A alma sublime dos poetas na nostalgia telúrica de Vila Boa de Goyaz
13 julho 2022 às 18h34
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A alma sutil e doce do vilaboense, desse os primórdios, esteve carregada de telurismo e poesia. Esta, dolente, se derrama pelas ruas calçadas de pedras, subindo e descendo ladeiras, quais vias romanas
A moldura verde dos morros completa o cenário com o casario aconchegado um no outro e os telhados patinados pelo tempo, ouvindo o murmurejo do Rio Vermelho a contar velhas histórias. E nesse cenário, desde o princípio, os poetas surgiram…
Um dos primeiros foi Antonio Félix de Bulhões Jardim; poeta da solidão, das serranias distantes, dos céus de encontro com os horizontes nas chapadas, montes e imensidões; também cantou o Cerrado em nuvens plúmbeas e pesadas de penares e tristezas, conforme aparece abaixo, em que evoca a queimada realizada no mês de agosto, tão comum antigamente em Goiás.
Antonio Félix de Bulhões Jardim nasceu na Cidade de Goiás em1845e faleceu na mesma cidade em 1887. Era filho de Inácio Soares de Bulhões e Antonia Emília de Bulhões Jardim. Formou-se em Direito em São Paulo, promotor público, jornalista, poeta e abolicionista. Foi Deputado Estadual, juiz de Direito, orador. Deixou obra inédita só publicada no século XX.
Belo o seu poema que destaca a queimada na Cidade de Goiás:
Espesso, a enovelar-se, o fumo da queimada
em manto cor de cinza envolve a serrania.
De sob a gaze escura irrompe o rei do dia
fulgente como brasa enorme entreapagada.Epilética, doida, em rígida lufada,
pelos morros além braveja a ventania,
e das sarças lambendo a rábida ardentia
em um banho de fogo ulula desvairada.Depois, rasgando a cinza e o solo carbonado,
verdejam rebentões, os montes e a planura
e vem depois da flor o fruto cobiçado.E da primeira chuva à mádidafrescura,
rejuvenesce e ri-se (é isto lei do fado)
– a eterna Salamandra – a provida natura.
Neste Soneto, o vate Félix de Bulhões, abolicionista convicto, político, sonetista e declamador, o “Castro Alves” goiano, exorta sobre o mês de agosto no Cerrado, ao evocar a fumaça das queimadas constantes nos campos e cerradões, para fazer a “limpeza”, conforme o pensar antigo, dos agricultores goianos.
Ao utilizar-se de uma clássica linguagem, também traz o Soneto as imagens nitidamente românticas como “manto cor de cinza”, “rasgando a cinza”, “gaze escura irrompe”, ao relembrar o cinza como ideário de mistério, de tristeza, de evocação à saudade.
A paisagem reconfigura-se de maneira humanizada, como se reconhecesse os seus feitos e a epopeia da renovação sobre a terra, a custa do sofrimento dos seres humanos; em expressões como “eterna Salamandra”, “epilética rajada”, “irrompe o rei do dia”, “braveja a ventania”, “sarças lambendo”; como se os efeitos naturais tivessem intenção ou prévio conhecimento dos fatos. É também característica do Romantismo essa idealização da natureza como algo forte, imponderável, incontestável.
No século XIX, esse conceito era arraigado a se pensar na grande dimensão do espaço brasileiro, principalmente no sertão. Só mesmo no século XX, com o avanço das fronteiras, esse ideário foi derrubado.
As exacerbações do poeta são regidas pelo paradigma das idealizações; um mundo idealizado; uma natureza forte e agreste, capaz de colocar o homem diante do seu meio a mostrar uma força superior vinda de algo mais forte. Concepções bonitas a evocar o sol como “uma brasa entreapagada” conferem a dimensão do sentimento. Tudo é visto por outro prisma.
Mas, de tudo evoca o sonetista que, mesmo diante do mês de fumaça, de queimada, calor e vento destruidores, haverá uma flor e um fruto, a dimensionar, com certeza, a capacidade regeneradora do Cerrado diante do fogo e das intempéries, renascendo, reflorindo e frutificando, mesmo diante da ação esmagadora do fogo.
Em seus versos, nos quartetos, expõe o tema, ou seja, o fogo destruidor, a força natural, vento e fogo a correrem livres o Cerrado, já nos tercetos, identifica o porvir, a reação natural cerradeira de se refazer diante da catástrofe passada; a força que vem da terra, regenerando-se ao bem do mundo, como naturalmente soem ser as cosias operadas pelo próprio meio. É, de fato, um belo poema telúrico do Cerrado goiano.
Ainda o magistrado e poeta Luiz Ramos de Oliveira Couto foi também outro nome da poesia em Goiás. Seu estilo romântico tardio como os demais em Goiás na sua época, também se dedicou a evocar o ambiente, a paisagem goiana em seus versos.
Luiz Ramos de Oliveira Couto nasceu na Cidade de Goiás em 1884 e na mesma cidade faleceu em 1948. Formado em Direito pela Faculdade de Direito de Goiás, no ano de 1906. Poeta e jornalista. Juiz de Direito em Catalão e Itumbiara, depois Dianópolis, antigo norte goiano. Professor do Lyceu de Goiás e Juiz da antiga capital goiana e professor da Faculdade de Direito de Goiás. Membro fundador da Academia Goiana de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de Goiás. Publicou os livros de versos Violetas e Lilazes, de estilo romântico. Foi casado com Maria Ares do Couto, com quem teve doze filhos.
Em muitos de seus versos a natureza se derrama, inteira, como a descrever a pureza dos campos e cerrados de outrora. Destaca, ainda, seus sentimentos em relação aos fatos que ocorrem em torno de si, a impressão de tudo alheio a si, que lhe traz inspiração de alegria, exaltação ou tristeza. Tal fato é comum no Romantismo no Brasil: um mundo tardio, esquecido, perdido a se comunicar intimamente em seus pequenos detalhes.
No verso “Lenda do sabiá”, descreve o sabiá goiano no seu sonho de amor, o ninho construído, os sonhos e as esperanças da árvore da mata, a família construída, depois a tempestade, a destruição, a morte, e a própria natureza a chorar, por meio das cachoeiras, o sabiá goiano.
Esses temas explorados pelos poetas românticos brasileiros quase cem anos antes, principalmente como Casimiro de Abreu em sua obra As primaveras,o poeta goiano, ainda que anacrônico, descreve com beleza, sentimentalismo, bucolismo, o patriotismo difuso, as coisas e os pequenos bichos do sertão.
Todas as tardes quando o sol morria
Ele vinha cantar na laranjeira
Em frente a minha porta…
Arrulhava a companheira.
No quente ninho, de folhagens feito.
E a natureza morta
Parece que viva
Ao calor amoroso do seu peito.
Ouvia o sabiá. Ele cantava
Roçando as asas no seu ninho amigo
E feliz se embriagava
Com a própria canção
Enchendo de alegria o lar antigo
Nas tardes sonolentas do sertão.
Construíra seu ninho entre outros ninhos
E vivia ditoso
Lar venturoso
No amor da companheira e filhotinhos…
Mas uma noite veio a tempestade
E á sua fúria, nada resistiu
Foi-se a felicidade
Que a ventura construiu…
O sabiá, depois, no outro dia,
Por sobre a laranjeira
Voava procurando a companheira…
No desespero, na última agonia,
No laranjal em flor
E o ninho perto
Ele viu o ninho tão deserto
Deserto o seu amor!
Modulou um trinado… foi seu horto
Fechou as asas…louco… morimbundo…
E caiu morto
Pois morto lhe ficara todo mundo…
Ao longe uma cascata
No seu eterno marulhar insano
Chorou de mágoa o sabiá goiano
O meu saudoso sabiá da mata!
Ainda nesse tempo, Ana Xavier de Barros Tocantinsteve uma produção cultural inédita, espalhada por jornais vilaboenses do final do século XIX e começo do século XX que demonstram sua alma sensível e apurada ao gosto poético e nostálgico, seguindo o tardio romantismo dos demais de seu tempo. Suas produções são vazadas de lirismo, embora se dedicasse ao verso livre, destoando dos demais de seu tempo.
Nasceu a escritora na Cidade de Goiás em 1857 e faleceu na mesma cidade em 1949, aos 92 anos de idade. Era filha de Leonor Rodrigues Jardim e Joaquim Santarém Xavier de Barros. Estudiosa, foi professora particular por várias décadas na Cidade de Goiás. Pianista, concertista, poeta e declamadora. Foi casada com o jornalista e professor José do Patrocínio Marques Tocantins. Publicou poemas nos jornais da época.
Seus versinhos, como ressaltava, eram recitados nas tocatas e saraus realizados no Palácio Conde dos Arcos, quando a fina flor da sociedade de Vila Boa se reunia aristocraticamente para as tertúlias e apresentações ao gosto de certos governos que passaram pelo velho casarão do Largo do Jardim.
Nesses versos, Ana Xavier de Barros Tocantins, apelidada Donana Tocantins era, ao lado de Josefina Pinheiro de Lemos Mendes, Maria Angélica da Costa Brandão (Nhanhá do Couto) e Tereza Alencastro Caiado de Godoy (Tetê Caiado); o que de melhor havia da intelectualidade feminina nas declamações e no piano.
Desse tempo, seus versos são dedicados ao Cerrado, na evocação da terra, dos frutos, dos morros, da paisagem e dos sentimentos advindos desse agreste contato. Em 1884, deixou estes versos que tanto tratam da paisagem cerradeira:
Minh’alma se agita nesse scenário
Terra agreste e verde – Goyaz
Não lugar igual nesse mundo
Vasto e profundo
Da natureza hostil…
Belos frutos encontrados
Por esses cerrados aí, nos morros…
Vejam além, os cajueiros dos matos
As frutas tão belas e, muitas delas,
Pendentes nos galhos.
Suba o morro além e veja
Que profusão de frutas lá tem…
Chiquinha fez doces, passas, capilé
Melhor, muito melhor que café.
Doce prosear, pela janela a olhar,
Os morros além,
Só nossa cidade tem
Esse cenário a sonhar…
Amores…
Inocentes versos escritos em brincadeira, de uma senhorinha goiana de 17 anos, numa festa do Palácio. Retratam os costumes de mocinhas a versejar, contando fatos da terra. Identifica o tempo da não rapidez, o tempo da “espera do sertão”, ou seja, esperava-se sempre, sem pressa; o que vinha de fora, como se o sertão e o Cerrado fossem o fim do mundo e não uma travessia geográfica a outros lugares.
Esperava-se o correio que vinha em lombos de burros, os cometas com as mercadorias e as novidades, os parentes que viajavam em tropas; tudo sem pressa a olhar pelo retângulo luminoso das janelas a vida a se escoar lentamente.
Ressaltam as matas, os campos, os frutos, a natureza a se derramar pelo cerrado das cercanias da Cidade de Goiás, o uso culinário das frutas pelas senhoras e moças; ao colocar em evidência o “capilé”, pioneiro suco goiano feito com o caju esmagado que se usava para as passas. Com água da cisterna, bem fresquinha, socava-se o caju e colocava açúcar, para se servir nas quentes tardes goianas de outrora.
Josefina Pinheiro de Lemos Mendes foi uma poeta popular em Vila Boa de Goiás, que declamava nos saraus do Palácio e nas festas familiares, reacendendo o espírito bairrista do vilaboense, principalmente nos difíceis tempos de pré e pós-mudança da capital para Goiânia.
Josefina Pinheiro de Lemos Mendes nasceu na Cidade de Goiás em 1891, filha de Francisco Pinheiro de Lemos e Emília de Souza Pinheiro e faleceu na mesma cidade em 1971, aos 80 anos de idade. Estudou no Grupo Escolar de Goiás e foi por alguns anos, professora primária. Desde cedo, dedicou-se ao verso e à declamação nos saraus da antiga capital goiana. Foi casada com o português Maximiano Mendes. Deixou vários poemas publicados, outros inéditos, reunidos num livro organizado por Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado e Maria Mendes Loyola.
Sua produção prima por versos populares, comuns, também diferentes do movimento modernista brasileiro. Desprovidos de estrutura, tecidos pelo telurismo e pelo amor à Cidade de Goiás, seus versos pecam pelo senso comum, pelo excesso de descrições, mas registram um momento em que Goiás, antiga capital, era difamada e, por isso, sua produção é acentuadamente marcada pelo anseio de fazer renascer o amor pela velha urbs do Anhanguera.
É possível observar seu poema de 1931, publicado no jornal Cidade de Goyaz, semanário dirigido por Garibalddi Rizzo de Castro e Luiz do Couto Filho, único que permaneceu na velha cidade, mesmo depois do advento da mudança da capital. Com o título de “Cidade de Goiás”, o poema é todo tecido pelas boas lembranças da cidade que, naquele tempo já caía num ostracismo quase irremediável:
Gente boa, hospitaleira
De minha terra querida
Que humilde vive escondida
Por detrás da cordilheira…
Serra Dourada altaneira
Dom Francisco majestoso,
Cerro imponente, orgulhoso
Santa Bárbara – a colina
Sob a igreja pequenina
Com seu manto de verdura
Despertas na alma ternura
Ó minha terra natal!
Goiás sem par, sem igual,
Terra das uvas cheirosas,
Um imenso parreiral,
Cheio de frutas gostosas;
De dupla colheita ao ano
É coisa ante natural.
Ó cidade dos outeiros
Que pena, tudo passou!
É isto que aqui ficou: algum caçador já velho,
Funcionário aposentado…
Ponte Nova, Carmo e Lapa
É uma trinca que escapou
Também o Rio Vermelho,
Pois esse ninguém levou!
O poema de Josefina Pinheiro de Lemos Mendes apresenta uma linguagem simples descomprometida com os anseios românticos das demais autoras antes analisadas Seu compromisso é com a cidade de Goiás, sua gente “boa e hospitaleira”, suas riquezas geográficas e patrimônios “Rio Vermelho, morro Dom Francisco, Serra Dourada, igreja de Santa Bárbara”, suas frutas abundantes “um imenso parreiral”.
O poema apresenta em sua estrutura estrofes em quartetos (primeira e quinta estrofes), quinteto (quarta estrofe), sextilha (terceira estrofe) e oitava (segunda estrofe). Não apresenta, em sua oitava, a rima clássica ababcc, mas em alguns versos, prima por rimas misturadas, além do hipérbato “despertas na alma ternura” e dos termos recorrentes como: “sem par”, “sem igual”, “Ó cidade”.
Essa mistura representa uma ruptura com o modelo padrão, ou talvez, o desconhecimento do modelo estético clássico, já que a poeta possuía estudos apenas a nível secundário, embora fosse autodidata, fazendo cursos com o dicionarista Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, autor do Anuário histórico, geográfico e descritivo do Estado de Goiás publicado em l9l0.
O poema ostenta, ao lado da valorização das coisas da terra de Goiás, a crítica social ao processo de mudança da capital do Estado, insuflado por brigas políticas intensas, já que desde o lançamento da Pedra Fundamental em l933 a Cidade de Goiás foi gradativamente perdendo status, estabelecimentos, riquezas e investimentos. Reflete o abandono a que foi ficando a velha cidade do Anhanguera, após a mudança das repartições públicas, faculdades e até da destruição de algumas de suas joias arquitetônicas como as estátuas que existiam nos jardins do Palácio Conde dos Arcos e a famosa “Pedra Goyana”, que encimava um outeiro na Serra Dourada, dinamitada nesse turbulento período.
O nome da jornalista, poeta e escritora Oscarlina Alves Pinto representa um ideário em nome da cultura e do jornalismo na Cidade de Goiás.
Oscarlina Alves Pinto nasceu na Cidade de Goiás em 1885 e faleceu na mesma cidade em 1949. Era filho de Luiz Alves Pinto e Amália Monteiro. Professora, poeta e jornalista, destacou-se por dirigir o jornal feminino O Lar, na década de 1920, na antiga capital goiana. Deixou obra esparsa em jornais do Estado e principalmente no Jornal por ela gerenciado e dirigido.
Seus poemas, ora soltos, ora presos ao formalismo revelam Goiás, Estado e cidade, numa profundidade de visão. É a observação de uma mulher reveladora, que, de seu ambiente do Largo do Chafariz na velha cidade do Anhanguera, soube tecer com os fios mágicos das letras, a sutileza da visão plasmada no invólucro das sensações.No ano de 1924, publicou o poema abaixo no Jornal O Lar, como expressão de seu idílio e de sua alma a se derramar lírica nas letras:
Manhã de primavera, dolente e fria.
De cada canto, no espaço, uma tristeza difusa.
Cantos de jaós, os pássaros todos, em nostalgia
Deixavam minh’álma triste e confusa.
Não sei como pude sair no campo, sozinha
Ver a planura total dos prados virentes
Sentir fundo essa tristeza só, só minha,
E ver todas as árvores, ao vento, trementes…
Vi o pau terra curvado, como eu, torto,
Com a casca grossa a ocultar segredos
Era como eu e meu sonho morto
Soterrado por lágrimas dores e medos…
Senti a tristeza da paisagem do Cerrado
Tudo mirrado, distante, triste,
Como se no mundo tudo fosse errado
Como se mais nada existisse.
Assim eu sigo nesse campo. Solidão
Calcando em meu peito a ilusão
A dor profunda que você me fez.
Odiar é amar, segunda vez!
Esse poema nostálgico de Oscarlina Alves Pinto vem carregado de profunda mágoa, desafoga no Cerrado e no campo os seus penares. Na evocação de certas características da vegetação, remete-nos à comparação entre o pau terra subjugado e torto, rebaixado, ao seu próprio coração, numa interessante analogia. O campo aberto, com as árvores soltas oferece a ideia de amplidão, de abandono em meio ao nada. E a paisagem tantas vezes, enfezada, remete ao pensamento de confusão, do prado aberto a múltiplas interpretações.
Nesse poema, Oscarlina Alves Pinto, com seu viver solitário e arredio, fez muito triste o cenário do Cerrado, como em nenhum outro poeta aparece. Há uma melopeia própria para sua tristeza, difusa, profunda, total.
Emília Perillo Argenta nasceu na Cidade de Goiás em 1902, filha de Rafael Perillo e Joana Gomes Perillo. Normalista pelo Colégio Santana em 1919. Professora e diretora do Grupo Escolar de Goiás nos anos que sucederam a mudança da capital. Poeta, publicou o livro Reminiscência quando tinha 89 anos. Faleceu em Goiânia em 1991, aos 89 anos de idade.
Emília Perillo Argentaconstruiu sua obra poética calcada no sentimento de adoração ao berço natal e seus costumes, hábitos e particularidades. Poeta e professora nascida em l902 e falecida em l991, construiu uma história de dedicação ao magistério nos mais de quarenta anos de trabalho no “Grupo Escolar de Goiás”, enfrentando o marasmo do pós-mudança da capital para Goiânia. Vejamos seu poema “Vila Boa” publicado em 1922 também no jornal Cidade de Goyaz:
Minha velha cidade,
Toda de morro cercada
Parece uma linda pérola
Numa rica jóia incrustada.
II
Terra de grandes homens,
Berço de educação e cultura,
Seu nome será sempre falado,
Bem alto, em grande altura.
III
Terra de Ministros e Marechais,
E de bons Governadores,
De muito homens cultos,
E de competentes professores.
IV
Berço de Joaquim Bonifácio,
Autor de “Noites Goianas”
E de outras poesias,
Muito lindas, muito lhanas (…)
XII
Quero fechar os meus olhos
No momento final,
Sabendo que vou morrer
Na minha cidade natal.
XIII
Quero minha residência eterna
À sombra de uma palmeira,
Onde, pela manhã,
Canta um sabiá laranjeira.
Emília Perillo Argenta, tal qual Josefina Pinheiro de Lemos Mendes, apresenta versos singelos, que primam pelas rimas entrecruzadas e pela quadra, denunciando, aí, a forma antiga e já à época desusada, da própria construção poética, adotando temas piegas e muitas alusões a figuras de Goiás.
Educadora em Goiás, como já salientamos, a poeta sempre colaborou com o jornal Cidade de Goyaz desde a década de 30, auxiliando os jornalistas Garibalddi Rizzo e Luiz do Couto Filho. Publicou seu primeiro livro de poemas Reminiscência, quando tinha 89 anos de idade, falecendo no ano seguinte, l99l.
Seus singelos versos fazem um panegírico à antiga capital de Goiás, recordando seus morros, a preocupação da cidade com ainstrução desde o Império, seu poeta Joaquim Bonifácio, imortalizado pela famosa música “Noites goianas” e o desejo de expirar no berço amado.
É um poema encomiástico, singelo, porém com versos carregados de significado histórico e social, pois a poesia é um texto infinito com alternância histórica, revendo o passado. Porém, sua poesia significa, dentro das inovações estéticas dos idos de l922, um retrocesso, embora saibamos que foi concebida por uma moca provinciana de apenas 20 anos de idade.
Antonio Soares de Camargo foi um magistrado, poeta e prosador das coisas goianas do passado. Com sua lírica visão, enxergou belezas pequeninas no Cerrado e nas manifestações peculiares de nosso povo.
Ele nasceu na Cidade de Goiás em 1915 e faleceu em Goiânia em 1989. Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Goiás. Foi Juiz em diferentes cidades goianas, onde também exerceu o magistério. Professor e magistrado; era pesquisador e colaborador em diferentes jornais do Estado. Deixou obra dispersa, postumamente organizada por Maria Cavalcante Martinelli sob o título de Baú de lembranças.
Seus poemas são geográficos e centram-se numa perspectiva de abordagem da categoria Lugar. Em seu poema “Bairrismo”, fica evidente esta afirmação, quando Camargo (1986, p. 57) analisa a posição do ser diante dos Pontos Cardeais, ao se posicionar, na antiga capital goiana, no encontro das ruas antigas e de “seu lugar no mundo”, ou a origem do seu mundo, onde tudo teve início.
O poeta nos confere a quebra da dimensão entre o pequeno e o grande, regional e universal, nascente e poente, ao afirmar que “a Geografia é estreita e não tem tamanho”, utilizando os díspares a nos conferir que as coisas não parecem na verdade o que realmente são.
Ao definir a paisagem, o poeta, também, dimensiona a quebra de seus paradigmas ao afirmar que “a paisagem não é apertada; ela tem um largo círculo” e pode se reconfigurar de diferentes maneiras, dependendo de como se olha. Destaca que é “mundo grande, universal, o torrão natal” e chama Goiás de “a pátria dos ventos”, como Bernardo Élis mais tarde tratou aqui de “o País dos ventos”.
A geografia é estreita e não tem tamanho.
– Com a frente para onde o sol nasce
é o nascente, nas costas é o poente,
Os braços estendidos em cruz,
ao longo do horizonte, azul,
um deles aponta o norte,
o canhoto,
o outro, direito, o sul,
de modo que a Rua D’Àgua,
nos deságues,
dos becos retumbantes de Detrás-da-Matriz
seja o meio do mundo,
avante! e a ré!
Mundo grande e universal o torrão natal.
– Lá longe, longe mesmo, adonde não se vai a pé.
aló, Lá na pátria dos ventos,
no justo ponto, aonde,
Veiga Vale calçou botas em São José,
dentro da terra amada, está a goiaca,
o cinturão chapeado de ouro,
da Serra Dourada,
nem pra lá, nem pra cá,
no justo ponto, onde, aqui e ali,
Goiandira, avatar de Damiana, tira
todos os matizes de todas as cores,
menos dos azuis pincelados no céu.
A paisagem não é apertada, ela tem o largo do círculo.
São morros de ouro.
Eduardo Henrique de Souza Filho foi também poeta e prosador. Juiz de Direito, deixou trabalhos literários acerca do Bioma-território Cerrado, seja nas narrativas historiográficas, como nos poemas de acentuado lirismo.
O poeta nasceu na Cidade de Goiás em 1907 e faleceu em Goiânia, em 2002, aos 95 anos de idade. Formou em Direito pela Faculdade de Direito de Goiás, sendo Juiz em várias cidades do norte de Goiás, hoje Estado do Tocantins. Flautista, exímio músico, compositor e poeta, memorialista, deixou os livros Nos tempos de Goyaz, As reminiscências de um juiz e O canto do cisne.
De suas narrativas de memória, destaca sobre o Cerrado na região do antigo Norte goiano, hoje Estado do Tocantins, nas peripécias de suas viagens como Juiz de Direito, nas diversas, longínquas e esquecidas comarcas do sertão bravio. Destaca como era inóspito e esquecido aquele pedaço de Goiás ainda virgem, com sua natureza exuberante, seus campos limpos e suas matas pujantes, intocadas e majestosas.
Como poeta, sua produção é vasta e se destaca a exaltar a beleza da terra goiana, com seus rios caudalosos, a Cidade de Goiás, os hábitos, costumes e modismos de um povo peculiar, afeito à luta da vida num ambiente agreste, mas marcado pela beleza fascinante de sua vegetação cerradeira.
Em seu poema “Rio Bagagem”, Souza Filho evidencia a beleza das antigas águas, límpidas e claras, hoje tão raras, de um belo recanto vilaboense, preferido para os banhos e passeio da população de então. Utilizando a lírica forma mais arcaica do verso, o poeta destaca a beleza do rio, suas águas, areias, pedras, os seixos, as matas ciliares, as lembranças daquele recanto querido e saudoso.
Tuas águas mornas, praias alvinitentes
Mansas correntes, ao rolar serenas,
Por entre eixos, a enfeitar-te o leito,
Trazias ao peito, saudades amenas.
Dos tempos idos, que o passado encerra,
De minha terra, que a lembrança traz,
Eram tuas orlas de belos recantos
E mais encantos só vistos em GOYAZ.
Sempre aos domingos, em tuas margens havia
Muita família, fluindo lugar sombrio,
E as frescas auras, vindas das ramagens,
Brandas aragens trazidas pelo rio.
Nos arvoredos, tantos passarinhos
Faziam os ninhos, em ternos gorjeados
E o nhambu chitão, à hora do arrebol,
Saudava o pôr do sol, em pios modulados.
Nas águas claras de tuas corredeiras
Subiam voadeiras, rápidos lambaris,
E o ipê florido, os altos ingazeiros,
Eram viveiros das pombas juritis.
Os garimpeiros te invadiram todo,
Em lama e lodo teus areais tornaram,
Todo o teu leito, de tuas frescas margens
E das paisagens, pouco te deixaram.
Do que então foste, quase nada existe,
És um rio triste, de tristonha imagem,
Mas és querido, te esquecer quem há de?
Resta a saudade de ti RIO BAGAGEM!…
Depois, vai seguindo a narrativa dos domingos de festa, quando a mocidade ali naquele recanto do cerrado vilaboense, a população se refrescava. Destaca sobre as ramagens das matas ciliares, os ipês floridos daquele tempo ditoso; as árvores com seus passarinhos canoros, o nhambu chitão, com os seus pios, os ingazeiros carregados.
Depois, como brado de denúncia, o poeta destaca a destruição do Rio Bagagem pela incúria dos garimpeiros que destruíram suas margens, enlamearam suas águas, tornaram barro suas entranhas e acabaram com a vegetação. Do belo rio, da Cidade de Goiás, ficou apenas a lembrança do poeta. E a lembrança dos que viveram aqueles ditosos tempos, em plena harmonia com a natureza.
Da mesma forma, o poeta denuncia a destruição do Rio Vermelho que corta a Cidade de Goiás, do Rio Uruhu, da Cachoeira Grande, do Rio Santo Antonio, do Córrego Manuel Gomes. Cantor das águas passadas, Eduardo Henrique de Souza Filho perpetuou lembranças de uma época em que a população vilaboense era grata ao meio em que vivia e se harmonizava, sem a desenfreada ambição, com as linfas e com o Cerrado em torno, na grandeza paisagística, de um belo pedaço de Goiás.
Em seu segundo livro de versos intitulado O canto de cisne, há, também, versos dedicados ao Cerrado, mas já com um tom de nostalgia de quem se despedia da vida, em cintilações outonais, mas amando muito a poética centrada no chão goiano.
Poetas que amaram Goiás, a velha cidade do Anhanguera, berço de nossas tradições, de encantos e ternuras que o tempo, por mais que queira, não consegue apagar dos corações.