O jornal da família Marinho já é o segundo mais lido em São Paulo, atrás apenas da “Folha de S. Paulo” e na frente do “Estadão”

O espaço para análise é destacado no alto da página de “O Globo” | Foto: Jornal Opção

Desde a morte de Otavio Frias Filho (1957-2018), a “Folha de S. Paulo” perdeu “pegada”. Se sobram textos politicamente corretos, faltam análises e reportagens ousadas e abrangentes (a colunista Mônica Bergamo deita e rola publicando notícias exclusivas. É uma das moicanas dos tempos de Otavinho). Editado por Sérgio Dávila, o jornal parece acomodado (o que não é sinônimo de ruim, que fique claro). Certa feita, durante um debate com Paulo Francis (1930-1997), o então ombudsman da “Folha”, Caio Túlio Costa, escreveu que o “Estadão”, onde o rival escrevia — e era lidíssimo —, era um “mausoléu”. Não era, claro. Pois é: agora, anos depois, o jornal de Luiz Frias não é um “mausoléu”, mas não deixa de ser parecido. Para piorar, uma reportagem “‘O Globo’ foi o jornal mais lido do país em 2020”, do jornal “O Globo”, deixa a “Folha” em má situação, pois o jornal paulista sempre se apresentou como o mais lido do Brasil. Em 2021, o jornal da família Marinho segue liderando.

Alan Gripp: editor de “O Globo” | Foto: Reprodução

“De acordo com a Comscore, referência mundial na análise do tráfego em conteúdos na internet, ‘O Globo’ teve uma média de 28,8 milhões de visitantes únicos por mês em 2020, liderando o segmento de grandes jornais. A ‘Folha de S. Paulo’ ficou em segundo, com 24,2 milhões; e ‘O Estado de S. Paulo’, 15,2 milhões”, relata “O Globo”. Na verdade, os números são positivos para os três jornais, pois, com a internet, a audiência cresceu em progressão geométrica. Mas para quem liderou, durante anos, certamente não agrada um “honroso” segundo lugar. O que importa mesmo é que os três jornais mantêm a qualidade. O jornalismo do “Estadão” está cada vez mais afiado e o jornal tem os editorais mais contundentes. Nos tempos de Otavinho Frias, os textos do jornal eram mais bem posicionados, densos e incisivos; falta agora, aparentemente, fôlego intelectual.

Sérgio Dávila, editor da “Folha de S. Paulo” | Foto: Reprodução

“O Globo” está em ascensão em São Paulo. Se figura em segundo lugar, ultrapassou o “Estadão”. “De acordo com a Comscore, ‘O Globo’ teve em média 1,3 milhão de visitantes únicos por mês no Estado, enquanto a ‘Folha’ ficou com 1,6 milhão e ‘O Estado de S. Paulo’, 709 mil. Esses dados se referem apenas ao consumo em desktop, que é o único em que a Comscore segmenta por unidade da federação. O histórico de audiência mostra que a leitura em celulares segue padrão semelhante”, relata o jornal.

Editado por Alan Gripp, o jornal do Rio de Janeiro acrescenta: “Pesquisa da Clikstream TGI revela que uma a cada cinco pessoas leem ‘O Globo’, em sua edição digital ou impressa. Dentre aqueles que têm o hábito de se informar por jornais, um em cada três consomem ‘O Globo’. O jornal alcança 35,4% desses leitores, à frente da ‘Folha’ (34,4%) e do ‘Estado’ (23,5%). O levantamento abrange um universo de 89,4 milhões de indivíduos”.

Malu Gaspar: repórter e analista do primeiro time | Foto: Roberto Teixeira

A liderança de “O Globo” também vigora nas assinaturas digitais e impressas. “‘O Globo’ terminou 2020 à frente de seus concorrentes em 20 das 27 unidades da Federação, incluindo, além do Rio, todos os Estados das regiões Norte e Nordeste, Distrito Federal e Goiás. Esses dados são do Instituto Verificador de Comunicação (IVC)”, revela a reportagem. “O avanço das assinaturas digitais do ‘Globo’ ao longo do ano, medido pelo IVC, foi de 31%, enquanto a ‘Folha’ cresceu 20% e o ‘Estadão’, 13%.”

Por que ‘O Globo” cresceu e está crescendo? Primeiro, porque perdeu a cara de “sorriso do poder”. Suas reportagens e análises não têm o objetivo de “glamorizar” e “justificar” governos — ação que costuma “queimar” a reputação editorial de jornais. Pelo contrário, se tornou crítico. Segundo, o jornal passou a valorizar mais as atividades da sociedade. Terceiro, está investindo pesado na contratação de analistas gabaritados. O que se descobriu, com a verificação mais ampla e diária de dados, é que os artigos de opinião são muito lidos e discutidos. Ao contrário das reportagens factuais, as análises continuam reverberando por dias, meses e, até, anos (textos antigos, se tiverem qualidade, volta e meia reaparecem com grande acesso). Muitos artigos e reportagens especiais não morrem e se tornam referenciais. Todos os jornais têm mecanismos de aferição diária do que é mais lido, mas convém observar a base da pirâmide — que, em regra, sustenta o acesso global do dia. Muitas vezes, são textos mais antigos, mas de caráter perene, que garantem um acesso diário com mais musculatura.

Vera Magalhães: colunista e repórter notável | Foto: Reprodução

“O crescimento no meio digital é reflexo de uma série de iniciativas adotadas recentemente pelo jornal. Entre elas, está a ampliação e diversificação do time de colunistas [analistas], que juntou à equipe já consagrada do jornal nomes como Vera Magalhães, Malu Gaspar, Pablo Ortellado e Zeina Latif”, sublinha “O Globo”. Malu Gaspar, repórter do primeiro time, talvez tenha sido, este ano, a grande contratação de “O Globo”. Ela analisa bem, mas seu grande segredo é o fato de ser uma repórter que, conectando fatos e examinando cuidadosamente informações e documentos, conseguem extrair novidades que outros coleguinhas deixaram de perceber. Ela une repórter e analista numa só profissional.

Em Goiás, nas contratações, só se faz opção por repórteres, para a cobertura do dia a dia, mas é preciso pensar na contratação (e na formação) de analistas gabaritados. “O Popular” terceiriza sua opinião. Tanto que sua principal analista hoje é Cileide Alves, que é colaboradora. O jornal deveria investir em Fabiana Pulcineli como analista, pois a repórter sabe escrever e é corajosa.

Janio de Freitas: o mais gabaritado analista de política do jornal “Folha de S. Paulo” tem 88 anos | Foto: Reprodução

O jornal goiano repete o provincianismo de outros jornais do país: “contrata” (via agências de notícias) a opinião de jornalistas de outros Estados, que escrevem sobre assuntos nacionais, e por isso não tem, no geral, uma opinião abalizada sobre fatos locais.

Analistas têm de ser preparados — não nascem prontos. Por isso é preciso incentivar repórteres a escreverem todo dia para aperfeiçoarem o texto. O analista não tem a função de fazer cabeças, e sim de contribuir para o leitor fazer suas próprias reflexões. “O Globo”, o “Estadão”, a “Folha” e as revistas “Veja” e “Época” contam com analistas qualificados.

Mas nem toda atenção dedicada à análise deve sobrepor-se a um fato: a reportagem — a grande reportagem (hoje, há matérias que são verdadeiros releases) — é a alma de todo jornal. Quase sempre é o repórter que fornece material para o analista examinar os fatos com mais percuciência.