Desde o século XIX a participação feminina no processo de desenvolvimento social e cultural em Goiás sempre foi relevante

Senhorinhas goianas, tipógrafas do Jornal Goyaz em 1899 | Foto: Acervo de Bento Fleury Curado

A participação feminina no processo de desenvolvimento social e cultural em Goiás sempre foi relevante. Desde o século XIX, com a fundação do jornal A Matutina Meiapontense em Pirenópolis em 1830, a mulher demonstrou interesse pelas perquirições intelectuais no legado de Honorata Minelvina Carneiro de Mendonça, que sob o pseudônimo de “A Apaixonada”, abriu campo para a voz feminina até então apagada de uma maneira geral.

O magistério foi outra atuação notável da mulher na Província de Goiás que, desde 1842 com a nomeação de Maria Romana da Purificação Araújo também propiciou o florescer de um trabalho de mérito, prosseguido por Silvina Hermelinda Xavier de Brito, Pacífica Josefina de Castro, Rita Sérgio Lacerda dos Santos, Maria Henriqueta Pèclat, Colombina Caiado de Castro para lembrar apenas as mais famosas da Capital do Estado, então, Cidade de Goiás, ao passo que, no interior, outras tantas fizeram história e se perpetuaram no tempo.

Ao sobrepor à linguagem corriqueira da casa, as mulheres goianas encontraram nos distantes dias de 1907, no jornal A Rosa um meio para a expressão das idéias que o espaço doméstico não lhes permitia discutir.

Apesar do meio e do tempo adverso ao florescer das jovens inteligências femininas, três mocinhas se destacaram em 1905 na produção de jornais manuscritos na velha capital do Estado: Maria Paula Fleury de Godoy (O Baumann); Anica Jardim (O coração) e Josefina Pinheiro de Lemos Mendes (O Fígado), sendo que o primeiro jornal manuscrito de Maria Paula Fleury aparece ao final desse projeto no original de mais de cem anos.

Em 1907, passou a circular na Cidade de Goiás o hebdomadário A Rosa, essencialmente literário e com boa qualidade gráfica em papel cor-de-rosa. O jornal nasceu do sonho do jovem Heitor de Morais Fleury (1889-1972), que mais tarde viria a ser o primeiro Juiz de Direito de Goiânia, um dos mais ferrenhos pioneiros da nova capital do Estado juntamente com sua esposa Josefina Caiado Fleury.

Eram colaboradoras de A Rosa: Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas (Cora Coralina), Alice Augusta de Sant´Anna Coutinho, Rosa Santarém Godinho Bello, Leodegária de Jesus, Illydia Maria Perillo Caiado e Judite Fleury. A maioria delas se escondia sob pseudônimo, por pudor ou receio do julgamento público. Seguindo o costume da época, esses pseudônimos eram em sua maioria, franceses.

Tendo por redator chefe o intelectual Josias Santana (Yoiô), A Rosa possuía boa qualidade gráfica, com vinhetas sugestivas. Seu título, em manuscrito, era emoldurado por rosas variadas.   Havia colaborações de literatos da época como Luiz do Couto, Eugênio Leal da Costa Campos, José Hermano, João d’Oliveira, J. Antunes, João Nascimento e até colaborações do Rio de Janeiro, como João de Lima, correspondente do Estado da Guanabara.

Mesmo assim, o jornal A Rosa circulou, conforme diário deixado por seu fundador, apenas em 23 números em 23 meses, de fevereiro de 1907 a janeiro de 1909, que marcou o fim do governo de Xavier de Almeida, pois logo aconteceria a Revolução Branca em que teria início o Caiadismo. Portanto, o Jornal A Rosa foi emblemático de uma era que se findou nos sertões do Brasil central.

Nos anos de 1910 a 1920 não houve imprensa essencialmente feminina no Estado de Goiás, apenas algumas participações de mulheres vilaboenses na Revista Feminina de São Paulo como Maria Paula Fleury de Godoy, Mariana Augusta Fleury Curado e Maria Adalgisa de Amorim Caiado, ou mesmo alguns artigos publicados no Jornal O Democrata por Jacinta Luiza do Couto Brandão Peixoto e Illydia Maria Perillo Caiado (Zizi) sobre o ambiente bucólico da Cidade de Goiás.

