Opção cultural

No julgamento da Idade Média notará o Leitor desta crônica que, ao fatiar a História, só se obtêm ganhos didáticos discutíveis. Jacques Le Goff, Régine Pernoud e Ricardo Costa são âncoras que permitem ao leitor aprender "o que não nos ensinaram" sobre o tema.
[caption id="attachment_115284" align="aligncenter" width="620"] Jacques Le Goff e Régine Pernoud, historiadores franceses que escreveram sobre o que não nos contaram sobre a Idade Média[/caption]
Historiadores sérios como Jacques Le Goff e Régine Pernoud escreveram sobre "o que não nos contaram na Escola", provando que a Idade Média tem sua luz própria, sendo a mãe de vários renascimentos. Cabe, pois, ao cronista tratar de modo respeitoso, mas bem-humorado – daí o título –, mas na verdade cabe mais ainda ressaltar: estamos diante de um estudo respeitável, de um acadêmico à antiga neste seu “A história deve ser dividida em pedaços?[i]” do Sr. Jacques Le Goff. Nascido em Toulon (França) em 1924 e morto em Paris em 2014, Le Goff é reconhecido por muitos como um dos mais importantes medievalistas do século 20, por sua inovadora e persistente dedicação ao estudo da história da Idade Média Ocidental.
No dizer do medievalista brasileiro Ricardo Costa[ii]:
“Jacques Le Goff, historiador instigante, propositivo e interrogativo, indicou muitos novos e impensados caminhos. São múltiplas as suas Idades Médias. Gosto mais de algumas do que outras. Leio todas. Nós, medievalistas, fomos agraciados por uma tradição historiográfica que renovou as pesquisas históricas. Desde Marc Bloch (1886-1944) os colegas de outras áreas, inclusive os mais refratários, são obrigados a marcar passo nos medievalistas. Pois foram eles, Le Goff & Cia., os fantásticos recriadores de nosso ofício. E Jacques Le Goff ocupa um lugar de destaque. É parada obrigatória.”[caption id="attachment_115287" align="aligncenter" width="362"]



