Por Euler de França Belém

O engenheiro e geógrafo belga Luiz Cruls (1848-1905) é autor de um texto famoso, o “Relatório Cruls”, uma investigação científica sobre o Planalto Central e considerado como “o primeiro relatório de impacto ambiental do Brasil”. O relatório divulga a pesquisa da Comissão Exploradora do Planalto Central, cujo objetivo era demarcar o lugar no qual seria construída a futura capital brasileira. O jornalista Jaime Sautchuk (trabalhou na “Folha de S. Paulo” e na “Veja”) lança um livro pequeno mais importante, “Cruls — Histórias e Andanças do Cientista Que Inspirou JK a Fazer Brasília” (Geração, 160 páginas). O documento original, o “Relatório Cruls”, saiu pela editora do Senado, com 343 páginas, em edição fac-similar. Mas não está nas livrarias. A primeira edição foi publicada no Rio de Janeiro, em 1893. A obra inclui o mapa do Brasil que indica a área que o governo demarcou para construir o Distrito Federal.
Quem leu o editorial “1964” (domingo, 30), no qual a “Folha de S. Paulo faz um mea culpa acanhado sobre seu apoio ao golpe, certamente deve ter se perguntado: os nazistas que apoiaram o regime implantado na Alemanha por Adolf Hitler, entre 1933 e 1945, merecem o mesmo perdão daqueles que apoiaram os atos mais inclementes da ditadura civil-militar (1964-1985)? A comparação entre o nazismo alemão e o regime brasileiro talvez não possa ser feita, porque são muito diferentes, em termos de proporções históricas. Mas, quando um jornal argumenta de maneira estranha, fica-se com a impressão de que os nazistas que sobreviveram a Hitler não podem ser criticados. “É fácil, até pusilânime, condenar agora os responsáveis pelas opções daqueles tempos, exercidas em condições tão mais adversas e angustiosas que as atuais. Agiram como lhes pareceu melhor ou inevitável naquelas circunstâncias”, afirma a “Folha”. Há uma sinceridade candente na argumentação, mas soa quase infantil, considerando que centenas de políticos, estudantes, religiosos, empresários e, até, militares resistiram e não aderiram à ditadura. Sofreram na pele, mas não apoiaram. Antes do texto citado acima, a “Folha” anota: “Às vezes se cobra, desta ‘Folha’, ter apoiado a ditadura durante a primeira metade de sua vigência, tornando-se um dos veículos mais críticos na metade seguinte. Não há dúvida de que, aos olhos de hoje, aquele apoio foi um erro”. Observe-se que a “Folha” e seus críticos, que pululam na internet, deixaram de perceber uma questão. A “Folha” apoiou o regime civil-militar quando a ditadura era mais virulenta e cruenta, entre os governos dos presidentes Castello Branco, Arthur da Costa e Emílio Garrastazu Médici, e passou a criticá-lo quando o país passava por uma fase de distensão e abertura, nos governos de Ernesto Geisel e João Figueiredo. Noutras palavras, quando praticamente não havia mais riscos, a “Folha” se tornou (mais) crítica. Em seguida, a “Folha” resgata-se, finalmente, de seu passado pró-ditadura: “Este jornal deveria ter rechaçado toda violência, de ambos os lados, mantendo-se um defensor intransigente da democracia e das liberdades individuais”. Trata-se de um poderoso ajuste histórico, contemplando os dias atuais, assim como fez “O Globo” recentemente. Oxalá, modificadas as circunstâncias, os dois jornais não mudem de ideia. Ao renegar o apoio que deram à ditadura, os jornais não assumem que tinham identidade com os civis e militares golpistas. Deixam a impressão de que foram “forçados”. Não é um argumento convincente. Mas pelo menos é um argumento.
