Resultados do marcador: Poesia

Encontramos 36 resultados
Maria Félix Fontele lança o livro “Versos que me habitam”

Escritos abordam temas como o próprio amor, o tempo, a família, a amizade, a religiosidade

Notas de um viajante brasileiro na América (2)

Em viagem à América, especialmente à região da Nova Inglaterra e ao Québec, tracei um roteiro que inclui cinco ou seis casas-museus de importantes escritores norte-americanos

Visões da poesia de Yeats (2)

Nesta segunda crônica sobre W. B. Yeats, obedeço à conclamação que o poeta faz em "O balão da Mente": “Mãos, façam o que vos é pedido:/Tragam o balão da mente/Que intumesce e se arrasta ao vento/Para o seu estreito alpendre”

Guache em azul, cinza e sombrio

Consciente de que certas formas de ginástica e de exercícios passionais são restritos aos jovens, contento-me com este exercício semanal da crítica

A crônica do deserto particular

Um poema de Alberto da Cunha Melo vem nos alertar. É preciso enxergar dentro da casa vazia, do deserto da alma

Cenas das cidades dos cadáveres

Poemas impressionantes de Anna Świrszczyńska (1909–1984), no livro “Eu Construía a Barricada”, falam da revolta contra o exército nazista alemão, no final da Segunda Guerra Mundial, que culminou na morte de 200 mil civis

As quatro estações no outono telúrico de Sandra Maria

Lançado em 2017, “Folhas Secas sob Meus Pés” fala da transformação da mulher da infância à velhice, exaltando a vivacidade do amadurecimento, em que, ao contrário das folhagens outonais, as seivas da vida não se secam

João Filho: o talento, a coragem e a transcendência do mundo

– O que dizer do poeta João (Fernandez) Filho e deste seu “Auto da romaria”? Bem, tenhamos como pressuposto: João Filho é poeta que deve marcar seu nome na história da poesia brasileira do século XXI. Seu lugar não está reservado apenas entre os poetas católicos, mas, com certeza entre os grandes da poesia de nossa época. E o que me leva a fazer tal aposta?