A edição de número 90 da maior festa do cinema deu seu pontapé inicial hoje com as indicações em 24 categorias, sem surpresas, com destaque para Meryl Streep, lembrada pela 21ª vez, e o filme de Guillermo del Toro, recordista do ano
[caption id="attachment_115393" align="alignnone" width="620"] Em “A Forma da Água”, Sally Hawkins faz Elisa Esposito, que tenta salvar uma criatura fantástica de laboratório, explorada como cobaia do governo americano | Foto: Divulgação[/caption]
A atriz Meryl Streep e os filmes “A Forma da Água” e “Dunkirk” são destaques do Oscar 2018, cujas indicações foram divulgadas hoje pela Academia, em Los Angeles. O Brasileiro Carlos Saldanha concorre ao Oscar de Melhor Animação, com o filme “O Touro Ferdinando”, história adaptada de um clássico da literatura americana infantil sobre um touro que cresceu preferindo cheirar flores a dar chifradas e cabeçadas.
Meryl Streep concorre ao Oscar pela 21ª vez, e já ganhou três estatuetas, ficando atrás, em temos de vitória, apenas de Katharine Hepburn (1907-2003), que faturou quatro Oscar ao longo de sua carreira. Este ano, “Her”, como é chamada em tom de rever6encia pelos colegas, concorre como Melhor Atriz no filme “The Post - A Guerra Secreta”, dirigido por Steven Spielberg, que não foi lembrado pela Academia.
“A Forma da Água”, filme escrito e dirigido pelo mexicano Guillermo del Toro, bateu o recorde de indicações do ano no Oscar, sendo lembrado 13 vezes. Sua história gira em torno de uma mulher muda (Sally Hawkins), que tenta salvar uma criatura fantástica de laboratório, que está sendo maltratada e servindo de experiência por uma base secreta do governo americano, na década de 1960 (plena Guerra Fria).
Del Toro venceu o Globo de Ouro deste ano como Melhor Diretor, e pode fazer a dobradinha com o Oscar, pois foi indicado nesta categoria, tal como seus outros dois conterrâneas, Alfonso Cuarón (Gravidade, 2014) e Alejandro González Iñárritu (O Regresso, 2016), que venceram os dois prêmios na sequência.
“Dunkirk”, com oito indicações, incluindo a de Melhor Filme, narra o drama dos soldados britânicos encurralados no Porto de Dunkirk, na França, na Segunda Guerra Mundial, salvos pela Operação Dínamo, coordenada pelo primeiro-ministro britânico Winston Churchill, e executada por marinheiros civis em barcos pequenos, com a retaguarda de uns poucos aviões da força aérea.
O filme de Nolan privilegia as articulações em massa e os mecanismos estratégicos, sendo vistos em tomadas abertas em belas cenas aéreas, e planos fechados visando detalhes de cenografia, com poucos diálogos, e atuações colocadas em segundo lugar no escopo do roteiro.
Nolan parece amar composição de cenários e olhar pela câmera, mas detestar os atores e roteiros tradicionais. O roteiro de “Dunkirk” é sofisticado, e sua direção é a de alguém muito íntimo das artes plásticas, das instalações. “Dunkirk” é um filme maravilhoso, mas não é para quem gosta de ver os personagens protagonizando uma história.
O brasileiro Carlos Saldanha, que dirige "O Touro Ferdinando", já concorreu com “A Aventura Perdida de Scrat”, em 2004, como Melhor Curta em Animação, que daria origem aos filmes “A Era do Gelo”. Em 2015, seu filme de animação “Rio” concorreu ao Oscar na categoria Melhor Canção Original, com “Real in Rio” (Sergio Mendes), que perdeu para o único concorrente “Man or Muppet”, da animação “Os Muppets”
A Academy Awards, que administra a premiação do Oscar, premia filmes em 24 categorias. Veja abaixo a lista de indicados das principais delas.
Melhor Filme