Os melhores “editoriais” do “Pop” são escritos pelo Britvs, criador do personagem Katteca. Tal como Flaubert, a respeito de Madame Bovary, Britvs poderia dizer: “O Katteca sou eu”. Katteca é o Britvs e o indivíduo comum, é uma espécie de Leopold Bloom dos quadrinhos. Na terça-feira, 1º, publicou uma história impagável, sem pretensão e discurso sociológicos, mas indicando que percebe bem como funciona a sociedade, a economia. O capitalismo é o modo de produção que mais “doa” ao indivíduo. Mas aquilo que repassa com uma mão toma com a outra, numa espécie de eterno retorno. Katteca diz, satisfeito, “recebi o meu salário”. Em seguida, no segundo quadrinho, um banqueiro aparece, arranca algumas notas das mãos do indiozinho e grita: “Esta parte é minha!” Depois, o trabalhador se vê acossado pelas contas de água, energia, seguro e telefone. Mas ainda tem ânimo para dizer: “Aaah, mas eu sou esperto! Esta parte aqui é minha!” Aí aparece um religioso e informa: “Esta é de Jesus!” Katteca fica a zero.
O “Pop” informa: “1961 — Jânio Quadros é eleito presidente com 5,6 milhões de votos (48%), seu vice é João Goulart, da oposição e genro de Getúlio Vargas. Na época o voto era separado” (domingo, 30). O que há de errado? Maria Thereza Goulart, a mulher do presidente João Goulart, não era filha de Getúlio Vargas. Jango era amigo e aliado do presidente Getúlio Vargas, mas não era seu genro. O “Pop” estaria pesquisando de modo aleatório no Google? É provável. O Google é uma maravilha para quem sabe pesquisar. Para quem não tem nenhuma informação preliminar, como parece ter sido o caso do repórter do “Pop”, é um risco. O Google contém pesquisas sérias, fundamentadas, mas também opiniões disparatadas e, mesmo assim, publicadas como se fossem informações precisas.
No material sobre os 50 anos do golpe militar de 1964, os vários erros cometidos pelo “Pop” não invalidam o trabalho dos repórteres. No geral, o material especial é de qualidade, com pelo menos uma ingenuidade. O jornal parece acreditar que o goiano Mauro Borges tinha chance de ser candidato a presidente da República na sucessão de João Goulart. Até as pedras de Pirenópolis, a soja de Jataí, o calor do Norte goiano e o retrato de Carlos Drummond de Andrade em Itabira sabiam que o candidato do PSD seria, não fosse a ditadura, o mineiro Juscelino Kubitschek.
"Isto É" publicou entrevista de Maria Thereza Goulart, a mulher de João Goulart. “O golpe destruiu minha família”, disse. Ela frisa que, inicialmente, acreditou que o marido havia morrido de infarto, mas hoje admite que pode ter sido envenenado. Maria Thereza admite que Jango era mulherengo. “Mas sempre voltava pra casa.”
A Operação Poltergeist desnudou um esquema com dinheiro público na Assembleia Legislativa de Goiás. Funcionários fantasmas recebiam uma graninha e repassavam a maior parte dos salários aos chefes do esquema aparentemente mafioso. Os três diários, “Pop”, “Diário da Manhã” e “O Hoje”, estão cobrindo bem o assunto, com destaque para o primeiro.
O Jornal Opção perguntou para 22 repórteres: qual é o jornalista da comunicação setorial do governo do Estado de Goiás que é mais atuante? A maioria (14 votantes) disse que o chefe da comunicação setorial da Secretaria de Segurança Pública, Rodrigo Hirose, é o mais atuante, no sentido de eficiência, de conhecer bem os assuntos da pasta. Além disso, é apontado como o profissional que debate a questão da segurança pública, sem uma visão burocrática e e sem um viés excessivamente governista. É também citado como o assessor que atende bem os repórteres e que não é arrogante. Chegaram a dizer que, se erra, admite e se posiciona. Pode-se discordar, mas é a opinião dos jornalistas.
Historiadores revelam que os três ou quatro mosqueteiros existiram, podem ter se conhecido, mas possivelmente não lutaram juntos. D'Artagnan era mais velho que seus companheiros de luta

Marcelo Larroyed*
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O escritor Ray Cunha autografará três livros e lerá contos na Livraria do Chico da UnB, no Pavilhão A, Estande 33 da II Bienal Brasil do Livro e da Leitura, de 11 a 21 de abril, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília: o recém-lançado Na Boca do Jacaré-Açu – A Amazônia Como Ela É (Ler Editora, Brasília, 153 páginas, R$ 25); Trópico Úmido – Três Contos Amazônicos (edição do autor, Brasília, 116 páginas, R$ 30); e O Casulo Exposto (LGE/LER Editora, Brasília, 153 páginas, R$ 28).
