Hélio Seixo de Britto e Célia Coutinho Seixo de Britto foram dois goianos admiráveis, que tiveram importância fundamental para o crescimento de nossa história cultural e social, não só em Goiânia, mas, também, em Anicuns, Cidade de Goiás, Leopoldo de bulhões e Trindade, onde foram pioneiros da Academia Trindadense de Letras, Ciências e Artes. Mas a bela história de amor de ambos, verdadeiro exemplo de bem vier, começou muito antes e merece esse registro. 

O berço de tudo foi a velha cidade do Anhanguera nos primórdios desse século. 

Na acidentada Rua 13 de Maio nasceu a menina Célia Coutinho, filha de João Jose Coutinho, titular do Cartório do 10 Oficio da velha capital, político e fazendeiro, e de Alice Augusta de Santanta Coutinho, ativa jornalista do velho A Rosa editado por Heitor de Morais Fleury em 1908 e depois o Voz do Povo de inflamadas manchetes do período mudancista. Ela também colaborara no jornal Antenas, editado pelo destacado Goiás do Couto.

Hélio de Britto nasceu numa bela chácara urbana, para os lados do matadouro, no ano de 1909. Sua família era enorme, composta de muitos irmãos e dois sobrinhos órfãos, criados por seus pais.

Célia era um pouco mais nova. Nascera em 1914 no centro da velha capital, na Rua 13 de maio, que dava fundos para o Rio Vermelho, o mesmo que passava nos fundos da casa da família Seixo de Britto, mais abaixo.

Ambos vivenciaram a mesma infância, indistinta tantas vezes entre ricos e pobres, numa cidade em que todos estavam nos mesmos cantos, rios e brincadeiras.

A infância de Célia foi passada ali naquela rua torta, calçada de pedras irregulares eantigas. Os vizinhos Octávio Monteiro e Hermógenes Coelho significavam a continuidade da família pela afinidade dos pais e dos filhos que cresciam juntos naquela ditosa quadra. 

Quis o destino que, numa triste quadra da vida de Célia, aos 15 anos, em que perdera a irmã de 17 anos, encontrasse o seu grande amor.

Célia Coutinho, moça extrovertida, bela e sensível carregava um afeto no seu coração: o jovem estudante Hélio Seixo de Britto que, postado sobre a ponte do Carmo, ficava admirando-a através da janela dos fundos do velho casarão que se abria para o cais do Rio Vermelho. Era um sonho, um idílio de duas almas ternas sinceras num tempo de tantas dificuldades.

Hélio Seixo de Britto também nasceu na antiga capital do Estado em 7 de novembro de 1909, filho de Amâncio Seixo de Britto e Maria Bárbara do Couto Britto, parente da imortal poeta Cora Coralina. 

Estudou no tradicional Lyceu de Goyaz e pretendia cursar Medicina no Rio de Janeiro. Nesse tempo, os namoros eram dificílimos e os pais não consentiam logo de imediato em certas uniões. Mas o amor foi o limite de tudo. 

Quando estudante no Rio de Janeiro, Hélio Seixo de Britto foi colaborador da famosa revista Informação Goyana, mensal, ilustrada, informativa das possibilidades do Brasil Central, editada por Henrique Silva e gerenciada por Adolfo Pallazo. Nos números 6 e 7, circuladas na capital federal em janeiro e fevereiro de 1934, trazia em números distintos, duas matérias do jovem estudante goiano: “Nova fonte de riqueza em Goiás foi a descoberta a erva mate” e “A imprensa goyana”. 

Também, participou de movimentos políticos estudantis – nascendo ai a vocação – durante o duro regime de repressão do Estado autoritário, movido pela mola propulsora que era o seu ideal.

No ano de 1935, Hélio Seixo de Britto diplomou-se pela faculdade da Praia Vermelha tomando-se médico, sendo, também de pronto, convidado a permanecer ali como assistente pelos renomados médicos Fernando Magalhães e Henrique Roxo. No entanto, o amor por Goiás falou mais alto, entendeu que seria mais útil servindo à terra que foi seu berço, retomando à antiga capital de Goiás. 

Célia Coutinho por essa época diplomou-se pelo Colégio Santana e exercia a função de sub-oficial do Cartório de 3a Zona Imobiliária de Goiânia, colaborando também com o jornal Antenas, de Goiás do Couto, e a página literária do Correio Oficial e Jornal do Povo.

Nesse agitado período Hélio Seixo de Britto Coutinho e Célia Coutinho uniram-se pelo matrimônio. Era o dia 16 de novembro de 1937, há 80 anos, e, a cerimônia civil foi realizada na antiga residência da noiva, na Rua 13 de Maio, assim como a religiosa oficiada pela cura da Catedral da Santana de Goiás, Domingos Pinto de Figueiredo. Foram testemunhas Raul Coutinho. Elza Seixo de Britto, Odete da Anunciação Serradourada, Jorge Coutinho, Maria Martins Vieira e Indalícia Guedes de Amorim Coelho (Zitinha).

Recém-formado e recém-casado. Hélio Seixo de Britto passou a clinicar na cidade de Leopoldo de Bulhões depois passando a Inhumas, onde conheceu o médico Simão Carneiro de Mendonça, e juntos, arquitetaram um plano de fundação de uma casa de saúde em Goiânia, mas, no agitado período da Segunda Grande Guerra Mundial o plano se tornou inviável. 

Por essa época, Hélio de Britto já militava na oposição e quando transferiu-se para Anicuns, encontrou terreno fértil para as suas aspirações. Ali residia Ary Ribeiro Valadão que, entusiasmado com a queda do Estado Novo e com a proposta política do brigadeiro Eduardo Gomes, aliou-se ao idealismo de Hélio de Britto e juntos fundaram o diretório da UDN de Anicuns onde Hélio passou a presidir por instâncias dos amigos correligionários e tendo sempre o firme apoio da companheira Célia Coutinho.

Também era grande amigo de Almir Turisco de Araújo, mais tarde, Deputado Estadual e Federal e governador Interino de Goiás, hoje com 102 anos de idade.

Hélio Seixo de Britto foi convidado, por seus inestimáveis méritos, a ser o Secretário de Educação e Saúde no governo oposicionista. Foi ferrenho lutador na conturbada aquisição do terreno que constituiu o Hospital Psiquiátrico Adauto Botelho, lançou a ideia da fundação da Universidade do Brasil Central, deu firme apoio para a publicação da conceituada Revista de Educação de Goiás dirigida pela eficiente professora Amália Hermano Teixeira, criou, regulou e reformou escolas como Pedro Gomes, Nhanhá do Couto, Murilo Braga, Duque de Caxias e o Instituto de Educação de Goiás, assim como criou e instalou outras diversas no interior do Estado como aqui em Trindade, inaugurou o então Grupo Escolar Dom Prudêncio, em 1949, um dos melhores do interior goiano.

Velho casarão da Faculdade Nacional de Medicina da Universidade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil, conhecida como “Faculdade de Medicina da Praia Vermelha”. Nela se formaram tantos médicos ilustres, um deles, o médico goiano, Dr. Hélio Seixo de Britto | Pintura em óleo sobre tela de Maria Alice Coutinho Seixo de Britto Bezerra

Célia Coutinho Seixo de Britto não foi apenas a corajosa e eficiente mãe e esposa. Arregaçou as mangas e se dedicou ao trabalho social, fundando em 1948, há 70 anos, ao lado de outras abnegadas senhoras, o “Clube Social Feminino”, hoje conceituado espaço social e cultural de Goiânia. Artista das telas e pincéis estudou na conceituada Escola Goiana de Belas Artes, que foi fundada em 1 de dezembro de 1955.

Essa escola teve o seu decreto de autorização de funcionamento em maio de 1953, porém, somente em 1954 foram realizados os primeiros ‘exames vestibulares, obedecendo à execução de 3 cursos: pintura, escultura e desenho aplicado. Sob a direção do competente e saudoso professor Luiz Augusto do Carmo Curado a escola cumpriu satisfatoriamente a sua finalidade específica, realizando, durante o primeiro congresso de intelectuais uma exposição no ano de 1954, nos amplos salões da BoiteLisita, fato pioneiro em Goiânia. 

Cumprindo sua finalidade educativa com afinco, a escola goiana de Belas Artes promovia ainda palestras, destacando-se as de Luiz Augusto do Carmo Curado, José Lopes Rodrigues e Hening Gustav Ritter, Pèclat de Chavannes. Célia Coutinho participou da primeira turma da conceituada escola e fez ainda o segundo ciclo de estudos da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra.

No ano de 1960, Hélio Seixo de Britto foi eleito prefeito municipal de Goiânia numa esmagadora vitória e, também, marcando na história do município de Goiânia, o primeiro prefeito eleito pela oposição. Em janeiro de 1961 assumiu o poder enfrentando de início o sério problema da falta de autonomia para o município que via-se tolhido de executar seus misteres por estar ligado, acorrentado aos burocráticos elos estaduais. 

Depois de sua administração segura e honesta, Hélio Seixo de Britto exerceu ainda o cargo de superintendente da Osego, continuando sempre fiel aos seus ideais políticos, num autêntico exercício de coragem e coerência. 

Ao lado de sua admirável esposa, Célia Coutinho, manteve sempre acesa a chama do amor pelo trabalho comunitário, exemplo que passou aos filhos, sendo que destes, Ronaldo e Hélio, palmilharam pelas veredas da política e Helinho de Britto foi vereador na Câmara Municipal de Goiânia, com louvável esforço advindo de sua sólida educação e formação moral e política.

Passeando no Rio de Janeiro | Foto: Acervo de Bento Fleury

Mulher de invejável inteligência e grande capacidade criadora, Célia Coutinho Seixo de Britto dedicou grande parte de sua existência ao trabalho intelectual. Membro fundador da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás em 1969, auxiliou no sonho de Rosarita Fleury, Ana Braga e Nelly Alves de Almeida. Colaborou com os anuários da Aflag e proferiu diversas palestras sobre vultos da história de Goiás. 

Foi sócia da UBE de Goiás e da Ordem Nacional dos Bandeirantes em São Paulo, além da Academia Trindadense de Letras. Recebeu várias homenagens, placas, diplomas, comendas, referências e criticas elogiosas ao seu trabalho de real valor.

Como companheira da Academia Trindadense de Letras, Ciências e Artes dedicou grande parte de seu tempo às coisas relacionadas à cultura trindadense proferiu palestras, participou de eventos e marcou a sua presença em Trindade com o seu admirável esposo e companheiro. 

Missa das Bodas de Ouro em Goiânia | Foto: Acervo de Bento Fleury

Em 1973, deu publicidade a seu primeiro livro de merecido êxito: A Mulher, A História e Goiás que enfeixa 32 biografias de mulheres goianas do século passado e o trabalho maravilhoso de cada uma delas dentro do cenário da cultura goiana. 

Suas biografias, além do trabalho artístico das ilustrações, apresentam uma linguagem carinhosa, viva, latente, distanciando-se do modelo formal desse gênero. Algumas de suas biografadas foram mulheres altamente notáveis, destacando-se Donana Tocantins, Augusta de Faro Fleury Curado, Sinhá Cupertino, Rosita Fleury, Jacinta Caldas, ZefinhaPinhciro, Maria Péclat, Mestra lnhola, Yaiá PerilIo, Nhanhá do Couto, Oscarlina Alves Pinto, Arminda Prattes, Tetê Caiado e tantas outras, nos ideais e  lutas que auxiliaram no transcorrer da história de Goiás. 

Célia Coutinho Seixo de Britto foi ao lado de Hélio Seixo de Britto o mais digno exemplo de vida equilibrada, harmoniosa, produtiva para o bem da família e de toda a comunidade. Foram 56 anos de união e hoje quase 60 anos de comunhão espiritual, elevando bem alto a glória do amor e da convivência, extrapolando mesmo os limites do próprio tempo.

Vitimada por pertinaz enfermidade, Célia Coutinho teve uma longa agonia. Sofreu resignada os revezes do destino e teve ao seu lado, sempre, o marido, filhos, netos e amigos. Soube amar, sorrir, compreender, soube até mesmo sofrer e partiu sem máculas ou revoltas no dia 21 de janeiro de 1994. Levou muita saudade e deixou um exemplo de dignidade, cultura e honradez até hoje no coração dos que a conheceram.

Com o seu desaparecimento aos 79 anos de idade restou o seu trabalho, a sua mensagem, a essência de sua existência pautada pelo talento. O doutor Hélio Seixo de Britto para a alegria dos filhos, netos, bisnetos foi firme, altaneiro, confiante, marcando sua vida pelo signo da bondade, do bom viver e da fé inabalável em Deus que levou até o fim. 

E a história continua, mas, com certeza, ficará no coração de todo, a imagem de uma mocinha que ficava à janela mirando com ternura o mocinho sobre a ponte do Carmo, que, por sua vez, sonhava doces juras naqueles tempos dourados, no vale do Rio Vermelho, à sombra da Serra Dourada, na velha cidade de luar banhada… Tudo ficou para trás, mas o velho coração do mocinho enamorado soube amar até o fim e depois do fim, como na comovente carta que nos escreveu logo após o falecimento de sua inesquecível Célia:

Caro Amigo Bento,

Com satisfação, recebi a sua muito amistosa e delicada carta do dia 22 do corrente. Fina, inteligente e bondosa, rica de bons sentimentos de ternura, veio trazer conforto e estímulo para o momento que atravessamos.

De coração, agradeço-lhe esse cristão e nobre gesto do simpático moço que, com educação, humildade e brilhante inteligência, despertou, em pouco tempo, a sincera admiração de Célia e minha por você.

