Reportagens
Enquanto a rede de saúde dos primeiros Estados começa a colapsar, Goiás tenta ampliar sua capacidade de atendimento
Para enfrentar a pandemia, universidades e institutos federais se afastam do cotidiano de pesquisa e aplicam o conhecimento na prática
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Voluntárias produzem equipamentos de proteção individual | Foto: Reprodução / Secom / UFG[/caption]
Todos os setores da sociedade se mobilizaram para combater a pandemia do novo coronavírus. Entretanto, um se destaca pela capacidade de resolver problemas que nenhum outro pode. As instituições de ensino superior (IES) são detentoras do conhecimento científico e podem dar respostas a questões urgentes, como a falta de testes para diagnosticar a Covid-19 conforme mostrado em reportagem do Jornal Opção; a falta de equipamentos de proteção individual (EPIs); a saída programada e segura da quarentena; e tantos outros.
Como afirmou o cientista Gustavo Pedrino, diretor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás (UFG), o conhecimento científico brasileiro, que está concentrado nas universidades, foi de lenta construção. Ele é um bem imaterial adquirido com o esforço de toda a sociedade que mostra seu valor em momentos como este, em que nos deparamos com o desconhecido. Apenas o sequenciamento genético do Sars-CoV-2 pode revelar suas mutações e nos fazer compreender o inimigo, por exemplo.
Apesar de ser a única saída possível, o conhecimento vem sofrendo com sucessivos cortes, que colocam tudo a perder: a mão de obra extremamente especializada de PhD’s; os equipamentos caríssimos adquiridos com dinheiro público; o conhecimento em si, que é público e universal. Os cientistas entrevistados compartilham o sentimento de “querer mostrar trabalho” e justificar o investimento da sociedade em suas carreiras, que parecem arcanas aos olhos leigos, mas que têm uma aplicação muito real.
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG)
Um grupo de pesquisadores do Câmpus Senador Canedo do Instituto Federal de Goiás (IFG) está utilizando impressoras 3D para imprimir utensílios médicos que podem faltar no combate à Covid-19. Existem protótipos dos protetores plásticos faciais, da máscara N95 e de válvulas para respiradores mecânicos. Os cientistas querem produzir 1,5 mil face shields em quatro meses e doá-las a profissionais da saúde de Senador Canedo e estão em busca de parceiros para custear insumos e distribuição da produção. [caption id="attachment_248808" align="alignnone" width="350"]
Válvulas produzidas pela impressora 3D | Foto: Reprodução / Comunicação / IFG[/caption]
Dez servidores do IFG utilizam os laboratórios da área de Química do câmpus Goiânia produzem álcool etílico em gel 70% INPM, com objetivo de doar a produção para profissionais da rede pública municipal de saúde de Goiânia. O grupo começou a produção de álcool em gel 70% no dia 23 de março e, até o dia 14 de abril, havia fabricado 230 litros – 1.150 frascos – doados para profissionais da rede pública de saúde. A proposta do grupo é desenvolver semanalmente cerca de 100 frascos até o final do mês de junho.
Em outros campi do IFG, como Câmpus Luziânia e Anápolis, grupos têm iniciativa semelhante. Seis mil frascos de 500 ml com borrifador foram doados pela Câmara de Dirigentes Lojistas de Anápolis (CDL) para envase da produção de álcool em gel e álcool 70%, fabricadas por que equipes dos laboratórios de Química do IFG Anápolis. Em Luziânia, semanalmente, 200 frascos de 500 ml são distribuídos a bairros com alta vulnerabilidade do município.
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Alguns dos servidores que integram o projeto Ghesley Xavier, Joema Santos, Marcus Vinicius Ramos, Regina Célia Marinho e Martha Prado | Foto: Reprodução / Coordenação de Comunicação Social do Câmpus Goiânia do IFG[/caption]
No Câmpus Uruaçu, o grupo Meninas Cientistas e Grupo de Robótica Educacional do IFG desenvolveu canal do aplicativo WhatsApp, "Em casa sem Fake". Trata-se de um chatbot - sistema que responde automaticamente às perguntas do usuário - com que se pode interagir por meio do aplicativo de mensagens para obter informações oficiais sobre o novo coronavírus. Os dados são coletados da Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde (MS).
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Aplicativo "Em Casa Sem Fake"[/caption]
Para acessar as informações, que são atualizadas diariamente e submetidas à avaliação do Setor de Saúde do Câmpus Uruaçu, é só enviar um "Oi" para o número 62 33578150, no Whatsapp. O usuário poderá consultar os últimos números, dicas de proteção, tirar dúvidas, analisar as principais notícias falsas, obter orientações para viagens, conhecer a equipe proponente e podem ainda deixar suas sugestões para melhoria do serviço.
Universidade Federal de Goiás (UFG)
A Universidade Federal de Goiás (UFG) montou uma estrutura junto a parceiros para a produção de milhares de Equipamentos de Proteção de Individual (EPI), que serão doados às unidades de saúde de Goiás durante a pandemia da Covid-19. Usando o trabalho de professores, estudantes e voluntários, o projeto prevê a entrega de mais de 200 mil máscaras cirúrgicas e 6 mil aventais para que os profissionais de saúde possam trabalhar com segurança. A vice-diretora da Faculdade de Enfermagem e coordenadora do projeto, Luana Ribeiro, afirmou em entrevista ao Jornal Opção: “Fizemos o projeto piloto na Faculdade de Artes Visuais. Profissionais de diversas áreas se organizaram para elaborar um plano de produção de EPIs que possa ser replicado. O protocolo, o controle de produção para defender a saúde, tudo isso pode ser ampliado e reproduzido conforme conseguimos mais apoiadores e voluntários em outros locais. Começamos agora produzir aventais com colaboração do complexo prisional, por exemplo.” A Organização dos Voluntários de Goiás (OVG) contribuiu com a doação de 17,3 mil metros de tecidos, além de aviamentos para viabilizar a produção. Estão envolvidos no projeto a Faculdade de Enfermagem, a Faculdade de Artes Visuais, Escola de Veterinária e Zootecnia, com apoio do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Ciências Tecnológicas, do Centro Regional para o Desenvolvimento e Inovação e do Centro Integrado de Aprendizagem em Rede da UFG. [caption id="attachment_248811" align="alignnone" width="620"]
Equipe multidisciplinar produz EPIs para a saúde pública | Foto: Reprodução / Secretaria de Comunicação / UFG[/caption]
O Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) desenvolveu uma plataforma web que permite o monitoramento da pandemia de covid-19 no Estado de Goiás, em nível municipal. Manuel Eduardo Ferreira, coordenador do projeto e professor do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa/UFG), afirmou: “A plataforma foi idealizada para ser de acesso público e irrestrito, usando dados censitários divulgados por fontes públicas e atualizados constantemente.”
No site, é possível acompanhar o número de casos de Covid-19 em municípios do Estado e nos bairros de Goiânia, a mediana do número de internações causadas por doenças respiratórias, a localização de hospitais, farmácias, pontos de vacinação e supermercados da região, além de saber a quantidade de leitos de UTI e cruzar estas informações com dados censitários de órgãos como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desta forma, é possível descobrir grupos socioeconômicos mais vulneráveis à Covid-19, por exemplo.
Manuel Eduardo Ferreira disse que a plataforma tem sido muito utilizada por pesquisadores de diversas áreas, que estão interessados em fazer interpretações de diversas camadas de dados estatísticos. “Pode-se descobrir em quais municípios ocorrem mais problemas respiratórios ao longo do ano. Dados da poluição atmosférica estão correlacionados com queimadas sazonais e causam problemas respiratórios – esta não é causa direta da comorbidade, mas é um gatilho. A pessoa não é diagnosticada pela poluição, mas acaba indo ao hospital quando a poluição é mais alta. Como ficará a estrutura destas cidades quando chegar o coronavírus? Esse é um dado inferido pela plataforma.”
Manuel Eduardo Ferreira destacou a utilidade que a plataforma tem para gestores públicos, como prefeitos, secretários, tomadores de decisão: “Tudo para facilitar a interpretação, antever o impacto e propor ação está correlacionado na plataforma. Por exemplo, sabemos a distribuição de leitos de UTI. Como vai ser uma ação quando precisar? Vamos equipar a região ou trazer o paciente para cá? O sistema pode avisar antes de haver sobrecarga da saúde caso entrem mais casos de Covid-19 do que os hospitais suportam. Aí o gestor pode olhar o município ao lado. Assim, um gestor público pode se guiar através da curva de contágio e saber quando reforçar ou relaxar medidas de isolamento.”
O coordenador do projeto ainda destacou que estão abertos à colaboração com todas as prefeituras de Goiás. “Temos uma área de acesso restrito para gestores, caso se interessem em compartilhar informações que não são convenientes para a sociedade, áreas perigosas. Esses dados cadastrais e de registro da Covid-19 nos interessam para fazermos análises e são úteis para se criar estratégias epidemiológicas.”
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Plataforma permite monitorar avanços de casos sobre o mapa goiano[/caption]
Iniciativa da Faculdade de Medicina da UFG oferece apoio a profissionais por meio da telemedicina com o projeto “Segunda Opinião Médica”. O serviço de telemedicina da UFG já tem mais de dez anos de atividade, e foi ampliado com apoio da Sociedade Goiana de Pneumologia para montar um painel de especialistas. O grupo se reúne em vídeo conferências em tempo real para discutir o diagnóstico de doenças respiratórias em conjunto com os profissionais atuantes nas unidades de saúde.
Dessa forma, os médicos especialistas podem discutir diagnósticos e casos ainda sem solução com os médicos atendentes, de forma que possam resolver a situação em sua própria unidade, para assim evitar o deslocamento de pacientes em casos de menor necessidade. Médicos de toda a rede pública de saúde do Estado de Goiás já estão integrados no sistema de telecomunicação.
O Estado goiano mais do que nunca precisa de ajuda para se recuperar economicamente. A fragilidade do momento da relação Caiado-Bolsonaro poderia, então, interferir e fazer com que essa ajuda míngue?
Mais de metade das exportações goianas são destinadas à China, que reduz seu consumo em decorrência do coronavírus. Demanda da soja, entretanto, se mantém alta
Partidos foram os que mais ganharam filiações nos grandes municípios goianos, enquanto tucanos perderam presença
Aproximadamente 150 mil pessoas trabalham no local e esperam pelo fim das medidas essenciais para conter a disseminação do coronavírus
Carta assinada pelos professores de economia da Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Ciências Econômicas FACE/UFG* – Economia e a vida
Após as primeiras semanas de isolamento social (a medida concreta adotada pelos governos para diminuir a propagação do corona vírus e seus impactos por recomendação de autoridades de saúde e cientistas nacionais e internacionais) apareceu no debate público uma falsa contradição entre a economia e a vida.
Pressionados por necessidades individuais e pela lógica de mercado, diversos agentes atuam para boicotar esta ação coletiva de proteção de todos, especialmente dos mais vulneráveis. Esse falso trade-off entre economia e a vida brota tanto do desconhecimento de todos os agentes sobre a função da economia em uma sociedade, quanto de seus interesses imediatos em um ambiente de pânico que os impedem de enxergar a coletividade em que estão inseridos. Dessa forma, tal contexto gerou um suposto dilema, o de que estaríamos diante de uma escolha entre salvar vidas ou salvar a economia. A verdade é que a economia existe para garantir a vida.
A pandemia atual, assim como outras pandemias vividas no passado (ex. a gripe espanhola em 1918, a gripe H1N1 em 2009) e qualquer crise de ordem natural como uma seca ou um período de chuvas excessivas em determinada região, perturba o sistema econômico. Contudo, é preciso lembrar que reproduzir materialmente a vida é condição essencial de qualquer sistema econômico. As pessoas parecem não se dar conta que a maior parte dos nossos esforços produtivos e a maior parcela dos produtos que geramos não são essenciais para a nossa reprodução orgânica, ainda que sejam para a nossa reprodução social, cultural e financeira. A maior parcela dos esforços é voltada para atender necessidades que vão além do suprimento básico de garantia da vida, o que mostra que temos capacidade de sobra para superar a crise atual fazendo um ajuste temporário. Tudo depende de nossa união e organização.
Todos estão preocupados legitimamente com seus próprios interesses materiais. Garantir dinheiro a empresários e famílias é a condição primordial. Os empresários precisam receber dinheiro para a sobrevivência de seus negócios e deverão dar contrapartidas. As famílias precisam receber dinheiro com urgência e sem burocracias para manter o circuito do consumo essencial. Isso resolve um lado da equação, o de evitar um desarranjo econômico que comprometa a vida. Este deve ser o papel do Estado neste momento, garantir as condições de funcionamento da economia por meio de medidas que se traduzam em sobrevivência para as famílias e para as empresas, especialmente as micro e pequenas. Para isso, precisamos ter um planejamento efetivo do Estado, envolvendo empresários, sindicatos e sociedade civil organizada, para a definição de metas e operacionalização destas medidas.
Fundamental é organizar a economia para o provimento do básico para todas as pessoas: alimentação, moradia, saneamento, remédios, serviços de saúde, comunicação, educação, água e segurança. Diversas políticas econômicas podem ser adotadas para viabilizar esse módulo de sobrevivência da economia. Embora os detalhes delas possam ser discutidos, não há dúvidas de que podemos superar esse momento com a troca de ideias de modo civilizado no interesse de toda Humanidade, sem apelar para um falso trade-off, já que a economia deve estar a serviço da vida e nunca o contrário.
Goiânia, 30 de março de 2020.
*Assinam os seguintes docentes do Curso de Ciências Econômicas da FACE/UFG:
Adriana Ferreira Silva - Profª. Efetiva - Drª. em Economia (Esalq/USP)
Andrea Freire de Lucena - Profª. Efetiva - Drª. em Relações Internacionais (UnB)
Antônio Marcos de Queiroz - Prof. Efetivo - Dr. em Economia (UFU)
Claudia Regina Rosal Carvalho - Profª. Efetiva - Drª em Ciências Ambientais (UFG) Cleidinaldo de Jesus Barbosa - Prof. Efetivo - Dr. em Ciências Ambientais (UFG)
Cleyzer Adrian da Cunha - Prof. Efetivo - Dr. em Economia (UFV)
Débora Chaves Meireles – Profª. Efetiva – Drª. em Economia (UFJF)
Edson Roberto Vieira - Prof. Efetivo - Dr. em Economia (UFU)
Everton Sotto Tibiriçá Rosa - Prof. Efetivo - Dr. em Economia (UNICAMP)
Felipe Queiroz Silva – Prof. Efetivo – Dr. em Economia (UFRJ)
Flávia Rezende Campos - Profª. Efetiva - Drª. em Geografia (UFG)
Larissa Barbosa Cardoso - Profª. Efetiva - Drª em Economia (UFRGS)
Marcos Eduardo de Souza Lauro - Prof. Substituto - Ms. Economia (UFG)
Pedro Henrique Evangelista Duarte - Prof. Efetivo - Dr em Economia (Unicamp)
Sandro Eduardo Monsueto - Prof. Efetivo - Dr. em Economia (Universidad Autónoma de Madrid)
Sérgio Fornazier Meyrelles Filho - Prof. Efetivo - Dr. em Economia (CEDEPLAR/UFMG)
Suellen Mara de Lima Couto - Profª. Substituta - Ms. Sociologia (UFG)
Tiago Camarinha Lopes - Prof. Efetivo - Dr. em Economia (UFU)
Waldemiro Alcântara da Silva Neto - Prof. Efetivo - Dr. em Economia (ESALQ/USP)
A ideia tem ganhado força entre os políticos, mas uma alteração dessa proporção no calendário eleitoral tem um caminho longo
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Antes tida como impossível, ideia de adiar eleições agora toma os debates / Foto: Reprodução[/caption]
Com uma lamentável marca de quase 55 mil mortos no mundo inteiro até agora, a Covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, tem feito com que o ano de 2020 amargue no luto e na aflição. As autoridades públicas têm adotado medidas consideradas essenciais no combate à proliferação do vírus, o que inclui, sobretudo, o isolamento social. Mas, enquanto decretos são editados, estabelecimentos são esvaziados e leitos de hospitais são ocupados, uma dúvida sonda a população e os governantes: as eleições, evento de grande movimento e fluxo de pessoas que está previsto para este ano, vão acontecer? Apesar de longínqua, a possibilidade de adiamento do pleito vem ganhando força e já é pauta de parlamentares e entidades.
Conforme a legislação eleitoral, as eleições municipais no Brasil estão marcadas para o dia 4 de outubro deste ano. É nesse dia que os cidadãos deverão ir às urnas escolher prefeitos, vice-prefeitos e vereadores. Porém, o pleito não se resume a apenas um dia e fim, “acabou-se”. O processo de escolha dos mandatários de cada município brasileiro é longo e movimentado, e começa antes, muito antes da chegada do mês de votação.
Nos meses de julho até setembro, o embate político se intensifica, assim como o fluxo de pessoas nas ruas, diretórios, entidades, órgãos políticos e palanques. Do dia 20 de julho ao dia 5 de agosto, segundo o calendário eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), são realizadas as convenções partidárias, eventos que reúnem centenas, às vezes milhares de pessoas. E a partir do dia 16 de agosto, o clima se acirra de vez: tem início a campanha eleitoral, e os candidatos saem às ruas, fazem passeatas, carreatas, comícios, e toda sorte de evento que envolva aquilo que o novo coronavírus mais gosta: aglomerações.
Uma vez que a pandemia do coronavírus, acontecimento que, definitivamente, está marcando (negativamente) a geração atual, a possibilidade de adiamento das eleições tem levantado debates e discussões. O que antes era absolutamente impossível e improvável, hoje pode ser, talvez, uma saída inevitável para evitar um colapso nacional.
No contexto da crise provocada pelo novo coronavírus, alterações no calendário eleitoral começaram a ser solicitadas. Em março, por exemplo, o deputado federal Glaustin da Fokus, do PSC, chegou a encaminhar um ofício ao TSE, que tem a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber como presidente, solicitando a revisão do calendário eleitoral em razão da pandemia. O parlamentar pediu a prorrogação da janela partidária, que é período em que vereadores podem mudar de partido antes das eleições de outubro, e que se encerrou no último dia 3 de abril.
Para Fokus, a propagação do vírus que está levando milhares ao óbito prejudicou o processo por impedir articulações políticas nos municípios. À época, Fokus argumentou que os municípios são onde as pessoas participam ativamente da democracia, porque são os espaços em que a vida acontece de fato, “em que é possível acompanhar e fiscalizar a realização das promessas de campanha, pela proximidade cotidiana e até mesmo física com os políticos”. Entretanto, a solicitação do deputado foi negada em votação unânime no plenário da corte, sob o argumento de que o prazo em questão é regido por lei federal, o que impossibilita qualquer interferência ou alteração por parte do TSE.
Porém, o agravamento do cenário no Brasil parece estar mudando o rumo das coisas. Até a noite de sábado, 4, o país tinha, segundo o Ministério da Saúde, mais de 10 mil casos confirmados de coronavírus e mais de 430 óbitos em razão da Covid-19. Para se ter uma noção em números da gravidade do momento, houve um aumento de 72 mortes pelo vírus em um prazo de 24 horas, conforme o Ministério.
O crescimento da quantidade de pessoas infectadas e de óbitos tem feito com que as autoridades reforcem ainda mais as medidas de quarentena. Em Goiás, o governador Ronaldo Caiado tem se manifestado diariamente pedindo o cumprimento por parte da população da medida de isolamento social. Todavia, a aproximação da intensificação da corrida eleitoral é um fator de preocupação não só para o Poder Executivo, mas também para todos os outros.
No Senado, debate sobre o adiamento das eleições de 2020 tem ganhado força
Quanto mais o coronavírus progride no país, mais preocupante se torna o cenário que se formará com as eleições. Seguindo nesse pensamento, as propostas legislativas de adiamento das eleições municipais de 2020 para 2022 têm tomado conta das discussões dos senadores federais. Os mais radicais falam, inclusive, de “unificação dos pleitos”, ideia defendida, por exemplo, pelo senador Major Olimpio, do PSL.
Para Olimpio, a junção das eleições federais, estaduais e municipais evitaria, além da utilização dos recursos do fundo eleitoral, os gastos com as campanhas eleitorais neste ano, trazendo, segundo ele, uma economia para os cofres públicos de até R$ 1,5 bilhão. O senador também recorreu ao TSE, mas foi além da solicitação do deputado Glaustin da Fokus. Olimpio pediu o adiamento das eleições, e pretende, agora, apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nesse mesmo sentido.
O também senador da República Elmano Ferrer, do Podemos, concorda com a proposta do Major Olimpio. O parlamentar afirmou que está empenhado para viabilizar outra PEC, de sua autoria, também com o intuito de trazer para a realidade as eleições gerais de 2022 que, por enquanto, permanecem apenas como uma sugestão.
A ideia de adiar o pleito recebeu endosso, inclusive, do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Em uma conferência realizada no mês passado com prefeitos, Mandetta manifestou suas preocupações. Ele teme que que questões políticas possam influenciar no combate ao coronavírus, e chegou a sugeriu que fosse deliberada a possibilidade de adiar as eleições municipais.
Todavia, o debate sobre o adiamento está limitado, por enquanto, a isso: debate, e não há nada de concreto ou confirmado a respeito. Receando que a discussão acerca da possibilidade da alteração no calendário eleitoral pudesse circular entre o grande público já como uma verdade, o TSE chegou a publicar em suas redes sociais um informativo dando conta da atual situação, com os seguintes dizeres: "Atenção! Até o momento, não há adiamento das #Eleições2020. Mudanças no calendário ou em regras eleitorais dependem de alteração legislativa ou do texto constitucional. A Justiça Eleitoral deve cumprir os prazos previstos em lei.”
Se proliferação do vírus continuar crescendo, não haverá condições de fazer eleição, diz deputado estadual de Goiás
Em Goiás, o debate acerca das chances de as eleições serem adiadas ainda não tem forma, mas já corre em forma de especulação. Na Assembleia Legislativa de Goiás, que tem cumprido suas atividades parlamentares via on-line desde o dia 16 de março, em razão da quarentena no Estado, a pauta levanta dúvidas e temores.
Para alguns deputados estaduais, a adesão à proposta de adiamento do pleito de 2020 será inevitável caso a curva de transmissão do novo coronavírus não apresente um declínio considerável. É o caso do deputado Álvaro Guimarães, do DEM. Segundo ele, não há como saber quando a proliferação do vírus será aplacada, mas a tendência de aumento de infectados, notada até agora, pode - e deve - sim impactar diretamente no calendário eleitoral.
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Adiamento de eleições pode ser inevitável, diz deputado / Foto: Divulgação[/caption]
O parlamentar afirma que, se não houver uma melhora de conjuntura mais adiante, pode ser inviável a realização das eleições municipais deste ano. “A gente não sabe se vai acabar amanhã, ou depois. Não tem como saber quando essa coisa horrível vai acabar [se referindo à pandemia do novo coronavírus]. Mas não está regredindo, só está crescendo. Acabei de ver aqui no jornal que já são mais de um milhão de infectados! Se isso continuar dessa maneira, não teremos condição de fazer eleição. Reunir as pessoas ao mesmo tempo, no mesmo lugar, para votar, fazer reunião, comício... não tem jeito!”, pontua.
Porém, Guimarães afirma que ainda é cedo para concluir algo, e conta que tem confiança no discernimento da população para acatar as medidas de isolamento. “Temos ainda seis meses pela frente. A gente espera que, até lá, as coisas melhorem. Ainda tem muita água para passar debaixo da ponte, mas vai depender do comportamento das pessoas, se elas vão se comportar conforme as recomendações da Organização Mundial da Saúde, e eu acredito que isso aconteça”, diz.
O parlamentar também comentou as ações impostas no Estado pelo governador Ronaldo Caiado contra o avanço do coronavírus e disse que o chefe do Executivo estadual vive um dilema. “É como se diz lá na roça onde eu nasci: ‘se correr o bicho pega, se ficar o bicho come’! A situação do governador é muito difícil, porque, cientificamente, como médico, ele tem feito o que deve ser feito. Mas, como governador, ele sabe que o Estado precisa de arrecadação, precisa se movimentar”.
Adiamento de eleições é possibilidade remota, mas agravamento da crise pode contribuir para concretizá-la, explica advogado
Difícil, mas não impossível. Assim é definida a chance de adiamento das eleições municipais de 2020 pelo advogado especialista em Direito Eleitoral e presidente da Comissão de Direito Político e Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO), Wandir Allan. Segundo ele, existem caminhos legais para se viabilizar a alteração do calendário eleitoral, mas tais caminhos não são nada maleáveis.
Wandir explica que não é possível para a Justiça Eleitoral alterar o calendário sem primeiro haver mudança na legislação. De acordo com ele, isso deve ser feito por meio de uma PEC que, “em primeiro lugar, modifique o artigo 16 da Constituição Federal, afastando o princípio da anualidade”, que diz que toda alteração do processo eleitoral só pode ser feito com um ano antes das eleições. A chance existe, mas, conforme o advogado, não é fácil.
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Para advogado, caminho para se adiar eleições é tortuoso / Foto: Arquivo pessoal[/caption]
“A partir dessa alteração, [é possível] adiar as eleições para uma nova data. É possível que isso aconteça? É possível, mas tem que haver uma convergência política para que viabilize a aprovação, uma vez que uma emenda constitucional não é algo fácil de se aprovar. Hoje, no cenário em que a gente está, é remota a possibilidade, mas ela está no horizonte”, esclarece.
Porém, de acordo com Wandir, em caso de extensão do período de quarentena nos Estados, o que abarcaria a manutenção das medidas de isolamento social, a realização das eleições ficaria, de uma forma ou de outra, inviável. Caso contrário, a hipótese deve ser concretizada somente em última instância. “Toda ideia de adiamento [das eleições] tem que levar em conta a tentativa de fazer essa eleição dentro desse ano”, afirma ele.
O advogado também falou sobre a proposta de alguns parlamentares de realização de eleições unificadas, e teceu duras críticas à sugestão. Para ele, essa é uma ideia que não se pode admitir, uma vez que representaria um retrocesso no que tange ao processo democrático brasileiro.
“É preciso ficar atento para afastar esse discurso casuístico, de fazer coincidir as eleições municipais com as federais. Isso é um prejuízo muito grande para a democracia, e atrapalha por completo o processo eleitoral”, argumenta.
Segundo Wandir, nenhuma outra democracia moderna possui um sistema de coincidência de todas as eleições, e a adesão do Brasil a esse modelo seria prejudicial e atípica. O advogado finaliza dizendo que essa mesma proposta já havia sido feita anteriormente, mas sido afastada pelo Congresso, porém “agora estão aí, tentando fazer novamente”, conclui ele.
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Fiocruz vê explosão em números de internações por infecções respiratórias | Foto: Reprodução / EBC[/caption]
O prefeito de Milão, Giuseppe “Beppe” Sala, apoiou publicamente a campanha Milano non si ferma (“Milão não para”), iniciada no dia 28 de fevereiro, quando a Covid-19 contabilizava 258 infectados e 12 mortos na cidade. Nesta sexta-feira, 27, Beppe Sala pediu desculpas à população de uma cidade que perdeu 4.474 pessoas para a epidemia e tem outros 32.346 casos confirmados de contaminação pelo novo coronavírus. “Erramos”, ele disse. “Ninguém ainda havia entendido a virulência do vírus”.
Até sábado, 28, em toda a Itália a conta já passava de 10 mil mortos e 92 mil infectados. São mais de 6 mil novos casos e quase 1 mil mortes a cada 24 horas no país, que parece se aproximar de um pico de casos. Algo ainda muito pior pode vir a acontecer em regiões que estão no começo da curva descrita pelo número de contaminados em função do tempo: Estados Unidos, Espanha, Reino Unido e Brasil.
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Prefeito de Milão veste camiseta em que se lê "Milão não para" | Foto: Reprodução / Instagram[/caption]
A matemática cruel nos leva às perguntas: Onde foi que os italianos erraram? Estamos no mesmo caminho? O que podemos aprender com eles? Para obter estas respostas, entretanto, não podemos simplesmente comparar os números de diferentes países, pois ainda que se refiram à mesma coisa – quantidade de infectados –, são obtidos de maneiras diferentes. No Brasil, estão sendo testados apenas pessoas com sintomas graves de Covid-19. Já na Itália, testagem em massa foi realizada (tardiamente), mesmo em pequenos povoados.
