Ponto de Partida

Ausência de um Plano de Mobilidade e atraso na atualização do Plano Diretor revelam que a Prefeitura não pensa o município em todo seu conjunto

A conhecida Teoria das Janelas quebradas parte de uma premissa simples: se algo não recebe zelo, tudo é permitido. Pensada por pesquisadores norte-americanos, na década de 1980, a Broken Windows Theory comprova a relação entre desordem e criminalidade.
O exemplo clássico é o do edifício abandonado que tem uma das janelas quebradas. Caso nenhuma providência seja tomada (as janelas consertadas, a ocupação do prédio), em breve surgirão pichações e invasões, tornando o lugar um ambiente inóspito e propício para práticas delituosas (como uso de drogas, estupros, etc). Afinal, se ninguém se importou em reparar a janela quebrada, é sinal de que a construção não tem todo. E, se não tem dono, ali tudo pode.
A teoria tentava explicar a incidência maior de criminalidade em bairros onde a desordem era regra. Muros pichados, lâmpadas da iluminação pública queimadas, sucatas de carros abandonados nas ruas, lotes e construções vazias, escolas com péssima infraestrutura: tudo isso coincidia com altas taxas de crimes.
Na prática, é fácil observar a aplicação da teoria, especialmente em bairros mais periféricos de qualquer cidade brasileira. Se alguém despeja lixo em um terreno desocupado, sem que logo em seguida o entulho seja retirado e o responsável punido, mais e mais gente fará o mesmo e a área em pouco tempo terá se transformado em um lixão. A destruição da construção abandonada e o lote transformado em depósito de lixo dão início à degradação da vizinhança até que o ciclo culmine em um ambiente onde germinam o crime e a violência.
A premissa pode ser levada para vários campos do convívio pessoal e social. Relações amorosas cujas janelas quebradas não são reparadas estão fadadas ao fracasso. Cidades onde as regras mínimas de convívio são negligenciadas inevitavelmente sofrerão com o crescimento desordenado, os serviços básicos insuficientes, o trânsito patológico e o comprometimento da qualidade de vida.
Explosão demográfica
Goiânia sofre com todos esses sintomas. Aquela cidade com ares interioranos ficou para trás há décadas. Na virada do século, o município tinha 1,09 milhão de habitantes. Atualmente, tem quase 1,5 milhão, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). A capital está entre as 70 cidades com maior densidade demográfica do País (1,7 mil moradores em cada quilômetro quadrado).
A migração em massa faz de Goiânia a quinta cidade que mais cresce no Brasil – e uma das 100 que mais crescem no mundo, segundo a Fundação City Mayors, dedicada ao estudo de assuntos urbanos. O crescimento populacional, sem que a economia seja capaz de absorver a todos, torna a cidade a mais desigual da América Latina, de acordo com o índice Gini, elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para calcular a distribuição de renda.
Goiânia é, hoje, uma cidade com janelas quebradas. E muito se deve ao grupo que atualmente orbita ao redor do prefeito Iris Rezende. Pessoalmente, o emedebista completa em 2019 oito anos sentado no trono de ferro do Paço Municipal. Mas, em uma análise mais rigorosa, pode-se colocar na conta boa parte dos seis anos de Paulo Garcia nessa conta. Portanto, muito do que está aí é de responsabilidade de Iris Rezende – para o bem e para o mal.
Especialmente no atual ciclo de poder, Iris Rezende não tem se preocupado em reparar algumas janelas quebradas. Tomemos dois exemplos básicos: Goiânia está atrasada na revisão do Plano Diretor e não elaborou o Plano de Mobilidade Urbana, duas ferramentas essenciais para o ordenamento das cidades, de forma que seja preservada a qualidade de vida dos moradores.
Plano de mobilidade foi engavetado
O Plano Diretor de Goiânia é de 29 de maio de 2017. O Estatuto das Cidades determina que ele seja atualizado a cada dez anos. Portanto, a capital goiana está atrasada há dois anos. A Prefeitura até que se movimentou, lançou um portal, realizou algumas reuniões, mas até hoje não enviou o projeto para a Câmara de Vereadores, que deve estudá-lo e votá-lo.
É por meio do Plano Diretor que uma cidade cresce de forma mais humanizada, menos opressiva e conflituosa. Também é assim que se define a utilização de espaços urbanos, levando-se em conta as necessidades da população e a sustentabilidade ambiental.
O Plano Diretor pode definir as regiões onde será permitido construir edifícios residenciais (inclusive com limites de pavimentos), áreas comerciais, eixos de transporte, etc. O atual Plano Diretor de Goiânia prevê, por exemplo, a construção ou manutenção de 13 corredores exclusivos ou preferenciais de ônibus – boa parte deles nunca saiu do papel.
Outra prova de despreocupação com as janelas quebradas da capital goiana por parte da Prefeitura é a negligência em relação ao Plano de Mobilidade Urbana (PMU) que, a rigor, deveria ter sido desenvolvido e colocado em prática antes mesmo da revisão do Plano Diretor. O PMU ordena a convivência entre os diversos modais de transporte (bicicleta, motos, automóveis, ônibus, metrô, etc) e os deslocamentos a pé. Em síntese, a elaboração de um bom Plano de Mobilidade e sua execução podem preservar um pouco de civilidade nas cidades.

BRT anda, mas devagar
Em julho de 2016, ainda na gestão Paulo Garcia (PT), a Prefeitura anunciou a criação do Plano de Mobilidade de Goiânia. Na época, o PlanMob-Goiânia tinha prazo de 14 meses para ser implementado. Previa ações que dariam continuidade aos investimentos em corredores de ônibus, BRT e ciclovias. Três anos depois, a obra do BRT, que ganhou um fôlego nos últimos meses, segue sem conclusão. Corredores para transporte coletivo e ciclovias não ganharam um só quilômetro a mais – e não se fala mais do assunto.
Assim, Iris repete na administração o que sempre fez como gestor. Ao invés de instituir um Plano de Mobilidade, ou talvez exatamente pela falta de, a Prefeitura investe em trincheiras e viadutos ao longo das Avenidas 136 e Jamel Cecílio. Com exceção do BRT, iniciado por Paulo Garcia, um prefeito que, a despeito de todas as críticas, tinha uma visão de mobilidade inédita para Goiânia, as obras tocadas pelo Paço Municipal priorizam, mais uma vez, o transporte individual.
Viadutos são como analgésicos
São obras pontuais, que não seguem um projeto mais amplo que pense a cidade como um todo - e sua conexão e dependência mútua com todos os municípios da Região Metropolitana. Viadutos e trincheiras têm efeito muito local, não resolvem o problema. A única mágica que fazem é deslocar o congestionamento para 100 metros adiante. São como analgésicos que escondem a dor, mas não curam a causa de fundo.
Aparentemente, a administração municipal acredita que para consertar janelas basta trocar aquela parte do vidro despedaçada. Mas, na verdade, o que a teoria do cientista político James Q. Wilson e o do psicólogo criminologista George Kelling nos ensina é que essa é a apenas a primeira e emergencial providência. Para manter a casa habitável, exigem-se intervenções muito mais profundas e planejadas.