“Me Chame pelo Seu Nome”
Produção: Peter Spears, Luca Guadagnino, Emilie Georges, Marco Morbito e Rodrigo Teixeira (brasileiro)
“Dunkirk”
Produção: Emma Thomas e Christopher Nolan
“Corra!”
Produção: Sean McKittrick, Jason Blum, Edward H. Hamm e Jordan Peele
“Lady Bird - A Hora de Voar”
Produção: Eli Bush, Evelyn O’Neill e Scott Rudin
“O Destino de Uma Nação”
Produção: Tim Bevan, Lisa Bruce, Eric Fellner, Anthony McCarten e Douglas Urbanski
“The Post - A Guerra Secreta”
Produção: Amy Pascal, Steven Spielberg e Kristie Macosko Krieger
“A Forma da Água”
Produção: J. Miles Dale e Guillermo del Toro
“Três Anúncios para um Crime”
Produção: Graham Broadbent, Pete Czernin e Martin McDonagh
“Trama Fantasma”
Produção: Paul Thomas Anderson, Megan Ellison e JoAnne Sellar
Melhor Diretor
Christopher Nolan (“Dunkirk”)
Jordan Peele (“Corra!”)
Greta Gerwig (“Lady Bird - A Hora de Voar”)
Paul Thomas Anderson (“Trama Fantasma”)
Guillermo del Toro (“A Forma da Água”)
Melhor Atriz
Sally Hawkins (“A Forma da Água”)
Frances McDormand (“Três Anúncios para um Crime”)
Margot Robbie (“Eu, Tonya”)
Saoirse Ronan (“Lady Bird - A Hora de Voar”)
Meryl Streep (“The Post - A Guerra Secreta”)
Melhor Ator
Timothée Chalamet ( “Me Chame pelo Seu Nome”)
Daniel Day-Lewis (“Trama Fantasma”)
Daniel Kaluuya (“Corra!”)
Gary Oldman (“O Destino de Uma Nação”)
Denzel Washington (“Roman J Israel, Esq”)
Melhor Ator Coadjuvante
Willem Dafoe “Projeto Flórida”
Woody Harrelson (“Três Anúncios para um Crime”)
Richard Jenkins (“A Forma da Água”)
Christopher Plummer (“Todo o Dinheiro do Mundo”)
Sam Rockwell (“Três Anúncios para um Crime”)
Melhor Atriz Coadjuvante
Mary J. Blige (“Mudbound - Lágrimas Sobre o Mississipi”)
Allison Janney (“Eu, Tonya”)
Laurie Metcalf (“Lady Bird - A Hora de Voar”)
Octavia Spencer ( “A Forma da Água”)
Lesley Manville (“Trama Fantasma”)
Melhor Roteiro Original
Emily V. Gordon & Kumail Nanjiani (“Doentes de Amor”)
Jordan Peele (“Corra!”)
Greta Gerwig (“Lady Bird - A Hora de Voar”)
Guillermo del Toro e Vanessa Taylor - história de Guillermo del Toro – (“A Forma da Água”)
Martin McDonagh (“Três Anúncios para um Crime”)
Melhor Roteiro Adaptado
James Ivory (“Me Chame pelo Seu Nome”)
Scott Neustadter & Michael H. Weber (“Artista do Desastre”)
Scott Frank & James Mangold and Michael Green (“Logan”)
Aaron Sorkin (A Grande Jogada)
Virgil Williams and Dee Rees (“Mudbound - Lágrimas Sobre o Mississipi”)
Melhor Animação
“O Poderoso Chefinho”
Produção: Ramsey Ann Naito
Direção: Tom McGrath,
“The Breadwinner”
Prdução: Nora Twomey, Angelina Jolie (pela Jolie Pas), Anthony Leo, Tomm Moore, Paul Young
Direção: Nora Twomey
“Viva – A Vida é uma Festa” “Coco”
Produção: Darla K. Anderson
Direção: Lee Unkrich
“O Touro Ferdinando”
Produção: John Davis, Lisa Marie Stetler, Lori Forte e Bruce Anderson
Direção: Carlos Saldanha
“Com Amor, Van Gogh”
Produção: Hugh Welchman, Sean Bobbitt, Ivan Mactaggart, Hugh Welchman
Direção: Dorota Kobiela
Melhor Longa Estrangeiro
“Uma Mulher Fantástica” Sebastián Lelio (Chile)
“The Insult” Ziad Doueiri (Líbano)
“Loveless” Andrey Zvyagintsev (Rússia)
“On Body and Soul” (Hungria)
“The Square” (Suécia)
Melhor Canção Original
“Mystery of Love”, de Sufjan Stevens
(“Me Chame pelo Seu Nome”)
“Remember Me”, de Kristen Anderson-Lopez, Robert Lopez
(Viva – “A Vida é uma Festa”)
“This Is Me”, de Benj Pasek e Justin Paul
(“O rei do Show”)
“Stand Up for Something”, de Diane Warren e Lonnie R. Lynn
(“Marshall”)
“Mighty River”, de Mary J. Blige, Raphael Saadiq e Taura Stinson
(“Mudbound - Lágrimas Sobre o Mississipi”)