Na Boca do Jacaré-Açu – A Amazônia Como Ela É está à venda no Sebinho, complexo de livraria, cafeteria e restaurante na 406 Norte, Bloco C; além do site www.lereditora.com.br, que atende a qualquer região do planeta, incluindo o Distrito Federal, com a entrega do livro em casa. Também pelo site da Ler Editora pode ser adquirido o livro O Casulo Exposto. Livreiros devem fazer pedidos pelo e-mail: [email protected], ou pelo telefone:(55-61) 3362-0008, ou ainda diretamente na Ler Editora, no Setor de Indústrias Gráficas (SIG), Quadra 3, Lote 49, Bloco B, Loja 59 – Brasília/DF – CEP 70610-430.
Na Boca do Jacaré-Açu – A Amazônia Como Ela É é o terceiro volume da trilogia de contos que começou com A Grande Farra (edição do autor, Brasília, 1992, 153 páginas, esgotada) e prosseguiu com Trópico Úmido. A espinha dorsal da trilogia é a Amazônia, tanto a Hileia quanto as metrópoles da selva. O livro enfeixa 14 histórias curtas, ambientadas em Belém, que acaba sendo personagem subjacente no conjunto dos contos, e a quem o autor dedica o livro ("Cidades são como mulheres. Este livro é para Santa Maria de Belém do Grão Pará"). Algumas histórias têm sequências na maior feira livre da Ibero-América, o Ver-O-Peso, que aparece em fotomontagem na capa desta edição, bem como no Marajó, “maior ilha flúvio-marítima do planeta, ao sul do estuário do rio Amazonas, o maior do mundo, único com estuário e delta, e que despeja por segundo pelo menos 200 mil metros cúbicos de água e húmus no Atlântico, tornando as costas do Amapá e do Pará as mais piscosas da Terra, apesar de que a Amazônia Azul setentrional é a menos estudada pela academia e a mais mal guardada pelo estado brasileiro” – comenta Ray Cunha.
“O conto que dá título ao livro, Na Boca do Jacaré-Açu, é o mergulho suicida do arqueólogo Agostinho Castro nos abismos do Mundo das Águas, a confluência dos rios Amazonas, Pará, Tocantins e Guamá, e o oceano Atlântico, abocanhando o arquipélago de Marajó, mais de mil ilhas, a maior delas do tamanho de Portugal. Jacaré-açu atinge mais de 6 metros de comprimento e meia tonelada de peso; no conto Na Boca do Jacaré-Açu, representa a morte, na pessoa do pai de Agostinho, Castro e Castro” – observa o escritor.
Trópico Úmido – Três Contos Amazônicos, o segundo livro da trilogia Amazônia. Trópico Úmido reúne três contos com pano de fundo em quatro cidades da Amazônia: Belém, capital do Pará; Macapá, capital do Amapá; Manaus, capital do Amazonas; e Rio Branco, capital do Acre.
o segundo livro da trilogia Amazônia. Trópico Úmido reúne três contos com pano de fundo em quatro cidades da Amazônia: Belém, capital do Pará; Macapá, capital do Amapá; Manaus, capital do Amazonas; e Rio Branco, capital do Acre.
Inferno Verde conta a história do repórter Isaías Oliveira, num duelo com o sinistro traficante Cara de Catarro. A trama se passa em Belém e na ilha de Marajó. Latitude Zero se desenrola em Macapá, cidade situada no estuário do maior rio do planeta, o Amazonas, na cofluência com a Linha Imaginária do Equador. Um punhado de jovens começa a descobrir que a vida produz também ressaca. A Grande Farra narra peripécias do jovem repórter e playboy Reinaldo. Candidato a escritor, ele gasta seu tempo trabalhando como repórter, bebendo e se envolvendo com inúmeras mulheres. O conto tem sua geografia em Manaus, encravada no meio da selva amazônica, e em Rio Branco, no extremo oeste brasileiro.
Segue-se artigo do jornalista, escritor e crítico literário Maurício Melo Júnior, que apresenta o programa Leituras na TV Senado, sobreTrópico Úmido.