Governo federal enfim enviou para o Congresso o Plano Mansueto, mas, para acessar o crédito, Estados terão de apertar o cinto

Julgamento que estava marcado para a terça-feira, 5, no STF, definiria se o porte de substâncias ilícitas para uso próprio é ou não crime

Caged mostra que o primeiro quadrimestre foi o terceiro pior desde 2004, superando apenas os mais difíceis anos de crise

Em meio à polêmica envolvendo o Passe Livre Estudantil, cujo número de alunos atendidos o governo estadual quer reduzir de 85 mil para 22 mil, um assunto tem passado ao largo das discussões sobre o transporte coletivo público. Em gestação nos órgãos gestores, a criação de fontes alternativas de financiamento do sistema na Região Metropolitana precisa deixar de ser tabu e deve ser debatida com clareza, coragem e com o mínimo de contaminação de interesses políticos e financeiros.
Atualmente, o sistema é quase que exclusivamente bancado pela tarifa paga pelos usuários. O governo estadual subsidia com isenção de ICMS sobre o combustível e com repasses para cobrir o déficit oriundo do Passe Livre Estudantil. As demais gratuidades (idosos, militares, funcionários dos Correios, deficientes, etc) são complementadas pelo preço da passagem – que também paga pela manutenção dos abrigos e terminais de integração. A estimativa é de que todos esses gastos representem cerca de 40% do valor final da tarifa. Ou seja, R$ 1,72 de R$ 4,30 são usados para cobrir as gratuidades e para fazer investimentos em manutenção.
De acordo com o senso comum, essa seria a lógica. Paga quem usa. Contudo, no mundo desenvolvido, não é assim que funciona. Para que a tarifa não seja tão alta e que haja recursos para melhoria do sistema, em praticamente todos os países avançados há algum tipo de fonte alternativa de financiamento do transporte coletivo público.
Conforme publicado no Jornal Opção, nas principais cidades europeias o subsídio governamental (que, em última análise, é bancado pelos tributos e taxas pagas por toda a sociedade) cobre de 46% (em Amsterdã) a 74% (em Praga) do valor total das tarifas. Isso ocorre porque existe uma visão que valoriza o coletivo sobre o individual. É assim que as sociedades avançadas funcionam.
E de onde vêm esses recursos para subsidiar o valor da passagem? As possibilidades são muitas, mas o caminho mais comum é que o transporte individual arque com esses custos, seja com parcela do valor do licenciamento anual, seja com destinação de taxas incidentes sobre estacionamentos particulares e públicos e combustíveis. Em alguns países, inclusive, há cobrança de pedágio urbano.
No caso do município de Goiânia, há duas medidas que poderiam, ao mesmo tempo, auxiliar na rotatividade das vagas de estacionamento público e servirem de fonte para melhoria do transporte coletivo: a ampliação da Área Azul, que, segundo estudo da Secretaria de Trânsito, Transporte e Mobilidade (SMT) poderia chegar a 20 mil vagas (hoje são apenas 2 mil, em Campinas e no Centro); e a adoção do parquímetros, projeto já aprovado na Câmara de Vereadores mas nunca colocado em prática.
No caso de Goiás, os técnicos que trabalham no tema calculam que seria necessário algo em torno de R$ 200 milhões por ano em fontes extratarifárias. Esse valor seria o suficiente para segurar o valor da passagem e ter algum recurso para investir em novos abrigos, na melhoria dos terminais e na frota.
Porém, esse não é um tema fácil de lidar. Ao longo do tempo, o usuário desenvolveu uma desconfiança nos gestores e nas empresas que exploram o serviço. E não sem razão. Desde que a atual concessão entrou em vigor, em 2008, a tarifa subiu de R$ 2 para R$ 4,30. É um aumento de 115% no período. Bem acima da inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que foi de 77%.
Já o proprietário de automóvel particular dificilmente engoliria mais uma taxa ou aumento naquelas que já paga anualmente, como o IPVA, o licenciamento e o seguro obrigatório. Afinal, se ele não enxerga os tributos que paga anualmente retornarem em forma de ruas em boas condições e sinalização de trânsito adequada, como convencê-lo de pagar um pouco mais para que o transporte coletivo público seja beneficiado?
Os desafios para fazer uma proposta dessas vingar são muitos. Mas os benefícios também. Um transporte coletivo melhor significa um trânsito mais racional, menos perda de dinheiro em deslocamento, menos poluição. Enfim, mais qualidade de vida nas cidades.
Cabe aos gestores conquistarem a confiança da população. E cabe a toda a sociedade estabelecer uma cultura na qual o interesse coletivo seja mais importante que o individual.

Para frustração do governador Ronaldo Caiado, governo federal empurra com a barriga a apresentação do socorro aos Estados

A semana que passou não foi das mais alvissareiras para o governador Ronaldo Caiado [DEM-GO]. Animado no início, o democrata saiu frustrado da reunião do presidente Jair Bolsonaro com os governadores, no Palácio do Planalto, na quarta-feira, 8. A expectativa do governador goiano (e de seus colegas dos outros Estados) era sair com a proposta do Plano de Equilíbrio Financeiro (PEF) em mãos, mas os governadores deixaram o encontro quase sem nada.
A única coisa que eles obtiveram do Governo Federal foi o compromisso de que o plano seria enviado ao Congresso no dia seguinte, quinta-feira, 9. Contudo, a promessa mais uma vez não foi cumprida. Ainda na quinta-feira, o ministro Paulo Guedes disse a um grupo de governadores do Nordeste que iria mandar a proposta para a Câmara dos Deputados nesta semana. A conferir.
Ao sair do encontro de quarta-feira, Caiado não escondeu a irritação. Disse que a não apresentação do Plano Mansueto, como ficou conhecido o Plano de Equilíbrio Financeiro, frustrou e constrangeu os governadores. Coincidentemente ou não, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, que batiza o projeto, não compareceu a um evento em Goiás, na tarde do mesmo dia, organizado pelo Governo do Estado.
Se já estava frustrado na quarta-feira, imagina-se o estado de espírito de Caiado na quinta, quando o anúncio do pacote de socorro aos Estados foi novamente adiado. O ministro da Economia, Paulo Guedes, amenizou a situação, prometendo para essa semana o tão esperado plano.
A programação do Governo Federal é que os detalhes do Plano Mansueto sejam mostrados, primeiro, para os secretários da área econômica dos Estados. É que o Planalto quer evitar mais desgastes e, para tanto, pretende afinar o discurso com os governadores antes de enviar um texto para o Congresso. Tudo que os articuladores políticos de Bolsonaro querem evitar é mais um cabo de guerra com deputados e senadores.
Aposta na ajuda federal
Caiado tem motivos para preocupação. Antes mesmo de tomar posse, o democrata delimitou sua estratégia de atuação na busca ajuda do Governo Federal para amenizar os problemas de caixa de Goiás. A agenda do governador tem sido tomada, desde janeiro, por viagens constantes a Brasília, em busca de apoio financeiro.
Reportagem publicada pelo Jornal Opção em 10 de março já alertava para o risco dessa aposta. O Governo Federal também tem seus problemas de caixa. Políticos e especialistas em contas públicas ouvidos pelo jornal comentaram que dificilmente Caiado conseguiria alguma coisa em Brasília. O tempo está passando e a tese parece ter sentido.
Primeiro, Caiado jogou todas as fichas na inclusão de Goiás no Regime de Recuperação Fiscal (RRF). O governador assinou decreto de calamidade financeira, adiou o pagamento da folha salarial de dezembro e convidou técnicos da Secretaria do Tesouro Nacional para conhecerem de perto das contas do Estado.
Contudo, apesar de todos os pesares, a STN concluiu que o diabo não era tão feio como fora pintado pelo democrata. Goiás, segundo o órgão do Governo Federal, não se enquadrava nos critérios para ingressar no RRF.
Sem possibilidade de ser incluído no regime, o Governo de Goiás começou a articular ferozmente, com apoio de outros Estados que passam pelas mesmas dificuldades, uma alternativa de ajuda do Governo Federal. Foi aí que nasceu a ideia do Plano de Equilíbrio Financeiro, que é uma espécie de RRF Nutella.
No PEF, a União torna-se fiadora de empréstimos obtidos pelos Estados em instituições financeiras. O mercado avalia que há muita gente interessada a se tornar credora nesse tipo de operação, que, por ter o aval federal, torna-se de baixíssimo risco. Inclusive bancos estrangeiros poderiam participar do jogo – bancos públicos ficariam fora.
A estimativa é de que aproximadamente R$ 40 bilhões ficarão disponíveis para os Estados que se enquadrarem nos critérios do PEF. Caiado gostaria de mais e, por isso, segue investindo em viagens a Brasília para que o valor seja aumentado.
Governos terão de apertar o cinto
Para ter acesso a essa linha de crédito, os governos estaduais terão de apertar os cintos. A quantia a ser liberada depende do tamanho do arrocho que cada governador está disposto a fazer. As medidas passam por enxugamento da máquina estadual, adiamento de concursos, contenção do crescimento da folha de pagamento do funcionalismo.
A rigor, porém, o PEF não significa uma solução para os problemas de ordem financeira dos Estados brasileiros. Ele representa apenas um alívio momentâneo e, se não servir de pontapé para medidas realmente estruturantes, pode representar apenas o adiamento do colapso.
Em linhas gerais, o Plano Mansueto funciona como uma terapia de danos reduzidos. Em uma analogia com a economia doméstica, é como uma dona de casa que um empréstimo consignado para pagar o rotativo do cartão de crédito. Ela conseguirá pagar uma conta imediata e a trocará por outra com taxas de juros mais cômodas, mas estará apenas rolando o montante da dívida para depois.
De nada essa manobra resolverá, caso a mesma dona de casa continue saindo todas as noites para restaurantes, gastando com roupas de grife e rodando por aí com um carro que está acima de sua real condição econômica. Se ela não aproveitar a folga no orçamento obtida com o crédito novo para ajustar as contas, a falência virá, mais cedo ou mais tarde.
Há 20 anos, União fez pacote semelhante
Essa história não é nova. Entre os anos de 1997 e 1998, o então presidente Fernando Henrique Cardoso renegociou as dívidas dos Estados por 30 anos com juros subsidiados. Na época, o pacotão somava R$ 100 bilhões. Em 2016, no governo Michel Temer, a União aceitou espichar os pagamentos por mais 20 anos. Nas contas do Tesouro Nacional, esse novo adiamento custou R$ 106 bilhões. Menos de três anos depois, novamente os governadores estão com os pires nas mãos.
Durante o seminário “Como resolver a crise dos Estados?”, promovido pelo jornal Valor Econômico, secretários da Fazenda e economistas admitiram que o Plano Mansueto representa um alívio, mas não uma solução. A Secretaria da Economia de Goiás, Cristiane Schmdit, disse durante o evento que o plano não é uma bala de prata. “Se algum Estado está pensando que a solução está aí, não é verdade”, disse a secretária.
Caiado perdeu o primeiro bote de socorro do governo federal, o Regime de Recuperação Fiscal. Agora se movimenta para tentar embarcar no segundo, o Plano de Equilíbrio Financeiro. O risco é que ele seja pequeno demais para tanta gente necessitada e que todos morram abraçados na praia.

