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Escritos abordam temas como o próprio amor, o tempo, a família, a amizade, a religiosidade

Em viagem à América, especialmente à região da Nova Inglaterra e ao Québec, tracei um roteiro que inclui cinco ou seis casas-museus de importantes escritores norte-americanos

Nesta segunda crônica sobre W. B. Yeats, obedeço à conclamação que o poeta faz em "O balão da Mente": “Mãos, façam o que vos é pedido:/Tragam o balão da mente/Que intumesce e se arrasta ao vento/Para o seu estreito alpendre”

Consciente de que certas formas de ginástica e de exercícios passionais são restritos aos jovens, contento-me com este exercício semanal da crítica

Um poema de Alberto da Cunha Melo vem nos alertar. É preciso enxergar dentro da casa vazia, do deserto da alma

Poemas impressionantes de Anna Świrszczyńska (1909–1984), no livro “Eu Construía a Barricada”, falam da revolta contra o exército nazista alemão, no final da Segunda Guerra Mundial, que culminou na morte de 200 mil civis

Lançado em 2017, “Folhas Secas sob Meus Pés” fala da transformação da mulher da infância à velhice, exaltando a vivacidade do amadurecimento, em que, ao contrário das folhagens outonais, as seivas da vida não se secam

– O que dizer do poeta João (Fernandez) Filho e deste seu “Auto da romaria”? Bem, tenhamos como pressuposto: João Filho é poeta que deve marcar seu nome na história da poesia brasileira do século XXI. Seu lugar não está reservado apenas entre os poetas católicos, mas, com certeza entre os grandes da poesia de nossa época. E o que me leva a fazer tal aposta?

Vista em retrospectiva, por esta coluna passaram, em 2017, vários autores críticos, poetas, cronistas, filósofos e o maior teólogo do século XX (J. Ratzinger). Estes diálogos continuam semanais no ano que estamos começando, sempre em busca do "leitor que queima pestanas", reavivando a velha "crônica-de-rodapé", exemplar em Franklin de Oliveira, Augusto Meyer e Temístocles Linhares.
[caption id="attachment_113665" align="aligncenter" width="625"] Os poemas místicos publicados por Ângelus Silesius, no Século XVII, permanecem atuais até hoje[/caption]
Vários livros sobre a mesa me fazem lembrar Temístocles Linhares, quando diante de um dever de ofício contemplava-os com amor, antes de enfrentá-los, pois, afinal, todo livro tem sua história e já o sabemos um homem não entra e sai de um bom livro sendo o mesmo:
– “Como previa – dizia eu a meu companheiro –, os livros de e sobre poesia continuam a acumular-se sobre a mesa e nós ainda temos muito que conversar a respeito.[i]”
Também este velho jornalista, dublê de comerciante e poeta hoje, depois de quarenta anos passados desde a publicação desses “Diálogos...” (de Linhares), sente-se no dever de continuar escrevendo pois crê ter muito a conversar a respeito da Poesia, da crítica (da crítica), da ficção, da teologia e outros tópicos nem tão frequentes na rotina cansada de nossos jornais cada vez menos literários...
Afinal, como diz o professor, crítico e poeta Heleno Godoy:
[caption id="attachment_113667" align="aligncenter" width="363"]
O poeta e professor Heleno Godoy que teve sua poesia completa reunida pela martelo Casa Editorial no livro "Inventário"[/caption]
“Um livro responde às assinaturas
subscritas, incorpora tempestades,
incendeia oceanos poderosos,
ervas frágeis, manhãs que des-
pertam quando a lua ainda
não se foi. Um livro abrange
um delírio, homens livres
e fugitivos. Um livro estreita
relações, anula diferenças
ou estabelece seus contrários,
como a aranha surpreende
sua presa, enredando-lhe
os contornos, sintética, fria,
anagramática. Um livro
é mortal como esmeralda
falha e falsa, reconciliação
de cômodos intervalos.
Mas pode ser violento como
um tribunal ou uma missa
rezada em silêncio, um vinho
bebido em jejum, pão comido
lenta e parcimoniosamente.
[...][ii]”
Acertada visão essa do poeta goiano Heleno Godoy, felicíssima ao transpor ao verbo sua compreensão do objeto livro, nesse trecho do poema homônimo, ao qual volto mais tarde...