OBSESSÕES AMAZÔNICAS DE RAY CUNHA – “A literatura brasileira está numa encruzilhada. Cada autor atira para um lado e ninguém consegue formatar o que no passado se chamou de movimento. Mesmo em lugares onde se pratica uma literatura regional intensa – Pernambuco e Rio Grande do Sul, por exemplo – não há o senso de união. Isso, se por um lado favorece a diversidade temática, por outro, paradoxalmente, desagrega autores e enfraquece o trabalho de formação de leitores. Embora o ato de escrever seja um exercício de solidão, são a vivência e a convivência que dão ao escritor o estofo necessário para a composição do texto.
“O escritor Ray Cunha, nascido na beirada da floresta amazônica, sofre do mal que vitimou parte de seus colegas a partir dos anos setenta: é um escritor desagregado, carente de grupos com quem possa discutir temas, estéticas e formas. Isso fica muito claro em seu livro Trópico Úmido – Três Contos Amazônicos, no qual, apesar de uma certa obsessão geográfica, sente-se a ausência da região em sua plenitude. O leitor mais exigente terminará a leitura carente do sotaque e das cores amazônicas, embora fique saciado com o desenvolvimento bem resolvido da trama.
“O conto que abre o livro, Inferno Verde, conta a história do repórter Isaías Oliveira em duelo sangrento e perverso com o traficante Cara de Catarro. O segundo texto, Latitude Zero, fala de um grupo de jovens em descobertas sexuais em Macapá. Pode ser visto como um conto de formação, embora carregado do escancaro de Charles Bukowisk, o que é até compreensível em quem sobreviveu às teorias de Freud e à revolução sexual dos anos sessenta. Finalmente, o último conto do volume, A Grande Farra, conta a história de Reinaldo, um repórter que sonha ser escritor, mas, milionário, gasta a vida em bebedeiras e aventuras sexuais.
“A linha que liga todos os textos, além da região amazônica, é mesmo a temática da sexualidade. No entanto, este sentimento está muito próximo das práticas vindas com a liberação sexual dos anos sessenta, unidas a um certo sadismo dos personagens. Num pobre exercício de paráfrase com os Atletas de Cristo, que trazem halos angelicais para os nossos atletas do futebol, podemos dizer que os personagens de Ray Cunha são Atletas de Sade. É impressionante a obsessão por um ato doloroso e imposto. Há sempre dominação do macho sobre a fêmea, mesmo quando ela, também filiada à revolução sexual, escolhe seu parceiro. Ainda assim prevalece a força do macho.
“Esses personagens construídos pelo autor, por conta da defesa de uma geração perdida, terminam por carregar cores muito iguais. São todos hedonistas, amantes do prazer sobre todas as coisas. Por conta desse sentimento entram de cabeça na vida sem medir qualquer consequência. E fica clara aí a influência de Bukowisk, o velho safado, embora a sensualidade das ninfetas traga para os textos uma certa lembrança de Nabokovisk, o velho também safado, mas um pouco mais pudico. Sobrevive disso tudo um mundo excessivamente cruel, posto que o prazer é o que menos importa aos moços. Todas as relações têm como objeto a sujeição do parceiro.
“O poeta Augusto dos Anjos falava em um de seus sonetos da “obsessão cromática”, do que chamava de fantástica visão do sangue se espalhando por toda parte. Ray Cunha trás para a literatura um pouco dessa obsessão, que faz a festa dos repórteres policiais. Há muitas cenas cruéis, com requintes de crueldade, dignos das páginas dos romancistas policiais americanos da década de cinquenta, um período no qual a fineza britânica de Conan Doyle foi substituída pela inspiração de Bram Stoker.
“Finalmente, há obsessão geográfica. Para um livro passado na Amazônia isso é bem interessante. No entanto o autor poderia descrever mais e citar menos. Explica-se. É comum por todo o texto o nome de ruas onde moram, vivem e rodopiam os personagens. O problema é que a citação pura e simples do nome da rua simplesmente não remete a qualquer impacto sobre o leitor que não conhece as ruas. O autor poderia descrever as ruas, o que daria uma informação a mais ao leitor, situando-o até no ambiente por onde transitam os personagens.