O livro pode ser “mortal como esmeralda falsa”, mas constrói uma direção

Vista em retrospectiva, por esta coluna passaram, em 2017, vários autores críticos, poetas, cronistas, filósofos e o maior teólogo do século XX (J. Ratzinger). Estes diálogos continuam semanais no ano que estamos começando, sempre em busca do "leitor que queima pestanas", reavivando a velha "crônica-de-rodapé", exemplar em Franklin de Oliveira, Augusto Meyer e Temístocles Linhares. [caption id="attachment_113665" align="aligncenter" width="625"] Os poemas místicos publicados por Ângelus Silesius, no Século XVII, permanecem atuais até hoje[/caption] Vários livros sobre a mesa me fazem lembrar Temístocles Linhares, quando diante de um dever de ofício contemplava-os com amor, antes de enfrentá-los, pois, afinal, todo livro tem sua história e já o sabemos um homem não entra e sai de um bom livro sendo o mesmo: – “Como previa – dizia eu a meu companheiro –, os livros de e sobre poesia continuam a acumular-se sobre a mesa e nós ainda temos muito que conversar a respeito.[i] Também este velho jornalista, dublê de comerciante e poeta hoje, depois de quarenta anos passados desde a publicação desses “Diálogos...” (de Linhares), sente-se no dever de continuar escrevendo pois crê ter muito a conversar a respeito da Poesia, da crítica (da crítica), da ficção, da teologia e outros tópicos nem tão frequentes na rotina cansada de nossos jornais cada vez menos literários... Afinal, como diz o professor, crítico e poeta Heleno Godoy: [caption id="attachment_113667" align="aligncenter" width="363"] O poeta e professor Heleno Godoy que teve sua poesia completa reunida pela martelo Casa Editorial no livro "Inventário"[/caption] “Um livro responde às assinaturas subscritas, incorpora tempestades, incendeia oceanos poderosos, ervas frágeis, manhãs que des- pertam quando a lua ainda não se foi. Um livro abrange um delírio, homens livres e fugitivos. Um livro estreita relações, anula diferenças ou estabelece seus contrários, como a aranha surpreende sua presa, enredando-lhe os contornos, sintética, fria, anagramática. Um livro é mortal como esmeralda falha e falsa, reconciliação de cômodos intervalos. Mas pode ser violento como um tribunal ou uma missa rezada em silêncio, um vinho bebido em jejum, pão comido lenta e parcimoniosamente. [...][ii]” Acertada visão essa do poeta goiano Heleno Godoy, felicíssima ao transpor ao verbo sua compreensão do objeto livro, nesse trecho do poema homônimo, ao qual volto mais tarde... O fato é que após quase cinco meses, redigindo esta coluna semanal, dedicada inteiramente à literatura, dessas crônicas que se deixam permear pela crítica ensaística, o fato, dizia: é que os livros são um desafio constante para o que escrutina em busca de conexões para o leitor ansioso por aprofundar leituras – aquele Leitor (sim, com L maiúsculo, porque maior é seu valor!) que se torna a um só tempo aquele que “queima pestanas; é um leitor petulante”. Bem, precisamos ir à origem das palavras para delas melhor extrair prazer e conselho; e petulante é dessas palavras que nasceram negativas, mas depois foi se adoçando pelo falar (e escrever) do brasileiro e denota aquele que tem ímpeto, o que tem vivacidade, este leitor, você que veio até aqui, passando pela colina acima anteposta sob a forma do que os leitores de 140 caracteres mais detestam: o texto poético, exposto em estanças, como deve ser e o foi na concepção original do poeta. Pois bem, eis-nos diante dos livros esses paquidermes insolentes que nos atiram à gruta ou ao voo livre em plena estação da chuva. E se deixo a metáfora em itálico, deve-se ao fato de que não desejo ser traído pela memória de minhas leituras de Jorge Luis Borges. De “petulante” (do lat. “petulans” -  raiz petere) saco apenas o sentido não agressivo, só aquele senso positivo que creio estava na origem do termo usado pelo crítico gaúcho Augusto Meyer ao dizer-se ansioso por ser lido justamente por este tipo de leitor, o que segue (ou busca) um caminho com a persistência que se exige para se atingir um alvo. Eis-nos às portas do final da segunda década deste século mau. Exige-se um balanço e um planejamento para que o cronista também seja digno de nomear-se “petulans”, sem agressividade. Os livros que foram analisados nessa coluna o foram sempre que possível nomeados ao final, com notas de fim dos artigos, com o fito de animar o leitor a aprofundar-se no que aqui só esboçamos para o deleite de autor e leitores. Vista em retrospectiva, nesta coluna passaram vários autores críticos, poetas, cronistas, filósofos e um teólogo (Ratzinger): Ivan Junqueira, T.S. Eliot, Tasso da Silveira, Vinicius de Moraes, Jorge de Lima, Augusto Frederico Schmidt, Tasso da Silveira, Wladimir Saldanha, Vicente Ferreira da Silva, Lúcio Cardoso, John Macy, J. G. Merquior, Giacomo Leopardi, Otto Maria Carpeaux, Kazuo Ishiguro, Jorge Luis Borges, Mircea Eliade, Carlos Nejar, João Alexandre Barbosa, Manoel Bandeira, Érico Nogueira, a Bíblia Sagrada, Virgílio, Franklin de Oliveira, Temístocles Linhares, Hermann Broch, Henriqueta Lisboa, James Wood e Joseph Ratzinger. Os próximos alvos de nossos comentários serão estes dois livros que reputo como o grande trunfo da incipiente mas laboriosa indústria editorial goiana. Dois lançamentos nacionais de peso e de autores muito respeitados em todo o mundo. Falo de “Nas sombras do amanhã” (de Johan Huizinga, tradução de Sérgio Marinho), da editora Caminhos; e “Moradas”, de Angelus Silesius (tradução de Marco Lucchesi). [caption id="attachment_113666" align="aligncenter" width="407"] Dois livros de autores canônicos tiveram lançamento nacional em Goiânia[/caption] Deseja o cronista fazer-se acompanhar desses dois livros a uma estação de veraneio, onde espera o afeto dos amados, sobretudo dos netos! e ler – pois