Marilda de Godoy Carvalho pesquisou para o Arquivo Histórico Estadual de Goiás, para o Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, para a Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, bem como a Academia Trindadense de Letras, instituições a que era filiada

A existência de Marilda de Godoy Carvalho (1924-2011) foi marcada pela superação. Seu destino foi todo traçado no céu por Deus e os anjos maiores, para que se tornasse luz e amparo a todos e esse mesmo Deus, em sua sabedoria, sorriu e chamou o seu nome entre os eleitos para a verdadeira vida, na nova pátria sem adeus.

Nascida na Cidade de Goiás, antiga capital do Estado em 11 de abril de 1924, teve por berço o lar abençoado de Albatênio Caiado de Godoy (1893-1973) e Maria Paula Fleury Curado (Godoy-1894-1982), que lhe deram uma sólida formação humana e educacional que foram esteios para sua vida tão limpa e tão honrada.

Seus pais foram figuras notáveis na história da Educação, da Cultura, do Jornalismo e do Direito em Goiás.

Marilda, a mais velha entre seus irmãos Clóvis, Augusta, Terezy, Aymurê, Godoyzinho e Thales. 1934 | Foto: Acervo de Bento Fleury

Passou sua infância na antiga capital de Goiás, cidade eterna, de pontes contemplativas, entre os folguedos comuns, os passeios, os banhos nos rios de águas cantantes e o aconchego de uma família numerosa, tanto na Chácara Baumann e na Rua do Carmo, onde viviam os parentes de sua mãe, quanto na antiga Rua da Estrada, onde viva sua avó paterna, Tereza Alencastro Caiado de Godoy e a bondosa tia Maria Caiado, anjo tutelar, protetora de tanta gente desvalida na Cidade de Goiás e depois em Campinas. Quantas lições Marilda retirou de tudo isso para a sua fértil e produtiva caminhada de 87 anos de vida!

Mas, as voltas do tempo cruzaram os seus caminhos. Goiânia surgia nas campinas do chão vermelho e todos os goianos se viram impelidos ao pioneirismo. Ela vivenciou, no verdor dos anos, os primeiros dias da nova capital de Goiás. Mocinha tão bela, de bicicleta indo para a Escola Normal Oficial, como Samaritana Socorrista de Guerra, como jovem professora a substituir a mãe na escola, como namorada de seu escolhido, lá de Rio Verde, Wilson de Carvalho. Era a imagem da juventude e de todas as delícias desse tempo!

Páginas queridas de sentimentos eclodidos. Depois de casada, mãe devotada, esposa e colaboradora do marido nas lides médicas de tempos difíceis, estradas tantas, caminhos vários, cidades outras, até o porto seguro da Rua 20, na casa carregada de recordações. Casa com suas marcas de alegrias e dores, ligada ao nunca mais!

Marilda já mocinha com 23 anos entre seus irmãos em Goiânia, no ano de 1947 | Foto: Acervo de Bento Fleury

Aqueles anos felizes como em todas as famílias com suas reuniões, filhos crescidos, discussões, perdões, conselhos, efervescências, lutas, avanços, retrocessos passaram céleres. A doença e a morte a rondar a paz de todos, até a partida do esteio do lar, depois de longo sofrimento, deixando o barco a seu cargo. Marilda se fez forte, reuniu forças e seguiu seu caminho sem esmorecimentos. 

Já depois dos cinqüenta anos, voltou ao trabalho como pioneira do Arquivo Histórico Estadual de Goiás, a reunir e organizar, com a sua equipe, os documentos históricos de nosso Estado. Se temos uma pouca memória documentada, tudo devemos ao labor e ao seu esforço, com sua inteligência, sua sabedoria e seu apego à gênese de nossa formação cultural.

Produtiva, lúcida, coerente, sincera, verdadeira. Essa era a Marilda que eu conheci e amei. Se tinha a nos dizer algo, dizia. Franca e honesta, não poupava, às vezes, nem quem estava no poder. Mesmo entre os que ouviam suas verdades, o respeito imperava. 

Marilda e Wilson de Carvalho num carnaval em Goiânia nos anos de 1940 | Foto: Acervo de Bento Fleury

Herdeira de tantos dons intelectuais era de uma inteligência incomum para a escrita. Sabia declamar com eficiência e era excelente oradora e palestrante. Unia seu lirismo acentuado em poesia à profundidade da pesquisa. Seus trabalhos eram lúcidos, documentados e coerentes com a verdade dos fatos. Pena que os sofrimentos da vida tolheram sua produção numa época em que poderia colher muitos frutos!

Seus frutos pertencem à eternidade. Soube tolher mesmo suas poucas alegrias para ser útil e necessária na vida de tantos. Nunca cultivou egoísmos e, por isso, se doou inteira para que a alegria reinasse entre os seus. 

Produziu muito de pesquisa para o Arquivo Histórico Estadual de Goiás e também para o Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, bem como a Academia Trindadense de Letras, instituições a que era filiada.

Marilda, Wilson, filhos e netos na casa da Rua 20 em Goiânia | Foto: Acervo de Bento Fleury

Amou, amparou e acolheu os pais na velhice, o quanto foi possível. Amou, amparou e acolheu irmãos em todos os momentos. Auxiliou as tias já idosas, em suas dificuldades. Cuidou e foi enfermeira do esposo por tanto tempo. Cuidou e encaminhou filhos e depois netos. Sua casa era de todos, tudo que era seu pertencia aos que amava. Vivia na simplicidade para desgarrar-se de inúteis bagagens dos tempos finais.

Em 1966 ao lado de Maria Paula no lançamento do livro Sombras | Foto: Acervo de Bento Fleury

Ela, nos passos apressados pela luta da vida, pela correria e pela labuta em trabalhar muito já chegando aos 70 anos. Rápida, cuidava de todos os detalhes e nada passava da hora. Cuidava da casa, do serviço e da labuta, sem esmorecimentos. Batalhadora sim, mulher afeita à luta sem medo, por isso sua vida foi iluminada por Deus.

Batalhava durante todo o dia e às vezes durante a noite, no sono fugidio, parava para escrever. Produziu livros maravilhosos em parceria com as suas irmãs. Escreveu artigos para a Academia Feminina de Letras, Academia Trindadense de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de Goiás onde emprestava o brilho de sua invulgar capacidade. Era amada e admirada por todos por sua vida sempre notável em favor dos bens que jamais fenecem. 

Ela foi, no Arquivo Histórico Estadual de Goiás, o exemplo edificante de amor à pesquisa, ao trabalho e aos valores que não fenecem. Promoveu eventos, destacou o valor dos documentos, auxiliou várias cidades na conservação de acervos e foi útil enquanto foi possível. Era grande parceira das admiráveis amigas Mary Yázigi e Carmem Lisita. Aos jovens que trabalhavam no Arquivo era uma mestra e como mãe, puxava-lhes, às vezes, as orelhas. No seio familiar, era admiradora de sua tia materna, Mariana Augusta Fleury Curado (Nita) pelo também talento literário e pela produção de contos e novelas na imprensa goiana e pelo gênio igualmente lúcido e verdadeiro.

Admiradora incondicional do talento materno foi a incentivadora da carreira literária de Maria Paula Fleury de Godoy até o fim, sendo que sua mãe veio a falecer em sua companhia, no ano de 1982, em muitas de suas temporadas em Goiânia, assim como em Belo Horizonte, como também Maringá e Brasília.

Em Concepción no Chile, juntamente com Maria Paula, visitando o irmão Thales | Foto: Acervo de Bento Fleury

Em todas as vivências caminhava adiante, firmando-se em Deus e em si mesma, a cumprir obstinadamente suas obrigações ou as obrigações que carregou para si, que nem suas, de fato, eram. Mas quem pode julgar ao que amou? Quem pode avaliar o quanto amor havia no seu coração? 

Pelo bondoso coração dedicado a todos, trabalhou muito, trabalhou demais. Suas mãos, hoje, na presença do Pai, têm muito a dizer do que labutou pelo pão de cada dia e pela felicidade dos que amava sem reservas. Graças ao Pai também tudo isso passou e cada um tem suas cruzes para carregar, tal qual o Cristo, no solo ardente da dor. Descansou de fato, porque na vida não foi possível descansar!

Momento religioso de Marilda com o esposo e os filhos em Goiânia.

Releio agora as várias cartas guardadas que tenho de Marilda de Godoy Carvalho. São doces momentos de recordações, de momentos relegados ao nunca mais. Cartas quando da morte de minha mãe em 1992, da época do meu casamento e do nascimento de minhas filhas Elisa e Maria Paula. Cartas de momentos felizes ou não, mas sempre a força de sua palavra, Marilda, a me incentivar sempre adiante. São muitas as nossas cartas, dezenas delas, guardadas no escrínio afetivo. O prefácio do meu primeiro livrinho foi feito por ela. Em todos os momentos ela esteve sempre comigo.

Acompanhei de perto, no silêncio do meu coração, a tristeza do fim. Merecia uma velhice tranquila e serena, com seus livros e seus papéis velhos, suas lembranças e seus versos, suas amizades, seus escritos, suas pesquisas e nem mesmo isso foi possível desfrutar em profundidade. 

Nas vicissitudes da vida, a esperança da misericórdia divina, que jamais nos abandona.

Marilda em 1984 com seus tios maternos Mariana (Nita), Augusto da Paixão, Clarisse e Hermínia Fleury Curado | Foto: Acervo de Bento Fleury