O fato é que após quase cinco meses, redigindo esta coluna semanal, dedicada inteiramente à literatura, dessas crônicas que se deixam permear pela crítica ensaística, o fato, dizia: é que os livros são um desafio constante para o que escrutina em busca de conexões para o leitor ansioso por aprofundar leituras – aquele Leitor (sim, com L maiúsculo, porque maior é seu valor!) que se torna a um só tempo aquele que “queima pestanas; é um leitor petulante”.
Bem, precisamos ir à origem das palavras para delas melhor extrair prazer e conselho; e petulante é dessas palavras que nasceram negativas, mas depois foi se adoçando pelo falar (e escrever) do brasileiro e denota aquele que tem ímpeto, o que tem vivacidade, este leitor, você que veio até aqui, passando pela colina acima anteposta sob a forma do que os leitores de 140 caracteres mais detestam: o texto poético, exposto em estanças, como deve ser e o foi na concepção original do poeta. Pois bem, eis-nos diante dos livros esses paquidermes insolentes que nos atiram à gruta ou ao voo livre em plena estação da chuva. E se deixo a metáfora em itálico, deve-se ao fato de que não desejo ser traído pela memória de minhas leituras de Jorge Luis Borges.
De “petulante” (do lat. “petulans” - raiz petere) saco apenas o sentido não agressivo, só aquele senso positivo que creio estava na origem do termo usado pelo crítico gaúcho Augusto Meyer ao dizer-se ansioso por ser lido justamente por este tipo de leitor, o que segue (ou busca) um caminho com a persistência que se exige para se atingir um alvo.
Eis-nos às portas do final da segunda década deste século mau. Exige-se um balanço e um planejamento para que o cronista também seja digno de nomear-se “petulans”, sem agressividade. Os livros que foram analisados nessa coluna o foram sempre que possível nomeados ao final, com notas de fim dos artigos, com o fito de animar o leitor a aprofundar-se no que aqui só esboçamos para o deleite de autor e leitores.
Vista em retrospectiva, nesta coluna passaram vários autores críticos, poetas, cronistas, filósofos e um teólogo (Ratzinger): Ivan Junqueira, T.S. Eliot, Tasso da Silveira, Vinicius de Moraes, Jorge de Lima, Augusto Frederico Schmidt, Tasso da Silveira, Wladimir Saldanha, Vicente Ferreira da Silva, Lúcio Cardoso, John Macy, J. G. Merquior, Giacomo Leopardi, Otto Maria Carpeaux, Kazuo Ishiguro, Jorge Luis Borges, Mircea Eliade, Carlos Nejar, João Alexandre Barbosa, Manoel Bandeira, Érico Nogueira, a Bíblia Sagrada, Virgílio, Franklin de Oliveira, Temístocles Linhares, Hermann Broch, Henriqueta Lisboa, James Wood e Joseph Ratzinger.
Os próximos alvos de nossos comentários serão estes dois livros que reputo como o grande trunfo da incipiente mas laboriosa indústria editorial goiana. Dois lançamentos nacionais de peso e de autores muito respeitados em todo o mundo. Falo de “Nas sombras do amanhã” (de Johan Huizinga, tradução de Sérgio Marinho), da editora Caminhos; e “Moradas”, de Angelus Silesius (tradução de Marco Lucchesi).
[caption id="attachment_113666" align="aligncenter" width="407"]
Dois livros de autores canônicos tiveram lançamento nacional em Goiânia[/caption]
Deseja o cronista fazer-se acompanhar desses dois livros a uma estação de veraneio, onde espera o afeto dos amados, sobretudo dos netos! e ler – pois ler, digo logo ao interlocutor invisível desta crônica, não é de todo uma atividade que o faça por obrigação. Ou seja: o cronista estará de férias, mas esta coluna não.
Huizinga já é velho conhecido meu – desde a leitura crítica, quase estudo, que fiz “O outono da idade média” e Angelus Silesius, o convertido ao Catolicismo que se fez poeta de elevada estirpe, já me seduzia com sua poesia mística há muito tempo.
Quis o destino que o tradutor brasileiro fizesse, antes de assumir a presidência da Academia Brasileira de Letras, o lançamento nacional deste belo livro em Goiânia. Eu tive a chance de conviver algumas horas com Marco Lucchesi, um homem de grande sabedoria, um poeta e tradutor de comprovado domínio do verbo; um tradutor de inúmeros idiomas. Passou o sr. Lucchesi por Goiânia como um anjo passa: deixou a mensagem divina impregnada à sua humildade, que ao contrário de muitos intelectuais da província, ele um poeta cosmopolita a tem e a esbanja – se é que humildade se esbanje, pois de todas as virtudes esta é a que mais se dá a conhecer quanto menos se explicita. É-se humilde, sendo silencioso e acolhedor. É pelos humildes, ensina-nos o Eclesiastes, que Deus é (verdadeiramente) honrado!
Marco Lucchesi é um homem que se porta como um sábio. É um que segue o conselho dos versos pedagógicos do Cap. 3 do Sirácida: “19 Filho, realiza teus trabalhos com mansidão e serás amado mais do que alguém que dá presentes. /20 Na medida em que fores grande, humilha-te em tudo e assim encontrarás graça diante de Deus. Muitos são altaneiros e ilustres, mas é aos humildes que ele revela seus mistérios. /21 Pois grande é o poder só de Deus, e pelos humildes ele é honrado. /22 Não procures o que é mais alto do que tu nem investigues o que é mais forte; pensa sempre no que Deus te ordenou e não sejas curioso acerca de suas muitas obras, /23 pois não precisas ver com teus olhos o que está escondido.”
Voltarei a esses temas, dileto Leitor, mas por ora me ocupo, sumariamente, desses dois lançamentos das editoras martelo e da Caminhos, ambas casas editoriais goianas.
Como “Moradas[iii]” já foi livro resenhado aqui no Opção Cultural pelo sr. Gilberto G. Pereira; restrinjo minhas considerações para os aspectos místicos e a catolicidade do autor – o que prometo realizar ao longo de 2018.
Por ora, só observação relevante, pois, desde logo, é preciso que se esclareça, embora implícito na erudita introdução do Sr. Faustino Teixeira: o poeta-polemista Johannes Scheffer, filho de um nobre polonês luterano (nasceu em Breslávia em 1624; morto aos 9 de julho de 1677). Obteve o diploma de Doutor em Filosofia e Medicina, na Universidade de Pádua, em 1648, tornando-se médico da corte do príncipe de Oels, na Silésia; foi recebido na Igreja Católica em 1653, levando a confirmação (Crisma) o nome de Angelus, ao qual ele adicionou o sobrenome Silesius (Silésia), pelo qual ele é conhecido na história da literatura. Em 1661, ele foi ordenado sacerdote e se retirou para o mosteiro dos Cavaleiros da Cruz em Breslávia, onde morreu.
Sua fortuna foi doada às instituições piedosas e caritativas. Ao lado dos jesuítas Spee e Balde, ele foi um dos poucos poetas distinguidos que a Alemanha produziu em uma era de esterilidade poética e gosto degradado. Silesius publicou, em 1657, as duas obras poéticas em que se destaca a fama: "O prazer espiritual da alma" (“Heilige Seelenlust”) é uma coleção de mais de duzentas canções religiosas, muitas delas de grande beleza, que encontraram seu caminho não só para o católico, mas até para o hinário protestante. O Peregrino Querubínico (Der Cherubinische Wandersmann) é uma coleção de mais de 1600 dísticos rimados, repletos de profundos pensamentos religiosos expressos em forma epigramática. Um pequeno número desses pares parece saborear o quietismo ou o panteísmo.
A enciclopédia Católica (“New Advent.org”) recomenda que estes deveriam ser interpretados em um sentido ortodoxo, pois Angelus Silesius não era um panteísta.
Suas escritas em prosa são ortodoxas; " O Peregrino Querubínico" foi publicado com o Imprimatur eclesiástico e, em seu prefácio, o próprio autor explica seus "paradoxos" em um sentido ortodoxo e repudia qualquer futuro panteísta de interpretação. Em 1663, ele começou a publicação de seus cinquenta e cinco panfletos polêmicos contra as várias seitas protestantes, sendo que destes, 39 ganharam forma de livro sob o título de “Eccleciologia” (Eclesiologia).