Crescimento vegetativo da despesa com pessoal, que foi de 5% no primeiro quadrimestre, compromete a capacidade de investimento do Estado

O governador Ronaldo Caiado enviou, na semana passada, a segunda etapa de sua reforma administrativa à Assembleia Legislativa. A intenção do Governo, além de reorganizar a estrutura governamental, é diminuir os gastos. A análise da folha de pagamento, no entanto, revela que, no fundo, qualquer iniciativa esbarrará em um entrave insuperável: hoje, o contribuinte goiano (e o brasileiro, em geral) paga impostos para bancar os salários do funcionalismo e despesas de custeio da máquina pública.
Mesmo antes da segunda etapa da reforma, Caiado já havia cortado em 25% os gastos com servidores comissionados (de R$ 103 milhões, no primeiro quadrimestre de 2018, para R$ 76 milhões, no mesmo período de 2019). A economia foi possível graças ao não preenchimento de aproximadamente 2 mil cargos em comissão sem vínculo.
Ocorre que o corte entre os servidores comissionados tem muito mais efeitos políticos e moralizadores que práticos. Dentro da composição da folha de pagamento do Estado, os funcionários sem vínculo representam cerca de 2,5%. Por isso, mesmo uma diminuição significativa, como a feita pelo Governo, impacta relativamente pouco nas contas.
Reajustes, data-base e planos de carreira inflam a folha
Vejamos: a folha de pagamento do primeiro quadrimestre de 2019, comparada ao mesmo período de 2018, está 5% maior. Isso ocorre porque há o crescimento vegetativo, composto por reajustes salariais, pagamento de data-base e Planos de Cargos e Remunerações de várias categorias. A maior parte desses reajustes foi concedida no segundo semestre do ano passado.
Quatro categorias impulsionam o crescimento vegetativo da folha: efetivos, aposentados, pensionistas e militares reformados. No período comparado, a folha delas subiu 4,8%, 9,9%, 8,7% e 17%, respectivamente. Juntas, elas significaram mais R$ 266,6 milhões a mais nos gastos públicos. Anualizada, a conta chega a R$ 800 milhões.
A consulta ao Portal da Transparência do Governo de Goiás revela que a gestão atual tem atuado onde é possível. Foram feitos cortes nas folhas dos comissionados sem vínculo (menos 25,7%), dos efetivos em cargos comissionados (menos 6,2%), dos estagiários (menos 3,3%) e dos temporários (menos 6,7%). Ao todo, são R$ 244 milhões a menos em quatro meses. Mas esse esforço é anulado pelo aumento aos servidores de carreira.
Dessa maneira, o Governo acaba com pouca margem de manobra. Servidores efetivos são concursados, têm seus direitos garantidos e as reivindicações por melhorias salariais são legítimas, como as de quaisquer trabalhadores. Conforme disse em conversa com o Jornal Opção a secretária da Economia de Goiás, Cristiane Schmidt, é preciso repensar o modelo de Estado que o Brasil precisa para os próximos anos. “Hoje, não há dinheiro para fazer política pública”, afirmou.
Funcionalismo e dívidas consomem
97% dos recursos do tesouro estadual
Segundo cálculos da secretária, Goiás gasta por volta de 84% dos recursos do erário com pagamento de pessoal. Juntando-se o serviço da dívida e precatório, a conta salta para 97%. Somem-se aí as despesas com custeio e não é preciso ser um especialista em economia ou contas públicas para ver que sobra muito pouco para novos investimentos.
Além de comprometer a capacidade de empreender do Estado, a folha de pagamento do funcionalismo goiano costumeiramente esbarra nos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O último Relatório de Gestão Fiscal que detalha esse dado é de dezembro de 2018. Ali, aponta-se que a folha compromete 44,34%.
Esse índice está abaixo dos limites da LRF (que é de 48,6%). Porém, ele camufla o que realmente se gasta com o funcionalismo. É que, em 2017, o então governador Marconi Perillo aprovou as Emendas Constitucionais 54 e 55, que tiraram dessa conta os pensionistas e os encargos com Imposto de Renda.
Essa alteração legislativa tem sido adotada por vários governos como alternativa para não caírem nas punições da Lei de Responsabilidade Fiscal. Entre outras coisas, ela demonstra a dificuldade de controle dos gastos com pessoal, de forma que eles inviabilizem qualquer administração.
Sociedade não recebe políticas públicas
Ao incluir os pensionistas e o Imposto de Renda na soma, o comprometimento somente com a folha salarial chega a 84% da receita do tesouro estadual, segundo a secretária da Economia. "A sociedade que está pagamento meu salário não tem escola, não tem estrutura hospitalar, nada", diz Cristiane Schmidt.
Uma mudança recente lançou um complicador a mais para o Estados fecharem suas contas conforme a LRF. Em reunião realizada no dia 25 de abril, a Comissão Intergestores Tripartite (CIT) alertou os secretários estaduais de Saúde sobre duas portarias da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) que incluem servidores de Organizações Sociais (OS) como despesa de pessoal. Em Goiás, praticamente todos os hospitais estaduais são geridos por OS, o que fará que os limites da LRF sejam extrapolados independentemente das emendas constitucionais 54 e 55.

Prefeito aposta no mesmo receituário que marca sua trajetória política; resta saber se o eleitor ainda se convence com os mesmos argumentos

No dia 16 de outubro de 1983, Goiânia foi palco de um evento histórico. Naquele dia, o então governador Iris Rezende liderou uma mobilização jamais vista no País e, acompanhado de milhares de auxiliares e populares, construiu mil casas populares, inaugurando a primeira etapa da Vila Mutirão.
Trinta e seis anos depois, Iris Rezende segue o mesmo. Neste final de semana, realizou mais um mutirão, desta vez na região Oeste de Goiânia. Contudo, ao contrário daquele mítico dia, as atuais edições limitam-se a levar açoes que deveriam ser rotineiras: coleta de lixo, limpeza de ruas, pintura dos meios-fios, cuidados básicos de higiene (como corte de cabelo) e, em parceria com o Estado, emissão de documentos.
O anacronismo do modelo é um reflexo do próprio gestor. Hoje, o que se vê pelas ruas de Goiânia, o que se ouve das pessoas e o que emerge das pesquisas em mãos de políticos e marqueteiros é um desgaste jamais vistos na vitoriosa carreira política de mais de meio século.
Quando foi derrotado por Marconi Perillo em 1998, Iris não teve suas qualidades de gestor contestadas. O que havia era um cansaço por parte do eleitor, que não suportava mais ver as mesmas figurinhas carimbadas dando as cartas no Estado e clamava por mudanças.
Hoje, está em xeque a imagem de bom administrador de Iris Rezende. Os buracos nas ruas, as falhas na coleta de lixo no início do mandato, a crise na saúde e a interminável obra do BRT corroem a fama do emedebista. As pessoas começam a pensar se não é chegada a hora de mudar.
Abraços e apertos de mãos
Ainda assim, na cabeça do decano, sempre é possível ir um pouco mais adiante. E, ainda que negue, a pouco mais de um ano e meio para as próximas eleições, Iris Rezende é candidatíssimo.
Neste fim de semana, o emedebista fez o que gosta: tomou um banho de povo no Mutirão. Abraçou, apertou mãos, tirou fotos. Contudo, quem acompanhou de perto percebe que, ainda que uma certa aura ainda o acompanhe, o entusiasmo das pessoas não é mais o mesmo. O eleitor de Iris envelheceu.
Com dinheiro no bolso, Iris lançou uma de suas estratégias prediletas. Está, como diz o jargão, transformando Goiânia em um canteiro de obras. Viadutos começam a ser construídos na região Sul de Goiânia, uma tentativa clara de agradar a classe média.
Enquanto isso, crianças morrem por falta de atendimento médico - conta que deve ser dividida com o Estado. O problema nao é de hoje, mas todos os analistas confirmam que a situaçao piorou quando Iris acabou com o atendimento pediátrico na rede Cais e o concentrou no Cais Campinas.
Agora, a Prefeitura corre para refazer o que não deveria ter sido desfeito. Abriu chamamento para contratação de pediatras para distribuir nas unidades de saúde das diversas regiões da capital. Talvez sem querer, assim a secretária Fátima Mrué está assumindo que errou quando desmantelou o atendimento nessa especialidade. Até agora, poucos pediatras mostraram interesse nas vagas ofertadas.
Derrota do PSDB serve de alerta para o emedebista
Resta saber se a estratégia dará certo mais uma vez. O eleitor, se ainda não se desapegou totalmente de seus ícones políticos, está mais arisco. As redes sociais (ambiente desconhecido pelo emedebista) estão aí para refrescar a memória dos eleitores.
A última eleição estadual só fortalece essa tese. Mesmo com um bilionário pacote de obras nos últimos dois anos, o chamado Tempo Novo sucumbiu fragorosamente nas urnas.
As pesquisas internas mostram uma enorme rejeição ao prefeito. Tanto que os partidos se assanham com a possibilidade real de tomar o Paço Municipal das mãos do emedebista e os atores políticos apostam em uma quantidade recorde de candidatos.
Pessoas próximas a Iris acreditam que o seu recall histórico seja o suficiente para alcançar ao menos 20% dos votos, o que lhe garantiria uma vaga em um hipotético segundo turno. Os demais apostam que quem chegar a essa etapa teria amplas possibilidades de vitória.
Falta um ano e meio para as próximas eleições. Para ter algum efeito, o pacote de obras de Iris tem de funcionar como um relógio. Atrasos, nessa altura do campeonato, serão fatais. Para ele, cada dia pode não ser um a mais, mas um a menos para que chegue competitivo a outubro de 2020.

Líder do Governo conta com 28 deputados, mas somente as votações poderão por a contabilidade à prova

Na terça-feira, 16, o líder do Governo na Assembleia Legislativa, Bruno Peixoto (MDB), deixou otimista o Palácio das Esmeraldas. O emedebista comemorou a presença de 28 deputados em uma reunião com o governador Ronaldo Caiado. Para Peixoto, o comparecimento representou um "sim" à participação na base governista dentro do Parlamento.
Entre aqueles que foram ao encontro, chamam a atenção antigos aliados dos governos Marconi Perillo e José Eliton. Compareceram ao Palácio Virmondes Cruvinel (Cidadania), Henrique Arantes (PTB) e Diego Sorgatto (PSDB), por exemplo. Tudo natural. O Executivo sempre exerceu atração gravitacional forte sobre o Legislativo - seja nas Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas ou no Congresso.
O cara a cara com Caiado ocorreu após semanas de desarticulação na Assembleia, com ao menos uma derrota importante para o democrata: a eleição de Lissauer Vieira (PSB), hoje muito mais próximo ao Governo, à presidência da Casa. Nos últimos dias, intensificaram-se as cobranças por parte de aliados. Nas palavras do emedebista Humberto Aidar, "qualquer deputado, para ser Governo, tem de participar dele".
Traduzindo, a atração gravitacional do Executivo sobre o Legislativo tem uma regra base, a distribuição de fatias do poder. Pode-se questionar se essa é uma prática moralmente aprovável, mas é assim que as coisas funcionam.
O líder do Governo, porém, não pode dormir sossegado. Entre os 28 deputados que estiveram no Palácio, há aqueles que tendem a ter atuação mais independente. É o caso, por exemplo, de Major Araújo (PRP), que criticou publicamente a troca de favores com os deputados.
Também carece de atenção os deputados do PSL, Paulo Trabalho e Humberto Teófilo. O presidente do partido em Goiás, Delegado Waldir, é outro que tem demonstrado insatisfação com o tratamento recebido pelo partido.
Ninguém governa sem o Legislativo
No Brasil, com seu presidencialismo de coalizão, ninguém governa sem o Legislativo, sejam prefeitos, governadores ou o presidente da República. Vê-se, por exemplo, a dificuldade de o presidente Jair Bolsonaro (PSL) colocar sua agenda no Congresso. Para aprovar um projeto na Assembleia Legislativa, Caiado precisa de maioria simples de votos. No caso de uma Proposta de Emenda Parlamentar, são necessários dois terços dos votos dos deputados presentes).
Além disso, para a votação de um projeto, é preciso no mínimo 21 deputados presentes. Uma PEC exige a presença de 25 deputados, no mínimo. Esses mecanismo permitem manobras para adiar a apreciação de matérias, tais como a ausência no plenário para impedir que haja quórum mínimo para abertura de sessões.
A demora para a consolidação de uma base sólida na Assembleia Legislativa por parte de Caiado surpreende em alguns aspectos. O democrata construiu toda sua carreira exatamente dentro do Parlamento. Além disso, aquele que deve ser o responsável pela articulação com a casa, o secretário de Governo Ernesto Roller, já foi deputado estadual. Portanto, ambos têm conhecimento de como as coisas funcionam.
Mas não há surpresa quando se analisa a trajetória do governador. Caiado nunca foi um político de grupos. Tanto que já esteve com Marconi para derrotar Iris Rezende em 1998 e hoje é adversário ferrenho do tucano. Ao mesmo tempo, sua aproximação com o líder emedebista refletiu-se até mesmo na eleição de 2018, quando Iris deu sinais ambíguos em relação ao candidato do MDB, Daniel Vilela.
Outro fator foi a importação de secretários para a Segurança Pública, Educação, Meio Ambiente e Economia, pastas importantes na estrutura governamental. Os deputados constantemente reclamam de que o secretariado, especialmente a "legião estrangeira", não se dispõem a atendê-los. O próprio governador já chamou publicamente a atenção de seus auxiliares para que a situação mude.
Sem base, sem reforma administrativa
Sem uma base sólida, Caiado teve de adiar algumas medidas que pretende implementar e atrapalha o andamento normal do Governo. É o caso, por exemplo, da segunda etapa da Reforma Administrativa, que até agora não chegou à Assembleia Legislativa. O resultado é que, mais de 100 dias após o início do mandato, ainda há cargos do segundo escalação indefinidos.
Caiado também precisa de apoio para enfrentar a votação do Orçamento Impositivo. Caso a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do deputado Talles Barreto (PSDB) seja aprovada, as emendas parlamentares terão, obrigatoriamente, 1,2% do bolo orçamentário (algo em torno de R$ 312 milhões, ou R$ 7,2 milhões por deputado). Atualmente, a parcela é de 0,5% (R$ 130 milhões, ou R$ 3,1 milhões por deputado).
Esse dinheiro representaria um excelente capital político para os deputados, que poderiam levar mais obras para suas bases. Para o Governo, seria um engessamento ainda maior do orçamento, já cheio de amarras legais.
A votação do Orçamento Impositivo, que ora está na Comissão de Constituição e Justiça, será um bom teste para avaliar se Caiado pode mesmo contar com os 28 deputados contabilizados por Bruno Peixoto.