Portanto, o número de casos confirmados na Itália e no Brasil têm significados muito diferentes. O médico infectologista João Alves de Araújo, que entre outros trabalha no Hospital de Doenças Tropicais (HDT), onde são tratados pacientes da Covid-19 em Goiânia, cita mais alguns complicadores: “Estima-se que cada infectado possa transmitir o vírus a duas ou três pessoas, então o número de doentes reais precisa ser pelo menos três vezes maior do que o de doentes graves, que testamos”.
Mesmo o número oficial de mortos pela Covid não é confiável, conta João Alves de Araújo, pois quando o paciente não realizou teste que confirma a presença do novo coronavírus, a causa mortis é dada como pneumonia adquirida na comunidade (PAC). Segundo estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgado na quinta-feira (26), o Brasil registrou 9 vezes mais internações por problemas respiratórios na última semana do que a média.
Por último, dificulta o fato de que o Brasil não se preparou para o contágio, segundo João Alves de Araújo. “Não compramos kits para realizar testes com antecedência, não incentivamos nossas indústrias ou investimos na tecnologia para produzi-los”, afirma o médico. Como resultado, laboratórios demoram até dez dias para entregar resultados das análises moleculares pela técnica de RT-PCR em Tempo Real.
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Infectologista João Alves vê problemas no número de casos divulgados | Foto: Reprodução[/caption]
Uma estimativa mais realista pode se aproximar de 11 vezes o número de infectados publicado pelo Ministério da Saúde, segundo Centro para Modelagem Matemática de Doenças Infecciosas da London School of Tropical Medicine, do Reino Unido. Lutamos uma guerra de olhos vendados; não sabemos onde estão ou quantos são os infectados. Desta maneira, é impossível aplicar a única medida que vem se provado eficaz em países e que poderia ser adotada pelo Brasil.
O que deu certo no mundo
Epidemiologistas estimam que o Brasil se aproxima do aclive do gráfico de casos em função do tempo, como afirmou o próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. O crescimento exponencial deve se iniciar em abril, extrapolando a quantidade de leitos de UTI necessários para atender doentes, e apenas atingir um pico em maio. Mas outros países já passaram pelo auge de seus contágios e podem ensinar algo ao Brasil. O estado chinês tem alternativas que só estão disponíveis em uma ditadura orwelliana. Viajantes que chegam a Shanghai são enviados em ambulâncias do governo para hospitais, onde são testados por equipes médicas. Lá, aguardam o resultado de ensaios para detecção do coronavírus. Caso o viajante teste negativo, ele segue para casa ou hotel, onde deve ficar em quarentena por 14 dias. Lacres são colocados no local e, caso rompidos, o viajante é contactado pelo estado. Em caso de reincidência, a polícia pode ser acionada. [caption id="attachment_233629" align="alignnone" width="620"]
China controlou epidemia através da quarentena absoluta dos cidadãos | Foto: Reprodução Agência Brasil / TYRONE SIU[/caption]
Há ainda um aplicativo, desenvolvido pelo Escritório Geral do Conselho de Estado, que faz uma espécie de mapeamento das pessoas que estão próximas ao usuário — e que, possivelmente foram infectadas com o vírus. Se for detectado que o usuário esteve próximo de alguém infectado, ele recebe um alerta e a recomendação de ir para casa e entrar em contato com as autoridades de saúde.
Em um mundo mais democrático e com menos amarras sobre a privacidade de seus cidadãos, outras medidas se mostraram eficientes. “Coreia do Sul, Japão e Alemanha testaram seus cidadãos o máximo possível e isolaram aqueles cujo resultado foi positivo daqueles que se mostraram livres do vírus”, afirma o infectologista João Alves de Araújo. Na opinião do médico, esta versão mais branda do lockdown seria o ideal para um país como o Brasil.
“O que tem dado melhores resultados no mundo é tratar os doentes em isolamento e fechar temporariamente locais públicos como shows, teatros, cultos, cinemas”, diz João Alves de Araújo. Entretanto, o infectologista admite que esta medida parece cada vez mais distante: “Primeiro porque não temos testes o suficiente. E também porque a discussão se tornou inócua; está polarizada demais. A medida defendida por Bolsonaro está automaticamente certa ou errada a depender do grupo político que você apoia. Não é assim que funciona, nossas atitudes têm de ser baseadas na racionalidade e na ciência.”