ler, digo logo ao interlocutor invisível desta crônica, não é de todo uma atividade que o faça por obrigação. Ou seja: o cronista estará de férias, mas esta coluna não. Huizinga já é velho conhecido meu – desde a leitura crítica, quase estudo, que fiz “O outono da idade média” e Angelus Silesius, o convertido ao Catolicismo que se fez poeta de elevada estirpe, já me seduzia com sua poesia mística há muito tempo. Quis o destino que o tradutor brasileiro fizesse, antes de assumir a presidência da Academia Brasileira de Letras, o lançamento nacional deste belo livro em Goiânia. Eu tive a chance de conviver algumas horas com Marco Lucchesi, um homem de grande sabedoria, um poeta e tradutor de comprovado domínio do verbo; um tradutor de inúmeros idiomas. Passou o sr. Lucchesi por Goiânia como um anjo passa: deixou a mensagem divina impregnada à sua humildade, que ao contrário de muitos intelectuais da província, ele um poeta cosmopolita a tem e a esbanja – se é que humildade se esbanje, pois de todas as virtudes esta é a que mais se dá a conhecer quanto menos se explicita. É-se humilde, sendo silencioso e acolhedor. É pelos humildes, ensina-nos o Eclesiastes, que Deus é (verdadeiramente) honrado! Marco Lucchesi é um homem que se porta como um sábio. É um que segue o conselho dos versos pedagógicos do Cap. 3 do Sirácida: “19 Filho, realiza teus trabalhos com mansidão e serás amado mais do que alguém que dá presentes. /20 Na medida em que fores grande, humilha-te em tudo e assim encontrarás graça diante de Deus. Muitos são altaneiros e ilustres, mas é aos humildes que ele revela seus mistérios. /21 Pois grande é o poder só de Deus, e pelos humildes ele é honrado. /22 Não procures o que é mais alto do que tu nem investigues o que é mais forte; pensa sempre no que Deus te ordenou e não sejas curioso acerca de suas muitas obras, /23 pois não precisas ver com teus olhos o que está escondido.” Voltarei a esses temas, dileto Leitor, mas por ora me ocupo, sumariamente, desses dois lançamentos das editoras martelo e da Caminhos, ambas casas editoriais goianas. Como “Moradas[iii]” já foi livro resenhado aqui no Opção Cultural pelo sr. Gilberto G. Pereira; restrinjo minhas considerações para os aspectos místicos e a catolicidade do autor – o que prometo realizar ao longo de 2018. Por ora, só observação relevante, pois, desde logo, é preciso que se esclareça, embora implícito na erudita introdução do Sr. Faustino Teixeira: o poeta-polemista Johannes Scheffer, filho de um nobre polonês luterano (nasceu em Breslávia em 1624; morto aos 9 de julho de 1677). Obteve o diploma de Doutor em Filosofia e Medicina, na Universidade de Pádua, em 1648, tornando-se médico da corte do príncipe de Oels, na Silésia; foi recebido na Igreja Católica em 1653, levando a confirmação (Crisma) o nome de Angelus, ao qual ele adicionou o sobrenome Silesius (Silésia), pelo qual ele é conhecido na história da literatura. Em 1661, ele foi ordenado sacerdote e se retirou para o mosteiro dos Cavaleiros da Cruz em Breslávia, onde morreu. Sua fortuna foi doada às instituições piedosas e caritativas. Ao lado dos jesuítas Spee e Balde, ele foi um dos poucos poetas distinguidos que a Alemanha produziu em uma era de esterilidade poética e gosto degradado. Silesius publicou, em 1657, as duas obras poéticas em que se destaca a fama: "O prazer espiritual da alma" (“Heilige Seelenlust”) é uma coleção de mais de duzentas canções religiosas, muitas delas de grande beleza, que encontraram seu caminho não só para o católico, mas até para o hinário protestante. O Peregrino Querubínico (Der Cherubinische Wandersmann) é uma coleção de mais de 1600 dísticos rimados, repletos de profundos pensamentos religiosos expressos ​​em forma epigramática. Um pequeno número desses pares parece saborear o quietismo ou o panteísmo. A enciclopédia Católica (“New Advent.org”) recomenda que estes deveriam ser interpretados em um sentido ortodoxo, pois Angelus Silesius não era um panteísta. Suas escritas em prosa são ortodoxas; " O Peregrino Querubínico" foi publicado com o Imprimatur eclesiástico e, em seu prefácio, o próprio autor explica seus "paradoxos" em um sentido ortodoxo e repudia qualquer futuro panteísta de interpretação. Em 1663, ele começou a publicação de seus cinquenta e cinco panfletos polêmicos contra as várias seitas protestantes, sendo que destes, 39 ganharam forma de livro sob o título de “Eccleciologia” (Eclesiologia). Já sobre o Huizinga de “Nas sombras do amanhã”, o leitor encontrará no Estado de S. Paulo a melhor análise já feita, de autoria do professor e crítico Fabrício Tavares de Moraes, em duas belas partes, publicadas nos dias 15 e 29 de outubro do ano passado. Destacar trechos da erudita análise do prof. Fabrício daria ao leitor uma janela bem estreita do vasto panorama que o crítico nos traça. Recomendo, pois, e com entusiasmo a leitura dos artigos doutorais citados no rodapé desta crônica[iv]. E assim como ano se foi, como a vida flui, esta crônica se findando. E não poderia finalizar senão com o poema que começamos. Saudemos o ano 2018 pois: “Um livro é um sacramento. É uma sagrada eleição de eternidade, uma desolação dirigida, rumor de elementos em voo para a especulação de circunstâncias, um quarto empoeirado, um astronauta com o corpo em chamas, re- entrando o espaço finito. Um livro inventa e cega. A abelha jovem, o livro se constrói como um aparelho funciona, impenetrável em sua aparente simplicidade externa, adormecido e intrincado em seu interior preciso e visitado. Um livro constrói uma direção, ilude um homem, industria outro. Todo livro subsidia a luz e a escuridão. Um livro contra diz. (Heleno Godoy[v]). Adalberto de Queiroz é jornalista e poeta. Autor de “Frágil armação”, 2a. ed., Goiânia: Editora Caminhos, 2017. Email para: [email protected]


[i] LINHARES, Temístocles. “Diálogos sobre a poesia Brasileira”. S. Paulo: Melhoramentos, 1976; pág. 252. [ii] GODOY, Heleno. “Inventário: poesia reunida, inéditos e dispersos (1963-2015)”. Goiânia: martelo, 2015. Org. Solange Fiuza Cardoso Yokozawa, p.318. [iii] SILESIUS, Angelus (1624-1677). “Moradas” [36 poemas]. Goiânia: martelo, 2017. Trad. Marco Lucchesi, intr. Faustino Teixeira, ilustr. e dir. arte: Lucas Mariano. [iv] Artigos do prof. Fabrício Moraes em O Estado de S. Paulo: http://cultura.estadao.com.br/blogs/estado-da-arte/johan-huizinga-e-a-consciencia-da-historia/ e http://cultura.estadao.com.br/blogs/estado-da-arte/johan-huizinga-e-a-consciencia-da-historia-2/ , respectivamente, consultadas em 26/12/17, 14h56. [v] "Inventário" – pág. 318 fini e p.319. https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js

Nove poemas e uma canção

“Eu sou o poeta mundano/ Aquele que não é/ Arte pela arte./ Sou, sim, parte sobre parte/Plano sob plano.” Com esses versos do “Prefácio”, Alex Sugamosto estampa a força de sua dicção poética e sua proposta artística

Ler Poesia pra quê? (Ou: Há futuro para a Escrita?) – parte 1

É somente com o uso do poder imaginativo que a Poesia pode se fazer presença e presente [caption id="attachment_105199" align="aligncenter" width="620"] Crítico literário Franklin de Oliveira (1916 - 2000)[/caption] Creio ter sido o emérito e temido crítico – ao tempo em que esses existiam e eram temidos! – Temístocles Linhares quem primeiro me chamou a atenção para o fato de que ler poesia exige aprendizado especial. De um de seus livros magistrais “Diálogos sobre a poesia brasileira” (1976) fiz-me interlocutor silencioso por momentos e debatedor, declamador, noutros, concorde ou discorde ao conteúdo, mas sempre aprendendo muito. Porém, há de ser sob a ótica de outro velho crítico dos rodapés à antiga, do erudito autodidata Franklin de Oliveira, que hei de escrever meu primeiro artigo sobre Poesia neste espaço. Há 17 anos o Brasil perdia esse grande pensador – o acadêmico, erudito, mas nada academicista - Franklin de Oliveira (1916-2000). Batizado como José Ribamar de Oliveira Franklin da Costa, nasceu em São Luís do Maranhão em 12 de março de 1916, onde passou a infância e o início da juventude. Desde cedo, trabalhou para a imprensa, mas sua vocação de estudioso, de erudito mesmo (embora sem títulos acadêmicos), veio da valiosa biblioteca que lhe abriram José Neves de Andrade e Antônio Lopes; das recomendações de leitura de Nascimento Moraes, Rubem Almeida e Clarindo Santiago e, nas artes plásticas, aprendeu sobretudo com Rubens Damasceno. Deixou uma porção de bons livros, dos quais destaco "A fantasia exata" (ensaios de literatura e música); "Viola d´amore" (idem); e o incontornável "Literatura e civilização" (1978). No Rio de Janeiro, a partir de 1938, Franklin se firmou como redator e editor de jornais como A Notícia, Correio da manhã - onde se alternava com Otto Maria Carpeaux no rodízio da coluna de crítica literária e musical. Foi assessor político do governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola, a quem serviu como colaborador, conselheiro e amigo; tendo sido ao final da vida redator de O Globo e colaborador da Folha de São Paulo. Definindo-se como "um homem ao qual a tempestade não dá folga, Franklin de Oliveira achava que não remar contra a maré é falta de caráter. E da vida só espera não morrer na cama que - dizia - é lugar de amar", Franklin é destes homens que fazem falta à crítica de rodapé impressa e digital, tal como a figura gigantesca (e ímpar) de Otto Maria Carpeaux, com quem Franklin chegou a se revezar no mesmo espaço jornalístico, escrevendo sobre literatura e música; deixou-nos a figura professoral, porém do mestre, quase um monge educador. Assim, é como se eu o visse sentado na redação do Correio da Manhã “quando aparece na redação, surgido de torna-viagem” seu chefe, o sr. Paulo Bittencourt e lhe diz: “Aproveitei estes dias de Araxá para ler um livro que deveria ter lido há quarenta anos”. O livro: “Civilização do Renascimento na Itália”, editado em Sttutgart, em 1860. Estava o editor e crítico Franklin vivendo o ano do centenário do famoso livro de Jacob Burckhardt. Mas, deixemos de lado por ora Burckhardt, para voltar ao tema, pois com alguns parágrafos já vou consumindo boa parte da paciência do leitor. Em “A fantasia exata”, Franklin de Oliveira busca nos ensinamentos de Ernst Cassirer as bases para afirmar que “a região na qual a atividade do espírito é a mais alta atividade franqueada ao próprio espírito, é a da linguagem. Aquelas ´inumeráveis realidades vivas que Rodin viu na pedra, também Cassirer as surpreendeu na linguagem. Como os mármores de Rodin, pedras onde, segundo Rilke, tudo é simultâneo e desperto...” Daí não podemos como leitores esquecermo-nos, adverte Oliveira, que “a linguagem, a arte e a religião integram o universo simbólico no qual se move o homem”. É somente com o uso do poder imaginativo que a Poesia pode se fazer presença e presente. “Este poder é privilégio do artista, ser que pensa da forma pela qual o homem comum sonha. Assim, ideal, hispânico, ´gitano`, Federico Garcia Lorca pode escrever para sempre Verde que te quiero verde. ” Não por acaso, no I Colóquio de Poesia Goiana, realizado na Universidade Federal de Goiás, ouvi de um colega poeta, o brilhante Edmar Guimarães (autor de “Caderno” e “Águas de Claudel”) a definição mais singela e uma das mais convincentes sobre o fazer poético – ele, Edmar que deve ser leitor de Rilke disse: “penso num poema como se olhasse para uma pedra que pode ser esculpida”. No evento citado, onde pude conhecer e rever poetas conhecidos e famosos (como Gilberto Mendonça Teles e Heleno Godoy), fiquei sabendo do esforço de formar leitores que um grupo de denodados professores tem feito junto às escolas de Goiás. A missão é civilizatória: “investir na leitura, compartilhando experiências de ensino e pesquisa por meio de eventos e de publicações”, é o que move a “Rede Goiana de Pesquisa em Leitura e Ensino de Poesia, coordenada pela professora doutora Goiandira Ortiz de Camargo. Em “Trilhas na formação do jovem leitor: imaginários sociais e cidadania” (Cânone, 2015), Goiandira Ortiz afirma que “a literatura, especialmente a poesia, exige um modo de ler que o contexto atual dificulta com sua velocidade de comunicação, de apelos visuais e ruídos, jogando o sujeito para fora de si, não permitindo tempo-espaço para uma disponibilidade de silêncio interior”. Somente esse “silêncio interior”, esse mutismo pensante, essas meditações, em meio às turbulências do mundo hodierno, só o silêncio, dizia, pode nos conceder o dom e a graça de ler e fazer poesia – em meio ao furacão midiático. Em um livro de 1989, depois traduzido ao português em 2010, o filósofo Vilém Flusser[1] alerta para os desgastes que a tecnologia e a pressa das rotinas no mundo poderiam impor não só à Poesia mas à Escrita em geral. Ele diz:

“(...)com a hegemonia do alfabeto, essa associação estreita do pensamento à língua, entende-se majoritariamente por "poesia" um jogo com a linguagem cuja estratégia é aumentar criativamente o universo da língua. Esse universo é aprofundado poeticamente devido à manipulação de palavras e frases, à modulação de funções da língua, a um jogo com o significado das palavras e das frases, a modulações rítmicas e melódicas dos fonemas. Poesia, nesse sentido, é qualquer fonte da qual a língua sempre nasce renovada, e precisamente em qualquer literatura, ou seja, também nos textos científicos, filosóficos e políticos, e não apenas nos 'poéticos'. As reflexões anteriores sugerem que a poesia, ao contrário da imitação, tomará caminhos até agora inimagináveis, especificamente os caminhos que se abrem graças à introdução de aparelhos e aos seus respectivos novos códigos. As imagens se desligarão de suas funções imitativa e mimética e vão se tornar poéticas, criadoras. Esse poder poético já está claramente evidente, por exemplo, em filmes, vídeos e imagens sintéticas. Contudo, no que diz respeito à poesia, no sentido de jogo de linguagem, parece que o acesso à nova cultura está atravancado: pois ela se vê vinculada ao escrever alfabético.”
O pensador tcheco-brasileiro continua advertindo que deveríamos, diante do advento de novas tecnologias, repensar a poesia, pois: “à primeira vista, parece como se pudesse haver também jogos de linguagem não alfabéticos. Os aparelhos não podem, pois, brincar com a língua tanto quanto com as imagens e os tons musicais? Não pode, pois, haver, além de imagens e músicas eletrônicas, poesia eletrônica? É possível pensar programas que movimentem os aparelhos para uma modulação linguística automática a superar de longe, em termos de força poética, as modulações alfabéticas. Uma programação de tal ordem poderia libertar a poesia alfabética de seu atual cárcere elitista e, tendo em vista o declínio do alfabeto, levá-la a uma oralidade cada vez mais poderosa e refinada. Caso essa estratégia pudesse ser adotada poderíamos esperar por salmos e epopeias como os de Davi e as de Homero, mas em novos níveis. Uma nova canção poderia ser entoada ao Senhor.” Ora, para Flusser, “o desligamento da poesia (como jogo de linguagem) do alfabeto e sua transposição para aparelhos computacionais pressupõem, sem dúvida, que haja pessoas engajadas em uma oralidade cada vez mais poderosa e refinada. Isso, contudo, contradiz o capítulo anterior [trecho em que Flussém trata de "A Língua Falada. Como o programar se desligou da escrita alfanumérica..."]. Se quisermos prever a atividade poética futura, é necessário refletir sobre poesia como oposição à imitação, e ter em vista, então, o caso especial da poesia como criação de linguagem. ” Então, eis-nos, aqui às vésperas do final da segunda década do século XXI, sem tomarmos a sério a advertência de Flusser:
Nem sempre estamos cientes do que devemos à poesia, no sentido lato da palavra: quase tudo que percebemos e vivenciamos. Fazer poesia é a produção de modelos de experiência, e sem tais modelos não poderíamos perceber quase nada. Ficaríamos anestesiados e teríamos de - submetidos aos nossos instintos atrofiados - cambalear cegos, surdos e insensíveis. Os poetas são nossos órgãos do sentido. Nós vemos, ouvimos, sentimos sabores e cheiros devido aos modelos que nos são apresentados pelos poetas. Nós percebemos o mundo por meio desses modelos. Os poetas criaram esses modelos e não os imitaram a partir daquilo que se encontrasse desmodelado e bruto em algum lugar. Quando vemos cores, seja por meio de Van Gogh ou de uma Kodak; [obs.: Flusser escreve isso em 1987] quando ouvimos sons, seja o de Bach ou de um rock; quando sentimos sabores, seja o de um Brillat-Savarin ou de um ´fast-food´; essas cores, sons e sabores são como são não porque vêm da Natureza assim, mas porque são culturais, isto é, porque foram poeticamente elaborados por um motivo fundamental de alguma forma não percebido naturalmente. Se tentássemos escrever uma história da percepção a partir da hipótese de que as cores são percebidas de maneira diferente antes e depois de Van Gogh, ela seria uma história da estética, da experiência. ”
Ou para citar um exemplo transcrito apropriadamente pela professora Goiandira Ortiz, tomado de empréstimo à “Matéria de poesia” de Manoel de Barros (2010)[2]:
As coisas que não pretendem, como por exemplo: pedras que cheiram água, homens que atravessam períodos de árvore, se prestam para a poesia [...] Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma e que você pode vender no mercado como, por exemplo, o coração verde dos pássaros, serve para a poesia [...] Tudo que explique o alicate cremoso e  o lodo das estrelas serve demais da conta Pessoas desimportantes dão pra poesia qualquer pessoa ou escada O que é bom para o lixo é bom para a poesia
[...] Franklin de Oliveira chega quase à mesma conclusão quando falando de “Verde que te quiero Verde” (Lorca) que seu verso, tal como o de Gertrude Stein – “A rose is a rose is a rose” – é uma forma de “protesto contra a nossa abstrata forma de estimar as coisas”; ou ainda em “Todas las rosas son la misma rosa” (de Juan Ramón Jimenez, prêmio Nobel de Literatura 1956) é onde o mistério é penetrado: aquela “forma de desnudar o universo; é forma de rebelião contra a desvitalização das coisas e das criaturas, daí o repetir o jogral dos ciganos espanhóis no verso imortal de Lorca “Verde que te quiero verde”. É “desse entendimento do contraditório, de um lado, e do vazio desse discurso de outro, o poeta propõe outra percepção do mundo...”, segundo Goiandira Ortiz, lançando mão do contexto em que escreve o poeta brasileiro do pantanal (Manoel Barros). Da mesma natureza desse “confinamento à inutilidade e à inferioridade” que salta das “coisas que não pretendem... ” mas “serve (m) demais da conta” foi como antes e em outro contexto confluiu para o mesmo tema a poetisa polonesa. Nesse caso, mais do que preocupação com o mármore de onde poderia extrair a poesia (à la Edmar Guimarães), da contenção do como e com que material fazer poesia, a polonesa poeta estava preocupada com o quem: “a quem serve a poesia”. E assim, suplementando a reflexão da professora Goiandira Ortiz, a poetisa Wislawa Szymborska[3] (pron.: “Vissuáva Chembórska”) – 1923-2012 – prêmio Nobel de Literatura 1996 diz num poema – leitores de poesia: “somos dois em mil”.
Alguns gostam de poesia Alguns gostam de poesia Alguns – ou seja nem todos. Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria. Sem contar a escola onde é obrigatório e os próprios poetas seriam talvez uns dois em mil.
Sabendo como Franklin de Oliveira que “toda grande poesia é um ato de perplexidade”, reafirmo como civilizatória o propósito de “ler poemas na sala de aula”, como querem os mestres de nossa Faculdade de Letras (UFG e de outras instituições) e o faço no jornal preso ao mesmo espanto, este “assombro ante às desarticulações do mundo” (Oliveira) nas quais fomos lançados e somos arremessados cotidianamente pelo furor hodierno e a que se deve antepor a Poesia como “instrumento do conhecer, em relação à decifração dos hieróglifos que tecem, espesso, a vida no planeta Terra e na sua circunstância sideral”. E para fechar a coluna de hoje, volto às origens da poesia de língua portuguesa com o mestre Luís de Camões – que antepõe a “superior nobreza do talento” em que devemos sempre reclamar como o bardo lusitano tão bem o fez: “numa mão sempre a pena e noutra a espada” (teoria e prática, poesia e amor à Pátria):
Destarte se esclarece o entendimento, Que experiências fazem repousado, E fica vendo, como de alto assento, O baixo trato humano embaraçado. Este, onde tiver força o regimento Direito, e de afeitos ocupado, Subirá (como deve) a ilustre mando, Contra vontade sua, e não rogando.[4]
Ao que adiciono este belo voo poético de Edmar Guimarães, a quem voltarei com interlocução específica na época da reedição de seu belo “Águas de Claudel”, prometido para este ano – o poema se intitula “Expectar”, que é o que faço como cidadão e leitor, diante do trabalho da Rede Goiana de Pesquisa em Leitura e Ensino de Poesia:
É tarde para a euforia da forma. O coração, sol de músculos a entornar crepúsculos ..........nos dias de dentro. E quando se vai lendo frios ventos nos olhos, aprendendo a caligrafia dos ocasos, do cheiro mumificado do mundo, de aves suadas nas escarpas escuras do ar há desespero nuvens rasas nos olhos. Aves são de carne, mas têm asas.
NOTAS [1]  “A escrita – Há futuro para a escrita ?”. Trad. do alemão por Murilo J da Costa – S.Paulo, Annablume, 2010. Orig. alemão de 1989. 178 p. [2] ORTIZ, Goiandira. Trilhas na formação do jovem leitor. P.56/7 apud Barros, 2010, p.145/7 (trechos). [3] Poemas, seleção e tradução de Regina Przybycien. [4] CAMÕES, Luís de. “Os Lusíadas”, Canto VI, 99. /

Os 10 melhores poemas de Bruno Tolentino

Morto há dez anos, Bruno Tolentino deixou uma obra poética incontestavelmente sólida e importante, que pode ser apreciada em poemas como "O Anjo Anunciador",  "O Pavão", "O Morto Habituado", "Noturno" e muitos outros [caption id="attachment_98972" align="aligncenter" width="620"] Poeta Bruno Tolentino (1940-2007)[/caption] Na última terça-feira, 27, a morte de Bruno Tolentino completou uma década. A fim de alimentar um pouco da chama da obra do grande poeta carioca, solicitei ao crítico Jessé de Almeida Primo (que, junto a Juliana P. Perez, fez os comentários e notas à edição especial de "As Horas de Katharina" [Record, 2010]) que fizesse uma lista dos 10 melhores poemas de Bruno. Ou, melhor dizendo: dos 10 poemas mais importantes e emblemáticos, que expusessem, sobretudo àqueles que ainda não são familiarizados com o autor de "O mundo como ideia", a dicção e o universo poético tolentiniano. Jessé, muito gentilmente, me forneceu a lista que reproduzo abaixo. Apreciem!

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O MORTO HABITUADO Não são leves os laços do absurdo exercício: o homem lado a lado com seu laçado ritmo. muito menos cumprido do que dependurado, plataforma do umbigo ao pescoço do hábito. Mas ao engravatado qual o conforto vindo provar que o inimigo não inventou o laço? Por outro lado, fausto do que secreto visgo se o absurdo do ato costuma ser tranquilo? Discreto e convencido, como não dar o laço, rebento do risível com o bem comportado? Conhecer o ridículo quando se chama exato, isento de impossível e impossibilitado? Demasiado antigo, já não é bem um trato: vertical compromisso, enforca-se o enforcado. NOTURNO Não sou o que te quer. Sou o que desce a ti, veia por veia, e se derrama à cata de si mesmo e do que é chama e em cinza se reúne e se arrefece. Anoitece contigo. E me anoitece o lume do que é findo e me reclama. Abro as mãos no obscuro, toco a trama que lacuna a lacuna amor se tece. Repousa em ti o espanto que em mim dói, noturno. E te revolvo. E estás pousada, pomba de pura sombra que me rói. E mordo o teu silêncio corrosivo, chupo o que flui, amor, sei que estou vivo e sou teu salto em mim suspenso em nada. AO DIVINO ASSASSINO
Uma litania ante o Sagrado Coração concebida em Paray-le-Maulnier, tempos depois do acidente fatal de Anecy Rocha Senhor, Senhor, o Teu anjo terrível é sempre assim? Não tens um refratário à hora do massacre – um mais sensível que atrasasse o relógio, o calendário? Ao que parece a todos tanto faz por quem o sino dói no campanário. Começa a amanhecer e uma vez mais rebelo-me, mas sei que a minha vida não tem como ou por que voltar atrás. Aceito que a mais dura despedida é bem mais que metáfora do nada a que se inclina o chão; que uma ferida e a papoula sangrenta da alvorada pertencem ao mundo sobrenatural tanto quanto uma lágrima enxugada à beira de um caixão. Mas afinal, Senhor, amas ou não a humanidade? Não fui ao escandaloso funeral e imaginá-la em Tua eternidade dói demais! Vou passar mais este teste, sim, mas protesto contra a insanidade com que arrancas à muque o que nos deste! Tu sabes que a soberba da família era maior que a dela e eu tinha a peste – pai e mãe apartavam-me da filha e o irmãozão nem falar… E hoje, coitados, como hão de estar? Aqui é a maravilha, as genuflexões… Os potentados e os humildes, a nata da esperança, todos chegam por cá meio esfolados, sangrando como a luz. Não só da França, toda a Europa rasteja até aqui esfolando os joelhos, não se cansa de ensangüentar-se até chegar a Ti e ao menos a um pixote do Além Tejo restituíste a vista; eu quando o vi solucei – mas que o cego e o paraplégico saiam aos pinotes, que o Teu coração se escancare e esparrame um privilégio aqui e outro acolá na multidão, só me faz perguntar: E ela? E ela…? Não consigo entender que a um aleijão concedas tanto enquanto a uma camélia Tu deixas despencar… Por que, Senhor? Olho tudo do vão de uma janela, mas vejo a porta de um elevador escancarar-se sobre um outro vão, um vão sem chão… E a seja lá quem for aqui absurdamente dás a mão! Me pões trêmulo, gago, estupefato, pasmo, Senhor – mas consolado não. A mesma mão que fez gato e sapato da minha doce Musa, cura e guia, cancela as entrelinhas do contrato, Dominus dixit… Mas quem merecia mais do que uma açucena matinal um manso desfolhar-se ao fim do dia, quem mais do que uma flor, Senhor? Igual nunca viram os mais alvos crisantemos, tinha direito a um fim mais natural, à morte numa cama, em casa ao menos… Mas não – tinha que ser total o escândalo! Por que, se nem nos circos mais extremos Teus mártires andaram despencando sobre os leões, se nem o lixo cai de oito andares aos trancos, Santo Vândalo?! Não vim denunciar o Filho ao Pai ou o Pai ao Filho, não vim dar razão aos que recusam e usam cada ai contra a humildade; vim porque a Paixão me chamou pelo nome e a alma obedece e aceita suar sangue – como não? Mas não sei mais unir o rogo à prece do que a elegia ao hino de louvor, não sei amar-Te assim… Caso o soubesse teria que ficar aqui, Senhor, aqui, arrebentando-me os joelhos, esfolando-me todo ante um amor que vai tornando sempre mais vermelhos, mais duros os degraus do Teu altar. Tu, que tudo consertas, dos artelhos que desentortas e repões a andar até às pupilas mortas de um garoto, do cachoupinho que me fez chorar; Tu, que a este lhe dás a flor no broto e àquele o lírio pútrido do pus; Tu, que passas por um de quatro e a um outro pegas no colo e entregas a Jesus; Tu que fazes jorrar da rocha fria; Tu que metaforizas Tua luz ao ponto de fazer de uma agonia um puro horror ou a morna mansuetude – que hás de fazer, Senhor, comigo um dia? Quando eu agonizar, boiar no açude das lágrimas sem fundo… Quando a fonte cessar de soluçar e uma altitude imerecida me enxugar a fronte… Como há de ser, Senhor? Oxalá queiras que a mim me embale a barca de Caronte como o fazia a velha Cantareira, o azul da travessia… A Irrecorrível arrasta a cada um de uma maneira e a quem quer que se abeire ao invisível recordas a promessa: aquele a escuta e este a recusa porque a dor é horrível, mas, se a todos a última permuta terá sempre o sabor da anulação, o travo lacrimoso da cicuta, a ela Tu negaste o próprio chão, deixaste-a abrir a porta sem querer! Nunca falou na morte, e com razão, intuía, quem sabe, o que ia ver… Sentença Tua? Em nome da promessa não há negar Teu duro amanhecer – mas quando arrancas mais uma cabeça como saber que és Tu, que não mentia O que ressuscitou? Talvez na pressa, no pânico de Pedro, eu negue um dia e trate de escapar, mas hoje não; hoje sofro com fé e, sem poesia, metrifico uma dor sem solução, mas não vim negar nada! Faz efeito essa dor: faz sangrar, mas faz questão de defender-me como um parapeito contra a queda e a revolta… Um Botticelli despedaçou-se todo, mas que jeito, se por Lear enforcam uma Cordélia e encarceram a Ariel por Calibã…? Alvorece, a manhã beata velha enfia agulhas no Teu céu de lã, tricoteia Paray-le-Maulnier * e eu penso: ela morreu… Hoje, amanhã, enquanto Te aprouver e até que dê a palma ao prego e o último verso à traça, vai doer – mas Amém! Não há por que amar a morte, mas que venha a Taça, aceito suar sangue até ao final, como não… Tudo dói, menos a graça, mata, Senhor, que a morte não faz mal! Da Festa do Sagrado Coração em Julho de 1979 até aos 26 de Outubro de 1997.  