“Fica do livro, entretanto, a construção da história. Há pontos de prisão do leitor no jogo de curiosidades desvendadas aos poucos. O autor sabe manipular bem a trama, levando o leitor ao clímax. Com isso, resgata uma das maiores carências da literatura brasileira atual: o bom contador de história. É que os nossos novos escritores, buscando a universalidade linguística de Guimarães Rosa, esqueceram que ele sabia contar bem uma história. Resultado: renunciaram à narrativa e não ganharam a inventividade estética.
“Ray Cunha consegue contar bem suas histórias. No entanto poderia ter trazido o mundo mais amazônico para suas páginas; poderia deixar um pouco as influências estrangeiras e seguir a trilha de autores como Benedicto Monteiro. Isso pode transformá-lo no grande representante da literatura amazônica moderna. Aquele que conseguirá traduzir boa linguagem com boa narrativa, e tudo temperado em um bom caldo de tucupi.”
O CASULO EXPOSTO – “O Casulo Exposto enfeixa 17 contos ambientados no Distrito Federal. Trabalho, como jornalista, em Brasília, desde 1987, cobrindo amplamente a cidade-estado, o Entorno e o Congresso Nacional, o que me proporcionou conhecer bem essa geografia, inclusive a humana, que serviu para criar as personagens e o cenário dessas histórias curtas” – diz Ray Cunha. “O casulo é uma alegoria à redoma legal que engessa o Patrimônio Cultural da Humanidade, a borboleta de Lúcio Costa, ninfa golpeada no ventre, as vísceras escorrendo como labaredas de luxúria, depravação e morte, nos subterrâneos e na esfera política da cidade dos exilados, onde chafurda uma fauna heterogênea: amazônidas que deixaram a Hileia para trás e tentam sobreviver na ilha da fantasia; jornalistas se equilibrando no fio da navalha; políticos, daquele tipo mais vagabundo, que esconde merenda escolar na mala do seu carro e dinheiro na cueca; estupradores; assassinos; bandidos de todos os calibres; tipos fracassados e duplamente fracassados, misturando-se numa zona de fronteira e penumbra.”
Segue-se prefácio de Maurício Melo Júnior: “O escritor Jorge Amado costumava se queixar de algumas ausências da literatura brasileira. E dizia que a mais gritante delas era a falta de romances sobre o ciclo do café, como os que foram escritos sobre os ciclos da cana-de-açúcar e do cacau. Também podemos dizer que ainda não surgiram os escritores que tomaram o desafio de contar as sagas da busca da borracha na Amazônia e da construção de Brasília em pleno cerrado goiano.
“Neste seu novo livro de contos e novelas, o escritor Ray Cunha, nascido no Amapá e vivente de Brasília, passa longe da narrativa de homens perdidos na solidão da floresta ou na poeira das construções incansáveis. O que interessa ao escritor são os resultados daquelas experiências, são os personagens que ficaram depois das epopeias.
“Os homens e mulheres que saltam destas páginas são bastante curiosos. Têm a política no sangue, embora apenas transitem em torno dela. Veem o poder bem de perto, mas não participam de suas benesses. Também calejados pelas dores impostas pela opressão da floresta, já nada os surpreende e a violência pode ser uma forma de defesa ou sobrevivência. Sim, os escrúpulos são poucos. Ou, citando Jarbas Passarinho, um acriano que fez carreira política no Pará, “às favas com o escrúpulo”. Em compensação, a sensualidade aflora na pele dessa gente. O perigo é que também este poder de encantar e seduzir é instrumento de dominação.
“Naturalmente que a visão que temos aqui está superdimensionada pelos requisitos da literatura, mesmo assim sua base tem intensos pontos de realismo. E Ray ainda lhes dá um tratamento recheado de um humor cáustico, em alguns momentos até cruel. No entanto, este humor nasce do clima noir, o clima dos filmes e livros policiais surgidos nos anos de 1940.
“Sem saudosismos e com muito suspense, os contos e novelas de Ray Cunha nos põem diante dos brasilienses, esses seres nascidos da junção plena de todos os brasileiros. E vale muito a pena conhecê-los”.
