Quem leu o editorial “1964” (domingo, 30), no qual a “Folha de S. Paulo faz um mea culpa acanhado sobre seu apoio ao golpe, certamente deve ter se perguntado: os nazistas que apoiaram o regime implantado na Alemanha por Adolf Hitler, entre 1933 e 1945, merecem o mesmo perdão daqueles que apoiaram os atos mais inclementes da ditadura civil-militar (1964-1985)? A comparação entre o nazismo alemão e o regime brasileiro talvez não possa ser feita, porque são muito diferentes, em termos de proporções históricas. Mas, quando um jornal argumenta de maneira estranha, fica-se com a impressão de que os nazistas que sobreviveram a Hitler não podem ser criticados. “É fácil, até pusilânime, condenar agora os responsáveis pelas opções daqueles tempos, exercidas em condições tão mais adversas e angustiosas que as atuais. Agiram como lhes pareceu melhor ou inevitável naquelas circunstâncias”, afirma a “Folha”. Há uma sinceridade candente na argumentação, mas soa quase infantil, considerando que centenas de políticos, estudantes, religiosos, empresários e, até, militares resistiram e não aderiram à ditadura. Sofreram na pele, mas não apoiaram.

Antes do texto citado acima, a “Folha” anota: “Às vezes se cobra, desta ‘Folha’, ter apoiado a ditadura durante a primeira metade de sua vigência, tornando-se um dos veículos mais críticos na metade seguinte. Não há dúvida de que, aos olhos de hoje, aquele apoio foi um erro”. Observe-se que a “Folha” e seus críticos, que pululam na internet, deixaram de perceber uma questão. A “Folha” apoiou o regime civil-militar quando a ditadura era mais virulenta e cruenta, entre os governos dos presidentes Castello Branco, Arthur da Costa e Emílio Garrastazu Médici, e passou a criticá-lo quando o país passava por uma fase de distensão e abertura, nos governos de Ernesto Geisel e João Figueiredo. Noutras palavras, quando praticamente não havia mais riscos, a “Folha” se tornou (mais) crítica.

Em seguida, a “Folha” resgata-se, finalmente, de seu passado pró-ditadura: “Este jornal deveria ter rechaçado toda violência, de ambos os lados, mantendo-se um defensor intransigente da democracia e das liberdades individuais”. Trata-se de um poderoso ajuste histórico, contemplando os dias atuais, assim como fez “O Globo” recentemente. Oxalá, modificadas as circunstâncias, os dois jornais não mudem de ideia.

Ao renegar o apoio que deram à ditadura, os jornais não assumem que tinham identidade com os civis e militares golpistas. Deixam a impressão de que foram “forçados”. Não é um argumento convincente. Mas pelo menos é um argumento.