Já sobre o Huizinga de “Nas sombras do amanhã”, o leitor encontrará no Estado de S. Paulo a melhor análise já feita, de autoria do professor e crítico Fabrício Tavares de Moraes, em duas belas partes, publicadas nos dias 15 e 29 de outubro do ano passado. Destacar trechos da erudita análise do prof. Fabrício daria ao leitor uma janela bem estreita do vasto panorama que o crítico nos traça. Recomendo, pois, e com entusiasmo a leitura dos artigos doutorais citados no rodapé desta crônica[iv].
E assim como ano se foi, como a vida flui, esta crônica se findando. E não poderia finalizar senão com o poema que começamos. Saudemos o ano 2018 pois:
“Um livro é um sacramento.
É uma sagrada eleição
de eternidade, uma desolação
dirigida, rumor de elementos
em voo para a especulação
de circunstâncias, um quarto
empoeirado, um astronauta
com o corpo em chamas, re-
entrando o espaço finito.
Um livro inventa e cega.
A abelha jovem, o livro se
constrói como um aparelho
funciona, impenetrável em sua
aparente simplicidade externa,
adormecido e intrincado em seu
interior preciso e visitado.
Um livro constrói uma direção,
ilude um homem, industria outro.
Todo livro subsidia a luz e a
escuridão. Um livro contra
diz.
(Heleno Godoy[v]).
Adalberto de Queiroz é jornalista e poeta. Autor de “Frágil armação”, 2a. ed., Goiânia: Editora Caminhos, 2017. Email para: [email protected]
[i] LINHARES, Temístocles. “Diálogos sobre a poesia Brasileira”. S. Paulo: Melhoramentos, 1976; pág. 252. [ii] GODOY, Heleno. “Inventário: poesia reunida, inéditos e dispersos (1963-2015)”. Goiânia: martelo, 2015. Org. Solange Fiuza Cardoso Yokozawa, p.318. [iii] SILESIUS, Angelus (1624-1677). “Moradas” [36 poemas]. Goiânia: martelo, 2017. Trad. Marco Lucchesi, intr. Faustino Teixeira, ilustr. e dir. arte: Lucas Mariano. [iv] Artigos do prof. Fabrício Moraes em O Estado de S. Paulo: http://cultura.estadao.com.br/blogs/estado-da-arte/johan-huizinga-e-a-consciencia-da-historia/ e http://cultura.estadao.com.br/blogs/estado-da-arte/johan-huizinga-e-a-consciencia-da-historia-2/ , respectivamente, consultadas em 26/12/17, 14h56. [v] "Inventário" – pág. 318 fini e p.319. https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js

“Eu sou o poeta mundano/ Aquele que não é/ Arte pela arte./ Sou, sim, parte sobre parte/Plano sob plano.” Com esses versos do “Prefácio”, Alex Sugamosto estampa a força de sua dicção poética e sua proposta artística

É somente com o uso do poder imaginativo que a Poesia pode se fazer presença e presente
[caption id="attachment_105199" align="aligncenter" width="620"] Crítico literário Franklin de Oliveira (1916 - 2000)[/caption]
Creio ter sido o emérito e temido crítico – ao tempo em que esses existiam e eram temidos! – Temístocles Linhares quem primeiro me chamou a atenção para o fato de que ler poesia exige aprendizado especial. De um de seus livros magistrais “Diálogos sobre a poesia brasileira” (1976) fiz-me interlocutor silencioso por momentos e debatedor, declamador, noutros, concorde ou discorde ao conteúdo, mas sempre aprendendo muito.
Porém, há de ser sob a ótica de outro velho crítico dos rodapés à antiga, do erudito autodidata Franklin de Oliveira, que hei de escrever meu primeiro artigo sobre Poesia neste espaço. Há 17 anos o Brasil perdia esse grande pensador – o acadêmico, erudito, mas nada academicista - Franklin de Oliveira (1916-2000).
Batizado como José Ribamar de Oliveira Franklin da Costa, nasceu em São Luís do Maranhão em 12 de março de 1916, onde passou a infância e o início da juventude. Desde cedo, trabalhou para a imprensa, mas sua vocação de estudioso, de erudito mesmo (embora sem títulos acadêmicos), veio da valiosa biblioteca que lhe abriram José Neves de Andrade e Antônio Lopes; das recomendações de leitura de Nascimento Moraes, Rubem Almeida e Clarindo Santiago e, nas artes plásticas, aprendeu sobretudo com Rubens Damasceno.
Deixou uma porção de bons livros, dos quais destaco "A fantasia exata" (ensaios de literatura e música); "Viola d´amore" (idem); e o incontornável "Literatura e civilização" (1978).
No Rio de Janeiro, a partir de 1938, Franklin se firmou como redator e editor de jornais como A Notícia, Correio da manhã - onde se alternava com Otto Maria Carpeaux no rodízio da coluna de crítica literária e musical. Foi assessor político do governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola, a quem serviu como colaborador, conselheiro e amigo; tendo sido ao final da vida redator de O Globo e colaborador da Folha de São Paulo.
Definindo-se como "um homem ao qual a tempestade não dá folga, Franklin de Oliveira achava que não remar contra a maré é falta de caráter. E da vida só espera não morrer na cama que - dizia - é lugar de amar", Franklin é destes homens que fazem falta à crítica de rodapé impressa e digital, tal como a figura gigantesca (e ímpar) de Otto Maria Carpeaux, com quem Franklin chegou a se revezar no mesmo espaço jornalístico, escrevendo sobre literatura e música; deixou-nos a figura professoral, porém do mestre, quase um monge educador.
Assim, é como se eu o visse sentado na redação do Correio da Manhã “quando aparece na redação, surgido de torna-viagem” seu chefe, o sr. Paulo Bittencourt e lhe diz: “Aproveitei estes dias de Araxá para ler um livro que deveria ter lido há quarenta anos”. O livro: “Civilização do Renascimento na Itália”, editado em Sttutgart, em 1860. Estava o editor e crítico Franklin vivendo o ano do centenário do famoso livro de Jacob Burckhardt. Mas, deixemos de lado por ora Burckhardt, para voltar ao tema, pois com alguns parágrafos já vou consumindo boa parte da paciência do leitor.
Em “A fantasia exata”, Franklin de Oliveira busca nos ensinamentos de Ernst Cassirer as bases para afirmar que “a região na qual a atividade do espírito é a mais alta atividade franqueada ao próprio espírito, é a da linguagem. Aquelas ´inumeráveis realidades vivas que Rodin viu na pedra, também Cassirer as surpreendeu na linguagem. Como os mármores de Rodin, pedras onde, segundo Rilke, tudo é simultâneo e desperto...” Daí não podemos como leitores esquecermo-nos, adverte Oliveira, que “a linguagem, a arte e a religião integram o universo simbólico no qual se move o homem”.
É somente com o uso do poder imaginativo que a Poesia pode se fazer presença e presente. “Este poder é privilégio do artista, ser que pensa da forma pela qual o homem comum sonha. Assim, ideal, hispânico, ´gitano`, Federico Garcia Lorca pode escrever para sempre Verde que te quiero verde. ”
Não por acaso, no I Colóquio de Poesia Goiana, realizado na Universidade Federal de Goiás, ouvi de um colega poeta, o brilhante Edmar Guimarães (autor de “Caderno” e “Águas de Claudel”) a definição mais singela e uma das mais convincentes sobre o fazer poético – ele, Edmar que deve ser leitor de Rilke disse: “penso num poema como se olhasse para uma pedra que pode ser esculpida”.
No evento citado, onde pude conhecer e rever poetas conhecidos e famosos (como Gilberto Mendonça Teles e Heleno Godoy), fiquei sabendo do esforço de formar leitores que um grupo de denodados professores tem feito junto às escolas de Goiás. A missão é civilizatória: “investir na leitura, compartilhando experiências de ensino e pesquisa por meio de eventos e de publicações”, é o que move a “Rede Goiana de Pesquisa em Leitura e Ensino de Poesia, coordenada pela professora doutora Goiandira Ortiz de Camargo.
Em “Trilhas na formação do jovem leitor: imaginários sociais e cidadania” (Cânone, 2015), Goiandira Ortiz afirma que “a literatura, especialmente a poesia, exige um modo de ler que o contexto atual dificulta com sua velocidade de comunicação, de apelos visuais e ruídos, jogando o sujeito para fora de si, não permitindo tempo-espaço para uma disponibilidade de silêncio interior”.
Somente esse “silêncio interior”, esse mutismo pensante, essas meditações, em meio às turbulências do mundo hodierno, só o silêncio, dizia, pode nos conceder o dom e a graça de ler e fazer poesia – em meio ao furacão midiático. Em um livro de 1989, depois traduzido ao português em 2010, o filósofo Vilém Flusser[1] alerta para os desgastes que a tecnologia e a pressa das rotinas no mundo poderiam impor não só à Poesia mas à Escrita em geral. Ele diz:
“(...)com a hegemonia do alfabeto, essa associação estreita do pensamento à língua, entende-se majoritariamente por "poesia" um jogo com a linguagem cuja estratégia é aumentar criativamente o universo da língua. Esse universo é aprofundado poeticamente devido à manipulação de palavras e frases, à modulação de funções da língua, a um jogo com o significado das palavras e das frases, a modulações rítmicas e melódicas dos fonemas. Poesia, nesse sentido, é qualquer fonte da qual a língua sempre nasce renovada, e precisamente em qualquer literatura, ou seja, também nos textos científicos, filosóficos e políticos, e não apenas nos 'poéticos'. As reflexões anteriores sugerem que a poesia, ao contrário da imitação, tomará caminhos até agora inimagináveis, especificamente os caminhos que se abrem graças à introdução de aparelhos e aos seus respectivos novos códigos. As imagens se desligarão de suas funções imitativa e mimética e vão se tornar poéticas, criadoras. Esse poder poético já está claramente evidente, por exemplo, em filmes, vídeos e imagens sintéticas. Contudo, no que diz respeito à poesia, no sentido de jogo de linguagem, parece que o acesso à nova cultura está atravancado: pois ela se vê vinculada ao escrever alfabético.”O pensador tcheco-brasileiro continua advertindo que deveríamos, diante do advento de novas tecnologias, repensar a poesia, pois: “à primeira vista, parece como se pudesse haver também jogos de linguagem não alfabéticos. Os aparelhos não podem, pois, brincar com a língua tanto quanto com as imagens e os tons musicais? Não pode, pois, haver, além de imagens e músicas eletrônicas, poesia eletrônica? É possível pensar programas que movimentem os aparelhos para uma modulação linguística automática a superar de longe, em termos de força poética, as modulações alfabéticas. Uma programação de tal ordem poderia libertar a poesia alfabética de seu atual cárcere elitista e, tendo em vista o declínio do alfabeto, levá-la a uma oralidade cada vez mais poderosa e refinada. Caso essa estratégia pudesse ser adotada poderíamos esperar por salmos e epopeias como os de Davi e as de Homero, mas em novos níveis. Uma nova canção poderia ser entoada ao Senhor.” Ora, para Flusser, “o desligamento da poesia (como jogo de linguagem) do alfabeto e sua transposição para aparelhos computacionais pressupõem, sem dúvida, que haja pessoas engajadas em uma oralidade cada vez mais poderosa e refinada. Isso, contudo, contradiz o capítulo anterior [trecho em que Flussém trata de "A Língua Falada. Como o programar se desligou da escrita alfanumérica..."]. Se quisermos prever a atividade poética futura, é necessário refletir sobre poesia como oposição à imitação, e ter em vista, então, o caso especial da poesia como criação de linguagem. ” Então, eis-nos, aqui às vésperas do final da segunda década do século XXI, sem tomarmos a sério a advertência de Flusser:
“Nem sempre estamos cientes do que devemos à poesia, no sentido lato da palavra: quase tudo que percebemos e vivenciamos. Fazer poesia é a produção de modelos de experiência, e sem tais modelos não poderíamos perceber quase nada. Ficaríamos anestesiados e teríamos de - submetidos aos nossos instintos atrofiados - cambalear cegos, surdos e insensíveis. Os poetas são nossos órgãos do sentido. Nós vemos, ouvimos, sentimos sabores e cheiros devido aos modelos que nos são apresentados pelos poetas. Nós percebemos o mundo por meio desses modelos. Os poetas criaram esses modelos e não os imitaram a partir daquilo que se encontrasse desmodelado