1960: Goiás há sessenta anos
12 agosto 2022 às 18h25
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Era o limiar de uma nova era; de novos conceitos, atitudes, modismos, transformações que colocariam o ser humano em outro patamar. Marcava o declínio da era do rádio. As emissoras de televisão iam, aos poucos, no ganho de espaço na assimilação dos profissionais das rádios e dos circos, sucessos de outrora.
Mesmo assim, o “Programa César de Alencar” ainda tinha audiência garantida. Não havia ainda novela de televisão que, a partir de 1964, com “O Direito de nascer” iria prender todo o povo brasileiro na tela da TV, com os lacrimosos dramalhões de filhos sem pai e traições, com mocinhas inocentes, a sofrerem, torturadas nas mãos de nefastos vilões. Mas, havia no horário nobre naquele ano o insuperável “Rin-tin-tin” que era sucesso absoluto, 65 pontos no ibope!
Em 1960, o Brasil era descontraído, aberto, democrático, alegre, mesmo que com tantas diferenças regionais, em crescimento constante, com uma inflação em torno de 47,5% e o déficit cambial em torno dos 250 milhões de dólares.
A imprensa era livre e o Correio da Manhã, a Última Hora, de Samuel Wainer e o grande império de Assis Chateaubriand, imperavam. A Revista Cruzeiro era a grande vedete desse ano, seguida de perto pela Revista Manchete; ambas propagandistas da construção e do sucesso de Brasília aqui no coração da pátria.
Os grandes temas de 1960, além da construção da nova capital no interior do Brasil, foram o assassinato de Ayda Cury e o rumoroso caso do Tenente Bandeira, ambos protagonizados por Tenório Cavalcanti, uma verdadeira saga explorada passo a passo pela imprensa e que a população seguia com avidez; que ontem como hoje, o povo é louco por escândalos.
Sensacionais eram as crônicas de Millôr Fernandes “O pif- paf” e as reportagens de David Nasser, com fotografias de Jean Manzon, além das crônicas da última página da Cruzeiro, assinadas por Rachel de Queiroz. Insuperável também o “Amigo da onça”. Quem, hoje, disso se recorda?
A política em 1960 fervia e nesse grande caldeirão estavam interesses múltiplos. Era o fim do mandato de JK e em outubro desse ano houve rumorosa eleição protagonizada por Teixeira Lott, do PSD e Jânio Quadros da UDN. Nem mesmo o verbalismo exagerado do General Lott conseguiu derrotar Jânio e sua infalível vassoura.
O general Teixeira Lott, numa reunião com pecuaristas de Goiás, cometeu uma das gafes mais ridículas da história. Explicando sobre as partes nobres dos bois (como se os pecuaristas disso não soubessem) encontrou uma solução lógica para a grave questão da exportação da carne brasileira. Assim ele sentenciou para centenas de convidados: “A solução para o Brasil é ficar com a parte dianteira e dar o traseiro para o resto do mundo”. O salão veio abaixo de tantas gargalhadas.
Coadjuvado por Carlos Lacerda, que era candidato a primeiro governador da Guanabara, Jânio Quadros defendia uma moralidade excessiva que se verificou nos seus sete meses de governo, pleno de bilhetes e recados. Nas brigas políticas de 1960 muitos faziam o retrato perfeito de Jânio Quadros: “um híbrido perfeito de Hitler com Macunaíma”. Havia doze partidos políticos naquele saudoso 1960: PSD, PTB, UDN, PRP, PSP, PSB, PL, PST, PR, PTN, PRT e PDC. Mas, foi mesmo Jânio Quadros com a sua indefectível vassoura, que alçou vôos mais altos rumo a Brasília, com nada mais, nada menos que seis milhões de votos!
Em 1960 a mulher era ainda muito vigiada. As que fumassem em público eram massacradas e as que entrassem em carros de estranhos logo perdiam o nome e ganhavam apelido.
Claro, poucos eram os que tinham carro, mas esta situação mudava drasticamente. 400 mil brasileiros tinham carro, numa população de 70 milhões. Famosos eram os Morris, Packard, Austin, Vanguard, Volvo, Plymouth, Ford-49, Chevrolet conversível. Insipiente a princípio, os modelos nacionais ganharam espaço com o DKW, o Dauphine, o Simca e o Romi-isetta, que parecia uma tartaruga com os seus dois lugares; fazia sucesso entre os que podiam comprar.
Nesses carros se fazia a “paquera”, era coisa “supimpa” quando se achavam muitos “brotos”, até mesmo “brotos lindos de morrer”. Isso era “o fino”. (Que língua é essa, hem?). Não havia motéis e muitos hotéis pediam aos casais mais afoitos a certidão de casamento.
Sorte é que, justamente em 1960, a pílula havia sido liberada nos Estados Unidos, mas o azar é que não havia ainda tanta rapidez dos importados entre nós…
Os homens mais importantes do mundo em 1960 eram Kennedy, Krushev e João XXIII. Havia guerras violentas na África pela libertação, criando o heroísmo em Lumumba, no Congo, mais tarde traído e assassinado. Depois do suposto romantismo da revolução de Sierra Maestra em Cuba, começava o traumatizante processo socialista local.