Isolamento vertical, ou o caminho brasileiro
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Ministro da Saúde Luis Henrique Mandetta mudou de opinião a respeito do distanciamento social | Foto: Reprodução[/caption]
Em meio a ordens opostas vindas dos níveis municipais, estaduais e federal, o Brasil se divide entre permanecer em quarentena e voltar a ocupar as ruas com a força produtiva fora dos grupos de risco (algo que tem sido chamado de isolamento vertical). O isolamento vertical defendido por Jair Bolsonaro não possui evidências científicas que comprovem sua eficácia. Trata-se de uma ideia proposta pelo médico americano David Katz, diretor do Centro de Pesquisa em Prevenção Yale-Griffin.
Em artigo publicado no The New York Times, David Katz propôs isolar apenas grupos de risco, com maior mortalidade pela Covid-19, enquanto permite-se que o vírus circule e gere imunidade de rebanho no restante da população. Entretanto, há dificuldades teóricas, como a de se criar uma categoria legal de cidadãos de segunda classe com menos direitos de circular pela sociedade; bem como dificuldades práticas, relativas à realidade brasileira das favelas, por exemplo, onde famílias numerosas vivem apertadas em apenas um cômodo.
Entretanto, o maior problema da ideia é sua falta de respaldo científico. Segundo o método proposto pelo filósofo da ciência Karl Popper, antes de se tentar aplicar a hipótese em todo o país, ela precisa ser testada em grupos menores e, se apresentar bons resultados, necessita ser replicada por outros cientistas com intuito de falsear o procedimento, isto é, encontrar falhas na ideia. Em resumo: não há evidência científica de que o isolamento vertical funciona. Além disso, a ideia foi duramente criticada por, segundo seus pares, extrapolar inferências a partir de premissas pouco confiáveis.
O Brasil não pode parar – Milão também não podia
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Mortos na Lombardia tiveram de ser carregados pelo exército italiano para outra região, devido a sobrecarga de cemitérios e crematórios | Foto: Reprodução / Youtube[/caption]
A polarização a que se referiu João Alves de Araújo tem razões mais profundas do que a mera discussão da metodologia para se encarar a crise sanitária. Jair Bolsonaro afirmou na sexta-feira, 27, que não acredita nos números de mortos reportados pelo estado de São Paulo e que não se preocupa com a situação. O presidente também cometeu dois erros de Beppe Sala: tratou a pandemia como “uma gripezinha” e citou a economia como razão para que brasileiros voltem ao trabalho.
Além da subestimação da virulência da doença, que por ser nova encontra 100% da população vulnerável, sem imunologia preparada para combatê-la, outras coincidências permeiam os governos de Beppe Sala e Jair Bolsonaro. Até mesmo o slogan lançado pelos governos é sinistramente semelhante: “O Brasil não pode parar”. Beppe Sala, como Bolsonaro, também investiu em uma dicotomia entre morrer pelo coronavírus e morrer pela fome em quarentena.
Moisés Ferreira da Cunha, doutor em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo (USP), afirma: “A maioria dos economistas e financistas de bom senso sabe que o prioritário são as vidas, que haverá crise com ou sem quarentena e que se endividar nestes tempos extremos é normal. A economia se refaz depois, é função do governo entrar aí para retomar o crescimento. Mas a morte não tem como”.
Segundo o economista, não seria necessário reinventar a roda, apenas copiar exemplos de países do G20. “Basicamente, eles fizeram distribuição de renda. Nos Estados Unidos, o auxílio-desemprego foi estendido por 10 meses com aumento de 600 dólares por pessoa. Veja a salvaguarda para as microempresas, que agora têm acesso a linhas de crédito com carência de um ano com juros zero. É para situações como esta que nós temos um Estado”, afirma Moisés Ferreira da Cunha.
Pode-se alegar que a realidade econômica dos países é diferente, mas, segundo Moisés Ferreira da Cunha, existem alternativas específicas para o Brasil. Segundo a revista Forbes (edição setembro de 2019), os 200 brasileiros mais ricos têm patrimônio de R$ 1,2 trilhão. “A taxação emergencial de grandes fortunas geraria R$ 240 bilhões aos cofres do governo imediatamente. Não estamos falando de empresas, mas de pessoas físicas”, afirma Moisés Ferreira da Cunha.
“O governo tem previsto para este ano R$ 270 bilhões de renúncia fiscal – perdão tributário. Isso deve ser suspenso imediatamente. Não faz sentido perdoar dívidas em um momento de calamidade. A taxação de dividendos, que apenas o Brasil e a Estônia não fazem, geraria entre R$ 7 a 8 bilhões. Enfim, a transferência de renda poderia gerar R$ 500 bilhões. O que não pode ser feito é justamente o que temos realizado: cortes de salário. Isso vai causar convulsão social, fome, saques”, conclui Moisés Ferreira da Cunha.
Nosso cotidiano está impregnado de confiança na pesquisa científica e no conhecimento científico. Depositamos, nesse difícil momento, nossas esperanças em pesquisadores reunidos em diversos cantos do planeta