Há 130 anos morria Edward Lear (1812-1888), pintor, desenhista e escritor inglês, um dos pais, junto com Lewis Carroll, do nonsense vitoriano. O poema “O Sujeito sem Dedos nos Pés” foi publicado em 1877 no livro “Laughable Lyrics: a Fourth Book of Nonsense Poems, Songs, Botany, Music &c” (“Letras Engraçadas: Quarto Livro de Nonsense em Poemas, Canções, Botânica, Música Etc”, em tradução livr

Esquecida em vida pela crítica e pelo jornalismo, e relegada a um asilo pela família, escritora não teve sequer a morte anunciada na data certa, ocorrida em novembro de 2017

Livro do escritor mineiro traz relatos curiosos ou engraçados, de teor filosófico ou reflexivo, de onde se pode extrair algo de aproveitável, tanto para verificação mais profunda da existência quanto para um riso sem compromisso

Contista infantil, ilustrador e um dos grandes poetas do nonsense, escritor inglês do século 19 tem carta inédita em português publicada nesta edição, enviada em maio de 1859, de Roma, ao amigo Chichester Fortescue (parlamentar irlandês)

"Três Anúncios para um Crime"caiu nas graças da crítica especializada e do público dos principais festivais pelos quais passou; ganhou quatro Globos de Ouro e tem muias chances com o Oscar
[caption id="attachment_115010" align="alignnone" width="620"] Frances McDormand, que faz a protagonista Mildred Hayes, é favoritíssima ao Oscar[/caption]
Poucos títulos definiram de forma tão eficaz a trama de uma obra como "Three Billboards Outside Ebbing, Missouri" - que se fosse traduzido ao pé da letra, daria em algo como "Três outdoors à beira de Ebbing, Missouri". Aqui no Brasil, o filme mais recente de Martin McDonagh ganhou o rótulo de "Três Anúncios para um Crime" (2017), retirando completamente a essência de estudo de personagens que é essa obra.
Logo de cara, "Três Anúncios" caiu nas graças da crítica especializada e do público dos principais festivais pelos quais passou. Estreando no Festival de Toronto sob uma avalanche de aplausos depois de levar o prêmio de melhor roteiro no Festival de Veneza, atravessou o tapete vermelho do Globo de Ouro em grande estilo, faturando quatro das seis indicações que recebeu (Melhor Filme de Drama, Melhor Atriz em Filme de Drama, Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Roteiro). Na categoria de Melhor Diretor, McDonagh perdeu para Guillermo Del Toro, de "A Forma da Água", e em Melhor Trilha Sonora, Alexandre Desplat, também de "A Forma da Água" levou o caneco.
O título original funciona bem melhor do que qualquer outro que poderiam inventar porque, a despeito do que possam falar, a trama é bastante simplista: numa modorrenta cidade do Missouri, uma mulher perde a filha em um crime brutal, e após sofrer com a incompetência da polícia local em esclarecer o crime, resolve alugar três outdoors para protestar. O primeiro ato já coloca isso no colo do espectador, porque o que importa é como as coisas vão se transformar a partir da fixação dessas placas.
Vivos e mortos
Existe muita influência das grandes obras policiais de humor negro no filme de McDonagh. A pergunta "Quem Matou Laura Palmer?", por exemplo, que tangencia a trama de "Twin Peaks", aclamada série de David Lynch, se aplicaria perfeitamente aqui, não só por utilizarem a morte de uma adolescente como ponto de partida.
Em ambos, o crime em si não interessa. Não é reconstituído, não está no centro das atenções dos personagens e não serve de gancho para fisgar o telespectador. Os mortos já estão mortos e permanecem apenas como pano de fundo. O que interessa é como os vivos vão se virar - o que, frequentemente, desencadeia situações absurdas, patéticas, cômicas, comoventes e mais um mar sem fim de sensações.
Por outro lado, o padrinho maior de "Três Anúncios para um Crime" parece mesmo ser "Fargo", um clássico de 1996 dirigido pelos irmãos Joel e Ethan Coen, e que se reforça no trabalho espetacular de atuação de Frances McDormand (que, aliás, é casada com Joel Coen). Neste filme de McDonagh, o tom peculiar dos personagens, a forma de expô-los em todas as suas contradições, nos incidentes e no poder do imprevisível, tudo remete à escrita dos Coen. Parece difícil escolher outra atriz para protagonizá-lo, senão a própria Frances.
Por outro lado, a direção do longa não é nada mais do que competente. Plana em significados, esmera-se em passar a mensagem do roteiro de forma direta, sem muita malandragem. Não há o que se comparar com o requinte de Lynch ou a urgência disfarçada dos Coen - ambos inspirações com uma marca autoral mais profunda. Obviamente que a direção não se restringe a aspectos de fotografia, mas fica a sensação de que o roteiro é muito mais forte do que a direção em si.
Spoiler
Aliás, um olhar mais detido sobre o tão elogiado roteiro revela inúmeros furos, contradições, diálogos desnecessários e saídas fáceis, evidenciando que a sua intenção não foi especificamente o modo de contar a estória, mas sim a profundidade dos personagens.
(E aqui, alguns spoilers que comprovam esse argumento - se você ainda não assistiu ao filme, recomendo que pule para o próximo parágrafo: [1] Os outdoors alugados por Mildred Hayes, além de servirem de pressão em cima do xerife, estão no local onde Angela Hayes foi morta, numa estrada de pouco movimento. No decorrer do filme, entretanto, a estrada apresenta um movimento imensamente maior, com trânsito constante, repórteres, funcionários e a própria polícia, o que esvazia um pouco o significado das placas. [2] Em que pese não terem relação direta entre si, o círculo de personagens parece muito restrito. Vítimas e agressores se topam o tempo todo, tudo o que acontece na cidade está ligado a Mildred, ao xerife Willoughby ou ao policial Dixon. Ebbing, Missouri, é na verdade quatro ou cinco pessoas. [3] As variações no tom do roteiro o fazem perder o foco. O xerife Willoughby, por exemplo, sai de uma figura suspeita e cínica, no início do filme, a um mestre sábio onisciente, quando passa a enviar cartas a seus pupilos. James, o anão, vira uma figura patética simplesmente por ser anão. Charles, o ex-marido, passa de uma interessante e incômoda verruga no mundo sentimental de Mildred para um alívio cômico de sessão da tarde. [4] A cena do suco de laranja, no hospital, é um carrossel de emoções baratas, ridículas e desnecessárias. Enfim. Ao final, todos esses aspectos viram uma tentativa meio frustrada de emular o clima dos filmes dos irmãos Coen, tirando a energia que o roteiro poderia conseguir por si só).
Favorita ao Oscar
[caption id="attachment_115011" align="alignnone" width="620"]
Numa cidadezinha do Missouri, uma mulher perde a filha em um crime brutal; após a polícia não esclarecer o crime, ela resolve alugar três outdoors para protestar[/caption]
O forte do filme, sem dúvida nenhuma, são os personagens. Estruturados em diversas camadas, apresentam uma profundidade interessantíssima responsável por carregar o filme nas costas. Frances, que faz a protagonista Mildred Hayes, é favoritíssima ao Oscar (vale lembrar que a Academia, até a presente data, nem divulgou ainda seus indicados!), com toda a justiça do mundo.
Woody Harrelson também passa a credibilidade de sempre com seu xerife condenado (pelo destino, por Mildred e pelo espectador). E Sam Rockwell fecha a tríade com o famigerado policial Jason Dixon, um verdadeiro pacote de defeitos humanos mimado pela mãe, mas que ainda assim consegue nos despertar certa compaixão no fechar da conta. Créditos ao McDonagh roteirista.
Há ainda espaço para personagens secundários muito bons, como o ex-marido Charlie (John Hawkes), o carente James (Peter Dinklage, de Game of Thrones) e o tótem moral Abercrombie (Clarke Peters) - todos com suas aparições menores, mas fundamentais.
No frigir dos ovos, o filme é sobre raiva, e até onde ela pode mover alguém respaldado por objetivos fortes. Ou sobre a raiva como autoflagelação por uma culpa insuportavelmente grande. Ou sobre raiva como sintoma de uma impotência, diante da autoestima baixa. Não interessa. Porque os outdoors - muito mais sintomas do que causas - continuarão gritando do lado de fora de Ebbing, Missouri.