No Vietnã nascia o Viet-Cong; que manchava de sangue os anos seguintes. O Brasil se escandalizava com as cenas de sexo do filme Les Amants, com Jeane Moreau. Foi sucesso nesse ano La dolce vitta (com aquela inesquecível cena da Fontana de Trevi!) e Orfeu da Conceição, este, do nascente cinema brasileiro.
Símbolos sexuais em 1960 eram mulheres que tinham recheios. Nada dessa magreza esquelética de hoje, verdadeiros feixes de ossos ambulantes, que arrancam até costelas para afinar, com sites (vejam o absurdo!) que ensinam a comer e vomitar.
Mulher naquele tempo era a “boazuda” com seios fartos e aqueles sutiãs com armação de ferro para levantar tudo e ancas tipo Sofia Loren, Janne Masfield, Lollobrigida, Marilyn Monroe e mesmo no Brasil, havia o culto às mais gordinhas, com as vedetes do “Tem bububu no bobobó”, sendo que – pasmem! –Wilza Carla foi eleita a Rainha da beleza e do carnaval carioca em 1960 com 350 mil votos. Bons tempos…
O modelo ainda era a saia balão e vestidos rodados sempre abaixo do joelho. A mini saia só viria dois anos depois. Nas praias e piscinas já aparecia o maiô de duas peças, primeira versão do biquíni.
Havia euforia porque em 1960 éramos campeões mundiais de basquete. Eder Jofre era o campeão mundial de boxe e o Santos nos fizeram campeões mundiais inter-clubes. Graças a Pelé, éramos pela primeira vez, campeões mundiais de futebol.
O Presidente JK, alcunhado de “Presidente Bossa Nova” por Juca Chaves, era um homem alegre, seresteiro, dançarino e amigo da prosa, como todo mineiro. Era, porém apressado, querendo concretizar seus 50 anos em 05.
O lema era fazer: fazer Brasília, fazer a indústria automobilística, fazer a Belém-Brasília, fazer o Brasil andar. Com isso a dívida cresceu muito. Ninguém ainda sabia que a Terra era azul. Só um ano depois Gagarin diria isso. Estávamos no auge da conquista do espaço e o cinema americano tirava vantagens disso até mesmo nos desenhos animados.
JK assumia uma política moderna para a época, ao trazer uma imagem do governo de Minas Gerais como homem avançado. Com um sorriso sempre permanente, dirigia o eleitorado em tom coloquial, ao aposentar definitivamente o formalismo dos antigos coronéis. Percorreu, enquanto candidato, todo o país em centenas de comícios e em todos eles impôs a sua marca de confiança e alegria. Até mesmo da briga com o Presidente Café Filho fazia ele os seus trocadilhos quando inquirido pela imprensa, exortava: “Só tenho dois problemas: com o café vegetal e o café animal”.
Chique era ter em casa um sofá-cama com molejo duplo e revestimento color fair e ouvir bossa nova com seu ritmo diferenciado dos antigos boleros latinos dos anos de 1950 numa vitrola de móvel com pé de giz. Até mesmo as divas do rádio haviam chegado ao final. Da disputa entre Marlene e Emilinha Borba pouco se comentava. Sucesso em 1960 era Dóris Monteiro com sua voz quente e macia, quase confidencial, completamente diferente dos vozeirões de Linda e Dircinha Batista, antigas divas, as preferidas de Getúlio Vargas. Ainda havia muita saudade de Dolores Duran, desaparecida tão moça um ano antes, 1959.
Em 1960 apareceu o videoteipe. Era um avanço até então absurdo. À noite, a televisão agregava a família assistindo I love you Lucy, Bat Masterson, Bonanza, enlatados americanos. Silvio Santos fez sua estréia na televisão, ao mesmo tempo que Abelardo Barbosa, o Chacrinha. Em 25 de novembro de 1960 foi inaugurado em São Paulo, cidade alcunhada de “a Detroit brasileira” e “a cidade que não pode parar”, o Primeiro Salão do Automóvel do Parque Ibirapuera. Era a indústria brasileira que evidenciava o seu valor, numa cidade maravilhosa como São Paulo que acolheu o Brasil inteiro.
Tudo passou e o tempo sepultou todas as coisas vividas nesse ano, boas e más, e, tudo acabou no fadário humano da transformação. “Se tudo passou, se tudo acabou há de o sonho ficar”, assim cantou Dick Farney em 1960.
Goiânia era uma jovem capital de um pouco mais de vinte anos. Vivia uma atmosfera de crescimento acelerado, com modificações que iam pouco a pouco a insuflar a vida das pessoas. A juventude aspirava mudanças, transformações e uma vida diferente. Era o tempo em que a cidade teria sua marca de identidade na vida das pessoas. Na Rádio Clube de Goiânia havia vasta programação, assim como os primeiros programas de televisão.
A vida parecia mais doce (será?). Sempre, nessa nostalgia de passado, as coisas pareciam melhores. Mas sempre houve injustiças, sofrimentos e enfrentamentos nas lutas da vida.
E lá se vão sessenta anos…