RAY CUNHA POR RAY CUNHA – “Sou caboco (sic) de Macapá, cidade da Amazônia Caribenha que tremeluz na Linha Imaginária do Equador e se debruça no estuário do Amazonas, a cerca de 200 quilômetros da boca do maior rio do planeta, quando o Mar Doce penetra fundamente o Atlântico, fertilizando-o até o Caribe” – define-se Ray Cunha, que mora em Brasília, onde trabalha como correspondente do Portaldo Holanda (o mais lido da Amazônia e vigésimo do país entre os sites auditados pelo Instituto de Verificação de Circulação – IVC) e no semanário Brasília Capital, além de ser aluno do curso de Medicina Tradicional Chinesa na Escola Nacional de Acupuntura (ENAc).
*Marcelo Larroyed é escritor e mestre em língua portuguesa

Leio “El Caudilho — Leonel Brizola: Um Perfil Biográfico” (Editora Aquariana, 543 páginas), do jornalista FC Leite Filho. De cara, cabe esclarecer, é um livro a favor. A obra, embora íntegra, não é, no geral, crítica. É uma defesa quase sempre factual do criador do PDT.
Pelo menos dois livros discutem, a sério, a história do dinheiro enviado por Fidel Castro para a “guerrilha” de Brizola. O capitão José Wilson da Silva, em “O Tenente Vermelho” (Editora Tchê!, 248 páginas) e em entrevista ao Jornal Opção, contou que o grupo de Brizola recebeu 1 milhão de dólares de Cuba. Os primeiros 500 mil dólares foram repartidos, em partes iguais, entre Brizola, João Goulart e Darcy Ribeiro. Depois, com intermediação de Lélio Carvalho (não citado por Leite Filho), Fidel enviou mais 500 mil dólares. O dinheiro, repassado por Darcy Ribeiro, teria financiado a Guerrilha de Caparaó. José Wilson chegou a atritar-se com Brizola, mas em nenhum momento diz que o líder trabalhista roubou o dinheiro de Cuba.
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Leonel Brizola e Fidel Castro | Foto: Reprodução[/caption]
A doutora em história social Denise Rollemberg, em “O Apoio de Cuba à Luta Armada no Brasil — O Treinamento Guerrilheiro” (Editora Mauad, 94 páginas), escreve: “... ninguém parece saber a quantia recebida. Brizola nunca prestou conta do dinheiro nem a Cuba nem aos militantes, fossem dirigentes ou de base. Tinha-o como um ‘empréstimo pessoal’, a ele Brizola, e que seria devolvido. Acredita-se ter havido gastos nos quais o dinheiro foi usado, mas apenas uma parte. [...] Brizola nunca teria ajudado os guerrilheiros presos e suas famílias com o dinheiro de Cuba”.
Fidel Castro teria desabafado: “Digan a su jefe lo que yo pienso que ele es un ratoncito”. O ditador teria chamado o brasileiro de “el ratón”. Leite Filho diz que não há “provas de que” o líder comunista tenha dito isso. Embora não apresente provas — por exemplo, uma declaração de Fidel ou de outra autoridade cubana —, o biógrafo, baseado em depoimento do ex-deputado Neiva Moreira, sustenta: “Brizola foi o único líder revolucionário a devolver parte do dinheiro que recebeu, quando resolveu abandonar a guerrilha, por considerá-la inviável para o Brasil”. Neiva garante: “E todo mundo sabe disso em Cuba”. Se sabe, um depoimento de um cubano do primeiro plano seria fundamental para confirmar o depoimento de Neiva Moreira, amigo, aliado e, quiçá, cúmplice de Brizola. A surpreendente declaração de Neiva exige pesquisa, confronto.
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Leonel Brizola num churrasco com Fidel Castro | Foto: Reprodução[/caption]
Adiante, Leite Filho escreve: “... foi do financiamento de Cuba às guerrilhas brasileiras que surgiram as intrigas, atribuídas à CIA, de que Brizola se tinha apropriado de grande parte do dinheiro que lhe fora enviado por Fidel. É dessa época a história de que ele teria sido chamado de ‘el ratón’ (ladrão) por Fidel. Este o teria acusado ‘de haver abocanhado os parcos recursos economizados pelo sofrido povo cubano’. Mas a versão é veementemente contestada, tanto por Betinho como por Neiva Moreira e outros exilados, ainda que houvesse alguns cubanos interessados em disseminar o boato”. A história dos “cubanos agastados” não é apurada, infelizmente, pelo biógrafo. Mas este acrescenta que Fidel continuou a respeitar Brizola e mantiveram um encontro cordial, no Rio de Janeiro, quando o brasileiro governava o Rio de Janeiro, na década de 1980. As duas raposas políticas, apesar de pensarem de modos diferentes — um é comunista, o outro, no máximo, era nacionalista —, eram aliados, mais táticos do que estratégicos, na “luta” contra o que chamavam de “direita”.
