dos negros. Havia também outros visitantes. Ao todo éramos sete, mas um, que foi o último a entrar, mal deu dez passos e retornou apavorado. Num de seus relatos, o guia entrou num assunto interessante sobre uso de passarinho na atividade extrativista de ouro e diamante. Assunto este que conto mais adiante.

O objetivo da Conjuração Mineira era separatista, e ela tinha como atores apenas a elite endinheirada de Minas Gerais, que estava descontentíssima com Portugal por causa de sua politica fiscal em relação à colônia. Era enorme a voracidade da Coroa portuguesa pela riqueza das capitanias. E a de Minas tinha muito ouro e diamante, os quais foram o motivo do surgimento de muitas cidades na rotina de busca de riqueza dos bandeirantes pelas capitanias da colônia.

A ganância desenfreada de Joaquim Silvério dos Reis — coronel-comandante do Regimento de Cavalaria — o fez dar com a língua nos dentes. Em troca de alguns benefícios, apunhalou os inconfidentes pelas costas. E Tiradentes — o alferes Joaquim José da Silva Xavier — levou a pior. Constava o seguinte em sua sentença de morte assinada em 1792 por Dona Maria (a Louca): “(…) depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, onde em lugar mais público dela, será pregada, em um poste alto até que o tempo a consuma; e o seu corpo será dividido em quatro quartos e pregado em postes…” A casa em que o alferes morava também entrou na sentença: “(…) será arrasada e salgada para que nunca mais no chão se edifique…” Hoje no local funciona a Associação Comercial de Ouro Preto.

Turistas entrando numa mina de ouro em Ouro Preto — MG, cuja exploração ficava a cargo de escravizados
| Foto: Sinésio Dioliveira

O poeta Cláudio Manuel da Costa também encontrou a morte. Na sua, rondam versões históricas diferentes: que cometeu suicídio por ter alcaguetado os integrantes da Conjuração; que foi assassinado dentro da Casa de Contos a mando do então governador da província, Visconde de Barbacena, por receio de que seu nome fosse citado por Cláudio; que foi assassinado pelo sargento-mor Fernando Vasconcelos Parada e Souza, porque estava como personagem com nome fictício nas famosas “Cartas Chilenas”, cuja autoria é atribuída ao poeta Tomás Antonio Gonzaga e Cláudio. Gonzaga é o autor da famosa obra “Marília de Dirceu”. Maria Doroteia Joaquina de Seixas, era a noiva do poeta, era a Marília do livro. Ela, no entanto, ficou sem seu amado, que foi degredado para Moçambique, na África, e por lá morreu. O antecessor do Visconde de Barbacena, Luís da Cunha Meneses, era o “Fanfarrão Minésio” nas “Cartas”: um poema que satiriza a administração de Menezes, apontando-a como corrupta; antes de governar Minas, ele governou Goiás de 1778 a 1783.

Voltemos ao guia turístico. Já quase no final da mina, ele contou que os escravizados levavam um passarinho numa gaiola. A ave era uma maneira de eles saberem se estavam correndo o risco de morrerem em decorrência de algum gás nocivo, principalmente monóxido de carbono. Havendo risco, o pássaro seria o primeiro a morrer, e isso daria tempo para que “os escravizados saíssem da mina a tempo”.

Casa dos Contos: foi nele que o poeta Cláudio Manuel da Costa suicidou-se ou foi assassinado dentro de uma cela minúscula | Foto: Sinésio Dioliveira

Tive vontade de dizer ao guia que o uso de canário (belga) começou no início do século XX em minas de carvão do Reino Unido. Ficou só vontade. Seria deselegante fazer isso na frente de outros turistas. Seria pedante. À noite do mesmo dia, eu o encontrei na Praça Tiradentes, onde a cabeça de Tiradentes ficou exposta por alguns dias, espetada na ponta de um pau, e foi roubada à noite. Estava sozinho. Dei-lhe um toque bem eufêmico: “Parece que o uso de canário em minas foi posterior à data que você falou”.

Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza