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Poeta fala de García Márquez, admite que era “louco” para ganhar o Prêmio Nobel de Literatura e assinala que “o casamento é um destino pobre para uma mulher”
[caption id="attachment_326136" align="aligncenter" width="540"] Maria Kodama lê para o poeta argentino Jorge Luis Borges | Foto: Reprodução[/caption]
“A História É Amarela — Uma Antologia de 50 Entrevistas da Mais Prestigiosa Seção da Imprensa Brasileira” (Editora Abril, 326 páginas) reúne diálogos com Nelson Rodrigues, Salvador Dalí, João Gilberto, Octavio Paz, Sergio Buarque de Holanda, Gabriel García Márquez, Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Freyre, Tom Jobim, João Cabral de Melo Neto, Mario Vargas Llosa, Thomas Piketty, entre outros.
O poeta e prosador Jorge Luis Borges foi entrevistado, em setembro de 1980 — seis anos antes de morrer, em 1986, na Suíça —, pelo jornalista Alessandro Porro (morreu em 2003).
O repórter diz que “colegas argentinos” de Borges não o consideram, como escritor, nem latino-americano nem argentino. “Colegas? Não tenho, nunca tive colegas, sou de raríssimos amigos, não frequento academias”, responde o poeta. Entre seus grandes amigos, não citados, estavam os escritores argentinos Bioy Casares, Silvina Ocampo e Victoria Ocampo (a mecenas da Editora e da revista “Sur”).
Em seguida, Borges admite que seus quase-colegas não estão inteiramente equivocados. “Eu não sou, nem poderia ser, um escritor latino-americano. E nem sei até que ponto sou argentino. Na minha família há sangue inglês, espanhol, português e talvez judeu. Nasci aqui, e gostei. Mas daí a dizer que sou um escritor que pode ser situado geograficamente numa região determinada me parece um disparate. Conheci romancistas, poetas e ensaístas chilenos, brasileiros, colombianos. Mas nunca vi um ‘latino-americano’. Eles são, isto sim, escritores, poetas, ensaístas, ocidentais, europeus desterrados, que escrevem por força maior num dialeto latino, como o espanhol e o português. O resto é mera limitação regional que não aceito, porque não existe. Todos eles — como eu — são europeus: e isso é muito bom. Nós somos os únicos escritores europeus da Terra. Na Europa, eles são franceses, italianos, finlandeses, alemães, ingleses, mas nunca se reconhecem como europeus. Nós, pelo contrário, com nossa multidão de fantasmas, somos os únicos que podemos pensar na Europa como uma unidade, somos os únicos escritores genuinamente europeus.”
O repórter insiste que, na Europa, Julio Cortázar, Jorge Amado, García Márquez e Pablo Neruda “são considerados latino-americanos, e não certamente europeus”. Depois de apresentar uma explicação, Borges assinala: “Sou um escritor, sou um poeta ocidental, represento este decadente mundo cultural que é o Ocidente”.
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Gabriel García Márquez, escritor colombiano | Foto: Reprodução[/caption]
Alessandro Porro quer saber por que “decadente”. Borges, que era tido como “vaidoso”, sugere que o fato de ser famoso significa que, em termos culturais, o mundo decaiu. “A temporada dos grandes autores, dos grandes poetas, acabou de vez. Quem temos hoje? Ninguém. Quem são os grandes autores da Europa, da América do Norte? Após Paul Whitman¹, após Robert Louis Stevenson, após André Gide, após Robert Lee Frost, quem temos? Ninguém. É um panorama triste. (...) Nunca li Jorge Amado. Isso pode ser porque desde 1955 estou cego. Conheço somente García Márquez: li ‘Cem Anos de Solidão’. Gostei do começo”. Teria lido “Ninguém Escreve ao Coronel”, a grande novela de Gabo? É possível que não, embora Borges tenha sido um leitor compulsivo e, como todos os grandes leitores, idiossincrático.
Os autores canônicos de Borges não são os dos cânones tradicionais, mas teria valido a pena o repórter ter perguntado sobre o motivo da importância atribuída a Paul Whitman e Robert Louis Stevenson (adorável, por certo, mas...).
Depois de insistir que o colombiano García Márquez, com o romance “Cem Anos de Solidão”, teve “um ótimo começo”, Borges pontua: “Para o resto, sinceramente, não tenho tempo. Prefiro os meus clássicos, prefiro Montaigne, Dante e os poetas latinos. Especialmente Virgílio, com seu mundo mágico”. O jornalista poderia ter perguntado sobre Lezama Lima, o grande poeta e prosador cubano, que certamente era do conhecimento de Borges. O que diria do “realismo mágico” de José J. Veiga?
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Pablo Neruda e Gabriela Mistral: poetas chilenos | Foto: Reprodução[/caption]
O repórter da “Veja” faz a pergunta inevitável: “Leu Pablo Neruda?” Borges: “Pouco, mas o conheci pessoalmente. Ele me disse que o espanhol não lhe servia mais e que pensava escrever em inglês. Eu lhe respondi que respeitava demais o inglês para aconselhá-lo a fazer uma coisa dessas. Como poeta, tem algumas coisas boas. Mas seus versos de amor são fracos”.
A chilena Gabriela Mistral “era”, segundo Borges, “uma poeta medíocre”, mas “ganhou um Nobel”.
Poetas maiores, como Borges, Lezama Lima, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Oliverio Girondo, César Vallejo, Vicente Huidobro, foram esquecidos pela Academia Sueca. O motivo? Não se sabe. Não eram de esquerda? Os dois brasileiros eram, seguramente, de esquerda, ainda que não radicais. Pablo Neruda e Gabriela Mistral, dois chilenos (Huidobro é o maior poeta chileno, mas, sem o Nobel, fica “menor”), não são poetas superiores aos sete citados. Mas, por força do Nobel e da propaganda da esquerda, Neruda se tornou o Che Guevara da poesia — um ícone transnacional. Borges poderia ter citado Marcel Proust, James Joyce, Guimarães Rosa e Philip Roth, que, escritores de alto calibre, não ganharam o Nobel.
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André Gide: prosador francês | Foto: Reprodução[/caption]
Há quem diga que Borges não tinha tanto interesse assim pelo Nobel de Literatura. Não é o que diz a Alessandro Porro. “Não quero mais enganar ninguém: escrevi muito, talvez demais, mas sei que algumas páginas ficarão, e que um Nobel me deixaria morrer satisfeito. (...) Sei que minha morte será melhor com um Nobel. Esse Nobel, que parece um fantasma, está sempre ao meu lado, e sempre impalpável, nunca consigo pegá-lo, ele fugindo e eu correndo atrás dele. (...) Eu quero o Nobel, é claro que eu quero o Nobel. Mas será que eu o mereço? Quando penso que Gide ganhou o prêmio, então eu penso que não estou à altura do Nobel. Mas, quando eu penso que muitos outros também o ganharam, com toda a sua insignificância, então eu passo a desejar o prêmio”.
Políticos não são apreciados por Borges. “Não gosto deles. Para que eles cheguem a um acordo com seus interlocutores, com aquilo que chamam vulgarmente de ‘massa’ ou ‘base’, os políticos devem sorrir, mentir, subornar ou aceitar suborno. Em outras palavras: comprometer-se. Um poeta não pode fazer isso, não deve. Ele deve aceitar seu destino como um rei antigo. Sem compromissos.”
“O sr. fala de sua cegueira com uma serenidade impiedosa”, sugere o repórter. Borges contrapõe: “Nada de coragem e nada de drama. O fato é que minha cegueira não foi repentina. Comecei a perder a vista aos poucos, e não houve nenhum momento patético ou trágico. Comecei a me acostumar com minhas sombras, as coisas começaram lentamente — e na verdade não me faziam falta. Eu tive a sorte de saborear aos poucos a chegada da noite, e agora convivo com ela perfeitamente”.
“A poesia é um hábito eterno que não precisa inspirar-se na realidade externa. É por isso eu não faço uma tragédia de minha cegueira. Aceito-a, convivo com ela, e até desfruto suas poucas mas inimagináveis dádivas. Uma delas é impedir-me de assistir a coisas terríveis”, sublinha Borges. Ele diz que viu um homem matar outro homem, em Santana do Livramento, no Brasil, e nunca esqueceu disso. “O reluzir de uma faca diante de meus olhos, e um corpo cair sem gritos. Era a morte, em toda a sua essência, como um documento. (...) Cego, teria escutado o tombo do corpo e teria imaginado a morte. Mas assim, vendo, eu possuía apenas o registro insípido de um momento extraordinário, e nada mais.”
Borges não quis falar de seu breve casamento com Elsa Astete Millán. “Só posso dizer uma coisa: o casamento é um destino pobre para uma mulher.”
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Robert Louis Stevenson: um dos autores preferidos de Borges | Foto: Reprodução[/caption]
Ao final da entrevista, Borges pede ajuda a Alessandro Porro para anotar uma história: “Rápido, antes que eu esqueça: ‘Estou pensando naquele Chuang-Tzu, vírgula, que sonhava ser uma borboleta e que agora, vírgula, acordando, vírgula, não sabia se havia sonhado ser uma borboleta ou se era uma borboleta que agora sonhava ser um homem. Ponto’. Sabe, é para uma página que intitularei ‘A bengala de laca chinesa’. Bonito, não?” Borges ditava até as vírgulas...
Borges, sendo Borges, viu em Alessandro Porro um secretário imediato. Ou só quis mostrar como era seu processo criativo, depois da cegueira?
Não ter ganhado o Nobel diminui Borges? De maneira alguma. Continua lido e publicado em todo o mundo. Goste-se ou não de sua arte e de suas posições políticas (conservadoras), tornou-se imortal. Conta-se que, encantoado por estudantes (peronistas) argentinos — gritavam: “Morra Borges!” “Morra Borges!” —, o escritor teria dito, de maneira calma e reflexiva: “Bem que eu quero morrer, mas sou imortal”. Não sei se a história é apócrifa, mas a ouvi de um livreiro da Rua Corrientes, em Buenos Aires, no momento em que adquiria a obra completa de Oliverio Girondo (edição crítica coordenada por Raúl Antelo), Vicente Huidobro, César Vallejo, Lezama Lima e Severo Sarduy.
A literatura de Borges é publicada no Brasil pela Editora Companhia das Letras, com traduções, de alto nível, de Davi Arrigucci Jr., Heloisa Jahn e Josely Vianna Baptista.
Nota da redação do Jornal Opção
¹ Jorge Luis Borges era admirador da poesia do americano Walt Whitman. "Durante certo tempo, pensei em Whitman não apenas como um grande poeta, senão como o único poeta". Em "O conto policial", o bardo argentino escreve: "Poderíamos afirmar que há dois homens sem os quais a literatura atual não seria o que é; esses dois homens são americanos e do século passado: Walt Whitman — dele deriva o que denominamos poesia civil, deriva Neruda, derivam tantas coisas, boas ou ruins; e Edgar Allan Poe". Ao degravar a entrevista, Alessandro Porro teria entendido mal e trocado Walt Whitman por Paul Whitman?
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O ministro-chefe da Casa Civil é democrata, não se alinha com golpismo, defende a vacinação e é um mensageiro da vida

Fica-se com a impressão de que está faltando novos assuntos para a redação do jornal sustentar suas manchetes

O presidente Jair Bolsonaro é o político que mais bloqueia jornalistas. Há 54 registros. Governador pelo PC do B também bloqueou jornalista

Roberto Romano e Denis Lerrer Rosenfield também foram esquecidos. Ruy Fausto foi citado en passant
Há uma excelente edição da revista “Cult” nas bancas de revistas, jornais e quejandos (bolas, sapatos, chicletes, serviço de chaveiro etc.), com um dossiê formidável: “A história da filosofia no Brasil”. São de qualidade os textos de Paulo Margutti, Júlio Canhada, Filipe Ceppas, Silvana de Souza Ramos, Katiúscia Ribeiro, Renato Nogueira ,Vladimir Safatle, Rafael Haddock-Lobo, Ernani Chaves e Marcia Tiburi.
Sugiro, porém, outra edição, com o acréscimo de filósofos importantes que foram, olimpicamente, ignorados.
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José Arthur Giannotti, filósofo | Foto: Werther Santana/AE[/caption]
Nos textos que discutem se existe uma filosofia brasileira, são citados Lélia González, Marilena Chaui (a mais mencionada), Bento Prado Jr., Rubens Rodrigues Torres Filho, Oswaldo Porchat, João Carlos Brum Torres, Carlos Alberto Ribeiro de Moura, Luiz Henrique Lopes dos Santos, Newton Bignotto, Maria Lúcia Cacciola, Scarlett Marton, Henrique Cláudio de Lima Vaz, Ricardo Ribeiro Terra, Oswaldo Giacoia Júnior, Ruy Fausto, Paulo Arantes, Guido de Almeida, Danilo Marcondes, Roberto Machado , Olgária Matos e Benedito Nunes.
Não há a menor dúvida: os nomes listados são importantes, embora a contribuição de cada um à Filosofia não tenha sido apresentada a contento. Fica-se com a impressão de que, no final das contas, são todos iguais ou parecidos.
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Roberto Romano, filósofo | Foto: Reprodução[/caption]
Mas o principal “problema” possivelmente é a não inclusão de um filósofo da magnitude de José Arthur Giannotti, que, aos 91 anos, ainda escreve livros de Filosofia e, inclusive, sobre artes plásticas.
O professor emérito da USP tem uma obra consistente, amplamente debatida e conhecida. É um grande intérprete de Karl Marx, Ludwig Wittgenstein e, entre outros, Heiddeger. Por que, portanto, não o incluir na lista dos filósofos brasileiros relevantes?
Mero esquecimento, certamente, não foi. Porque um gigante como José Arthur Giannotti não é imperceptível. Entre suas obras estão: “Origens da Dialética do Trabalho” (um clássico), “Heidegger/Wittgenstein — Confrontos”, “Certa Herança Marxista”, “Apresentação do Mundo”, “Lições de Filosofia Primeira”, “O Capital — Crítica da Economia Política”. Por que ignorá-las?
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Ruy Fausto: filósofo importante mas citado en passant | Foto: Divulgação[/caption]
O fato de José Arthur Giannotti ser amigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um tucano — e um tucano é sempre adversário do petismo (derrotou Lula da Silva duas vezes seguidas) —, pode ter influenciado os consultados pela Cult a deixá-lo de lado. Não seria um companheiro de jornada da “transformação social”. Ora, o filósofo fez muito mais pela divulgação do marxismo no Brasil — de maneira sofisticada, é claro — do que muitos marxistas consagrados.
O filósofo Ruy Fausto é citado en passant. Intérprete notável e heterodoxo de Marx, acabou se tornando um grande crítico do PT — e de Marilena Chaui, a darling da academia —, mas sem se deixar contaminar pelas ideias da direita. Tanto ele quanto José Arthur Giannotti merecem estudos detidos, e não meras citações de seus nomes.
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José Guilherme Merquior: talvez seja o caso de tratá-lo como filósofo | Foto: Reprodução[/caption]
Outras omissões são as dos filósofos Leandro Konder e Roberto Romano? Por que não listá-los num mapeamento relativamente abrangente?
A “Cult”, ótima revista, fica devendo aos leitores uma história da filosofia no Brasil mais, digamos, inclusiva. Não há, por exemplo, filósofos de direita, quiçá um Denis Lerrer Rosenfield? Não seria oportuno tratar José Guilherme Merquior, que morreu com apenas 49 anos, como filósofo? Frise-se que também fez críticas a Marilena Chaui. O que parece não ser de bom-tom.
A edição comentada contém uma entrevista de alta qualidade com o filósofo Marcos Nobre, professor da Unicamp e presidente do Cebrap. Poucas vezes um scholar de esquerda interpreta um político de direita, Jair Bolsonaro, com tanta precisão.

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