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O amor de Calligaris

Psicanalista italiano, radicado no Brasil, relança obra que escreveu para desvendar os mistérios da nação por quem ele caiu de amores e estranhamento, quando pisou em seu solo pela primeira vez na década de 1980 [caption id="attachment_110241" align="alignnone" width="620"] Contardo Calligaris tenta compreender o Brasil olhando ao redor, conjugando línguas, sacando as armas das referências, as técnicas psicanalíticas, como se tivesse um sujeito no divã[/caption] Ler Contardo Calligaris, colunista da “Folha de S. Paulo”, é interessante porque, além de psicanalista, ele é um cidadão do mundo, com pelo menos quatro cidades incríveis girando em sua alma: Milão, Paris, São Paulo e Nova York. São, portanto quatro países, quatro línguas, quatro culturas, com todos os tipos desfilando em seu imaginário, de onde ele tira experiências e relatos para analisar situações. Não é interessante? Em “Hello, Brasil! e outros en­saios: psicanálise da estranha civilização brasileira”, segunda edição do li­vro publicado originalmente em 1991, agora saindo pela Três Estrelas (2017, 296 páginas), com acréscimo de alguns novos textos, ele parte da ideia de co­nhe­cer o Brasil pela psicanálise. Vai tentando compreender por que se prendeu à nação tupiniquim, tão estranha e atraente, desde que pôs o primeiro pé em seu solo, a partir do primeiro encontro, do primeiro choque e toques melífluos. Faz isso olhando ao redor, ou seja, comparando culturas, conjugando línguas, sacando as armas das referências, as técnicas psicanalíticas, como se tivesse um sujeito no divã. E não é difícil imaginar tal figura, afinal, a letra do Hino Nacional Brasileiro já coloca o país como um cabra gigante, e meio preguiçoso, “deitado eternamente em berço esplêndido”, pronto para mergulhar no ouvido de um psicanalista. E eis que surge Calligaris, formado, nos anos 1970, na Escola Freudiana de Paris (que, apesar do nome, o nome do Pai, é “a escola de Lacan”, conforme lembra o autor). Colono e colonizador Nos 18 textos publicados neste livro (contando o prefácio extremamente elucidativo), Calligaris analisa o Brasil a partir de elementos fulcrais como a escravidão, a imigração, o modo como se trata a infância, o gozo, a figura do pai (tema caro à psicanálise), a violência, a discriminação social, e uma série de termos do ofício. Trata-se de uma jornada intelectual a partir do olhar, do ouvido, do sentir de um estrangeiro, que hoje não seria capaz de falar tal como o fez naqueles tempos porque já se sente um entre nós. Seu primeiro texto, “Este país não presta”, dá o tom da conversa, dividindo a personalidade brasileira em duas características basais: a do colono e a do colonizador. Segundo Calligaris, o colonizador “é aquele que veio impor sua língua a uma nova terra”, e, longe do pai, sentiu-se no direito de fazer o que bem entendesse com essa terra, manejando-a “como se possuísse o corpo de uma mulher e gritasse ‘goza, Brasil’, esperando seu próprio gozo em que a mulher, esgotada, se apagará em suas mãos – prova definitiva da potência do estuprador.” O colono é “quem, vindo para o Bra­sil, viajou para outra língua, abandonando a sua língua materna” (mesmo os portugueses), que já não o reconhecia como sujeito, e vem à procura de uma nova pátria. O colono é quem deixou a velha identidade para trás e não consegue se construir como novo sujeito numa terra dominada pela selvageria da elite estupradora. Essa desconjuntura de alma é o Brasil. E não é o tipo de coisa que muda de uma década para outra. É uma observação psicanalítica à luz da história. Essa metáfora está com todas as portas abertas, e podemos entrar nela para ver de perto o que ocorre. Ainda hoje, quando alguém deixa de ser ‘colono’ e vira ‘colonizador’, transforma-se numa espécie de estuprador. Os criminosos presos na Ope­ração Lava-Jato (empresários e políticos) são exemplos disso. Os que eram pobres ou da classe média ganharam muito dinheiro assaltando os cofres públicos (estuprando a nação), mas sempre ignoraram as ferramentas políticas que transformariam a sociedade como um todo. Os que já nasceram ricos, laboram, conspiram, corrompem para ficar mais ricos, instrumentalizando o Estado. Quem um dia se atrever a escrever a história do enriquecimento no Brasil, não se surpreenderá ao perceber que as grandes fortunas foram construídas sempre coladinhas à máquina do Estado, sem contrapartida alguma aos que lhe servem na base da pirâmide. Outro exemplo é o de quem é da periferia (colono), ganha dinheiro e vai para o centro (colonizador), e passa a ter horror da periferia. Um país assim, com essa dupla personalidade, não muda nunca. Até na sensível discussão racial, vemos negros (colonos absolutos, arrastados à força para o cativeiro passado) que, ajoelhados emocionalmente diante do cinismo racista, porque quer se aliar à elite branca, racista (colonizadora), ou já se aliou, nega a existência do racismo. Haja divã. No longo prefácio para a nova edição, Calligaris já deixa claro que entender o Brasil, por meio do que ouvia, via, lia e sentia dos cidadãos e do modus vivendi, era também uma maneira de entender a si mesmo. Era um modo de compreender em que mundo se encaixava e como se estruturava esse mundo que ele queria para si. Ele queria talvez entender a razão mais profunda de sua vontade de deixar Paris, onde morava e tinha consultório, e vir para o Brasil, em 1989, onde passou a viver (com um hiato de dez anos entre 2004 e 2014, quando viveu em Nova York). Segundo Calligaris, “para quem fala mais de uma língua, cada uma delas talvez permita uma neurose diferente”, e “mudar de língua e de país pode ser um jeito, não de se curar, mas de mudar de neurose.” Talvez essa observação tenha saído dos manuais de psicanálise, mas talvez o autor tenha compreendido isso ao analisar o Brasil, ou no processo de criação do livro, propriamente, revendo conceitos, evocando memórias, aprimorando o conhecimento de si mesmo. Afinal, ele próprio diz: “Este foi o livro em que me analisei na hora em que decidi me mudar para o Brasil.” Neste sentido, a terapia serviu mais para o terapeuta, pois o amor se manteve. Talvez o livro de Calligaris mereça ser lido com mais atenção. Talvez no corpo do texto haja uma resposta para a seguinte pergunta: como se insere o eu calligariano interessado nesse corpo estuprado, violado, abusado? Por que o ama de paixão, em vez de sentir pena?

Meu dia por um abraço: a humanidade sofre quando a ocitocina falta

Demonstrações de carinho mais constantes poderiam evitar infelicidades, depressões e até crimes? A fisiologia dos hormônios induz a pensar que sim

Rodrigo Caio, corrupção e sociedade: a Lava Jato segue, mas apertada pela malandragem instituída

O futebol tem muito mais a ver com a política e com o País do que mostram as listas de empreiteiras

Brasil não entendeu que é um país de velhos e, por isso, não aceita a própria velhice

A população de idosos cresce de maneira acelerada, mas nem o governo nem a sociedade se prepararam para isso e, agora, relutam em admitir que o país não pode continuar assim

Família “estruturada” não é uma questão de tipo, mas de autoridade

É possível que uma criança viva sem pai ou sem mãe. Ou criada pela avó. O que não pode acontecer é que ela cresça sem uma referência a quem se dirigir

Cultura do estupro: quem bebe cerveja e faz xixi sentado depois?

A bifurcação dos caminhos de um menino alemão e um brasileiro em relação ao mundo feminino começa já com a forma com que é exposto a simples comerciais de bebida

Meu reino pelo “S” do iPhone 6: o hiperconsumo na era do “cada vez mais”

É surreal pensar que o capitalismo se torna mais e mais um escravo de si mesmo. Mas uma hora essa roda viva vai precisar parar de girar

Já não nos chocamos mais com a violência e os escândalos?

Parece que os brasileiros passaram a considerar “tudo normal”, desde os crimes contra a vida até os episódios de corrupção que se tornaram rotina no País

Para amar de verdade, é preciso ser muito homem. E então se tornar feminino

Com a revolução sexual, a mulher aprende a gozar e o homem passa a amar. Ocorre que o amor é um jogo que pode ser muito mal jogado — e no qual o ser masculino é apenas aprendiz

Água e energia: ou o brasileiro aprende a consumir ou é só esperar pelo caos

Se há uma boa notícia em todo o difícil cenário hídrico e energético atual, é a de que crises dão oportunidade de acelerar a mudança de hábitos. Gestores e cidadãos precisam aproveitá-la

Só a indústria da multa garante a civilidade

Não temos mais tempo para esperar a conscientização espontânea do cidadão. É preciso que rigor na punição do bolso para garantir a qualidade de vida coletiva

Goiânia Drag City: a incrível moda dos meninos que se vestem de meninas

Com ares pop e conquistando cada vez mais adeptos, o mundo das drag queens invade festas da capital, questionando preconceitos dentro da própria comunidade gay

Por que a ignorância é e sempre será vizinha da maldade

Pesquisas mostram que cada um de nós tem um potencial de violência muito maior do que pode imaginar. O que fazer quando a gente se pega fazendo o mal? artigo_jose maria e silva.qxd Elder Dias Em Goiânia, uma série de assassinatos, aparentemente sem motivação e praticados por alguém (ou “alguéns”) conduzindo motos, vitimam mulheres desde o início do ano. A situação impressiona de tal maneira que chegou-se ao ponto do levantamento de uma suspeita, investigada agora pela polícia — que durante muito tempo descartou essa possibilidade —, de estar em curso a ação de um serial killer na cidade. O terror se espalhou entre as mulheres, especialmente as que se encontram em locais abertos, como ruas, praças, lanches ou pontos de ônibus. Daí vem a exemplificação número 1 da maldade. Como se diz popularmente, “não se fala de outra coisa” em Goiânia. Aproveitando-se do estado de espírito recheado de tensão, certos condutores de moto, ao avistarem mulheres sozinhas, ou em pequenos grupos, passaram a diminuir a velocidade ou até parar seu veículo perto e fazer a menção de retirar alguma coisa do bolso, como o celular. É o que basta para muitas delas se assustarem e até correrem, em pânico. Um amigo, relatando um das cenas que viu, disse que uma mulher chegou a tropeçar em frente a um restaurante, em fuga desesperada depois de ser vítima do trote. Em 7 de junho, às vésperas da Copa do Mundo, o ex-jogador Fernandão, que começou sua carreira no Goiás, tornou-se capitão do Internacional campeão mundial em 2006 e é idolatrado pela torcida do time gaúcho, morreu em um acidente de helicóptero em Aruanã (GO), às margens do Rio Araguaia, onde costumava descansar. A tragédia com o ex-jogador comoveu o mundo do futebol em geral, mas principalmente os torcedores do Inter, onde se deu o auge de sua carreira e sua figura é lendária. Vem então a maldade em uma exemplificação número 2. No domingo, 10, primeiro clássico Gre-Nal após a morte do ídolo do arquirrival, os torcedores gremistas, cercados pela maioria de colorados no Beira-Rio, entoaram um grito, como provocação: “Ô, o Fernandão morreu, o Fernandão morreu, o Fernandão morreu!” A manifestação debochada de algumas dezenas de torcedores no estádio — que causou repulsa severa até mesmo à diretoria do Grêmio — não passou despercebida pela viúva do atleta. Mãe de três filhos, Fernanda Costa presenciou o fato e depois postou seu comentário sobre o acontecido em redes sociais. “Fiquei triste, porque meus filhos estavam lá [no estádio], era o primeiro Gre-Nal deles, e era Dia dos Pais”, publicou. Nesta quarta-feira, 13, o candidato à Presidência da República Eduardo Campos (PSB) morreu em um acidente em Santos (SP), depois de seu avião ter problemas na aterrissagem no Guarujá, município vizinho do litoral paulista, e o piloto ser obrigado a arremeter. A aeronave caiu no bairro Boqueirão, sem deixar sobreviventes entre seus sete ocupantes. Exemplificação número 3 da maldade. Menos de uma hora após a tragédia ser confirmada pelos noticiários, banners virtuais se espalhavam pela internet ligando com sarcasmo a presidente Dilma Rousseff (PT) à morte do concorrente. “Mandei derrubar mesmo. E se reclamar derrubo o do Aécio [Neves, candidato do PSDB]”, dizia a frase em uma foto da petista com a faixa presidencial. Muitas piadas de humor duvidoso surgiram instantaneamente na web. Uma delas: “Outra má notícia: o avião da presidente Dilma posou com segurança em Brasília”, que teve variações incluindo o nome de Aécio e também o do governador Marconi Perillo (PSDB). Na rua, no estádio ou na rede social, ou em uma rodinha entre amigos, quando ocorre algo do tipo a reação de boa parte é tomar o fato pela graça que enseja. Com humor, convencionou-se que tudo pode e tudo é permitido — e daí foi grande a crise que ocorreu quando do caso em que Rafinha Bastos, então no “CQC”, disse que “comeria ela e o bebê”, ao comentar a notícia de que a cantora Wanessa Camargo estaria grávida. O resultado não foi engraçado para o humorista: um processo e uma condenação na Justiça, em primeira instância, para pagar uma indenização de R$ 150 mil. Mas a maioria das maldades feitas sob a guarida do humor passa longe da penalização. Na verdade, ninguém nem mesmo pensa que elas possam, ou devam, ser punidas. Então, a base para que esse tipo de conduta maligna — sim, é um contrassenso achar que maldades, mesmo as que consideremos pequenas, possam ser benignas ou mesmo não neutras — prolifere é o mesmo de todas as outras violências: a impunidade.

Constatações científicas
Pesquisas mostram que cada um de nós tem um potencial de violência muito maior do que pode imaginar. Alguns estudos são clássicos. Na década de 60, o norte-americano Stanley Milgram desenvolveu um trabalho que verificou que o ser humano é capaz de, submetido a uma autoridade, afligir dor a seu semelhante até níveis insuportáveis, no que ficou conhecido como a Experiência de Milgram. Seu compatriota Philip Zimbardo pôs universitários voluntários numa instalação que simulava um presídio, dividindo-os aleatoriamente entre guardas e presos. Em pouco tempo, os primeiros transformaram-se em guardas violentos e sádicos; os últimos, em prisioneiros perturbados. O experimento rendeu o livro “O Efeito Lúcifer: Entendendo como Pessoas Boas se Tornam Diabólicas” (Record, 759 páginas). Enfim, ambos demonstraram que mesmo o mais tranquilo dos homens cometeria atos horripilantes, caso recebesse ordens para tanto ou estivesse em ambiente propício. Outros estudos veem pessoas que agem de forma violenta por uma questão de hierarquia não apenas movidas por uma obediência cega, mas também por demonstrar satisfação ao realizar atrocidades. Quem é capaz de crueldades não seria, portanto, só um ser passivo diante de ordens, mas também se identificaria e até se regozijaria com esses abusos. Mais: acreditando estar fazendo o correto. O que está em disputa entre a teoria de Milgram e esta última pode ser colocado em um caso memorável — o do julgamento do tenente-coronel Adolf Eichmann, responsabilizado por conduzir a logística que levou à morte milhões de judeus. O dilema foi eternizado no livro “Eichmann em Jerusalém”, de Hannah Arendt. É por meio desse fato que na obra a filósofa alemã desenvolve a teoria da “banalidade do mal”, pelo que ela investiga como o Estado era capaz de igualar o exercício de tal violência exacerbada a um mero cumprimento da atividade burocrática. E é assim que ela transforma Eichmann, um suposto monstro, em um mero cumpridor de ordens do sistema. Mais do que o caso em si — pelo qual, ressalte-se, a incompreendida judia Hannah sofreu hostilidade de seus irmãos de raça —, o princípio leva a uma incômoda e necessária reflexão: confrontados com situações do dia a dia, quem, em um exame de consciência, pode dizer que nunca foi vítima de uma situação em que, de certa forma, tenha sido um burocrata a serviço da maldade?
“Fazer a coisa certa é como atingir um alvo a 50 metros”, diz filósofo
[caption id="attachment_12812" align="alignleft" width="350"]Professor e filósofo Gonzalo Armijos: “Estamos sempre sendo expostos a que nossas paixões aflorem. E em algum momento elas vão aflorar” | Fernando Leite/Jornal Opção Professor e filósofo Gonzalo Armijos: “Estamos sempre sendo expostos a que nossas paixões aflorem. E em algum momento elas vão aflorar” | Fernando Leite/Jornal Opção[/caption] O filósofo e articulista Gonzalo Armijos Palacios, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), diz que há dois sentidos que se misturam quando se fala de mal e maldade. “Há o que individualmente se sente e o que a sociedade sente, por conta de seus códigos éticos e morais, sem os quais não se vive”, explica. Ocorre que as palavras “moral” (do latim “mores”) e “ética” (do grego “ethos”) falam da mesma coisa: os alardeados “bons costumes”, que, nos tempos de hoje, passaram a ser um chavão considerado de origem reacionária. Na verdade, há relatos de que o termo “moral” se origina a partir da dominação do Império Romano e a tentativa de traduzirem, então a palavra grega para o latim. A palavra “ethos” tem a ver também com “habitat”, no sentido de se adequar para sobreviver em um determinado espaço (“habitat”), tendo alguns costumes e não outros. “Isso permite a sobrevivência do grupo”, lembra Gonzalo. “A palavra ‘ética’ tem essa ambivalência, significando a adaptação do grupo ao ambiente e a do indivíduo ao grupo.” O professor e filósofo lembra que tanto Aristóteles como Platão acreditam que aquilo que poderíamos chamar de “eticidade” tem de estar fundamentada no hábito. “Temos de agir corretamente. Não necessariamente nascemos éticos, nascemos necessariamente sociais, mas não éticos. Não são sinônimos. Necessitamos uns dos outros , mas a ética depende de um processo.” Dessa forma, se um grupo faz alguma coisa contra seu próprio ambiente, ninguém vai poder sobreviver ali. “Então, nesse caso fazer o bem e fazer o mal passam a ser algo objetivo”, ressalta o professor. O que leva a deduzir que um nazista como Eichmann, então, não teria outra coisa a fazer do que o que fez, naquele ambiente ideológico? Pode ser. Em casos subjetivos, porém, pode-se gostar de “x” e desgostar de “y”, sem concordância com o grupo. Uma questão de idiossincrasia, em que o que faz bem a um pode não fazer a outro. “Trazemos nossas tendências e inclinações, que não se adequam ao que o grupo precisaria de nós. Então há uma tensão muito problemática, e nem sempre vamos aceitar as imposições do grupo.” É o que ocorre, por exemplo, quando há a postagem de um vídeo com uma pegadinha de mau gosto em uma rede social. A tendência é de que a maioria que comente vá aprovar (“curtir”) o vídeo, mas grande parte talvez o condene silenciosamente. Pelo sentimento de grupo, poucos vão externar sua opinião contra a “maldade”. No fim, ainda que haja uma condenação, a maioria que tiver acesso ao vídeo vai sentir uma espécie de prazer, ainda que interdito a si mesmo. É o mesmo que faz com que se propaguem piadas de conteúdo racista ou discriminatório, fotos de corpos mutilados e cenas de espancamento: o uso do instinto em vez da razão. A conduta “em bando” traz um salvo-conduto para o ato de espalhar esse conteúdo, em condição semelhante à da obediência a um chefe. No caso, a “ordem” é repetir o comportamento do grupo. “Na vida, agir corretamente é como atirar em um alvo a 50 metros: é muito mais fácil errar do que acertar. Somos dominados pelas paixões, e isso é por toda a vida. Estamos sempre sendo expostos a que nossas paixões aflorem. E, em algum momento elas vão aflorar”, conclui Gonzalo. E ele vai além: “Até mesmo a razão é um instrumento das paixões. A razão é escrava das paixões. Eu, Gonzalo, quando escrevo um artigo motivado por uma indignação, estou colocando a razão como instrumento das minhas paixões.”