Depoimento de Betinho: “A história que eu conheço é a seguinte: primeiro que o Brizola fazia um controle estrito de dinheiro. Ele anotava tudo que entrava, tudo que gastava, tudo certo. Porque achava que era um dinheiro que ele tinha de prestar contas. Acho que, na cabeça dele, se ele chegasse ao poder, devolveria esse dinheiro para Cuba”. Bem, se não devolveu para Cuba, para quem Brizola devolveu parte do dinheiro que sobrou? O livro não esclarece. De qualquer maneira, mesmo não esclarecendo, a questão foi reapresentada e deve abrir um novo foco de pesquisa. Denise Rollemberg escreveu que Neiva Moreira não falava sobre o assunto. Para o livro de Leite Filho, o veterano político maranhense “abriu” o jogo.
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Fidel Castro e Brizola | Foto: Reprodução[/caption]
Metralhadoras — Neiva contou ao biógrafo que os cubanos deram mini-metralhadoras aos brasileiros e que “seu número não ultrapassou a 100”. Leite Filho acrescenta: “Neiva, que trouxe na bagagem de Havana cinco dessas metralhadoras, fala sobre o propalado ‘dinheiro de Cuba’: ‘Nada mais falso e ridículo do que essa história do ‘dinheiro de Cuba’, que a direita vem orquestrando desde então para comprometer os cubanos e os que, como Brizola, viveram aquelas responsabilidades históricas. Este dinheiro jamais existiu, a não ser recursos para o pagamento de certo número de passagens aéreas e modestas quantias para apoiar a viagem dos companheiros escolhidos para o treinamento, incluindo diárias de hotéis de escassas estrelas, no percurso até Praga’”.
Leite Filho relata: “Neiva Moreira conta que se chegou a contatar um navio polonês, que, para fazer a rota de Cuba, passava pelo Brasil para depois seguir rumo à Polônia, na Europa, e poderia desembarcar uma boa quantidade de armas em alguma praia erma do Rio Grande do Sul: ‘Os poloneses desistiram do negócio na última hora’, diz Neiva. Outro governante que teria se comprometido a enviar armamentos foi Chedi Jagan, ex-primeiro-ministro da Guiana. Sua intenção era mandar um avião DC-3 cheio de armas, que aterrissaria em Goiás. Um campo de pouso chegou a ser preparado pelo foco do Brasil Central, a mando de Flávio Tavares, mas o premier foi derrubado antes de praticar sua boa ação”.
Neiva diz a “verdade” ou apenas apresenta sua versão pessoal dos fatos? A resposta só pode ser formulada depois de uma investigação mais rigorosa, o que o livro não faz. Resta a pergunta: como Brizola teria devolvido dinheiro, se este era tão escasso, como afiança Neiva. Depois, a história dos dólares cubanos — e não ninharia para pagar passagens aéreas e diárias de hotéis — não tem sido divulgada tão-somente pela direita. José Wilson da Silva, o tenente vermelho, não é, definitivamente, um integrante da direita. Denise Rollemberg é uma pesquisadora criteriosa e não há notícia de que “trabalhe” para a direita.
Entre os goianos citados no livro figuram Tarzan de Castro, uma vez, Mauro Borges e Aldo Arantes, várias vezes. Há alguns problemas: Fidel Castro e Aldo Arantes são citados em mais páginas do que registra o índice remissivo e o cubano que recebeu Neiva Moreira talvez não seja Manuel “Pinheiro”, e sim Manuel Piñero.