Merece destaque no alvorecer do século XX, a luta das mulheres para a criação de uma Academia de Direito, que ocorreu em 24 de fevereiro de 1903 conforme o grupo que propiciou apoio e fez questão de juntas assinarem a ata histórica: Rosa Santarém Godinho Bello, Noemi Lisboa de Castro, Ana Augusta de Morais, Iraídes de Oliveira Lisboa, Cândida Geraldina Bonsolhos, Augusta Sócrates Gomes Pinto, Rosa Macedo, Aquilina Gama, Cornélia Oekinghaus, Virgínia da Luz Vieira, Ermelinda Bromm, Araci Monteiro Artiaga, Erotildes Bonsolhos, Maria Geraldina Gonzaga, Rosa Britto e Nicoleta Bonsolhos.

O mesmo aconteceu treze anos depois quando se fundou a Faculdade Livre de Direito de Goiás instalada em 01 de julho de 1916, com a participação de mulheres pioneiras como Angélica Reis, Esmeralda dos Reis, Maria dos Reis Araújo, Maria Ayres do Couto, Mariana Pèclat, Maria Von Bentzen, Ana Maria Jácomo, Hebe Brandão, Maria Angélica da Costa Brandão, Diana Brandão, Maria da Glória Costa Oliveira, Carlota Ramos Jubé, Anita Fleury Perillo, Maria Martins Marques, Angélica Pinheiro de Lemos, Araci Monteiro, Rosa Santarém Godinho Bello e Genezy de Castro.

Outro triunfo feminino também ocorreu com a formatura da primeira turma da Faculdade de Farmácia e Odontologia de Goiás em 25 de dezembro de 1924, em que três mocinhas se tornaram pioneiras nesse setor como Anita Fleury Perillo, Belisária da Costa Campos e Laurinda Seixo de Britto de Oliveira Moura.

No ano de 1925, um grupo de senhorinhas goianas, arregimentadas por Oscarlina Alves Pinto, a Calita, poeta residente no Largo do Chafariz da Cidade de Goiás, levaram adiante o sonho de se fazer um jornal feminino, sutil e delicado, sem ataques ou contestações ao regime da época, puramente literário, que se incumbisse ser um documento da inteligência da mulher goiana nas primeiras décadas do século XX. Esse sonho concretizou-se com o surgimento de O Lar, cujo nome lembrava o ambiente doméstico, ao evidenciar que um jornal feminino falaria de coisas da casa, de “assunto de mulheres”.

Mas muito esforço foi necessário da concepção à elaboração do jornal. Somente em setembro de 1926, é que teve inicio sua circulação na Cidade de Goiás, impresso na tipografia de Caetano Alves Pinto, também proprietário do Bar da Lapa. Caetano faleceu muito jovem e, depois de sua morte, sua irmã Oscarlina Alves Pinto (1885 – 1949) assumiu a tipografia e passou a produzir, ela mesma, o jornal.

Oscarlina era natural de Goiás, onde sempre viveu no antigo Largo do Chafariz. Era uma moça culta, refinada, “nostálgica e cismarenta” como foi definida pela escritora Célia Coutinho Seixo de Britto. Além de ser diretora e fundadora do jornal O Lar, Calita foi também cronista desse jornal, com muitas produções hoje esquecidas. Soube trabalhar com muito afinco para a concretização de seus sonhos, chegando a ser tipógrafa e entregava o jornal pelas ruas da antiga capital, fazendo todo o esforço para que o seu sonho não fenecesse.

Outra assídua colaboradora de O Lar foi Maria Ferreira de Azevedo Perillo (Lilia) que nasceu em 1906 e faleceu em 1994, também de tradicional família goiana, filha do professor Francisco Ferreira dos Santos Azevedo e Virginia de Araújo Godinho. Suas crônicas em grande maioria tinham uma temática histórica sobre Goiás. Como ela, Altair Camargo de Passos escreveu crônicas de grandes sensibilidades para O Lar, bastante louvadas por outros intelectuais da época. Foi ela uma das primeiras motoristas de automóvel na antiga capital, casada mais tarde com o vilaboense Luís Sabino de Passos.

Uma testemunha dos tempos de O Lar foi Laila de Amorim, que nasceu em Goiás, em 1902 e faleceu em 1996, residindo toda a sua existência na mesma casa no Largo do Chafariz, ao lado de suas irmãs Dinah, Diva e Darcília de Amorim; notáveis cantoras líricas da Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte. Filha de Luís Astholpho de Amorim e Rosa Amélia Sócrates, ela fez seus estudos no Colégio Santana de Goiás, tornando-se professora, jornalista e colaboradora de O Lar.

Floracy Artiaga Mendes, filha do historiador Zoroastro Artiaga e Araci Monteiro Artiaga, também foi cronista de O Lar, além de professora na Escola Normal Oficial e grande oradora em momentos cívicos de Goiás, que faleceu em Brasília no ano de 1978, deixando ainda grande colaboração na Revista de Educação, quando esta era dirigida pela educadora Amália Hermano Teixeira (1916-1991).

