Por Bento Fleury

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Ele nos deixou em 2002, aos 92 anos de idade, na mais completa lucidez e no mais pleno equilíbrio de sua alma enlevada e perto de Deus

Almir Turisco de Araújo e a antiga tradição política

Almir Turisco de Araújo chegou aos 102 anos de idade tendo moldado a política goiana como a conhecemos

Goiás do Couto, um nome de referência na cultura vilaboense

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1960: Goiás há sessenta anos

Década de modificações, transformações, lutas. Um marco, um tempo consagrado, ao abrir perspectivas diferenciadas em todo o mundo

Marilda de Godoy, pioneira dos arquivos goianos

Marilda de Godoy Carvalho pesquisou para o Arquivo Histórico Estadual de Goiás, para o Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, para a Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, bem como a Academia Trindadense de Letras, instituições a que era filiada

O legado da historiadora Maria Carmem Lisita

Lutadora, estudiosa, historiadora lúcida e pesquisadora consciente, viveu muitos anos mergulhada entre papeis antigos, em páginas de lembranças, que tornou-se, agora, um grande livro de recordações pungentes

As raízes profundas da Doutrina Espírita em Goiás

Vila Boa de Goyaz foi o berço do Espiritismo em nosso Estado

Maria Gomes da Silva Barros (Sinhá – 1967-1964) e Antonio Cupertino Xavier de Barros (Tonico – 1865-1933). Ela católica e ele espírita. Pelo trabalho de Tonico, foi fundado, em Goiás, o primeiro Centro Espírita, na velha capital goiana | Foto: Acervo de Bento Fleury

A velha e nostálgica Vila Boa de Goyaz foi o berço do Espiritismo em nosso Estado. Corriam lentos, indecisos, rotineiros e pachorrentos os dias do século XIX. No Sertão da Farinha Podre, Sertão do Novo Sul e depois Triângulo Mineiro, nos arraiais de Desemboque e, mais tarde, Sacramento e Uberaba, seriam polos irradiadores da Doutrina de Kardec no coração do Brasil. Mas, o princípio de tudo ocorreu no vale do Rio Vermelho murmurejante por sob as pontes da Cambaúba, Carmo, Lapa e Pinguelona.

Mas, na velha cidade de Bartolomeu Bueno, a minha cidade, abraçada pela sua sentinela avançada, a Serra Dourada, mergulhada na placenta verde das matas, as notícias custavam a chegar. E quando chegavam, pela ausência de outras, eram espichadas, remendadas, costuradas, cerzidas, rasgadas novamente, refeitas, naquele mundo pequenino, marcado por conceitos e preconceitos arraigados há mais de século, imutáveis e constantes. Qualquer novidade que fugia à regra era massacrada!

Os sinos das tantas igrejas: Catedral (sempre em ruínas), Nossa Senhora da Boa Morte, Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, Nossa Senhora da Abadia, Nossa Senhora do Carmo, Santa Bárbara eram notas constantes da presença católica dominante, com suas festas, procissões, tríduos e novenas. Delém-dém, delém-dém, delém-dém, era a melopeia que se ouvia no percorrer das horas na cidade envelhecida.

Todos eram batizados conforme o costume do tempo. Capelas nos povoados de Ouro Fino, Barra e Bacalhau também possuíam belas e barrocas igrejas, com trabalhos artísticos e evocativos. Ainda, os lindos oratórios familiares, presentes nos cultos domésticos em cada data festiva representavam o poderio católico sempre presente. E a igreja fazia bem o seu papel. Muitos santos sacerdotes foram anjos abençoados na causa do bem maior.

Respirava-se catolicismo em cada esquina de Vila Boa de Goyaz!

Na varanda dessa bela residência vilaboense, hoje “Instituto Bertran Fleury” foi realizada, há 128 anos, a pioneira reunião para fundação do primeiro Centro Espírita em terras goianas | Foto: Acervo de Bento Fleury

Mas, havia aqueles poucos, muito poucos mesmo, contados nos dedos, que, de uma época ou outra, ousavam transgredir os preceitos tecidos por séculos na velha e querida cidade. Algumas poucas notícias vindas com os cometas e viajantes, com os estudantes de fora, povoavam a mente dos vilaboenses acerca das mudanças do mundo. Rápidas também se dissolviam pelas duras regras impostas ao sabor do tempo.

Antes da mudança de regime político, de Monarquia para República houve um destemido vilaboense que se rebelou com o Catolicismo vigente e passou a estudar o Espiritismo, ou o Ocultismo, como apregoavam os mais exaltados, ainda na década de 1880. Seu nome era Jacyntho do Couto Brandão, de tradicional família goiana.

Residente na Fazenda Paraíso, cantada em prosa e verso por sua sobrinha-neta, Cora Coralina, Jacyntho do Couto Brandão estudara no Seminário do Caraça, em Minas Gerais, onde teve ensinamento cristão. Acometido de doença nos olhos, retornou a Goyaz. Mais tarde se casou com moça de Mossâmedes, mas a devolveu à família no dia seguinte ao matrimônio, como descreve Cora Coralina, sem nada explicar ou tocar mais no assunto.

Jacyntho do Couto Brandão passou, ao que se sabe, a ser o primeiro estudioso da Doutrina Espírita em Goiás, tempo em que encomendou do Rio de Janeiro as obras de Kardec. Estudou sobre Eusápia Palladino, e conheceu, em Minas, Sinhô Mariano, tio de Eurípedes Barsanulfo, introdutor do Espiritismo no Triângulo Mineiro, notadamente em Sacramento. Passou a realizar trabalhos espíritas na Fazenda Paraíso, como escreveu Cora Coralina em seu poema “Meu tio Jacintho”, do livro de poemas Vintém de cobre:

Eram os primeiros tempos do Espiritismo em Goiás.

As suas primeiras experiências, a mesa de Invocação,

Meu tio gostava da teoria e logo fez a mesa, leve e misteriosa,

De madeira fina e caprichada, e pôs a funcionar.

Sempre à noite, a gente apoiava de leve a ponta dos dedos,

Concentrava, rezavam todos um Pai Nosso, invocava-se um espírito

Escolhido da família e por meio de batidas marcadas,

Estabelecia-se conversa e identificava-se o espírito presente.

Falava-se em médiuns e mediunidades.

