Roberto Romano e Denis Lerrer Rosenfield também foram esquecidos. Ruy Fausto foi citado en passant

Há uma excelente edição da revista “Cult” nas bancas de revistas, jornais e quejandos (bolas, sapatos, chicletes, serviço de chaveiro etc.), com um dossiê formidável: “A história da filosofia no Brasil”. São de qualidade os textos de Paulo Margutti, Júlio Canhada, Filipe Ceppas, Silvana de Souza Ramos, Katiúscia Ribeiro, Renato Nogueira ,Vladimir Safatle, Rafael Haddock-Lobo, Ernani Chaves e Marcia Tiburi.

Sugiro, porém, outra edição, com o acréscimo de filósofos importantes que foram, olimpicamente, ignorados.

José Arthur Giannotti, filósofo | Foto: Werther Santana/AE

Nos textos que discutem se existe uma filosofia brasileira, são citados Lélia González, Marilena Chaui (a mais mencionada), Bento Prado Jr., Rubens Rodrigues Torres Filho, Oswaldo Porchat, João Carlos Brum Torres, Carlos Alberto Ribeiro de Moura, Luiz Henrique Lopes dos Santos, Newton Bignotto, Maria Lúcia Cacciola, Scarlett Marton, Henrique Cláudio de Lima Vaz, Ricardo Ribeiro Terra, Oswaldo Giacoia Júnior, Ruy Fausto, Paulo Arantes, Guido de Almeida, Danilo Marcondes, Roberto Machado , Olgária Matos e Benedito Nunes.

Não há a menor dúvida: os nomes listados são importantes, embora a contribuição de cada um à Filosofia não tenha sido apresentada a contento. Fica-se com a impressão de que, no final das contas, são todos iguais ou parecidos.

Roberto Romano, filósofo | Foto: Reprodução

Mas o principal “problema” possivelmente é a não inclusão de um filósofo da magnitude de José Arthur Giannotti, que, aos 91 anos, ainda escreve livros de Filosofia e, inclusive, sobre artes plásticas.

O professor emérito da USP tem uma obra consistente, amplamente debatida e conhecida. É um grande intérprete de Karl Marx, Ludwig Wittgenstein e, entre outros, Heiddeger. Por que, portanto, não o incluir na lista dos filósofos brasileiros relevantes?

Mero esquecimento, certamente, não foi. Porque um gigante como José Arthur Giannotti não é imperceptível. Entre suas obras estão: “Origens da Dialética do Trabalho” (um clássico), “Heidegger/Wittgenstein — Confrontos”, “Certa Herança Marxista”, “Apresentação do Mundo”, “Lições de Filosofia Primeira”, “O Capital — Crítica da Economia Política”. Por que ignorá-las?

Ruy Fausto: filósofo importante mas citado en passant | Foto: Divulgação

O fato de José Arthur Giannotti ser amigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um tucano — e um tucano é sempre adversário do petismo (derrotou Lula da Silva duas vezes seguidas) —, pode ter influenciado os consultados pela Cult a deixá-lo de lado. Não seria um companheiro de jornada da “transformação social”. Ora, o filósofo fez muito mais pela divulgação do marxismo no Brasil — de maneira sofisticada, é claro — do que muitos marxistas consagrados.

O filósofo Ruy Fausto é citado en passant. Intérprete notável e heterodoxo de Marx, acabou se tornando um grande crítico do PT — e de Marilena Chaui, a darling da academia —, mas sem se deixar contaminar pelas ideias da direita. Tanto ele quanto José Arthur Giannotti merecem estudos detidos, e não meras citações de seus nomes.

José Guilherme Merquior: talvez seja o caso de tratá-lo como filósofo | Foto: Reprodução

Outras omissões são as dos filósofos Leandro Konder e Roberto Romano? Por que não listá-los num mapeamento relativamente abrangente?

A “Cult”, ótima revista, fica devendo aos leitores uma história da filosofia no Brasil mais, digamos, inclusiva. Não há, por exemplo, filósofos de direita, quiçá um Denis Lerrer Rosenfield? Não seria oportuno tratar José Guilherme Merquior, que morreu com apenas 49 anos, como filósofo? Frise-se que também fez críticas a Marilena Chaui. O que parece não ser de bom-tom.

A edição comentada contém uma entrevista de alta qualidade com o filósofo Marcos Nobre, professor da Unicamp e presidente do Cebrap. Poucas vezes um scholar de esquerda interpreta um político de direita, Jair Bolsonaro, com tanta precisão.