Maria Carlota Guedes de Amorim (Neném Guedes) foi pioneira do colunismo social em Goiás, seguida de Mariana Augusta Fleury Curado, que foi a primeira da nova Capital. Poeta e cronista, ela registrou os principais eventos sociais que marcaram a vida da velha capital, nos anos 20 com um português muito elaborado e termos eruditos, assim como sua irmã poeta, Indalícia Guedes de Amorim Coelho (Zitinha).

Colandy Garcia, Lucila Loyola e Graciema Machado de Freitas (1905 – 1985), também foram grandes colaboradoras de O Lar. Graciema era natural de Jaraguá, e tornou-se uma das mulheres de maior destaque nas ciências, letras e artes nos anos 1920 a 1940, quando chegou a receber elogios do historiador Americano do Brasil e a ser noticiada nos grandes jornais do Rio e São Paulo. Grace Machado, mulher do político Clotário de Freitas, integrou-se à Academia feminina de Letras. Lamentável que suas crônicas e estudos tenham ficado perdidas nas páginas amareladas dos jornais do passado.

Outra mulher de grande destaque nas letras goianas, também colaboradora de O Lar foi Maria Paula Fleury de Godoy (1894 -1982) filha de Augusta de Faro Fleury Curado e Sebastião Fleury Curado, ambos escritores. Natural do Rio de Janeiro iniciou nas letras em 1907, aos 13 anos, com um jornal manuscrito intitulado O Baumann. Foi colaboradora do jornal Fon Fon e do Jornal das Moças, no Rio de Janeiro, e colaborou também na Revista Feminina, de São Paulo, com grande destaque na época.

Em 1926, seu poema Velha Casa foi recitado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro pela deceuse Eugênia Álvaro Moreyra, dando início ao modernismo goiano, ao lado do poeta Leo Lynce. Maria Paula foi a primeira mulher goiana a obter divulgação nacional. Em 1923 casou-se com o advogado e político Albatênio Caiado de Godoy quando se tornou pioneira de Goiânia e, mais tarde, de Brasília. Deixou extensa obra: Sombras, Velha Casa, Suave Caminho, A Longa Viagem, A Viagem de Nancy e Realidade e Sonho.

Escritora de romances de costumes, a vilaboense Armênia Pinto de Souza, nascida em 1910 e falecida em 2004, também colaborou, quando jovem de 19 anos, nos números finais do jornal O Lar. Era filha de Augusta Sócrates Gomes Pinto e João Odilon Gomes Pinto. Pioneira de Goiânia, e membro da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, além de suas contribuições em jornais, tem os seguintes livros publicados: Mariana, uma História de Vida, A Saga dos Pioneiros, Um Anel de Esmeralda, A Estrela Cadente e O Romance de Elisa, O elo partido e O buriti do sereno.

Entre as colaboradoras de O Lar não pode ser esquecida a professora Ofélia Sócrates no Nascimento Monteiro (1900 – 1986). Formada pela Escola Normal do Brás, em São Paulo, publicou, em 1933, o primeiro livro didático autenticamente goiano – Goyaz, Coração do Brasil. Historiadora, também escreveu Como Nasceu Goiânia e Reminiscências. Professora, foi por muitos anos diretora da Escola Normal Oficial de Goiás, depois Instituto de Educação de Goiás. Pioneira de Brasília faleceu na capital federal e foi Sócia da AFLAG.

O quadro de colaboradores do jornal O Lar também contou, em seus primórdios, com Olga Sócrates do Nascimento. Ela morreu muito jovem, deixando filhos pequenos, que foram criados por sua irmã Ofélia.  Gés de Souza (corresponde de O Lar do Rio de Janeiro) e Lili Rossi, de Piracanjuba e depois do Colégio Santa Clara, também colaboraram no jornal com suas crônicas.

Genezy de Castro e Silva (1908-2006) foi um dos maiores destaques do Jornal O Lar. Assumiu a direção do jornal nos últimos anos e manteve acesa a chama do mesmo, integrando-se ainda aos 19 anos ao corpo de direção do hebdomadário, ao partilhar suas atividades com o Gabinete Literário Goiano na sua fase mais áurea em que teve apoio de Consuelo Ramos Caiado, Anita Fleury Perillo e Argentina Remígio Monteiro. Lamentável também que suas crônicas não tenham sido reunidas em livro, ficando seus trabalhos no ostracismo e desconhecidos do público de hoje.