Célia e eu, nas nossas horas de meditação, conversávamos muito, com naturalidade, sobre as realidades da vida. O que aconteceu por determinação divina, mais hoje, mais amanhã, era esperado; o espírito forte de Célia estava preparado para isto. Ela era admirável, e a nossa fé na continuação espiritual da vida e na miseric6rdia do Pai celestial a encorajava.

No entanto, pedia a ELEque eu lhe não faltasse primeiro, tal a sua comovente confiança na minha presença, como esposo, como médico e como irmão em Jesus Cristo. Pela Sua infinita bondade ela mereceu o divinal atendimento, indo preparar o nosso feliz reencontro na Eternidade, quando for a minha vez, por vontade do Senhor dos mundos.

É o nosso destino biológico e sobrenatural na vida terrena, e enquanto ELE nos alenta temos que ir em frente cumprindo os Seus sagrados desígnios.

Éramos tão unidos e com as almas tão irmãs em tudo que ela chegava a pensar generosamente ser incapaz de viver sem mim. Humildemente eu lhe agradecia esse nobre sentimento, embora sabendo que é inesgotável a bondade divina e resolve tudo no peregrinar desta nossa vida transitória rumo à mansão celeste.

Como esposo e como médico – como você viu – acompanhei com grande e disfarçado amargor todo aquele drama do seu sofrimento, maior ainda por não ver condições de sobrevivência, apesar da aplicação de todos os antigos e modernos recursos da medicina.

Solucionado o seu caso, como Deus determinou, parti para o meu problema cirúrgico, que, com grande risco vinha protelando, para não me afastar do seu leito nenhum momento. Agora com sério risco de vida devido ao stress intenso em que me achava, com 18 quilos a menos de peso. Isto, porém, não me apavorava, porque o que tinha de melhor não existia mais.

Fui feliz e estou passando bem, com a graça e proteção do Senhor.

Agradeço-lhe a solidariedade e as cartas que me enviou.

Hélio Seixo de Britto e Célia Coutinho Seixo de Britto, a história de Goiás, na história de um casal, legado moral, social e cultural para as gerações que hão de vir. Ele permaneceu altaneiro e firme até o fim. 

E quando feito um ano de morte de sua amada Célia, recebemos do grande Dr. Hélio uma carta muito evocativa, digna de sua grandiosa alma:

Caríssimo Amigo Bento.

Com sincera satisfação, agradeço-lhe a carta acompanhada da belíssima crônica CÉLIA COUTINHO SEIXO DE BRITTO – ESTRELA DA MANHÃ que você escreveu, rememorando-a no seu primeiro ano junto a Deus. As cópias impressas distribuí-a aos meus filhos e aos meus irmãos. Todos ficamos encantados. Nossos agradecimentos de coração.

Ela reflete a pureza de sua grande alma e a imensa sensibilidade do jovem e bom amigo, dotes que o Altíssimo lhe deu.

Célia não se enganou, nem eu, com a generosidade de seu coração, a sublimidade de seu caráter e a riqueza de sua fértil e brilhante inteligência. Sempre comentávamos que o seu talento e idealismo o levariam muito longe – como está acontecendo. Você já está bastante conhecido e admirado nos nossos meios sociais e culturais, pessoalmente e através de suas brilhantes produções literárias e históricas. Emoldurando este quadro de merecimentos morais e intelectuais, com que Deus o enriqueceu, estão a sua educação, serenidade e edificante humildade natural.

Ainda hoje, o jornal OPÇÃO, no seu caderno Cultural, publicou uma bonita reportagem sua (que lemos com muita satisfação), falando sobre o surgimento da Cidade de Goiás e dos primeiros arraiais goianos. Com ela, também a admirável história do vitorioso jornalismo feminino de nossa terra natal, criado pelas inteligentes e cultas pioneiras (ainda moças) da literatura vilaboense.

Parabéns: Bento, por mais este belo trabalho.

Você é um paciente, pertinaz e competente pesquisador, como um decidido e incansável garimpeiro: vai ao fundo buscar o ouro nas minas da nossa história e da nossa cultura.

Como você soube, o Helinho teve um problema de saúde (esofagite de refluxo), foi operado e, graças a Deus, está bom.

O resto da família vai bem, porém curtindo saudades da nossa querida e inesquecível Célia.

Com os meus afetuosos abraços, reafirmo os meus agradecimentos.

Goiânia, 27 de março de 1994

Um homem como Hélio Seixo de Britto não pode ser esquecido. E ele vive nesse mês de julho em nossa lembrança e em nossas orações, como a imagem da sensibilidade, da temperança; no pleno entendimento da vida em todas as suas contradições e desacertos. Vieu certo, no lugar certo, com a companheira certa. 

Sereno, como sempre, seguiu para Deus!