Os admiradores de Edgar Allan Poe certamente não vão gostar da heresia, mas Mencken diz que Bierce “escrevia melhor”. “Tinha mais pulso sobre os personagens, era menos literário e melhor observador”

O goiano Tarzan Castro é citado em vários livros, pois, como esquerdista, combateu o regime civil-militar. Para sobreviver, exilou-se na França. O publicitário e escritor Hugo Brockes foi torturadíssimo por militares. Como tem cabelos ruivos e é branco, alguns de seus torturadores chegaram a pensar que era estrangeiro? Na verdade, sabiam que não era estrangeiro. Na internet, na chamada para as reportagens o golpe de 1964, o “Pop” colocou a foto de Brockes, mas com uma legenda referente a Tarzan de Castro. Um, Brockes, é branco e ruivo; o outro, Tarzan, é moreno, com cabelos negros (começam a ficar brancos). São inconfundíveis — fora da redação do “Pop”.
Um capitão, de família importante de Goiás, torturou Brockes barbaramente, até deixá-lo surdo de um ouvido. No dia de seu casamento, o capitão reservou um tempo para ir ao quartel torturar o jovem.
Depois de ter se dedicado à publicidade durante anos, Brockes se dedica hoje exclusivamente à literatura. Ele está escrevendo bons romances e contos.

Se estiver certo, o “Pop” (os repórteres Rogério Borges e Alfredo Mergulhão) publicou o furo jornalístico do ano. Pesquisadores categorizados, como Elio Gaspari, Leonencio Nossa, Luiz Maklouf Carvalho e Hugo Studart, vasculharam dezenas de documentos, ouviram centenas de pessoas, entre militares e civis, e não encontraram vestígios do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (na foto acima)no cenário da Guerrilha do Araguaia (1972-1974). Como se sabe fora da redação do jornal goiano, Brilhante Ustra esteve noutras paradas — sua equipe chegou a prender um integrante do PC do B, mas longe de Goiás (Tocantins) e do Pará. O “Pop” poderia ter citado o general Bandeira, o general Nilton Cerqueira (na época, coronel), o coronel Léo Frederico Cinelli, Sebastião Rodrigues de Moura, o Curió (este, citado), o coronel José Teixeira Brant (doutor César), entre outros, mas preferiu mencionar, errado, Brilhante Ustra. Sem contar que inventou um tenente-coronel Lício da Mata, que, na verdade, não existe. O nome do oficial é Lício Augusto Ribeiro Maciel.
Para o leitor verificar por si o equívoco do “Pop”, transcrevo trecho da reportagem “Araguaia, a guerrilha aniquilada” (terça-feira, 1º): “Além dele [Lício Maciel], foram apresentadas denúncias, pelos crimes cometidos durante a repressão à Guerrilha do Araguaia, contra o coronel da reserva Sebastião Curió e o coronel reformado Carlos Brilhante Ustra, além do delegado da Polícia Civil paulista Dirceu Gravina”. Outro “furo” (a rigor, uma barriga): Gravina não é citado nos livros sobre a Guerrilha do Araguaia.
O “Pop” deve fazer uma correção urgente, porque quem conhece Brilhante Ustra, que não deixa nada sem resposta, sabe que pode mover processo judicial contra o jornal.
A Globo Livros vai lançar a biografia de Galvão Bueno no segundo semestre deste ano, revela Lauro Jardim, da revista “Veja”. “O livro iria para as livrarias perto da Copa”, afirma o colunista. Aposta-se que será uma espécie de hagiografia, sem as passagens mais complicadas, e com algumas suavizadas. Limar as contradições seria a tarefa dos buriladores do texto. O conflito com o comentarista de Fórmula 1 Reginaldo Leme — costuma-se dizer que se trata de uma “guerra” de egos inflados — não vai ser expurgado, conta-se, mas será amenizado. Um dos mais bem-sucedidos locutores esportivos da televisão brasileira, estrela da TV Globo há anos — a rede começa a substitui-lo em alguns eventos, abrindo espaço para novos narradores —, Galvão Bueno é dono de um dos maiores salários do país, mais de 1 milhão de reais. Pesquisas sugerem que a Globo tem basicamente duas vozes: a de William Bonner, do “Jornal Nacional”, e a de Galvão Bueno, o rei da área esportiva. Os intelectuais e jornalistas dos veículos impressos torcem o nariz, mas o narrador continua amado pelo público. É uma referência. A biografia de Galvão Bueno é uma das grandes aposta da editora Globo que pretende transformá-lo em best seller. Fala-se até em projeto de filme.