François-Marie Arouet é o verdadeiro nome do filósofo, poeta, teórico político e escritor francês iluminista Voltaire. Suguei o título desta crônica num verso dele, trocando de lugar os substantivos “pintura” e “poesia” no verso: “A pintura é a poesia sem palavras”. Este texto é motivado por algumas publicações que apareceram em minhas redes sociais enaltecendo os poetas por seu dia: 20/10. Platão, discípulo de Sócrates, não tinha simpatia pelos poetas, achava-os nocivos à sociedade. Em “A República”, ele expulsa os vates de Kallipolis (cidade bela, em grego), cidade idealizada, em que as artes devem trilhar o caminho ético-político. Os poetas malditos certamente matariam Platão do coração.

Em “Dom Quixote”, a poesia também foi vista como perigosa pela sobrinha do cavaleiro andante. Aproveitando um momento de sono do tio, pegou a chave de sua biblioteca e, acompanhada de um padre e um barbeiro, deu um limpa nos livros que julgava fazerem mal a Alonso Quijano, que é o verdadeiro nome de Dom Quixote. Além dos livros de cavalaria, mandou queimar também os de poesia, pois, segundo ela, o tio se tornar poeta seria pior, pois “é doença contagiosa e incurável”. Acho ótimo estar entre incuráveis.

A escolha de 20 de outubro, conforme pesquisei, aconteceu em decorrência de um evento realizado em 1976 na casa do poeta, jornalista, cronista, tabelião Menotti Del Picchia. É uma comemoração não-oficial; diferente do Dia Nacional da Poesia, que é celebrado em 31 de outubro (data de nascimento do poeta Carlos Drummond de Andrade), conforme lei nesse sentido criada em 3 de janeiro de 2015. Antes de Drummond entrar no circuito, era a data de nascimento de Castro Alves (14/3/1847) o dia estipulado para a comemoração, mas em caráter clandestino. Sou um grande apreciador de Drummond, inclusive tenho um livro autografado dele, mas discordo da escolha de sua data de nascimento. Castro Alves deveria ser o protagonista desse evento. Na verdade, não caio no visgo de muitas comemorações, visto que a maioria visa morder a algibeira das pessoas.

Já que o assunto é poesia, Gabriel Nascente, nosso bardo maior, teve o privilégio de conviver com o poeta Menotti Del Picchia e até receber um socorro financeiro dele quando Gabriel estava em São Paulo, segundo ele, “passando por penúria na Pauliceia Desvairada”. Toda sexta-feira, ia ao cartório de Menotti pegar uns trocados. Isso na década de 70. Em sua permanência de um ano em São Paulo, Gabriel gerou o livro “Colmeia de Anônimos”, cujo prefácio foi feito por Menotti, e aqui trago um trecho dele: “’Colmeia de Anônimos’” causará inquietação e pânico no melancólico arraial dos decadentistas que ainda se nutrem com dessorados resíduos do velho penumbrismo tementes da crueza do sol da atual realidade.”

O poeta Gabriel Nascente e seu periquito Loló, que voou para fora da vida, e inspirou Gabriel no livro “O Príncipe da Túnica Verde” | Foto: Sinésio Dioliveira

Voltando a Voltaire, segundo ele, entre os muitos méritos da poesia, um deles, “que muita gente não percebe, é que ela diz mais que a prosa e em menos palavras que a prosa”. Realmente. Na poesia, para se construir um bom poema, visto que ele é um texto de fôlego bem mais curto que um conto, sobretudo um romance, a escolha das palavras tem de ser precisa. Drummond, inclusive, dá um toque interessante em seu poema metalinguístico “Procura da Poesia”, e aqui, altaneiro leitor, trago-te dele um trecho, que não deve ser lido com olhos ocos:

“Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo”.

Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza