Revista Informação Goyana: marco de audácia no passado
30 junho 2022 às 18h44
COMPARTILHAR
A “Revista Informação Goyana”, destinada a ser uma propagandista de possibilidades naturais e econômicas de Goiás, mostrou o vazio do Oeste brasileiro
Há 105 anos, em 1917, surgia no cenário da imprensa nacional a “Revista Informação Goyana” destinada a ser uma propagandista de possibilidades naturais e econômicas de “Goyaz e do Brasil Central”, ao mostrar o imenso vazio do Oeste brasileiro ao restante do País.
Era o abissal abismo entre o litoral e o grande sertão. Os “Dois brasis” preconizados por Jacques Lambert. E a revista surgia com a intensão de quebrar esse paradigma existente, ao identificar as possibilidades havidas nessa terra esquecida e pouco falada a quem denominavam “Goyaz”, que, mesmo longe dos grandes centros urbanos, possuía uma cultura toda peculiar; tanto a popular, quanto a erudita.
A vasta região desconhecida do interior do Brasil, que compreendia justamente os sertões de Goiás e Mato Grosso, o Centro Oeste ou o Brasil Central, recebia o nome de “hinterland”. Na revista, esta denominação é recorrente, mas, de sua pretensão original em abarcar todo esse espaço geográfico, na verdade, foi limitada a Goiás, e esteve de bom tamanho, pois tudo começava do ponto zero.
Goiás naqueles tempos, mais de cem anos passados, não tinha espaço no cenário das discussões nacionais. Muitos equívocos eram cometidos quando havia necessidade em se referir ao Estado. Nada se sabia de sua história, política, tradições, recursos naturais, economia, cultura.
A Revista tentou ser a voz dos excluídos e destacar na Capital Federal a existência no “hinterland” brasileiro, de um Estado de gente capaz de ombrear as possibilidades de discussão sobre um projeto de Brasil para todos os brasileiros.
Os dois idealistas e pioneiros da “Revista Informação Goyana” foram Henrique Silva e Antonio Americano do Brasil, ambos nascidos na lendária e rica cidade de Bonfim de Goyaz, hoje Silvânia, de tantas belas tradições culturais.
A direção inicial da Revista esteve a cargo dos dois bonfinenses ilustres de 1917 a março de 1918; quando Americano do Brasil foi convidado a ocupar o cargo de Secretário de Interior e Justiça pelo então Presidente do Estado, Desembargador João Alves de Castro, que, mais tarde, viria a ser o seu sogro.
A partir dessa data a Revista passou a ser dirigida por Henrique Silva até sua morte, em 1935. Mas, Americano do Brasil continuou parceiro e colaborador assíduo, até o seu assassinato em Luziânia, em 1932.
Nesse tempo pioneiro, a Revista era redigida nas dependências do Escritório Brazil-Ferro-Carril; editada nas oficinas gráficas do Jornal do Brasil, no Rio de janeiro, com todas as dificuldades possíveis; as coisas meio improvisadas. Eram locais em que Henrique Silva tinha amplo domínio, por trabalhos exercidos em tempos anteriores.
Henrique Silva já havia tentado, em 1891, juntamente com Olegário Herculano da Silveira Pinto e Cânsio Póvoa, editar uma revista que se dedicasse aos interesses do Estado de Goyaz, que se chamou “Brazil Central”, mas ficou apenas no número 01, de 15 de abril de 1891, e que a Biblioteca Nacional possui um exemplar original.
Ela foi gestada no pensamento Positivista do começo da República, por meio do idealismo de jovens como Eduardo Sócrates, João José de Campos Curado, Moisés Santana, dentre outros, forjados numa tentativa de propor cientificidade no estudo do que seria o Estado de Goyaz, depois do “regimen decahido”, expressão muito utilizada.
O processo de interesse pelo hinterland brasileiro era demorado. O próprio litoral era prenhe de dificuldades que nem abriam perspectivas de um olhar para dentro, para o interior imenso e vazio do País, há cem anos atrás.
Para a composição da Revista Informação Goyana muitos foram os colaboradores, além de Henrique Silva que escreveu em todos os números, Americano do Brasil, Eduardo Sócrates, Colemar Natal e Silva, José Carlos de Carvalho, Victor de Carvalho Ramos, Hugo de Carvalho Ramos, Cora Coralina, Mário Vaz, Hélio Seixo de Britto, Jorge Maia, Francisco Ayres da Silva, Antonio Euzébio de Abreu.
Segundo a pesquisadora Maria de Araújo Nepomuceno em seu trabalho científico sobre a Revista, a mesma foi destacada em diferentes assuntos como economia, recursos naturais, notas e informações, transportes, história, geografia, limites, politica, transferência da capital federal, literatura, educação, imprensa, saúde, população, comunicações, interior goiano, folclore.
Os temais mais recorrentes e de maior relevância foram os de Economia, Geografia e História, ao que conferia à Revista o seu papel regionalista/nacionalista, ao situar Goyaz no cenário das discussões de sua época e tentar discutir o Brasil também presente em nosso Estado, ou seja, que Goyaz não estava fora de um contexto da alma brasileira, inclusive a questão da interiorização da capital federal.
A apresentação gráfica da Revista possuía boa qualidade. A maioria das matérias era acompanhada por fotografias em formato 32×24 cm, com os conteúdos expostos nas páginas em duas colunas, com títulos nítidos e chamativos. A variação do tamanho da Revista e o número de páginas em cada edição, era entre oito a dezesseis páginas, conforme o tempo e, também, as possibilidades econômicas.
O total dessas edições foram 19 volumes com 213 números completos que apareceram mensalmente sem interrupção, de 1917 a 1935, hoje dispostos numa edição feita pelo Governo de Goiás nos anos de 1970 e uma versão em CD, mais atual, feita pela AGEPEL, que muito auxilia os pesquisadores.
. Também a Revista fez uma crítica à quase exclusão de Goiás do orçamento federal, já que o Estado era pouco contemplado com recursos para transportes, saúde, saneamento, educação. Na verdade era como se não existíssemos no âmbito dessas necessidades tão básicas ao novo Regime que imperava no País.
Muito clara era a intenção dos os intelectuais de A Informação Goyana em retratar, informar, e fazer uma propaganda aos donos do capital e para os comerciantes as potencialidades econômicas “sem conta do Estado mais central e menos conhecido do Brasil”, como ressaltou a análise da pesquisadora Maria Araújo Nepomuceno.
Diversas eram as informações errôneas na Capital Federal sobre Goiás e Mato Grosso. Certos artigos confundiam mesmo as questões geográficas, topônimos e nomes de administradores. A Revista vinha com a intenção de desmascarar esses erros e colocar Goyaz no seu devido lugar.
Nesse tempo havia, já, uma incipiente industrialização nas cidades mais desenvolvidas como São Paulo e Rio de Janeiro. Goyaz, como se grafava vivia perdida na imensidão das serranias e da placenta verde dos morros, com uma capital isolada e perdida entre as cordilheiras. Numa discussão ideológica nacionalista e regionalista, a Revista propunha colocar o Estado em consonância com as demais cidades desenvolvidas; mesmo que fosse, para o seu tempo, uma incrível utopia.
Esse nacionalismo proposto na Revista se traduziu numa defesa muito acentuada de Goiás; era uma forma de mostrar os encantos e possibilidades da região conhecida por Brasil Central e que era vista de forma equivocada e negativa.
Era, ainda, um desejo ardente de ver essa vasta região, de forma efetiva, integrada ao restante do País.
Esse pensamento teve florescimento, em nível nacional, no decorrer dos anos que se sucederam à Primeira Guerra Mundial e que elevaram o sentimento de Pátria, pouco a pouco dimensionado, e que teve mais êxito após a Revolução de 1930.
E nesse contexto, na Capital Federal, a Revista passou por diferentes fatos históricos importantes no País como a Semana de Arte Moderna de 1922, O Tenentismo em 1922/1924, o nascimento do Partido Comunista do Brasil (1922), pela marcha da Coluna Prestes (1924/1927), a queda da Bolsa de 1929, a Revolução de 1930 e a Revolução Constitucionalista de 1932, assim como a Constituinte de 1934. Superou mudanças de governo e de ideologias, vencendo os obstáculos de cada tempo. E tal fato se deu por sua aparente neutralidade política, já que poderia sofrer profundas perseguições que a colocariam fora do cenário.
Ainda que veladamente, há na Revista um caráter Positivista, fruto da formação de seu idealizador e de seus colaboradores, em grande maioria, jovens idealistas.
Ela vivenciou os últimos anos da República Velha em Goiás, a decadência paulatina do velho regime em Goiás, a caída sistemática da oligarquia caiadista, assim como a mudança ocorrida com a Revolução e a reforma total do poder e da forma de governar.
Muitos de seus colaboradores até 1930 eram vinculados ao regime, mas as modificações ideológicas no âmbito da Revista e seus conteúdos sofreram pouca modificação. Todos tinham em meta a defesa do Estado, no recorrente termo “torrão goyano”, que estava acima de qualquer vínculo político ou partidário.
Para que o ideário de Goyaz pudesse estar em consonância com os demais estados do Brasil, a Revista tratou de difundir de forma ampla e variada a abundância e fertilidade do solo goiano, as áreas para cultivo, fauna e flora ricas, clima favorável e pecuária de grande alcance, dado o relevo da maioria da região em planícies e campinas, a centralidade do estado a se comunicar com a grande maioria de outros estados, tanto do litoral quanto do sertão, assim como os transportes, já que, a partir de 1912 a Estrada de Ferro Goyaz estava adentrando os limites.
Também, procurou destacar enfoques culturais e educacionais, embora fragilizados, foram mostrados em regiões mais prósperas como as cidades de Goiás, Pirenópolis e Catalão; já que no interior e nas cidades menores, havia grande índice de analfabetismo.
Muito se destacou também as potencialidades econômicas e os produtos produzidos por Goiás, como o café do planalto, o fumo de Bela Vista, a marmelada de Santa Luzia, as águas termais de Caldas, o ouro de São José do Tocantins e os rios Araguaia e Tocantins como ícones piscosos; além de algumas áreas de garimpo; assim como a variedade de madeiras de lei na área do Mato Grosso goiano, densa de matas.
O tema muito recorrente da Revista é a ideia da transferência da Capital para o planalto, como proposto no Quadrilátero Cruls e a evocação da necessidade de cumprimento dessa lei. No ano de 1922 quando do centenário da Independência se colocou o marco em Planaltina, a Informação Goyana deu ampla cobertura ao momento importante da história brasileira.
No aspecto ideológico da Revista, esta teve como já dissemos a propagação do Positivismo; já que seus fundadores e colaboradores em grande maioria tiveram formação militar na Escola da Praia Vermelha, preconizada por Benjamin Constant. Os demais também, jovens estudantes, estavam afeiçoados à ideia de uma mudança brasileira nos velhos métodos de observar a história.
É imperioso que se aponte a importância de Henrique Silva para o cenário de nossa produção cultural em revista.
Esse militar teve profunda e inusitada atuação cultural na antiga capital do país, Rio de Janeiro, e, foi um dos primeiros a divulgar o então distante e atrasado Estado de Goiás para outros rincões, já que esta revista circulava no Rio e em todo país.
A Revista Informação goyana era eclética, possuindo reportagens de todos os assuntos relacionados ao Estado de Goiás e sua relação com o resto do país.
Participaram também da revista o Dr. Hélio Seixo de Brito, Agenor de Castro, Cora Coralina, Breno Guimarães, Marcelo Silva, Colemar Natal, e muitos outros. Seus assuntos iam de geologia, geografia, história, sociologia, folclore, literatura, costumes, faunas e flora, índios, os rios, as lendas, as riquezas de todas as espécies.
O major Henrique Silva foi essencialmente um idealista. Nasceu em 1865 em Bonfim de Goiás e em 1882 foi para o Rio de Janeiro ingressando na Escola Militar.
Participou de guerras de fronteiras com Marechal Deodoro da Fonseca e Comissão de Cruls em 1892, que determinou os limites do Distrito Federal. Transferido para a reserva em 1912, dedicou-se ao jornalismo e à literatura, surgindo então sua iniciativa pioneira de fazer uma revista.
Seu idealismo persistiu por 18 anos fazendo circular mensalmente para todo Brasil a Informação goyana até 1935 quando veio a falecer, morrendo também, o sonho e a determinação da primeira revista feita no Estado de Goiás, que ficou ainda mais isolado, até o surgimento de Brasília quase trinta anos depois.
A revista Informação Goyana surgida em 15 de agosto de 1917, nasce com intuito de integração e divulgação do Estado de Goiás no cenário nacional, para propagar a existência e sustentação do Brasil Central no cenário das discussões da então capital federal. Era uma divulgação das potencialidades de Goiás.
Henrique Silva, a alma viva da revista era o que mais escrevia. Ao todo foram 247 matérias, e como o divulgador, o incentivador, o sonhador, coordenava a edição com muita rigidez; portanto, não havia um conselho editorial. Colaboradores e artigos poderiam ser cortados pelo crivo do diretor. Todas as suas matérias versavam sobre Goiás, sua gente, costumes e principalmente o Cerrado e as riquezas.
Assim foi a Revista Informação Goyana, nascida do idealismo de grandes homens de notável saber, idealismo, espírito pátrio, goianidade. Nos 105 anos de sua história, as marcas que ficaram, dos seus líderes Henrique Silva e Americano do Brasil, almas puras e beneméritas em todos os tempos!