Estava muito comentada no tempo EusápiaPalladino,

Que transmitia pela sua mediunidade

Informações impressionantes do outro mundo.

Assinavam-se revistas espíritas.

Glauco Baiocchi e Eleni de Barros Amorim, segunda geração do serviço à causa espírita da família Cupertino de Barros | Foto: Acervo de Bento Fleury

Jacintho do Couto Brandão era filho de Antônia Maria do Couto Guimarães (Mãe Yayá), que nasceu em 1808 e faleceu em 1901, quase aos cem anos de idade e do português Jacyntho Luiz Brandão. Seus pais se casaram em 1822 e tiveram além dele, os filhos: Luiz, José, João, Manoel, Antonio, Carolina, Bárbara (solteiros). Vicência Luiza casou-se com Francisco da Cunha Bastos; Jacyntha Luiza casou-se com José Manoel da Silva Caldas e Joaquim Luiz do Couto Brandão, também se casou com Honória Pereira de Abreu, em 1854, fato narrado no poema de Cora Coralina.

Muito comentada era Eusápia Palladino, médium italiana de efeitos físicos, nascida há 160 anos, 1854 e falecida em 1918, mesmo ano em que desencarnou o admirável Eurípedes Barsanaulfo. Também, Dr. Adolpho Bezerra de Menezes já realizara prodígios no Rio de Janeiro, com seu serviço médico e caritativo, na difusão da doutrina kardecista.

O advento da República no ano de 1889 promoveu forte abalo na relação entre Igreja e Estado em Goiás. Houve, por assim dizer, uma acentuada derrocada do poderio católico na antiga capital, fato que não passou despercebido ao Bispo Dom Eduardo Duarte da Silva na sua chegada à Capital goiana nos primórdios da República. Novas ideias, valores, filosofias, doutrinas e conhecimentos ganharam impulso. Com eles, a Doutrina Espírita.

Tanta foi a frieza que, em 1896, desiludido, o Bispo transferiu a sede do Bispado para a cidade mineira de Uberaba e nunca mais retornou. Somente o outro Bispo, Dom Prudêncio Gomes, em 1908, trouxe a sede novamente para a Cidade de Goiás.

Surge no cenário vilaboense, uma figura emblemática e valiosa: Antonio Cupertino Xavier de Barros (Tonico Cupertino). Foi ele o introdutor do Espiritismo oficial no Estado de Goiás, ainda em dias do século XIX.

De origem fidalga, este valioso goiano descendia da Família Xavier de Barros, originária de São Paulo e que, no século XVIII, viera residir em Meia Ponte, hoje Pirenópolis. O patriarca, Major Pacífico Antonio Xavier de Barros casou-se em 1827 com Francisca de Paula Jardim, filha de José Rodrigues Jardim e Angela Ludovico de Almeida, esta última, personagem do romance Chegou o governador, de Bernardo Élis Fleury de Campos Curado.

Dentre os filhos desse casal, destacou-se o que levou o nome do pai e apelidado Pacifiquinho. Casou-se com Maria da Paixão Soledade e Silva, mas teve diversos outros filhos, que batizou e registrou. Um desses foi Antonio Cupertino Xavier de Barros, filho de Pacifiquinho com Maria Francisca da Pureza Villaça.

Antonio Cupertino Xavier de Barros nasceu em 10 de junho de 1865 e faleceu em 19 de novembro de 1933, na Cidade de Goiás. Fez ele todos os seus estudos em Goiás e se tornou homem de destaque. Foi Delegado Regional do Tesouro Nacional em Goiás, político de prestígio e Deputado, além de figura importante na Revolução de 1909, que derrubou o governo de Xavier de Almeida. Casou-se com Maria Gomes da Silva Barros (Sinhá Cupertino), natural de Jaraguá, com quem teve inúmeros e ilustres filhos.

Sinhá era católica praticante e muito ligada à igreja. Recebia total apoio do esposo para a prática de sua religião, assim como assistência para suas obras de caridade junto à Diocese goiana. Do mesmo modo, Sinhá o incentivava na prática de sua doutrina, embora não apreciasse ou se envolvesse, mas o auxiliava também na caridade com doentes e pobres, em nome da Doutrina Espírita. Formava, ambos, um casal especial que não se anulava na fé que cada um possuía.

Na década de 1890 passou Tonico Cupertino a aprofundar-se nos estudos kardecistas e sobre o Espiritismo que, na Capital Federal ganhava impulso por meio da vibrante oratória de Dr. Adolpho Bezerra de Menezes. Conheceu a doutrina por meio do amigo carioca, Urbano Coelho de Gouveia, assíduo frequentador da chácara, que fora Governador de Goiás por duas vezes e, no Rio de Janeiro, conhecera e convivera com Dr. Adolpho Bezerra de Menezes. Urbano Gouveia era casado com a goiana Miss Bulhões.

Na sua casa, bela e senhorial residência, assentada sobre um outeiro na Cidade de Goiás, de magnífica vista; que pertencera ao Padre Arnaldo, Antonio Cupertino Xavier de Barros realizou a primeira reunião para a fundação de um Centro Espírita no Estado de Goiás. 

Era o dia 22 de novembro de 1894, há 128 anos. Embora fosse sua esposa católica praticante, ambos respeitavam a religião do outro. Na casa nunca se realizou sessão espírita, Tonico nunca ia à igreja, mas Sinhá também nunca ia ao Centro. Assim viveram felizes no necessário respeito às individualidades. Um exemplo aos dias de agora em que ainda há tanta intolerância religiosa em nosso meio.

As coisas não eram fáceis aos primeiros espíritas goianos. Havia muita perseguição e preconceito. As reuniões do grupo de prece eram raras, sem local definido e com cautela. A ele se juntaram outros nomes importantes da cidade como Luiz Marcelino de Camargo Junior, José Olímpio Xavier de Barros, José Teotônio Dias, José Malaquias do Nascimento. 

Só em 1909 o Centro passou a ter um local exato para as reuniões e dele passou a ter a presença feminina, embora esporádica de Jacintha Luiza do Couto Brandão Peixoto (mãe de Cora Coralina), do poeta Luiz Ramos de Oliveira Couto e de Maria Alencastro Caiado, com certeza, a primeira grande médium goiana.

Maria Alencastro Caiado, moça recatada nos preceitos daquela antiga Vila Boa de Goyaz casara-se muito cedo, mas já assumira, antes, o pesado encargo de criar seus irmãos, já que, adolescente, perdera sua mãe, cumprindo, com amor e afeto, o que o coração lhe ditava.

Ela era filha de Joaquina Emília Caiado que, em 1820, casara-se com João Batista de Alencastro. Cuidara com desvelo dos irmãos Felipe Batista de Alencastro, que foi casado com Tereza Flamina Caiado; Antonia Emília Caiado (Totó), que faleceu solteira; Inês de Alencastro; que foi casada com Joaquim Gustavo da Veiga Jardim.

Maria Alencastro Caiado casara-se com seu primo Luiz Antonio Caiado, que era filho de Antonio José Caiado, que fora Presidente do Estado de Goiás, Senador Federal, nascido em 1826, casado com Tereza Maria da Conceição Cachapuz e Chaves, filha de Guilherme José de Barros Cachapuz e Chaves, natural de Portugal e Ana Rita de Souza.

Além dos predicados morais, Maria Alencastro Caiado era dotada de acentuada mediunidade. Segundo depoimento de seu neto, Luiz Caiado de Godoy, em 1947, ao jornal O Anápolis, ela era assídua leitora de Kardec e auxiliava Antonio Cupertino Xavier de Barros (Tonico Cupertino) no primeiro Centro Espirita do Estado de Goiás, na velha capital, ainda no século XIX e era médium de transposição. Também era médium vidente, de grande inteligência, além de caridosa para com os mais humildes.

Segundo relatos de Luiz Caiado no citado jornal, num determinado momento de sua vida em que estava em perigo na cidade de Alemão, hoje Palmeiras de Goiás, sua avó lá estivera em espírito, falando-lhe que saísse daquele lugar em que corria perigo. Atendendo à voz, saiu escondido pelo quintal e logo a casa foi alvo de furioso tiroteio de jagunços de políticos locais, que promoviam assassinatos à revelia. Também segundo esse relato, a mesma previu o assassinato de seu neto Paulo, que ocorreu na cidade de Pirenópolis.

Maria Alencastro Caiado era mãe do grande líder político da Revolução de 1930, Mário Alencastro Caiado e da poetisa Tereza Alencastro Caiado de Godoy, que foi casada com o desembargador João Francisco de Oliveira Godoy, escritor e genealogista.

O Centro Espírita de Antonio Cupertino intitulava-se “Amigo dos sofredores”. Só em 1924 esta entidade passou a ter personalidade jurídica e foi incentivo para outros no Estado de Goiás como em Catalão, formado em 1914, na zona rural; Centro Espírita Alarcão, em Anápolis; Centro Espírita Batuíra, em Itauçu; Centro Espírita Eurípedes Barsanulfo, em Caldas Novas; Centro Espírita Amor e Fraternidade, em Catalão; Centro Espírita São Vicente de Paulo, em Anápolis; Centro Espírita Paz e Fraternidade em Ipameri; Centro Espírita Luz e Razão, em Trindade; Centro Espírita Eurípedes Barsanulfo, em Corumbaíba e Centro Espírita Allan Kardec, em Jataí.

Dos ilustres descendentes do pioneiro do Espiritismo em Goiás, foi Alcenor Cupertino de Barros que, como o pai, dedicou-se à causa de Allan Kardec, não só em Goiás, como, depois, mais tarde, em Goiânia. Formado em Engenharia com notável atuação, foi casado com Angela Natal e Silva Barros, filha de Eurydice Natal e Silva e Dr. Marcelo Francisco da Silva.

Na segunda geração, sua neta Eleni de Barros Amorim Baiocchi, filha de Antonieta Cupertino de Barros Amorim e Dr. Eládio de Amorim, foi casada com o vilaboense Glauco Baiocchi (1917-1998); este, dedicado servidor da causa espírita. Já em Goiânia, nos anos de 1940, fundou juntamente com Alcenor Cupertino de Barros, Colombino Augusto de Bastos, Florianita de Bastos, Nostálgia de Moraes, as irmãs Alessandri (Silvia e Maria Antonieta) e Francisco Scartezini a “Tenda do Caminho”, embrião da “Irradiação Espírita Cristã”.

Florianita de Bastos (1900-1947) e Colombino Augusto de Bastos (1913- 1958) foram emblemáticos naobra espírita goiana. Dedicaram suas vidas à causa do bem e da caridade e possuíam acentuada mediunidade, dons carismáticos e eram evangelizadores por excelência. Esotéricos, possuíam grande conhecimento e inteligências primorosas. Partiram cedo para o plano espiritual. Florianita partiu aos 47 anos de idade e Colombino aos 45 anos. Foram vidas intensas ao bem da Doutrina Espírita e da caridade pura.

Também as irmãs Alessandri se destacaram. Silvia Alessandri Castro e Maria Antonieta Alessandri Fiqueiredo foram senhoras de grande auxílio à causa espírita, motivadoras da paz e da justiça; assim como Lélia de Amorim Nogueira, Nostálgia de Moraes, Múcio de Mello Álvares, Romeu Pelá, José Virgilino do Carmo, Nayá Siqueira de Amorim, Silene de Andrade, Niza de Melo Álvares e tantas outras boas almas, que cuidaram da educação, da evangelização, da formação cristã, do zelo com os idosos, da solidariedade e do acolhimento, típicos da conduta espírita na máxima maior da caridade como adágio da salvação.

Muito há ainda o que se contar sobre a Doutrina Espírita em nosso Estado. Muito já foi escrito por Silvia Alessandri, Ismar Estulano, Jávier Godinho, Geraldo José de Souza, Ayrton e Eurípedes Veloso do Carmo e vários outros. 

Não sou espírita. Não frequento o espiritismo, mas nem por esse motivo, alheio-me de admirar profundamente a lição de Kardec e o trabalho dos diversos Centros espíritas que existem pela causa do bem e do amor ao próximo. 

De todas as doutrinas, vejo, é aquela que se ausenta do exibicionismo e da suntuosidade de templos faraônicos, tão condenáveis pelo próprio Cristo. A Igreja que Cristo fala é aquela dentro da gaiola do peito.Vejo Centros pobres, simples, em bairros humildes, mas com um grandioso trabalho social, a saciar a fome de muitos. Tudo muito calado, apenas na prece necessária ao entendimento da lição do Cristo.

No silêncio dos passes e das orações reside, muitas vezes, um pouco da paz perdida. Um pouco do controle a quem não tem condições de se guiar sozinho. De forma constante e sem alarde, presta rico serviço na causa de Jesus e amplia laços entre dois mundos, na perenidade das afeições entre encarnados e desencarnados.

Há muita ponderação e muita sabedoria nas preleções espíritas que, por vezes, assisto, sem compromisso. Não há exasperação, mas harmonia. Por certo, como em toda Doutrina, há espíritas fanáticos e obsessivos. Onde pisa o homem, mora o erro. Não vou para não julgar.

Creio no infinito amor da espiritualidade derramado sobre nós. Quando acompanhei, em sofrimento, a agonia de minha mãe, nos duros tempos da aceitação do irremediável fim, no leito branco de dores, compreendi muito da passagem sobre a terra e percebi a tênue cortina que nos separa da outra vida.

Espírita praticante, minha mãe na agonia do fim, lembrou-se de agradecer: “Deus é bom demais pra mim”, embora estivesse em terrível sofrimento há mais de dois anos, sem conseguir nenhuma melhora. Essa aceitação me abriu portas. Sem poder explicar porque logo após desencarnou, me deixou a indagação de onde estaria bondade na dor infinita da carne, no desespero da morte...

Lendo o espiritismo eu me sinto mais perto de Deus e no silêncio do meu quarto posso perceber a pequenez de minha existência ante um mundo em construção. Vejo, assim, que só pelo amor vale a vida e mesmo sem frequentar, sem ser espírita praticante, concebo a esperança da misericórdia divina no meu caminho, na hora da minha morte.

Jesus seja luz em todos os que acreditam na paz preconizada pela Doutrina Espirita no âmago dos corações e na infinita espera das almas em aflição.

A alma sublime dos poetas na nostalgia telúrica de Vila Boa de Goyaz

A alma sutil e doce do vilaboense, desse os primórdios, esteve carregada de telurismo e poesia. Esta, dolente, se derrama pelas ruas calçadas de pedras, subindo e descendo ladeiras, quais vias romanas

A moldura verde dos morros completa o cenário com o casario aconchegado um no outro e os telhados patinados pelo tempo, ouvindo o murmurejo do Rio Vermelho a contar velhas histórias. E nesse cenário, desde o princípio, os poetas surgiram...

Um dos primeiros foi Antonio Félix de Bulhões Jardim; poeta da solidão, das serranias distantes, dos céus de encontro com os horizontes nas chapadas, montes e imensidões; também cantou o Cerrado em nuvens plúmbeas e pesadas de penares e tristezas, conforme aparece abaixo, em que evoca a queimada realizada no mês de agosto, tão comum antigamente em Goiás.

Antonio Félix de Bulhões Jardim nasceu na Cidade de Goiás em1845e faleceu na mesma cidade em 1887. Era filho de Inácio Soares de Bulhões e Antonia Emília de Bulhões Jardim. Formou-se em Direito em São Paulo, promotor público, jornalista, poeta e abolicionista. Foi Deputado Estadual, juiz de Direito, orador. Deixou obra inédita só publicada no século XX.

Belo o seu poema que destaca a queimada na Cidade de Goiás:

Espesso, a enovelar-se, o fumo da queimada
em manto cor de cinza envolve a serrania.
De sob a gaze escura irrompe o rei do dia
fulgente como brasa enorme entreapagada.

Epilética, doida, em rígida lufada,
pelos morros além braveja a ventania,
e das sarças lambendo a rábida ardentia
em um banho de fogo ulula desvairada.

Depois, rasgando a cinza e o solo carbonado,
verdejam rebentões, os montes e a planura 
e vem depois da flor o fruto cobiçado.

E da primeira chuva à mádidafrescura,
rejuvenesce e ri-se (é isto lei do fado)
- a eterna Salamandra – a provida natura.

Neste Soneto, o vate Félix de Bulhões, abolicionista convicto, político, sonetista e declamador, o “Castro Alves” goiano, exorta sobre o mês de agosto no Cerrado, ao evocar a fumaça das queimadas constantes nos campos e cerradões, para fazer a “limpeza”, conforme o pensar antigo, dos agricultores goianos. 

Ao utilizar-se de uma clássica linguagem, também traz o Soneto as imagens nitidamente românticas como “manto cor de cinza”, “rasgando a cinza”, “gaze escura irrompe”, ao relembrar o cinza como ideário de mistério, de tristeza, de evocação à saudade.

A paisagem reconfigura-se de maneira humanizada, como se reconhecesse os seus feitos e a epopeia da renovação sobre a terra, a custa do sofrimento dos seres humanos; em expressões como “eterna Salamandra”, “epilética rajada”, “irrompe o rei do dia”, “braveja a ventania”, “sarças lambendo”; como se os efeitos naturais tivessem intenção ou prévio conhecimento dos fatos. É também característica do Romantismo essa idealização da natureza como algo forte, imponderável, incontestável.

No século XIX, esse conceito era arraigado a se pensar na grande dimensão do espaço brasileiro, principalmente no sertão. Só mesmo no século XX, com o avanço das fronteiras, esse ideário foi derrubado.

As exacerbações do poeta são regidas pelo paradigma das idealizações; um mundo idealizado; uma natureza forte e agreste, capaz de colocar o homem diante do seu meio a mostrar uma força superior vinda de algo mais forte. Concepções bonitas a evocar o sol como “uma brasa entreapagada” conferem a dimensão do sentimento. Tudo é visto por outro prisma.

Mas, de tudo evoca o sonetista que, mesmo diante do mês de fumaça, de queimada, calor e vento destruidores, haverá uma flor e um fruto, a dimensionar, com certeza, a capacidade regeneradora do Cerrado diante do fogo e das intempéries, renascendo, reflorindo e frutificando, mesmo diante da ação esmagadora do fogo.

Em seus versos, nos quartetos, expõe o tema, ou seja, o fogo destruidor, a força natural, vento e fogo a correrem livres o Cerrado, já nos tercetos, identifica o porvir, a reação natural cerradeira de se refazer diante da catástrofe passada; a força que vem da terra, regenerando-se ao bem do mundo, como naturalmente soem ser as cosias operadas pelo próprio meio. É, de fato, um belo poema telúrico do Cerrado goiano.

Ainda o magistrado e poeta Luiz Ramos de Oliveira Couto foi também outro nome da poesia em Goiás. Seu estilo romântico tardio como os demais em Goiás na sua época, também se dedicou a evocar o ambiente, a paisagem goiana em seus versos.

Luiz do Couto, poeta e jurisconsulto, poeta e pensador | Foto: Acervo de Bento Fleury

Luiz Ramos de Oliveira Couto nasceu na Cidade de Goiás em 1884 e na mesma cidade faleceu em 1948. Formado em Direito pela Faculdade de Direito de Goiás, no ano de 1906. Poeta e jornalista. Juiz de Direito em Catalão e Itumbiara, depois Dianópolis, antigo norte goiano. Professor do Lyceu de Goiás e Juiz da antiga capital goiana e professor da Faculdade de Direito de Goiás. Membro fundador da Academia Goiana de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de Goiás. Publicou os livros de versos Violetas e Lilazes, de estilo romântico. Foi casado com Maria Ares do Couto, com quem teve doze filhos.

Em muitos de seus versos a natureza se derrama, inteira, como a descrever a pureza dos campos e cerrados de outrora. Destaca, ainda, seus sentimentos em relação aos fatos que ocorrem em torno de si, a impressão de tudo alheio a si, que lhe traz inspiração de alegria, exaltação ou tristeza. Tal fato é comum no Romantismo no Brasil: um mundo tardio, esquecido, perdido a se comunicar intimamente em seus pequenos detalhes.

No verso “Lenda do sabiá”, descreve o sabiá goiano no seu sonho de amor, o ninho construído, os sonhos e as esperanças da árvore da mata, a família construída, depois a tempestade, a destruição, a morte, e a própria natureza a chorar, por meio das cachoeiras, o sabiá goiano. 

Esses temas explorados pelos poetas românticos brasileiros quase cem anos antes, principalmente como Casimiro de Abreu em sua obra As primaveras,o poeta goiano, ainda que anacrônico, descreve com beleza, sentimentalismo, bucolismo, o patriotismo difuso, as coisas e os pequenos bichos do sertão.

Todas as tardes quando o sol morria

Ele vinha cantar na laranjeira

Em frente a minha porta...

Arrulhava a companheira.

No quente ninho, de folhagens feito.

E a natureza morta

Parece que viva

Ao calor amoroso do seu peito.

Ouvia o sabiá. Ele cantava

Roçando as asas no seu ninho amigo

E feliz se embriagava

Com a própria canção

Enchendo de alegria o lar antigo

Nas tardes sonolentas do sertão.

Construíra seu ninho entre outros ninhos

E vivia ditoso

Lar venturoso

No amor da companheira e filhotinhos...

Mas uma noite veio a tempestade

E á sua fúria, nada resistiu

Foi-se a felicidade

Que a ventura construiu...

O sabiá, depois, no outro dia,

Por sobre a laranjeira

Voava procurando a companheira...

No desespero, na última agonia,

No laranjal em flor

E o ninho perto

Ele viu o ninho tão deserto

Deserto o seu amor!

Modulou um trinado... foi seu horto

Fechou as asas...louco... morimbundo...

E caiu morto

Pois morto lhe ficara todo mundo...

Ao longe uma cascata

No seu eterno marulhar insano

Chorou de mágoa o sabiá goiano

O meu saudoso sabiá da mata!

Ainda nesse tempo, Ana Xavier de Barros Tocantinsteve uma produção cultural inédita, espalhada por jornais vilaboenses do final do século XIX e começo do século XX que demonstram sua alma sensível e apurada ao gosto poético e nostálgico, seguindo o tardio romantismo dos demais de seu tempo. Suas produções são vazadas de lirismo, embora se dedicasse ao verso livre, destoando dos demais de seu tempo. 

Nasceu a escritora na Cidade de Goiás em 1857 e faleceu na mesma cidade em 1949, aos 92 anos de idade. Era filha de Leonor Rodrigues Jardim e Joaquim Santarém Xavier de Barros. Estudiosa, foi professora particular por várias décadas na Cidade de Goiás. Pianista, concertista, poeta e declamadora. Foi casada com o jornalista e professor José do Patrocínio Marques Tocantins. Publicou poemas nos jornais da época.

Seus versinhos, como ressaltava, eram recitados nas tocatas e saraus realizados no Palácio Conde dos Arcos, quando a fina flor da sociedade de Vila Boa se reunia aristocraticamente para as tertúlias e apresentações ao gosto de certos governos que passaram pelo velho casarão do Largo do Jardim.

Nesses versos, Ana Xavier de Barros Tocantins, apelidada Donana Tocantins era, ao lado de Josefina Pinheiro de Lemos Mendes, Maria Angélica da Costa Brandão (Nhanhá do Couto) e Tereza Alencastro Caiado de Godoy (Tetê Caiado); o que de melhor havia da intelectualidade feminina nas declamações e no piano.

Ana Xavier de Barros Tocantins em 1899 | Foto: Acervo de Bento Fleury

Desse tempo, seus versos são dedicados ao Cerrado, na evocação da terra, dos frutos, dos morros, da paisagem e dos sentimentos advindos desse agreste contato. Em 1884, deixou estes versos que tanto tratam da paisagem cerradeira:

Minh’alma se agita nesse scenário

Terra agreste e verde – Goyaz

Não lugar igual nesse mundo

Vasto e profundo

Da natureza hostil...

Belos frutos encontrados

Por esses cerrados aí, nos morros...

Vejam além, os cajueiros dos matos

As frutas tão belas e, muitas delas,

Pendentes nos galhos.

Suba o morro além e veja

Que profusão de frutas lá tem...

Chiquinha fez doces, passas, capilé

Melhor, muito melhor que café.

Doce prosear, pela janela a olhar,

Os morros além,

Só nossa cidade tem

Esse cenário a sonhar...

Amores...

Inocentes versos escritos em brincadeira, de uma senhorinha goiana de 17 anos, numa festa do Palácio. Retratam os costumes de mocinhas a versejar, contando fatos da terra. Identifica o tempo da não rapidez, o tempo da “espera do sertão”, ou seja, esperava-se sempre, sem pressa; o que vinha de fora, como se o sertão e o Cerrado fossem o fim do mundo e não uma travessia geográfica a outros lugares. 

Esperava-se o correio que vinha em lombos de burros, os cometas com as mercadorias e as novidades, os parentes que viajavam em tropas; tudo sem pressa a olhar pelo retângulo luminoso das janelas a vida a se escoar lentamente.

Ressaltam as matas, os campos, os frutos, a natureza a se derramar pelo cerrado das cercanias da Cidade de Goiás, o uso culinário das frutas pelas senhoras e moças; ao colocar em evidência o “capilé”, pioneiro suco goiano feito com o caju esmagado que se usava para as passas. Com água da cisterna, bem fresquinha, socava-se o caju e colocava açúcar, para se servir nas quentes tardes goianas de outrora.

Josefina Pinheiro de Lemos Mendes foi uma poeta popular em Vila Boa de Goiás, que declamava nos saraus do Palácio e nas festas familiares, reacendendo o espírito bairrista do vilaboense, principalmente nos difíceis tempos de pré e pós-mudança da capital para Goiânia. 

Josefina Pinheiro de Lemos Mendes na Cidade de Goiás em 1919. Acervo de Bento Fleury.

Josefina Pinheiro de Lemos Mendes nasceu na Cidade de Goiás em 1891, filha de Francisco Pinheiro de Lemos e Emília de Souza Pinheiro e faleceu na mesma cidade em 1971, aos 80 anos de idade. Estudou no Grupo Escolar de Goiás e foi por alguns anos, professora primária. Desde cedo, dedicou-se ao verso e à declamação nos saraus da antiga capital goiana. Foi casada com o português Maximiano Mendes. Deixou vários poemas publicados, outros inéditos, reunidos num livro organizado por Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado e Maria Mendes Loyola.

Sua produção prima por versos populares, comuns, também diferentes do movimento modernista brasileiro. Desprovidos de estrutura, tecidos pelo telurismo e pelo amor à Cidade de Goiás, seus versos pecam pelo senso comum, pelo excesso de descrições, mas registram um momento em que Goiás, antiga capital, era difamada e, por isso, sua produção é acentuadamente marcada pelo anseio de fazer renascer o amor pela velha urbs do Anhanguera. 

É possível observar seu poema de 1931, publicado no jornal Cidade de Goyaz, semanário dirigido por Garibalddi Rizzo de Castro e Luiz do Couto Filho, único que permaneceu na velha cidade, mesmo depois do advento da mudança da capital. Com o título de “Cidade de Goiás”, o poema é todo tecido pelas boas lembranças da cidade que, naquele tempo já caía num ostracismo quase irremediável:

Gente boa, hospitaleira

De minha terra querida

Que humilde vive escondida

Por detrás da cordilheira...

Serra Dourada altaneira

Dom Francisco majestoso,

Cerro imponente, orgulhoso

Santa Bárbara – a colina

Sob a igreja pequenina

Com seu manto de verdura

Despertas na alma ternura 

Ó minha terra natal!

Goiás sem par, sem igual, 

Terra das uvas cheirosas, 

Um imenso parreiral, 

Cheio de frutas gostosas;

De dupla colheita ao ano

É coisa ante natural.

Ó cidade dos outeiros

Que pena, tudo passou!

É isto que aqui ficou: algum caçador já velho,

Funcionário aposentado...

Ponte Nova, Carmo e Lapa

É uma trinca que escapou

Também o Rio Vermelho,

Pois esse ninguém levou!

O poema de Josefina Pinheiro de Lemos Mendes apresenta uma linguagem simples descomprometida com os anseios românticos das demais autoras antes analisadas Seu compromisso é com a cidade de Goiás, sua gente “boa e hospitaleira”, suas riquezas geográficas e patrimônios “Rio Vermelho, morro Dom Francisco, Serra Dourada, igreja de Santa Bárbara”, suas frutas abundantes “um imenso parreiral”.

O poema apresenta em sua estrutura estrofes em quartetos (primeira e quinta estrofes), quinteto (quarta estrofe), sextilha (terceira estrofe) e oitava (segunda estrofe). Não apresenta, em sua oitava, a rima clássica ababcc, mas em alguns versos, prima por rimas misturadas, além do hipérbato “despertas na alma ternura” e dos termos recorrentes como: “sem par”, “sem igual”, “Ó cidade”.  

Essa mistura representa uma ruptura com o modelo padrão, ou talvez, o desconhecimento do modelo estético clássico, já que a poeta possuía estudos apenas a nível secundário, embora fosse autodidata, fazendo cursos com o dicionarista Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, autor do Anuário histórico, geográfico e descritivo do Estado de Goiás publicado em l9l0.

O poema ostenta, ao lado da valorização das coisas da terra de Goiás, a crítica social ao processo de mudança da capital do Estado, insuflado por brigas políticas intensas, já que desde o lançamento da Pedra Fundamental em l933 a Cidade de Goiás foi gradativamente perdendo status, estabelecimentos, riquezas e investimentos. Reflete o abandono a que foi ficando a velha cidade do Anhanguera, após a mudança das repartições públicas, faculdades e até da destruição de algumas de suas joias arquitetônicas como as estátuas que existiam nos jardins do Palácio Conde dos Arcos e a famosa “Pedra Goyana”, que encimava um outeiro na Serra Dourada, dinamitada nesse turbulento período. 

O nome da jornalista, poeta e escritora Oscarlina Alves Pinto representa um ideário em nome da cultura e do jornalismo na Cidade de Goiás.

Oscarlina Alves Pinto, poeta e jornalista pioneira na Cidade de Goiás. Acervo do Jornal O Lar, de 1927 | Foto: Acervo de Bento Fleury

Oscarlina Alves Pinto nasceu na Cidade de Goiás em 1885 e faleceu na mesma cidade em 1949. Era filho de Luiz Alves Pinto e Amália Monteiro. Professora, poeta e jornalista, destacou-se por dirigir o jornal feminino O Lar, na década de 1920, na antiga capital goiana. Deixou obra esparsa em jornais do Estado e principalmente no Jornal por ela gerenciado e dirigido.

Seus poemas, ora soltos, ora presos ao formalismo revelam Goiás, Estado e cidade, numa profundidade de visão. É a observação de uma mulher reveladora, que, de seu ambiente do Largo do Chafariz na velha cidade do Anhanguera, soube tecer com os fios mágicos das letras, a sutileza da visão plasmada no invólucro das sensações.No ano de 1924, publicou o poema abaixo no Jornal O Lar, como expressão de seu idílio e de sua alma a se derramar lírica nas letras:

Manhã de primavera, dolente e fria.

De cada canto, no espaço, uma tristeza difusa.

Cantos de jaós, os pássaros todos, em nostalgia

Deixavam minh’álma triste e confusa.

Não sei como pude sair no campo, sozinha

Ver a planura total dos prados virentes

Sentir fundo essa tristeza só, só minha,

E ver todas as árvores, ao vento, trementes...

Vi o pau terra curvado, como eu, torto,

Com a casca grossa a ocultar segredos

Era como eu e meu sonho morto

Soterrado por lágrimas dores e medos...

Senti a tristeza da paisagem do Cerrado

Tudo mirrado, distante, triste,

Como se no mundo tudo fosse errado

Como se mais nada existisse.

Assim eu sigo nesse campo. Solidão

Calcando em meu peito a ilusão

A dor profunda que você me fez.

Odiar é amar, segunda vez!

Esse poema nostálgico de Oscarlina Alves Pinto vem carregado de profunda mágoa, desafoga no Cerrado e no campo os seus penares. Na evocação de certas características da vegetação, remete-nos à comparação entre o pau terra subjugado e torto, rebaixado, ao seu próprio coração, numa interessante analogia. O campo aberto, com as árvores soltas oferece a ideia de amplidão, de abandono em meio ao nada. E a paisagem tantas vezes, enfezada, remete ao pensamento de confusão, do prado aberto a múltiplas interpretações.

Nesse poema, Oscarlina Alves Pinto, com seu viver solitário e arredio, fez muito triste o cenário do Cerrado, como em nenhum outro poeta aparece. Há uma melopeia própria para sua tristeza, difusa, profunda, total. 

Emília Perillo Argenta nasceu na Cidade de Goiás em 1902, filha de Rafael Perillo e Joana Gomes Perillo. Normalista pelo Colégio Santana em 1919. Professora e diretora do Grupo Escolar de Goiás nos anos que sucederam a mudança da capital. Poeta, publicou o livro Reminiscência quando tinha 89 anos. Faleceu em Goiânia em 1991, aos 89 anos de idade.

Emília Perillo Argentaconstruiu sua obra poética calcada no sentimento de adoração ao berço natal e seus costumes, hábitos e particularidades. Poeta e professora nascida em l902 e falecida em l991, construiu uma história de dedicação ao magistério nos mais de quarenta anos de trabalho no “Grupo Escolar de Goiás”, enfrentando o marasmo do pós-mudança da capital para Goiânia. Vejamos seu poema “Vila Boa” publicado em 1922 também no jornal Cidade de Goyaz:

Minha velha cidade,

Toda de morro cercada

Parece uma linda pérola

Numa rica jóia incrustada.

II

Terra de grandes homens,

Berço de educação e cultura,

Seu nome será sempre falado,

Bem alto, em grande altura.

III

Terra de Ministros e Marechais,

E de bons Governadores,

De muito homens cultos,

E de competentes professores.

IV

Berço de Joaquim Bonifácio,

Autor de “Noites Goianas”

E de outras poesias,

Muito lindas, muito lhanas (...)

XII

Quero fechar os meus olhos

No momento final, 

Sabendo que vou morrer

Na minha cidade natal.

XIII

Quero minha residência eterna

À sombra de uma palmeira,

Onde, pela manhã,

Canta um sabiá laranjeira.

Emília Perillo Argenta, tal qual Josefina Pinheiro de Lemos Mendes, apresenta versos singelos, que primam pelas rimas entrecruzadas e pela quadra, denunciando, aí, a forma antiga e já à época desusada, da própria construção poética, adotando temas piegas e muitas alusões a figuras de Goiás. 

Educadora em Goiás, como já salientamos, a poeta sempre colaborou com o jornal Cidade de Goyaz desde a década de 30, auxiliando os jornalistas Garibalddi Rizzo e Luiz do Couto Filho. Publicou seu primeiro livro de poemas Reminiscência, quando tinha 89 anos de idade, falecendo no ano seguinte, l99l. 

Seus singelos versos fazem um panegírico à antiga capital de Goiás, recordando seus morros, a preocupação da cidade com ainstrução desde o Império, seu poeta Joaquim Bonifácio, imortalizado pela famosa música “Noites goianas” e o desejo de expirar no berço amado. 

É um poema encomiástico, singelo, porém com versos carregados de significado histórico e social, pois a poesia é um texto infinito com alternância histórica, revendo o passado. Porém, sua poesia significa, dentro das inovações estéticas dos idos de l922, um retrocesso, embora saibamos que foi concebida por uma moca provinciana de apenas 20 anos de idade.

Antonio Soares de Camargo foi um magistrado, poeta e prosador das coisas goianas do passado. Com sua lírica visão, enxergou belezas pequeninas no Cerrado e nas manifestações peculiares de nosso povo.

Ele nasceu na Cidade de Goiás em 1915 e faleceu em Goiânia em 1989. Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Goiás. Foi Juiz em diferentes cidades goianas, onde também exerceu o magistério. Professor e magistrado; era pesquisador e colaborador em diferentes jornais do Estado. Deixou obra dispersa, postumamente organizada por Maria Cavalcante Martinelli sob o título de Baú de lembranças.

Seus poemas são geográficos e centram-se numa perspectiva de abordagem da categoria Lugar. Em seu poema “Bairrismo”, fica evidente esta afirmação, quando Camargo (1986, p. 57) analisa a posição do ser diante dos Pontos Cardeais, ao se posicionar, na antiga capital goiana, no encontro das ruas antigas e de “seu lugar no mundo”, ou a origem do seu mundo, onde tudo teve início.

O poeta nos confere a quebra da dimensão entre o pequeno e o grande, regional e universal, nascente e poente, ao afirmar que “a Geografia é estreita e não tem tamanho”, utilizando os díspares a nos conferir que as coisas não parecem na verdade o que realmente são.

Ao definir a paisagem, o poeta, também, dimensiona a quebra de seus paradigmas ao afirmar que “a paisagem não é apertada; ela tem um largo círculo” e pode se reconfigurar de diferentes maneiras, dependendo de como se olha. Destaca que é “mundo grande, universal, o torrão natal” e chama Goiás de “a pátria dos ventos”, como Bernardo Élis mais tarde tratou aqui de “o País dos ventos”.

A geografia é estreita e não tem tamanho.

- Com a frente para onde o sol nasce

é o nascente, nas costas é o poente,

Os braços estendidos em cruz,

ao longo do horizonte, azul,

um deles aponta o norte,

o canhoto,

o outro, direito, o sul,

de modo que a Rua D’Àgua,

nos deságues,

dos becos retumbantes de Detrás-da-Matriz

seja o meio do mundo,

avante! e a ré!

Mundo grande e universal o torrão natal.

- Lá longe, longe mesmo, adonde não se vai a pé.

aló, Lá na pátria dos ventos,

no justo ponto, aonde,

Veiga Vale calçou botas em São José,

dentro da terra amada, está a goiaca,

o cinturão chapeado de ouro,

da Serra Dourada,

nem pra lá, nem pra cá,

no justo ponto, onde, aqui e ali,

Goiandira, avatar de Damiana, tira

todos os matizes de todas as cores,

menos dos azuis pincelados no céu.

A paisagem não é apertada, ela tem o largo do círculo.

São morros de ouro.

Eduardo Henrique de Souza Filho foi também poeta e prosador. Juiz de Direito, deixou trabalhos literários acerca do Bioma-território Cerrado, seja nas narrativas historiográficas, como nos poemas de acentuado lirismo.

O poeta nasceu na Cidade de Goiás em 1907 e faleceu em Goiânia, em 2002, aos 95 anos de idade. Formou em Direito pela Faculdade de Direito de Goiás, sendo Juiz em várias cidades do norte de Goiás, hoje Estado do Tocantins. Flautista, exímio músico, compositor e poeta, memorialista, deixou os livros Nos tempos de Goyaz, As reminiscências de um juiz e O canto do cisne.

De suas narrativas de memória, destaca sobre o Cerrado na região do antigo Norte goiano, hoje Estado do Tocantins, nas peripécias de suas viagens como Juiz de Direito, nas diversas, longínquas e esquecidas comarcas do sertão bravio. Destaca como era inóspito e esquecido aquele pedaço de Goiás ainda virgem, com sua natureza exuberante, seus campos limpos e suas matas pujantes, intocadas e majestosas.

Como poeta, sua produção é vasta e se destaca a exaltar a beleza da terra goiana, com seus rios caudalosos, a Cidade de Goiás, os hábitos, costumes e modismos de um povo peculiar, afeito à luta da vida num ambiente agreste, mas marcado pela beleza fascinante de sua vegetação cerradeira.

Em seu poema “Rio Bagagem”, Souza Filho evidencia a beleza das antigas águas, límpidas e claras, hoje tão raras, de um belo recanto vilaboense, preferido para os banhos e passeio da população de então. Utilizando a lírica forma mais arcaica do verso, o poeta destaca a beleza do rio, suas águas, areias, pedras, os seixos, as matas ciliares, as lembranças daquele recanto querido e saudoso.

Tuas águas mornas, praias alvinitentes

Mansas correntes, ao rolar serenas,

Por entre eixos, a enfeitar-te o leito,

Trazias ao peito, saudades amenas.

Dos tempos idos, que o passado encerra,

De minha terra, que a lembrança traz,

Eram tuas orlas de belos recantos

E mais encantos só vistos em GOYAZ.

Sempre aos domingos, em tuas margens havia

Muita família, fluindo lugar sombrio,

E as frescas auras, vindas das ramagens,

Brandas aragens trazidas pelo rio.

Nos arvoredos, tantos passarinhos

Faziam os ninhos, em ternos gorjeados

E o nhambu chitão, à hora do arrebol,

Saudava o pôr do sol, em pios modulados.

Nas águas claras de tuas corredeiras

Subiam voadeiras, rápidos lambaris,

E o ipê florido, os altos ingazeiros,

Eram viveiros das pombas juritis.

Os garimpeiros te invadiram todo,

Em lama e lodo teus areais tornaram,

Todo o teu leito, de tuas frescas margens

E das paisagens, pouco te deixaram.

Do que então foste, quase nada existe,

És um rio triste, de tristonha imagem,

Mas és querido, te esquecer quem há de?

Resta a saudade de ti RIO BAGAGEM!...

Depois, vai seguindo a narrativa dos domingos de festa, quando a mocidade ali naquele recanto do cerrado vilaboense, a população se refrescava. Destaca sobre as ramagens das matas ciliares, os ipês floridos daquele tempo ditoso; as árvores com seus passarinhos canoros, o nhambu chitão, com os seus pios, os ingazeiros carregados.

Depois, como brado de denúncia, o poeta destaca a destruição do Rio Bagagem pela incúria dos garimpeiros que destruíram suas margens, enlamearam suas águas, tornaram barro suas entranhas e acabaram com a vegetação. Do belo rio, da Cidade de Goiás, ficou apenas a lembrança do poeta. E a lembrança dos que viveram aqueles ditosos tempos, em plena harmonia com a natureza.

Da mesma forma, o poeta denuncia a destruição do Rio Vermelho que corta a Cidade de Goiás, do Rio Uruhu, da Cachoeira Grande, do Rio Santo Antonio, do Córrego Manuel Gomes. Cantor das águas passadas, Eduardo Henrique de Souza Filho perpetuou lembranças de uma época em que a população vilaboense era grata ao meio em que vivia e se harmonizava, sem a desenfreada ambição, com as linfas e com o Cerrado em torno, na grandeza paisagística, de um belo pedaço de Goiás.

Em seu segundo livro de versos intitulado O canto de cisne, há, também, versos dedicados ao Cerrado, mas já com um tom de nostalgia de quem se despedia da vida, em cintilações outonais, mas amando muito a poética centrada no chão goiano.

Poetas que amaram Goiás, a velha cidade do Anhanguera, berço de nossas tradições, de encantos e ternuras que o tempo, por mais que queira, não consegue apagar dos corações.

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