e bruto em algum lugar. Quando vemos cores, seja por meio de Van Gogh ou de uma Kodak; [obs.: Flusser escreve isso em 1987] quando ouvimos sons, seja o de Bach ou de um rock; quando sentimos sabores, seja o de um Brillat-Savarin ou de um ´fast-food´; essas cores, sons e sabores são como são não porque vêm da Natureza assim, mas porque são culturais, isto é, porque foram poeticamente elaborados por um motivo fundamental de alguma forma não percebido naturalmente. Se tentássemos escrever uma história da percepção a partir da hipótese de que as cores são percebidas de maneira diferente antes e depois de Van Gogh, ela seria uma história da estética, da experiência. ”Ou para citar um exemplo transcrito apropriadamente pela professora Goiandira Ortiz, tomado de empréstimo à “Matéria de poesia” de Manoel de Barros (2010)[2]:
As coisas que não pretendem, como por exemplo: pedras que cheiram água, homens que atravessam períodos de árvore, se prestam para a poesia [...] Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma e que você pode vender no mercado como, por exemplo, o coração verde dos pássaros, serve para a poesia [...] Tudo que explique o alicate cremoso e o lodo das estrelas serve demais da conta Pessoas desimportantes dão pra poesia qualquer pessoa ou escada O que é bom para o lixo é bom para a poesia[...] Franklin de Oliveira chega quase à mesma conclusão quando falando de “Verde que te quiero Verde” (Lorca) que seu verso, tal como o de Gertrude Stein – “A rose is a rose is a rose” – é uma forma de “protesto contra a nossa abstrata forma de estimar as coisas”; ou ainda em “Todas las rosas son la misma rosa” (de Juan Ramón Jimenez, prêmio Nobel de Literatura 1956) é onde o mistério é penetrado: aquela “forma de desnudar o universo; é forma de rebelião contra a desvitalização das coisas e das criaturas, daí o repetir o jogral dos ciganos espanhóis no verso imortal de Lorca “Verde que te quiero verde”. É “desse entendimento do contraditório, de um lado, e do vazio desse discurso de outro, o poeta propõe outra percepção do mundo...”, segundo Goiandira Ortiz, lançando mão do contexto em que escreve o poeta brasileiro do pantanal (Manoel Barros). Da mesma natureza desse “confinamento à inutilidade e à inferioridade” que salta das “coisas que não pretendem... ” mas “serve (m) demais da conta” foi como antes e em outro contexto confluiu para o mesmo tema a poetisa polonesa. Nesse caso, mais do que preocupação com o mármore de onde poderia extrair a poesia (à la Edmar Guimarães), da contenção do como e com que material fazer poesia, a polonesa poeta estava preocupada com o quem: “a quem serve a poesia”. E assim, suplementando a reflexão da professora Goiandira Ortiz, a poetisa Wislawa Szymborska[3] (pron.: “Vissuáva Chembórska”) – 1923-2012 – prêmio Nobel de Literatura 1996 diz num poema – leitores de poesia: “somos dois em mil”.
Alguns gostam de poesia Alguns gostam de poesia Alguns – ou seja nem todos. Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria. Sem contar a escola onde é obrigatório e os próprios poetas seriam talvez uns dois em mil.Sabendo como Franklin de Oliveira que “toda grande poesia é um ato de perplexidade”, reafirmo como civilizatória o propósito de “ler poemas na sala de aula”, como querem os mestres de nossa Faculdade de Letras (UFG e de outras instituições) e o faço no jornal preso ao mesmo espanto, este “assombro ante às desarticulações do mundo” (Oliveira) nas quais fomos lançados e somos arremessados cotidianamente pelo furor hodierno e a que se deve antepor a Poesia como “instrumento do conhecer, em relação à decifração dos hieróglifos que tecem, espesso, a vida no planeta Terra e na sua circunstância sideral”. E para fechar a coluna de hoje, volto às origens da poesia de língua portuguesa com o mestre Luís de Camões – que antepõe a “superior nobreza do talento” em que devemos sempre reclamar como o bardo lusitano tão bem o fez: “numa mão sempre a pena e noutra a espada” (teoria e prática, poesia e amor à Pátria):