Se diminuir a importância dada à pauta de costumes, Planalto tem planos e equipe competente para arejar a economia do País

Marcado por muitos erros e alguns acertos, trapalhadas, idas e vindas e luta contra moinhos de vento, o presidente Jair Bolsonaro, ao contrário do que muita gente pensa (e há quem torça contra), tem, sim, possibilidade de fazer um bom governo. Sufocada pela cobertura maciça da reforma da Previdência, há um agenda econômica que pode ajudar o País a sair do atoleiro em que se encontra.
O temperamental ministro da Economia, Paulo Guedes, tem em suas mangas projetos que, colocados em prática, poderão amenizar o sufoco do empreendedor e do consumidor brasileiros – enrolados em um emaranhado tributário e na burocracia que limitam quaisquer iniciativas de investimento e consumo.
Um dos pontos positivos, registrado em notas de rodapé dos jornais (muito preocupados com as extravagâncias dos membros do primeiro escalão e da família presidencial), foi o Cadastro Positivo. Sancionado pelo presidente na segunda-feira, 8, a medida é vista por muitos analistas como uma ferramenta para diminuir os juros cobrados no crédito fornecido pelas instituições financeiras.
O Cadastro Positivo ainda é um ilustre desconhecido dos brasileiros, acostumados a verem o SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) e o Serasa apenas como siglas que significam ter o nome "sujo". O Cadastro Positivo é exatamente o inverso: os fornecedores de créditos terão acesso às informações dos bons pagadores; dessa forma, a avaliação de risco diminui e a instituição tende a dar condições mais favoráveis ao tomador de crédito.
Reforma Tributária
Outra medida em gestação no Palácio do Planalto envolve a desburocratização para abertura, fechamento e reativação de empresas. Uma das propostas que constarão no projeto a ser enviado ao Congresso diminui de cinco para um ano o prazo para que uma empresa em recuperação judicial possa voltar a atuar no mercado.
Considerada por muitos a mais importante reforma, a Tributária, se bem elaborada e aprovada, mexerá profundamente na chamada macroeconomia. O Governo Federal ainda não tem um modelo fechado, mesmo porque é assunto extremamente complexo, polêmico e que dificilmente alcançará algum tipo de unanimidade.
Um dos pontos centrais das discussões na equipe econômica de Bolsonaro é a adoção do imposto único, ou, pelo menos, a unificação de vários tributos. A proposta, segundo o ministro Guedes, é transformar o PIS, Cofins, IOF, IPI e CSLL em um só tributo federal, com a possibilidade de fusão também do ICMS (estadual) e ISS (municipal). Há quem discorde da ideia por acreditar que o imposto único é um modelo antigo e que há maneiras mais modernas de tributação.
Outra proposta do Governo é a criação de um imposto sobre todos os meios de pagamento. Aqui, o risco é a propaganda negativa, pois assemelha-se com a malfadada CPMF, criada no Governo FHC. A vantagem desse tributo é que, além de arrecadar mais de quem movimenta mais dinheiro, seria uma ferramenta de fiscalização por parte da Receita.
Seja qual for o modelo adotado, a simplificação na cobrança de impostos facilitaria a vida tanto de quem paga quanto de quem recebe.
Guedes e companhia pensam, ainda, na desoneração da folha de pagamento, como forma de estimular a geração de emprego.
Abertura econômica
O próprio presidente Jair Bolsonaro já se manifestou sobre um ponto que gostaria de ver mudado. Ele quer taxar dividendos, reduzindo-se a tributação sobre as empresas e ampliando-se a cobrança em cima dos acionistas. Bolsonaro várias vezes disse considerar que ser patrão no Brasil é muito difícil. Ainda que o outro lado da moeda, ser empregado, não é nada mole, é preciso concordar com o presidente nesse aspecto.
O histórico de Paulo Guedes demonstra que o ministro é um entusiasta da abertura econômica do País, o que pode ser um bom sinal. Recentemente, o Banco Mundial publicou um ranking dos países de economia mais fechada do mundo. O Brasil lidera, à frente da Venezuela, Sudão, Rússia e outros.

Trinta anos após o então candidato à Presidência Fernando Collor de Mello dizer que a indústria automotiva fabricava carroças; 21 anos depois da privatização da Telebras (no Governo Fernando Henrique Cardoso); e há dez anos do início das privatizações dos aeroportos no Governo Lula, o Brasil ainda conserva traços da época da Política Nacional de Informática – que mergulhou o País no atraso tecnológico e fez florescer uma próspera indústria do contrabando. Um pouco de janelas abertas farão bem para o Brasil.
Guedes acena, também, para a redistribuição da arrecadação entre os entes federados. Sonho de consumo dos 27 governadores e 5.570 prefeitos brasileiros, tal medida traria mais de justiça na repartição do bolo tributário. Hoje, a União fica com aproximadamente 70% de todos os impostos pagos no Brasil, enquanto isso, Estados e Municípios vivem de pires nas mãos.
Claro que um Governo não se mede apenas pelos resultados econômicos, mas, com dinheiro no bolso, a população se vira bem com os outros problemas. Como tornou célebre James Carville, estrategista político de Bill Clinton, “é a economia, estúpido”, que ganha e perde eleições.
Sexualidade
Enfim, há um conjunto de medidas que passam pelas cabeças mais arejadas do Governo Feral, gente que não perde tempo se preocupando com a sexualidade alheia, nem com o exercício livre do jornalismo. Esse oásis pode salvar o Governo Bolsonaro e, consequentemente, dar um norte para o País.
Falta só confiscar o celular do presidente da República.