EM FRONTISPÍCIO "Eu vos compensarei pelos anos que o gafanhoto comeu…" (Joel, 2: 25) O Senhor prometera nos compensar os anos que a legião dos gafanhotos devorara, meu coração, mas a promessa era tão rara que achei mais natural vê-Lo mudar de planos que afinal ocupar-Se de assuntos tão mundanos. Assombra-me, portanto, ver uma luz tão clara fecundar-me as cantigas, coração meu — repara como crescem espigas entre escombros humanos… Naturalmente, quem sou eu para que Deus cumprisse em minha vida promessa tão perfeita, e no entanto hei-Lo arando, limpando os olhos meus, fazendo-os ver que, no trigal em que se deita a luz dourada e musical, se algo perdeu-se foi como o grão — entre a seara e a colheita. O ANJO ANUNCIADOR — Ouve, Maria, a nossa (não, não te assustes!) é uma luminosa tarefa: retecer o pequeno clarão que abandonaram, o lume que anda oculto pela treva! Porque irás conceber! Porque a mão, desejosa e tosca, que O tentara reter, ainda que leve, desfez-se ao toque, assim como uma vez tocado o sopro se desfaz a avara, a dura contração do peito ansiado... Mas a haste, o jasmim despetalado, é tudo o que ainda resta dos canteiros do céu aqui na terra, que um seco vento cresta e uma longa agonia dilacera. No entanto a morte há de morrer se tu quiseres, ó gota concebida bendita entre as mulheres para que houvesse vida outra vez, e nascesse desse fundo obscuro do mundo, o ninho incompreensível do teu ventre. Não, não toques ainda nem a fímbria do manto nem o centro do mistério que anima a tua túnica: aguarda, ó muito séria, a ave mansa e recebe em teu corpo de criança a Verônica única, a enxurrada de pétalas te abrindo. Em tumulto reunidas, as cores da perdida Primavera vão retornar, virão numa enchente de asas, aluvião, púrpura, sempre-viva, nascitura estranheza do amor da criatura, constelação descendo ao rosto teu: é Ele, é O que reúne o coração e o grande anel da esfera, o fogo, a língua ardendo, o incêndio vivo, a coluna de luz, o capitel que se perdeu... Que eu venho anunciar apenas a um esquivo, humílimo veludo, a frágil chama que há de crescer em ti, que hás de ser cama ao parto do Perfeito, e hás de ser cântaro e fonte e ânfora e água, hás de ser lago em que as sombras se afogam, que naufragam no imenso, ó jovem branca como um lenço; hás de conter a lágrima do Infinito, o Seu vulto e os tumultos da luz na travessia entre a dádiva, a perda e a renúncia: quando de um certo dia cheio de luz amarga em que serás enfim a sombra esguia que O deu à luz e que O assistiu morrer... Atravessa, ó Maria, os abismos do ser, ouve este estranho anúncio e deixa-te invadir para colher, mais fundo que a razão e o corpo, o sopro cálido, o prenúncio da mais viva alegria: entreabre-te ao clarão da visita suave, mas terrível, terrível, deixa a ave do imenso sacrifício te ofender. Ó pétala intocada, hás de sofrer intensa madrugada e num lago de luz como afogada hás de durar suspensa entre a graça imortal e a dor imensa. Mas canta, canta agora como a fonte borbulha, como a agulha atravessa o bordado, canta como essa luz pousa ao teu lado e te penetra e tece a nova aurora, a nova Primavera e a tessitura do ramo que obedece e se oferece para o mistério e pela criatura. Canta a alucinação, o toque enfim possível dessa mão que há de colher para perder e ter o infinito que nasce do deserto e a semente que morre se socorre tudo o que no estertor tentava ser. Canta a canção do lírio e do alecrim, essa canção que és e que na treva, na escuridão da carne, andava perto da imensidade que te invade. E assim como o imenso te ampara, ó voz tão clara que consolas e elevas, vem, desperta, matriz da eternidade e d'O sem-fim, ó mãe de Deus, canta e roga por mim. O GAVIÃO Pousava aqui como quem chega pesaroso de alguma lousa, de uma tumba qualquer; já não pousa como certa mulher, a cega que mendigava por aqui quando eu era ainda noviça; as primeiras vezes que o vi lembrei-me dela e da carniça que lhe davam, suas unhas duras e sujas agarrando aquilo! Onde andarás? Se nas alturas, terá modificado o estilo e provavelmente a ração; senão... O gavião é o mesmo, disso estou certa! Mas desde então cresceu muito, já não voa a esmo por aí, hoje arrebata a caça, e quando mata chega de outro jeito, com outro ar: pousa satisfeito, é todo a máscara, a couraça da arrogância! Dá-me raiva vê-lo, prefiro o modelo anterior... Como uma escultura de gelo, esse de agora é ameaçador, frio, irreal, o senhor das caçadas traz o nada no bico e no porte: não vem dos mortos, vem da morte! Tinha antes só duas pegadas, era solene como um cemitério; hoje ele mesmo faz-se um e é o Não que chega aqui com um ar estéril e pousa desprezando o chão. CELEBRAR ESTE MUNDO Celebrar este mundo adivinhando a incurável leveza, a inabalável certeza do esplendor interminável da luz de Deus, aurora ruminando para sempre a quietude do imutável. Somos reflexos dessa luz, um bando de flamingos ardendo, misturando- se ao sol nascente, ao inimaginável incêndio indescritível, todo asas, todo luz... Somos feitos como brasas abrindo o voo, somos como o voo dos flamingos em brasa ao oriente... E nunca há de apagar-se aquele ardente sol perfeito que neles se espelhou. OS OLHOS TROCADOS Solidão, cisne-ganso em voo frio ante as margens extremas: tu conheces o eco do vazio e a sem-razão do tempo, que arrefeces com tua sombra altíssima na alma; ouve bem: no silêncio indiferente, no cume a que baniste a coisa ardente (que em quase pedra calma aos poucos converteste), este parceiro teu, itinerante, guardou a profusão do que lhe deste longe de tudo, e pelo teu diamante trocou os próprios olhos! Que dirias se os pedisse de volta por uns dias? — Para quê? Ensinei-te a ver tudo o que vês... Acabei sendo eu o teu deleite, tua visão, talvez, em todo caso tua ama-de-leite. Daquelas vez, quando inventaste de trocar por um enfeite teus olhos, meu diamante e a lucidez, deixei que te afastasses, mais de ti que de mim, e que viste? Voltaste ainda mais triste. Leva-os, se queres. Estarei aqui quando os vires devolver, não vejo quem mais contentaria o teu desejo...   O PAVÃO Por lá o Outono chega anunciado pelos gritos agudos do pavão dilacerando o ar; é só então que se percebe o dardo vindo da sombra, o arpão da última luz nas folhas de um para o outro lado. O outro lado das sombras que se estiram no chão como mais um bordado de Penélope fria que tece a escuridão. Pobre animal! Começa o baile temporão e ele anuncia aos gritos, seu leque depenado pluma por pluma na penúltima estação... Quando acabar de se fechar a mão que a luz cadente estende ao povoado das sombras que não vão a parte alguma, o último emblema do Verão irá ciscar sozinho, como que envergonhado, nas agulhas caídas do pinheiral gelado. É por isso, por causa da desaparição de um Estio tão breve num bailado tão rápido, é por isso que o pavão trespassa o ar, grito por grito apaixonado, e a reverberação da luz nas folhas se parece tanto a um dardo. E LHE CANTEI ENTÃO ESTE ACALANTO: Dorme, Minotauro, Mouro da mais amarga Veneza, mudo amor na correnteza do balbucio, homem-touro tossindo no labirinto da névoa e da solidão, cala o instinto e o indistinto e dorme, descansa, irmão! Não existes, não existo, nada existe neste mundo aquém ou além do fundo da linguagem. É tudo um misto de silêncio e de ruído no coração de quem sofre preso num malentendido como um inseto num cofre. Perdoa-te... Nada ganhas com dar e redar teus nós na teia da velha aranha retendo e perdendo a voz no pescoço que partiste: a garganta bipartida entre a elegia do triste e o último sopro da vida não te vai dizer mais nada. Tudo o que pôde foi dito. No silêncio, na calada da noite, escuta o infinito para além da grade, tua e dos outros prisioneiros entre a linguagem e a luta. Os últimos e os primeiros tampouco entenderam Aquele que ia morrer e lhes disse que este universo era Dele e o resto tudo crendice. Nem tudo é só desperdício. Tudo e nada nesta vida se confundem, fim e início, chegada como partida trocam-se em pura ruína mas o verme engole a aranha, believe it or not! A sina que escolhestes não se ganha sem um sacrifício imenso, mas que vale mais que a cena em que por causa de um lenço Otelo mata Desdêmona ou o velho rei Lear, louco e só, só pelo e osso, vê e não vê balançar Cordélia pelo pescoço. Se o amor não aprende a língua do ser amado, esse amor é um louco morrendo à míngua do que seja, ou do que for... Deixa-te embalar, amigo, como eu me deixo cantar este acalanto e te digo, te juro que o verbo amar só Deus conjuga contigo.

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