Parar na faixa ou assustar a velhinha?

Pensei nesta pauta depois do exemplo número 1 dado na abertura do texto principal, mas antes da ocorrência dos dois últimos. Era ao mesmo tempo algo inconcebível e intrigante ouvir relatos (ao todo, quatro) de pessoas que passaram ou viram alguém passar por uma situação de “pegadinha” tendo como pano de fundo uma questão tão séria como a da sequência de mortes de mulheres em Goiânia. Pensar na maldade como algo além de atrocidades e torturas — na maldade não necessariamente com violência física, mas uma maldade ao mesmo tempo sutil e avassaladora — é adentrar em um território que, lá mais adiante, cedo ou tarde (nem tão tarde) vai encontrar cada um de nós. Somos todos habilitados a praticar o mal e, como diz o professor Gonzalo Armijos, é bem mais fácil errar do que acertar o alvo, no que diz respeito a fazer a coisa certa. Para as grandes coisas é preciso planejamento, tempo e dedicação. Assim é quando alguém está por conta de fazer algo “grandioso” ou “maquiavélico — palavras que, pelo uso, adquiriram, “per se”, uma conotação positiva e outra negativa, respectivamente. O bem e o mal de grande porte são trabalhosos, exigem dedicação. Por outro lado, se grandes coisas, para o bem e para o mal, precisam ser construídas com persistência, para pequenos gestos a oportunidade bate diuturnamente à porta. Estamos, então, sempre aptos a fazer uma pequena maldade e uma bondade singela. E, às vezes, uma “ou” outra: ao ver uma senhora idosa esperando para atravessar a faixa, há a opção entre parar educadamente ou acionar a buzina para assustá-la, passando direto. A gentileza ou a brutalidade, ao alcance de cada um. O que decidimos fazer (comportamento), na maioria das vezes, tem a ver com as práticas (hábitos) que adquirimos. Cada um, durante a vida, passa a ser, de certo modo, escravo do que construiu para si — daí os adágios como “pau que nasce torto morre torto” parecerem tanger a verdade. A boa notícia para quem se pega fazendo o mal e não está bem com isso — porque, sim, há os que sabem que fazem mal e vão continuar a usar o livre arbítrio para seguir a fazê-lo — é que o ser humano pode se readaptar. Passar a questionar o que hoje se faz diariamente no modo automático — como lidamos com as redes sociais, como reproduzimos pensamentos machistas ou vertentes autoritárias etc. — é um modo de ir dando uma guinada para o questionamento de crenças consolidadas, porém nada saudáveis, como “quem não quer ver o vídeo do acidente, que não abra” ou “os incomodados que se retirem”. Mudar crenças muda hábitos e impacta o comportamento. Se somos muito mais paixão que razão, ainda assim seremos melhores se melhor usarmos o máximo dessa parte minoritária. (Elder Dias)

Morte do garoto Bernardo: quais os limites da crueldade humana?

Homicídio de menino gaúcho por injeção letal aplicada pela madrasta novamente suscita debate acerca da violência. Busca desenfreada pelo dinheiro e bens materiais pode transformar mulheres e homens em monstros

Brasileiro não gosta de futebol, gosta de ganhar

Aqui, torcedor só enche estádio se seu time vai bem e só grita se sair gol. Cultura bem diferente dos fanáticos ingleses ou mesmo dos “barras-bravas” da Argentina