Polêmica, mas necessária, a reforma da Previdência chegou ao Congresso no dia 20 de fevereiro e pouco andou até agora. Um dos pontos de divergência é a parte que inclui os militares. Tanto que ela só chegou aos parlamentares um mês depois, já no dia 20 de março.
Mais polêmica. Para conseguir adesão dos militares, o Governo Bolsonaro teve de apresentar concomitantemente um pacote de benefícios para a categoria, que inclui mudanças na progressão da carreira e melhorias salariais - especialmente para o oficialato.
A manobra acabou tirando boa parte do impacto econômico da reforma dos militares. Entre perdas e ganhos, a economia final será de R$ 10 bilhões, quando a expectativa inicial era de R$ 92 bilhões em dez anos.
O artifício causou muita reclamação, tanto no Congresso, quanto entre o funcionalismo e especialista em Previdência. A gritaria tem sentido: no fim das contas, a parcela de sacrifício dos militares ficou aquém da dos demais trabalhadores.
Não é à toa que o deputado Elias Vaz (PSB) diz, em tom jocoso, que não exige um tratamento aos militares semelhante ao dos demais trabalhadores, mas, sim, que gostaria que os demais trabalhadores tivessem o mesmo tratamento que os militares. Já o deputado Delegado Waldir, líder do PSL na Câmara, acenou com a extensão dos benefícios concedidos aos militares para outras carreiras de segurança.
Situação de Goiás
Cálculos obtidos com exclusividade pelo Jornal Opção mostram o impacto da reforma da Previdência dos militares nas contas públicas. Em dez anos, caso o texto seja aprovado da forma com que o Governo Federal o apresentou no Congresso, a economia ultrapassará o R$ 1,9 bilhão. Os dados, inéditos, são da GoiasPrev.
O estudo é uma projeção e leva em conta alguns fatores, de acordo com a proposta enviada ao Congresso pelo Governo Federal: mantém os direitos adquiridos de quem já está na reserva; novo piso de 35 anos de contribuição; regra de transição proposta e aprovação ainda em 2019 e vigência a partir de 2020.
O cálculo também foi feito em cima dos percentuais de contribuição atuais em Goiás: 14,25% do servidor e 28,5% de contribuição patronal. A alíquota do servidor público goiano é a maior do País, segundo entidades representativas do funcionalismo. Portando, os números não são exatos.
As projeções feitas pelos técnicos da GoiásPrev a pedido do Jornal Opção mostram a complexidade da situação. Atualmente, os militares representam cerca de 35% de todo o déficit previdenciário em Goiás, que é de R$ 2,5 bilhões. A parcela dos militares é de aproximadamente R$ 900 milhões.
Caso a reforma da Previdência dos militares seja aprovada nos moldes do que foi proposto pelo governo - e dificilmente será -, no primeiro ano o déficit cairia para R$ 745,1 milhões, uma economia de R$ 155 milhões.
Em dez anos, a economia seria de R$ 1,9 bilhão. Mas o déficit ainda seria gigantesco: R$ 1,79 bilhão em 2030 apenas com os militares. Para se ter noção do tamanho da encrenca, basta dar uma olhada no tamanho do rombo sem a reforma: R$ 2 bilhões.
Mais aposentados
Atualmente, Goiás tem 7,2 mil militares na reserva. Até o fim de 2019, 1,2 mil policiais militares estarão aptos a solicitar a aposentadoria. Isso representa pouco mais de 9% do efetivo atual da Polícia Militar. O fim da terceira classe de soldados terá como resultado um pequeno incremento nos recursos arrecadados, mas não o suficiente para bancar as aposentadorias.
Por outro lado, há que se ressaltar que os militares, especialmente policiais e bombeiros, têm suas particularidades. São funções extremamente desgastantes. A lida diária nas ruas, no caso da maioria dos PMs, causa impactos físicos, emocionais e sérios problemas de saúde.
Resumindo, tudo isso faz com que eles tenham de receber um olhar diferenciado nessa discussão (assim como o trabalhador rural, os professores). O Brasil precisa encontrar uma saída para essa conta que não fecha.

Governador completa três meses no Poder. Análise da rede social revela os assuntos que ocuparam o democrata no início do mandato

Ronaldo Caiado (DEM) completa neste domingo, 31, o terceiro mês como governador. Experiente no Poder Legislativo, com cinco mandatos de deputado federal e um de Senador - que deixou no fim do ano passado para assumir o Palácio das Esmeraldas -, o democrata experimenta a primeira vez em um cargo no Executivo.
E não tem sido fácil. Com pouco mais de 6% do mandato até agora, já enfrenta desgastes junto ao eleitorado e, especialmente, na relação com o funcionalismo público. Ao decidir não pagar os salários de dezembro, prometendo pagamento em dia a partir de janeiro, Caiado colocou no colo uma crise que não era sua.
As entidades que representam os servidores, em sua maioria, criticaram a decisão. Queriam que os pagamentos fossem feitos em ordem cronológica. A cúpula econômica e política do Governo, no entanto, arriscou pagar as folhas vencidas no atual mandato e intercalar a folha de dezembro.
A análise do perfil do governador no Twitter mostra o quanto de energia ele gastou nos três primeiros meses do ano para justificar o escalonamento da folha de dezembro - que só começou a ser paga na sexta-feira, 29 - e demais dificuldades financeiras. Caiado insistiu em responsabilizar o que se costuma chamar de herança maldita pelos atrasos.

Durante os três primeiros meses de Governo, Caiado postou 304 vezes no Twitter. Citações e entrevistas à imprensa ocupam a maior parte das postagens: 46 vezes. Eventos e reuniões vêm em seguida, com 41 vezes posts. As ações de governo (entrega de equipamentos, liberação de recursos, medidas administrativas) aparecem com 37 menções.
O quarto assunto mais recorrente no Twitter do democrata é são os governos que o antecederam. Logo no dia da posse, Caiado faz a primeira citação indireta às administrações tucanas. "Vocês sabem da supremacia que existia em Goiás, mas o povo resolveu reagir", postou.
Desde então, o perfil do democrata na rede social citou, direta ou indiretamente, 30 vezes as gestões passadas. Ou seja: a cada dez comentários de Caiado no Twitter, um se refere aos governos anteriores. Marconi Perillo é citado nominalmente quatro vezes e José Eliton, duas vezes. Perillo também tem fotos e notícias de jornais (negativas) postadas pelo democrata.
Governo
Em relação às áreas da administração estadual, de longe é a Segurança Pública que tem mais destaque. Ações policiais (como prisões e apreensões), eventos da Secretaria da Segurança Pública e medidas para o setor foram tema de 29 postagens nos três primeiros meses do Governo Caiado.
A segunda área mais citada é a de infraestrutura, com enfoque nas rodovias. O tema veio à tona, especialmente, após o rompimento de um trecho da rodovia GO-O60.
A Educação foi citada cinco vezes por Caiado no período, com cinco postagens. As demais secretarias ou órgãos do Governo só apareceram eventualmente no Twitter do governador.
Governo Federal
O Twitter revela que Caiado também dedicou boa parte de seu tempo em articulações com integrantes do Governo Federal ou políticos influentes em Brasília. Em 90 dias, foram 22 postagens mostrando encontros com ministros e outros membros da gestão Bolsonaro.

O próprio presidente é citado oito vezes, seja em relatos de encontros pessoais (incluindo uma foto tirada na casa do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia) ou não. Em um post, inclusive, Caiado diz que está orando pela recuperação do presidente, que na época havia passado por uma cirurgia.
Hashtags
Três hashtags, usadas para facilitar o acompanhamento de assuntos no Twitter, foram as mais comuns no perfil do governador desde janeiro. No início do ano, em quase todas as postagens o democrata usava as hashtags #ordemnacasa (uma referência à situação financeira do Estado), que apareceu 51 vezes, e #trabalhandoporgoiás, com 56 menções.
Ao longo dos meses, essas duas hashtags foram perdendo espaço. Em março, ganhou destaque a hashtag #somostodosgoiás. Até a noite de sábado, 30, ela já havia sido usada 40 vezes.
Seguidores
As redes sociais de Ronaldo Caiado têm alcance nacional. Mesmo quando era senador, o democrata gozava de um número de seguidores significativo, boa parte de fora de Goiás.
Até a noite deste sábado, o governador de Goiás tinha 446 mil seguidores. A título de comparação, o ex-governador do Ceará, Ciro Gomes, tem 621 mil. Marconi Perillo, tinha neste sábado 168 mil.

Governador quer tirar o Estado da CDTC e da CMTC, enquanto o prefeito aposta na estratégia já conhecida: construir obras
Um dos fatores que mais influenciam na piora da qualidade de vida de uma pessoa é a mobilidade – ou a falta dela – nas grandes cidades. Um trânsito mal articulado, um transporte público de má qualidade, a inexistência de opções de modais, tudo isso afeta milhões de cidadãos diariamente. A não ser que se transforme em ermitão, todos, de qualquer classe social, são atingidos pelas dificuldades no ir e vir.
Goiânia é um exemplo disso. A frota atual de veículos particulares é de 1.216.646, para uma população estimada de 1.466.105. Ou seja: há quase um veículo automotor para cada morador da capital goiana. São 641 mil carros de passeio, 242 motocicletas e 103 mil caminhonetes.
Com oferta de transporte coletivo insuficiente e de baixa qualidade, além da cultura de admiração pelo carro, a frota cresce vertiginosamente. Há 20 anos, eram 276.312 veículos nas ruas de Goiânia, segundo o Detran-GO. Ou seja: de lá para cá, o aumento da frota foi de 340%. Não há estrutura física para suportar isso.
A falta de mobilidade causa problemas de saúde (o motorista fica exposto ao estresse, todos ficam expostos à poluição) e prejudica a economia em geral. Ano passado, segundo a Delegacia de Investigação de Crimes de Trânsito (DICT), 68 morreram vítimas de acidentes de trânsito em Goiânia. De acordo com pesquisa da Federação da Indústria do Rio de Janeiro (Firjan), em 2013, o tempo perdido por um trabalhador goianiense no trânsito representou 2,7% do Produto Interno Bruto (PIB).