Diante da promessa de sol e mar, o cronista se propõe a aproveitar a quinzena desta temporada de verão, na companhia da família e de uma leitura desobrigada

Sem lançar um disco inteiro de canções inéditas desde 2012, grupo mais conhecido da cantora irlandesa, que vivia de raros shows, deu espaço a novidades no fim de sua vida

Anamaria Diniz, que já havia trabalhado em sua pesquisa de mestrado com os arquivos sobre o projeto que fundou Goiânia, publica livro que se debruça sobre o mundo de formação do arquiteto

Competição internacional deste ano privilegia filmes que tratam a realidade diretamente e contribuem assim de maneira ativa para a atual compreensão social e política

Publicado originalmente em 1978, “Sétima Arte: um Culto Moderno” avança no tempo como obra importante para situar a transformação histórica do cinema e sua realidade atual

Produzido por mulheres que fortaleceram sua luta pela valorização do gênero nesta segunda década do século 21, filme é um belo recorte sobre o amadurecimento adolescente nos anos 2000

– O que dizer do poeta João (Fernandez) Filho e deste seu “Auto da romaria”? Bem, tenhamos como pressuposto: João Filho é poeta que deve marcar seu nome na história da poesia brasileira do século XXI. Seu lugar não está reservado apenas entre os poetas católicos, mas, com certeza entre os grandes da poesia de nossa época. E o que me leva a fazer tal aposta?

