Biógrafo diz que Brizola devolveu dinheiro a Cuba e que não há prova de que Fidel o tenha chamado de El Ratón
04 abril 2014 às 16h28
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Leio “El Caudilho — Leonel Brizola: Um Perfil Biográfico” (Editora Aquariana, 543 páginas), do jornalista FC Leite Filho. De cara, cabe esclarecer, é um livro a favor. A obra, embora íntegra, não é, no geral, crítica. É uma defesa quase sempre factual do criador do PDT.
Pelo menos dois livros discutem, a sério, a história do dinheiro enviado por Fidel Castro para a “guerrilha” de Brizola. O capitão José Wilson da Silva, em “O Tenente Vermelho” (Editora Tchê!, 248 páginas) e em entrevista ao Jornal Opção, contou que o grupo de Brizola recebeu 1 milhão de dólares de Cuba. Os primeiros 500 mil dólares foram repartidos, em partes iguais, entre Brizola, João Goulart e Darcy Ribeiro. Depois, com intermediação de Lélio Carvalho (não citado por Leite Filho), Fidel enviou mais 500 mil dólares. O dinheiro, repassado por Darcy Ribeiro, teria financiado a Guerrilha de Caparaó. José Wilson chegou a atritar-se com Brizola, mas em nenhum momento diz que o líder trabalhista roubou o dinheiro de Cuba.
A doutora em história social Denise Rollemberg, em “O Apoio de Cuba à Luta Armada no Brasil — O Treinamento Guerrilheiro” (Editora Mauad, 94 páginas), escreve: “… ninguém parece saber a quantia recebida. Brizola nunca prestou conta do dinheiro nem a Cuba nem aos militantes, fossem dirigentes ou de base. Tinha-o como um ‘empréstimo pessoal’, a ele Brizola, e que seria devolvido. Acredita-se ter havido gastos nos quais o dinheiro foi usado, mas apenas uma parte. […] Brizola nunca teria ajudado os guerrilheiros presos e suas famílias com o dinheiro de Cuba”.
Fidel Castro teria desabafado: “Digan a su jefe lo que yo pienso que ele es un ratoncito”. O ditador teria chamado o brasileiro de “el ratón”. Leite Filho diz que não há “provas de que” o líder comunista tenha dito isso. Embora não apresente provas — por exemplo, uma declaração de Fidel ou de outra autoridade cubana —, o biógrafo, baseado em depoimento do ex-deputado Neiva Moreira, sustenta: “Brizola foi o único líder revolucionário a devolver parte do dinheiro que recebeu, quando resolveu abandonar a guerrilha, por considerá-la inviável para o Brasil”. Neiva garante: “E todo mundo sabe disso em Cuba”. Se sabe, um depoimento de um cubano do primeiro plano seria fundamental para confirmar o depoimento de Neiva Moreira, amigo, aliado e, quiçá, cúmplice de Brizola. A surpreendente declaração de Neiva exige pesquisa, confronto.
Adiante, Leite Filho escreve: “… foi do financiamento de Cuba às guerrilhas brasileiras que surgiram as intrigas, atribuídas à CIA, de que Brizola se tinha apropriado de grande parte do dinheiro que lhe fora enviado por Fidel. É dessa época a história de que ele teria sido chamado de ‘el ratón’ (ladrão) por Fidel. Este o teria acusado ‘de haver abocanhado os parcos recursos economizados pelo sofrido povo cubano’. Mas a versão é veementemente contestada, tanto por Betinho como por Neiva Moreira e outros exilados, ainda que houvesse alguns cubanos interessados em disseminar o boato”. A história dos “cubanos agastados” não é apurada, infelizmente, pelo biógrafo. Mas este acrescenta que Fidel continuou a respeitar Brizola e mantiveram um encontro cordial, no Rio de Janeiro, quando o brasileiro governava o Rio de Janeiro, na década de 1980. As duas raposas políticas, apesar de pensarem de modos diferentes — um é comunista, o outro, no máximo, era nacionalista —, eram aliados, mais táticos do que estratégicos, na “luta” contra o que chamavam de “direita”.
Depoimento de Betinho: “A história que eu conheço é a seguinte: primeiro que o Brizola fazia um controle estrito de dinheiro. Ele anotava tudo que entrava, tudo que gastava, tudo certo. Porque achava que era um dinheiro que ele tinha de prestar contas. Acho que, na cabeça dele, se ele chegasse ao poder, devolveria esse dinheiro para Cuba”. Bem, se não devolveu para Cuba, para quem Brizola devolveu parte do dinheiro que sobrou? O livro não esclarece. De qualquer maneira, mesmo não esclarecendo, a questão foi reapresentada e deve abrir um novo foco de pesquisa. Denise Rollemberg escreveu que Neiva Moreira não falava sobre o assunto. Para o livro de Leite Filho, o veterano político maranhense “abriu” o jogo.
Metralhadoras — Neiva contou ao biógrafo que os cubanos deram mini-metralhadoras aos brasileiros e que “seu número não ultrapassou a 100”. Leite Filho acrescenta: “Neiva, que trouxe na bagagem de Havana cinco dessas metralhadoras, fala sobre o propalado ‘dinheiro de Cuba’: ‘Nada mais falso e ridículo do que essa história do ‘dinheiro de Cuba’, que a direita vem orquestrando desde então para comprometer os cubanos e os que, como Brizola, viveram aquelas responsabilidades históricas. Este dinheiro jamais existiu, a não ser recursos para o pagamento de certo número de passagens aéreas e modestas quantias para apoiar a viagem dos companheiros escolhidos para o treinamento, incluindo diárias de hotéis de escassas estrelas, no percurso até Praga’”.
Leite Filho relata: “Neiva Moreira conta que se chegou a contatar um navio polonês, que, para fazer a rota de Cuba, passava pelo Brasil para depois seguir rumo à Polônia, na Europa, e poderia desembarcar uma boa quantidade de armas em alguma praia erma do Rio Grande do Sul: ‘Os poloneses desistiram do negócio na última hora’, diz Neiva. Outro governante que teria se comprometido a enviar armamentos foi Chedi Jagan, ex-primeiro-ministro da Guiana. Sua intenção era mandar um avião DC-3 cheio de armas, que aterrissaria em Goiás. Um campo de pouso chegou a ser preparado pelo foco do Brasil Central, a mando de Flávio Tavares, mas o premier foi derrubado antes de praticar sua boa ação”.
Neiva diz a “verdade” ou apenas apresenta sua versão pessoal dos fatos? A resposta só pode ser formulada depois de uma investigação mais rigorosa, o que o livro não faz. Resta a pergunta: como Brizola teria devolvido dinheiro, se este era tão escasso, como afiança Neiva. Depois, a história dos dólares cubanos — e não ninharia para pagar passagens aéreas e diárias de hotéis — não tem sido divulgada tão-somente pela direita. José Wilson da Silva, o tenente vermelho, não é, definitivamente, um integrante da direita. Denise Rollemberg é uma pesquisadora criteriosa e não há notícia de que “trabalhe” para a direita.
Entre os goianos citados no livro figuram Tarzan de Castro, uma vez, Mauro Borges e Aldo Arantes, várias vezes. Há alguns problemas: Fidel Castro e Aldo Arantes são citados em mais páginas do que registra o índice remissivo e o cubano que recebeu Neiva Moreira talvez não seja Manuel “Pinheiro”, e sim Manuel Piñero.