BRT
Os números mensuram um problema complexo. Por isso, as iniciativas para melhorar a mobilidade em Goiânia (como em todas as cidades brasileiras, especialmente as maiores) deveriam ser prioridade para qualquer administração pública. E, nesse aspecto, os gestores têm falhado ao longo dos anos.
Salta aos olhos a situação das obras do BRT Norte-Sul, que andam em ritmo de tartaruga desde o seu início. A entrega da linha está atrasada há mais de 800 dias. Causou transtornos para o trânsito e poluição visual; transformou uma das principais avenidas da capital, a Goiás Norte, em um cenário de abandono.
Ali, há de tudo: vendedor ambulante, corredor de rua, patinadores, estacionamento... só não há ônibus, que têm de usar as pistas laterais, concorrendo pelo espaço e colocando em risco os usuários dos demais modais. Conforme demonstrou reportagem do Jornal Opção, mais de 93 milhões de passageiros já poderiam ter usado o BRT, caso as obras tivessem sido entregues no prazo estipulado.
"Rasgar dinheiro público"

Recentemente, o prefeito Iris Rezente (MDB) prometeu retomar a obra. Mas deu uma notícia preocupante. Afirmou que só concluirá as extremidades, na região da Goiás Norte e na região que chega à Aparecida de Goiânia. Dessa forma, o eixo central não será construído. Nas palavras da urbanista Regina de Faria Brito, do Conselho de Arquitetura e Urbanismo, isso é “rasgar dinheiro público”.
VLT
O governador Ronaldo Caiado, por sua vez, esteve na quinta-feira, 21, com representantes da chinesa BYD (Build Your Dreams). Em um trocadilho ruim, a proposta da empresa parece ser mesmo um sonho: instalar o VLT no Eixo Anhanguera, com veículos elétricos, possibilidade de fornecimento de internet rápida para passageiros, etc.
Caiado demonstrou entusiasmo com a ideia de colocar nos trilhos uma promessa que o ex-governador Marconi Perillo (PSDB) nunca conseguiu tirar do papel. Porém, o atual governador não adiantou muitos detalhes, até porque a conversa com os chineses foi apenas embrionária - e um projeto desses, necessariamente passará por licitação.
Caso consiga construir o VLT, Caiado marcará seu nome na história. O Veículo Leve sobre Trilhos é, hoje, uma das melhores alternativas para o transporte coletivo. De quebra, seria possível revitalizar a Avenida Anhanguera.
Privatização
Em reunião recente com Iris, Caiado reforçou a ideia de privatizar o Eixo Anhanguera. Para isso, antes, tem de devolver a concessão da linha para a Prefeitura. A proposta reforça a impressão de que o governador não tem interesse em participar ativamente do transporte coletivo na Região Metropolitana da capital.
O democrata já propôs a saída do Governo da Câmara Deliberativa do Transporte Coletivo (CDTC) e da Companhia Municipal de Transporte Coletivo (CMTC). A ideia é criticada, porque, sem o Governo do Estado, fica mais difícil pensar o transporte conjuntamente para toda a Região Metropolitana – e hoje é impensável isolar os municípios que a compõem.
Fariam bem, portanto, Caiado e Iris se se preocupassem mais com a questão da mobilidade em Goiânia – assim como os demais prefeitos da Região Metropolitana. Mas, enquanto Caiado demonstra querer distanciamento do assunto, Iris propõe sempre as mesmas soluções. Ao invés de se inspirar em soluções criativas da iniciativa privada (como os aplicativos de transporte individual, bicicletas e patinetes compartilhados, City Bus 2.0), o prefeito se prende às velhas “soluções” de sempre, como viadutos, obras e nada mais.

Massacre em Suzano faz emergir novamente a discussão sobre a posse e o porte de armas no Brasil. Há argumentos para ambos os lados
Ainda que algumas pessoas condenem a "politização" de casos como o de Suzano, que culminou na morte de dez pessoas, nove delas nas dependências da Escola Raul Brasil, esses fatos não podem ser circunscritos ao choro pelas vítimas. Ao contrário: para que a dor das famílias não seja vã, é importante que as lágrimas se transformem em reflexão - até para que se discutam estratégias para, se não impedir completamente, ao menos se evitar que elas se tornem rotineiras.
Diante da tragédia, emerge mais uma vez a discussão sobre a posse e o porte de armas fogo no Brasil. De um lado, há aqueles que defendem que a aquisição de uma arma de fogo legal deve ser simplificada. Esses creem que a medida dará ao cidadão comum a possibilidade de autodefesa. Outros, contudo, apostam no contrário: com mais armas nas ruas, mais crimes. Pessoalmente, alinho-me a esse segundo grupo.
De fato, os índices demonstram que se mata mais hoje que antes de 2004, quando o Estatuto do Desarmamento entrou em vigor. Em 2004, foram 48 mil homicídios no País; destes, 34,1 mil consumados com o uso de arma de fogo, segundo o Mapa da Violência. Em 2014, foram 58,9 mil homicídios, 42,2 mil deles por arma de fogo. A taxa de homicídios por arma de fogo subiu, no período, de 19,1 por 100 mil habitantes para 21,2 mil habitantes. A proporção do uso de arma de fogo nesse tipo de crime ficou praticamente estável, passando de 70,7% para 71,7%.
Outro estudo referencial sobre homicídios no Brasil é o Atlas da Violência, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Ele confirma que houve um aumento no número de casos pós-Estatuto do Desarmamento. Em 2005, segundo a pesquisa, ocorreram 48,1 mil assassinatos; em 2015, 59 mil. A taxa por 100 mil habitantes subiu de 26,1 para 28,9 no período. A arma de fogo foi o instrumento usado em 71,9% dos crimes. Na Europa, de acordo com o Ipea, a participação é de 22,7%.
Diante desses números, os defensores da facilitação da aquisição, posse e porte de armas no Brasil acreditam que a medida possibilitará a defesa pessoal. Argumentam que os criminosos, por saberem que o cidadão de bem não estará armado, não se intimidam em atacá-lo.
Por isso o decreto com novas regras para a aquisição de armas de fogo no Brasil, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, frustrou muita gente. Havia a expectativa da liberação do porte para todo cidadão, o que não ocorreu. As ações da Taurus, fabricante de armas, despencaram na Bolsa de Valores.
Difícil quantificar efetivamente o real impacto do Estatuto do Desarmamento no número de homicídios no Brasil. Os estudos sobre o tema fazem apenas projeções. O próprio Mapa da Violência, por exemplo, estima em 160 mil vidas poupadas. Mas a metodologia é controversa. Os pesquisadores calcularam o crescimento médio anual do número de mortes por arma de fogo nos anos anteriores ao Estatuto e projetaram a mesma média para os anos posteriores a ele. Contudo, é praticamente impossível ratificar que o comportamento estatístico se repetiria ao longo das décadas.
Fazer uma correlação entre liberalidade em relação às armas de fogo e a taxa de homicídios também é complicado. Há países em que o armamento legal é restrito com taxas de homicídio elevadas, como o próprio Brasil. Assim como há os que têm taxas baixíssimas, como o Japão (0,3 por 100 mil). O outro lado da moeda é verdadeiro. Os Estados Unidos, cuja legislação em geral mais liberal (há variações entre os estados) têm taxa de homicídios em volta de 5/100 mil. Na Áustria, que permite a compra de rifles e espingardas, ela é de 0,51/100 mil.
O The American Jornal of Medicine tentou decifrar a charada. Mas, para quem espera conclusões absolutas, o resultado é frustrante. Ao analisar 27 países onde há algum grau de liberalidade em relação às armas de fogo, a publicação (que tem ampla credibilidade nos meios científicos) fica em cima do muro. Se, por um lado, aponta que onde há mais arma de fogo há mais mortes relacionadas a elas, por outro diz que não há correlação significativa entre armas per capta por país e taxa de criminalidade. Portanto, se não é possível dizer que mais armas de fogo significam mais crimes, o contrário também é verdadeiro: não é factível acreditar que elas trazem mais segurança.
A Universidade de Harvard dá outras pistas. Pesquisadores do Centro de Pesquisa de Controle de Ferimento (Injury Control Research Center) cruzaram dados de várias pesquisas e produziram o artigo “Ameaças de armas e uso de arma de autodefesa” (Gun threats and self-defense gun use). As conclusões derrubam alguns mitos. Vamos a alguns deles e às conclusões dos estudiosos:
Mito 1: Pessoas se defendem usando armas de fogo
Esses eventos, segundo os pesquisadores, são raríssimos e, geralmente, são superestimados, possivelmente pela repercussão que atingem (exatamente por serem fatos fora da rotina). “A alegação de muitos milhões de armas de autodefesa anuais usadas por cidadãos americanos é inválida”, dizem.
Mito 2: Armas de fogo são instrumento de autodefesa
De acordo com Harvard, elas são, geralmente, instrumentos ofensivos e não defensivos. “Armas de fogo são usadas com muito mais frequência para assustar e intimidar do que para defesa pessoal”, afirmam.
- Quem tem arma de fogo em casa a utiliza para ameaçar pessoas de seu círculo íntimo
Mito 3: Arma de fogo em casa é uma proteção
“As armas em casa são usadas com mais frequência para assustar os íntimos do que para impedir o crime; outras armas são muito mais usadas contra intrusos do que as armas", diz o estudo.
Mito 4: Armas podem evitar ataques a jovens
Segundo Harvard, na faixa etária entre 12 e 17 anos, há muito mais chances de alguém ser ameaçado por uma arma de fogo que se defender usando uma. Na maioria das vezes, são ameaças entre grupos rivais de jovens.Armas de fogo não são mais eficientes na autodefesa
Mito 5: Armas de fogo são eficientes para autodefesa
“Em comparação com outras ações de proteção, as Pesquisas Nacionais de Vitimização do Crime fornecem pouca evidência de que o uso de armas de autodefesa é excepcionalmente benéfico na redução da probabilidade de ferimentos ou perda de propriedade”, diz a pesquisa.
Outro argumento bastante utilizado é de que os criminosos não dependem da legislação para estarem armados. O raciocínio é que as armas usadas em crimes são ilegais.
Ao menos em Goiás, essa é uma meia verdade: a maior parte das armas de fogo que estão ilegalmente nas mãos dos bandidos foi adquirida legalmente. Divulgado no ano passado, o rastreamento feito pela Secretaria de Segurança Pública e o Instituto Sou da Paz constatou que 70% das armas apreendidas foram fabricadas no Brasil há até 15 anos.
Isso explica o porquê de o Brasil conviver com um aparente paradoxo: ao mesmo tempo em que a aquisição de uma arma de fogo é restrita (em 2018 foram concedidos apenas 2.961 portes, as armas de fogo foram utilizadas em aproximadamente 42 mil assassinatos. A explicação é que, em algum momento, as armas de fogo passam da legalidade para a clandestinidade.
A discussão é labiríntica e não haverá unanimidade. Mas ela precisa ser feita.