Destarte se esclarece o entendimento, Que experiências fazem repousado, E fica vendo, como de alto assento, O baixo trato humano embaraçado. Este, onde tiver força o regimento Direito, e de afeitos ocupado, Subirá (como deve) a ilustre mando, Contra vontade sua, e não rogando.[4]Ao que adiciono este belo voo poético de Edmar Guimarães, a quem voltarei com interlocução específica na época da reedição de seu belo “Águas de Claudel”, prometido para este ano – o poema se intitula “Expectar”, que é o que faço como cidadão e leitor, diante do trabalho da Rede Goiana de Pesquisa em Leitura e Ensino de Poesia:
É tarde para a euforia da forma. O coração, sol de músculos a entornar crepúsculos ..........nos dias de dentro. E quando se vai lendo frios ventos nos olhos, aprendendo a caligrafia dos ocasos, do cheiro mumificado do mundo, de aves suadas nas escarpas escuras do ar há desespero nuvens rasas nos olhos. Aves são de carne, mas têm asas.NOTAS [1] “A escrita – Há futuro para a escrita ?”. Trad. do alemão por Murilo J da Costa – S.Paulo, Annablume, 2010. Orig. alemão de 1989. 178 p. [2] ORTIZ, Goiandira. Trilhas na formação do jovem leitor. P.56/7 apud Barros, 2010, p.145/7 (trechos). [3] Poemas, seleção e tradução de Regina Przybycien. [4] CAMÕES, Luís de. “Os Lusíadas”, Canto VI, 99. /

Morto há dez anos, Bruno Tolentino deixou uma obra poética incontestavelmente sólida e importante, que pode ser apreciada em poemas como "O Anjo Anunciador", "O Pavão", "O Morto Habituado", "Noturno" e muitos outros
[caption id="attachment_98972" align="aligncenter" width="620"] Poeta Bruno Tolentino (1940-2007)[/caption]
Na última terça-feira, 27, a morte de Bruno Tolentino completou uma década. A fim de alimentar um pouco da chama da obra do grande poeta carioca, solicitei ao crítico Jessé de Almeida Primo (que, junto a Juliana P. Perez, fez os comentários e notas à edição especial de "As Horas de Katharina" [Record, 2010]) que fizesse uma lista dos 10 melhores poemas de Bruno. Ou, melhor dizendo: dos 10 poemas mais importantes e emblemáticos, que expusessem, sobretudo àqueles que ainda não são familiarizados com o autor de "O mundo como ideia", a dicção e o universo poético tolentiniano. Jessé, muito gentilmente, me forneceu a lista que reproduzo abaixo.
Apreciem!
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O MORTO HABITUADO Não são leves os laços do absurdo exercício: o homem lado a lado com seu laçado ritmo. muito menos cumprido do que dependurado, plataforma do umbigo ao pescoço do hábito. Mas ao engravatado qual o conforto vindo provar que o inimigo não inventou o laço? Por outro lado, fausto do que secreto visgo se o absurdo do ato costuma ser tranquilo? Discreto e convencido, como não dar o laço, rebento do risível com o bem comportado? Conhecer o ridículo quando se chama exato, isento de impossível e impossibilitado? Demasiado antigo, já não é bem um trato: vertical compromisso, enforca-se o enforcado. NOTURNO Não sou o que te quer. Sou o que desce a ti, veia por veia, e se derrama à cata de si mesmo e do que é chama e em cinza se reúne e se arrefece. Anoitece contigo. E me anoitece o lume do que é findo e me reclama. Abro as mãos no obscuro, toco a trama que lacuna a lacuna amor se tece. Repousa em ti o espanto que em mim dói, noturno. E te revolvo. E estás pousada, pomba de pura sombra que me rói. E mordo o teu silêncio corrosivo, chupo o que flui, amor, sei que estou vivo e sou teu salto em mim suspenso em nada. AO DIVINO ASSASSINO
Como Joanyr de Oliveira deixou claro, nunca houve por parte do organizador a pretensão de constituir uma antologia perfeita. Seja como for, há nomes de todas as regiões do Brasil

Em “Há um mar no fundo de cada sonho”, o autor carioca mostra que já pode ser considerado um dos nomes mais interessantes da poesia brasileira contemporânea

Escrito entre 1963 e 1965, livro é um conjunto de lirismo ligado à infância do poeta, que só saiu à luz no Brasil em 2010