Ganhador do Globo de Ouro 2018 de melhor animação, “Viva - a Vida É uma Festa!” foi feito com muito capricho, num esmero técnico inédito até para as produções da produtora americana
[caption id="attachment_114364" align="alignnone" width="620"] Miguel Rivera é um garoto mexicano aspirante a músico, que precisa enfrentar os dogmas familiares para ir atrás de seu sonho[/caption]
Os Estúdios Pixar parecem nunca errar. Filme após filme, se firmam cada vez mais como um modelo técnico e sentimental a ser seguido, sabendo explorar temas delicados de forma inteligente e divertida. O resultado é o respeito extremo com seu público-alvo - as crianças -, sem excluir aqueles responsáveis por levá-las às salas de cinema: os adultos.
Com “Viva - a Vida É uma Festa!”, que acaba de ganhar o Globo de Ouro 2018 de Melhor Animação, a companhia se superou uma vez mais. Dirigido por Lee Unkrich (o nome por trás do emocionante “Toy Story 3”, de 2010, e Adrian Molina, o filme conta a história de Miguel Rivera, um garoto aspirante a músico que precisa enfrentar os dogmas familiares para ir atrás de seu sonho.
Mas os Rivera rejeitam a música em todas as suas expressões, impondo ao garoto obediência à continuidade do sugestivo ofício de sapateiro, passado de geração a geração. Sapatos para quem precisa manter os pés no chão - ou para quem não consegue alçar vôo, pregaria o teólogo da Libertação Leonardo Boff.
Trata-se de uma animação, não nos esqueçamos disso. Existem personagens caricatos, momentos pastelões e até o toque musical característico das produções Disney/Pixar, tudo em busca de fisgar o público infantil. Mas tudo feito com muito capricho, num esmero técnico inédito até para as produções da empresa. As texturas, cenários, iluminação e a ação em geral estão melhores do que nunca! A personagem de Inez (no original, ela chama-se “Coco”, diminutivo de "Socorro"), bisavó de Miguel, por exemplo, é de uma perfeição estética fascinante.
Experiência renovadora
Como toda produção Pixar, a temática é profunda. Miguel é um garoto absolutamente comum, com uma avó superprotetora (hoje em dia, dir-se-ia "helicóptero") e a impotência diante da imposição superior.
E, como já é comum em roteiros da Pixar ou da Disney, o ponto de virada para o segundo ato vem com a revolta do protagonista - foi assim também em “Toy Story” (1995), “Procurando Nemo” (2003), “Valente” (2012), “Divertida Mente” (2015), “Moana” (2016). Aquela chutada de balde que rompe com o status quo e permite a experiência renovadora. A rebeldia necessária que impulsiona o sujeito para o mundo e dá aquela provocada em seu superego.
Aliás, interessante perceber essa intenção camuflada que a Pixar utiliza ao trazer temas universais para universos tão peculiares: a paternidade discutida em “Procurando Nemo” e “Monstros S/A”, a formação da identidade coletiva e individual em “Toy Story” e “Os Incríveis” (2004), a família e a memória em “Up - Altas Aventuras” (2009) e agora nesse belíssimo “Viva - a Vida É uma Festa!”.
Tudo isso sem nunca subestimar a inteligência de seu espectador (aliás, em um certo diálogo, o personagem Hector, de “Viva”, chega a dizer que está tomando cuidado com o que fala, pois existe criança ouvindo, em uma piada de duplo sentido perceptível apenas para os adultos da sala).
Memória e respeito
[caption id="attachment_114365" align="alignleft" width="300"]
Filme é um dos mais emocionantes já produzidos pela Pixar, utilizando-se da morte como veículo para discutir a memória e a família[/caption]
O fato é que “Viva” consegue ser um dos filmes mais emocionantes já produzidos pela Pixar, ao utilizar-se da morte como veículo para discutir a memória e a família. Tudo contextualizado com o “Dia de los muertos”, uma data significativa para os mexicanos. Aliás, é bom dizer que foram necessários mais de três anos de pesquisas para o roteiro ficar pronto, numa demonstração singular de respeito às tradições e culturas do México - algo pouco comum a Hollywood, acostumada, em geral, com humilhações ou exageros ao retratar países estrangeiros. O respeito na tela é tocante.
A parte musical do filme também impressiona, com canções belíssimas. Aliás, o filme também concorreu ao Globo de Ouro como Melhor Canção original com a música “Remember Me” ("Lembre de Mim"), que perdeu para o tema do filme “O Rei do Show” (“This Is Me”).
Em todo caso, pode-se dizer que “Remember Me” é a canção-tema mais marcante desde “Let it Go”, e deverá faturar alguns prêmios. As adaptações das canções no filme são muito bem feitas ao português (aliás, outro aspecto que a Disney e a Pixar sempre priorizaram em seus filmes). Impossível não sair do cinema cantando.
“Viva - a Vida É uma Festa!” é daqueles raros filmes que, de uma forma muito natural, te carregam no colo durante todo o tempo de exibição, deixando-te com certo aconchego no coração ao voltar pra casa. Não há quem não se lembre, emocionado, de um ente querido que já se foi, ou de uma criança que acaba de chegar à família.
O escritor Amós Oz, certa feita, disse que estaremos no mundo só até o dia em que morrer a última pessoa a se lembrar de nós. Carregando essa premissa, “Viva” deixa essa missão a todos os que se importam: estar vivo é também manter viva a memória dos que você ama, dos que compõem sua identidade.