O Governo Bolsonaro passou por uma das semanas mais turbulentas desde o início do mandato – que só tem dois meses, mas que parecem muito mais, em razão da intensidade com que os fatos têm se sucedido no Planalto. Começou com uma briga pueril com os cantores/compositores Daniela Mercury e Caetano Veloso, foi ao paroxismo da polêmica com o post-denúncia-pornô carnavalesco e manteve a alta temperatura com o discurso em que deu sinais dúbios a falar sobre o papel das Forças Armadas na democracia.
A cúpula de Brasília é uma usina de crises. Não há fôlego entre uma e outra. Nem bem se acostuma com as suspeitas sobre movimentações bancárias de um, cai um ministro. A cama da queda do ministro nem esfria, vem outro e se mete a vigiar meninos nas escolas. Ele volta atrás, eis que o próprio presidente reaquece o noticiário com sua presença quase obsessiva nas redes sociais.
Daí, quando o assunto escatológico começa a assentar, Bolsonaro dispara, singelamente, em discurso, que “isso, democracia e liberdade, só existe quando a sua respectiva Força Armada assim o quer”. Senha aberta para todo tipo de interpretação, desassossego e mal estar entre aliados e oposicionistas.
Nem parece que o governo tem uma pauta pesadíssima pela frente. Falta negociar com os russos a Reforma Previdenciária – pauta que ainda tem mantido as esperanças do mercado e que, se naufragar, leva o governo junto. Falta apresentar projetos de reforma tributária e política. Falta discutir o pacote anticrime do ministro Sérgio Moro.
Falta um plano para reaquecer a economia, gerar renda e proporcionar trabalho – a maior angústia do brasileiro hoje. Vale lembrar que ainda há 11,2 milhões de desempregados no País, segundo o IBGE. Pior: são 4,7 milhões de desalentados, aqueles trabalhadores que simplesmente desistiram de procurar um emprego após um bom tempo de busca vã.
O Governo Bolsonaro precisa esquecer seus inimigos – reais ou imaginários – e lembrar que governa para 200 milhões de brasileiros e não apenas para aqueles que se identificam ideologicamente com ele.
Bolsonaro não pode querer governar apenas para os que “amam a pátria” e “respeitam a família”, quando esse amor e essa família têm de caber em suas próprias concepções. Também não pode aliar-se apenas aos “países que têm ideologia semelhante à nossa”. Logo ele que fez campanha afirmando que os acordos comerciais não seguiriam a cartilha ideológica. Afinal, dinheiro não tem ideologia e o Brasil precisa fazer comércio com nações de todos os espectros.
Bolsonaro criou ao seu redor um séquito que não o alerta que tudo o que faz ou diz causa enorme impacto (vide queda na Bolsa e alta do dólar pós-post no carnaval). E que, por isso, precisa medir milimetricamente suas palavras.

Abre parêntese
Em um reino distante, havia um imperador que amava roupas novas. Certo dia, uma dupla de vigaristas o convenceu de que teciam o tecido mais maravilhoso do mundo. Porém, só os inteligentes o enxergavam.
Certo dia, o imperador ordenou que seu ministro mais confiável fosse conferir a tal roupa. O auxiliar nada viu, mas teve medo de dizê-lo e ser revelado um tolo. “É muito lindo. Faz um efeito encantador”, vaticinou. Um segundo auxiliar do imperador deu o mesmo veredito. “Ali está algo realmente encantador”, disse.
Ansioso, o rei foi ver pessoalmente tal prodígio da alfaiataria. “Não estou vendo nada. Serei um tolo?”, pensou. Logo em seguida, exclamou: “É realmente uma beleza!”
A história correu o lugarejo. Uma procissão foi marcada. O imperador “vestiu” o traje e foi à rua. Todos que o viam exaltavam a beleza da vestimenta. Até que surgiu um menino: “Mas eu acho que ele não veste coisa alguma”. Foi a senha para o povo começar a gritar: “O rei está nu”.
O Imperador fez um trejeito, sabia que esta era a verdade, mas pensou: “A procissão deve continuar”. E seguiu, com camaristas segurando a cauda invisível.
Fecha parêntese
Relembrando, são apenas dois meses de governo. Ainda há um longuíssimo caminho a ser percorrido. E há muitos obstáculos. Bolsonaro e seus apoiadores precisam abrir os olhos. Ou o mito corre o risco de terminar como o imperador do conto de Hans Christian Andersen.