Ao contar com grande número de colaboradoras esparsas como Ondina da Cunha Bastos Albernaz que, mais tarde publicou seu livro de memórias, O Lar constituiu-se no registro do pensamento feminino no final da República Velha em Goiás, período de grandes transformações em todo o país.

Com suas oficinas gráficas instaladas na Rua Moretty Foggia, nº 23, na velha capital, O Lar circulava em tamanho tablóide, com bela impressão devidamente corrigida. Sua assinatura era de 10$000. Além da literatura e dos assuntos sociais, relatados por Neném Guedes, o jornal contava com a coluna Fora do Lar, dedicada a assuntos variados.

Literário e noticioso, O Lar não contestava. Era sutil e delicado. Em cada crônica ou poema havia sempre um halo de lirismo, uma sensibilidade aflorada e latente, demonstrando a alma nostálgica do vilaboense, amante da cultura e das artes, registrando em tempo de ilusões e de sonhos.

Apesar disso, O Lar retratou a ebulição social da velha capital do Estado, os carnavais, as tertúlias, os encontros, os saraus, as festas familiares, as soirées roses e os casamentos, os namoros, os famosos bailes da caridade encetados por Brasil Di Ramos Caiado.

Em suas páginas foi registrada, também, a participação pioneira da mulher nos esportes em Goiás, quando se criou a Liga Feminina de Propaganda Esportiva, composta pelas jovens: Altair de Castro Caiado, Maria Carlota Guedes, Yêda Sócrates, Maria Augusta Rocha Lima, Altair Camargo, Armênia Sócrates e Floracy Artiaga.

O Lar estampou o pensamento feminino em ascensão nos anos 20, mais do que um simples jornal, foi a coroação dos esforços de gerações e gerações de mulheres destemidas e arrojadas, fortes e resolutas que abrilhantaram os últimos anos da cidade de Goiás na condição de capital do Estado.

Foi o canto de cisne das mulheres pioneiras da antiga capital, cidade de vasta cultura, opulenta e progressista, que se perdeu no tempo, mas que marcou, naquela ditosa quadra, a pulsação da arte feminina sob o signo da sensibilidade.

Centrado numa perspectiva de revivescência histórica, o presente trabalho buscará retirar do ostracismo a produção feminina vilaboense nos primeiros anos do século XX, esquecida de uma maneira geral.

Buscou-se, assim, identificar a produção literária e histórica das mulheres da cidade de Goiás nos jornais A Rosa e O Lar, ao inserí-las dentro da problemática do Brasil de então,na identificação de traços de influência com o tradicionalismo e requinte que imperou então no Brasil com a bele époque.

Nesse período, o significado de cultura e de requinte foi influenciado no Brasil e em Goiás pelos elementos que marcaram de forma profunda a sociedade burguesa européia e sua vivência peculiar.

A necessidade premente no pós-república de uma consciência desvendante de si mesma, a sociedade buscava firmar-se no padrão de beleza e de finesse, de glamour e de elegância, evidentemente copiados do modelo francês no falar, no vestir, no escrever, no pensar e no agir. A sociedade – e principalmente a mulher – tornou-se alma plena de afetação e distanciamento com a realidade brasileira, como o caso do jornal A Rosa e O Lar.

Na literatura do fin-de-siècle eivada pelo simbolismo de inspiração notadamente francesa, ajustou-se aos fundamentos da bèlle èpoque, surgida após a grande depressão do alcunhado decadentismo.

Fruto de um capitalismo ocidental, a bèlle èpoque primava pela sofisticação artística e intelectual, espécie de emblema do status social a que o escritor – geralmente um pequeno burguês – afidalgava-se aos olhos do público. E com a mulher mais ainda, pois a escrita dava-lhe um requinte e ao mesmo tempo um reconhecimento.

Assim, chegava ao Brasil os reflexos da bèlle èpoque, marcando o prenúncio de uma consciência de vida social calcada nas possibilidades geradas pela modernidade (telefone, telégrafo, energia elétrica) e uma retomada do tradicionalismo arraigado à força dos nomes de famílias, hábitos aristocráticos de um grupo diminuto, porém, detentor da hegemonia política, social e cultural, freqüentador dos salões com seus saraus, tertúlias, conferências, chás e jantares, ao formar a noblesse citadina, no mais fino requinte à francesa.

Mesmo na antiga capital de Goiás, perdida entre as cordilheiras em pleno coração geográfico do Brasil tal fato aconteceu por meio da fina sensibilidade da mulher goiana!