Reportagens

Comerciantes foram obrigados a lidar com medo do consumidor em sair de casa e se adaptar a universo diferente na relação com cliente

Indenizado recentemente, o Tenente Quintino viu de perto a face radioativa da morte e do pânico que tomou conta de Goiânia em 1987, ano que ficou marcado para sempre

Crise provocada pelo coronavírus atingiu em cheio pessoas em situação de vulnerabilidade social. Por outro lado, estimulou a inovação de trabalhos voluntários executados por entidades classistas e grupos assistenciais

Empreendedor e inventivo, José Roberto Brucceli foi o agricultor que modificou Goiás

O projeto Patronos foi criado para identificar e capacitar candidatos militares, que prometem ir com força para o pleito deste ano

Goiás é o estado que mais registra levantamento sobre intenção de votos. Mas o surgimento de empresas de pesquisas somente em período eleitoral coloca em xeque credibilidade das estatísticas

“Me dá muito orgulho de atingir uma coisa tão sonhada. É gratificante – mais que isso: é uma possibilidade de dar de volta à universidade o que colhi nos últimos 30 anos de docência”, afirma Eliana Martins Lima

Profissionais da comunicação têm enfrentado uma onda de violência e perseguição talvez nunca antes vista no Brasil desde que o país foi redemocratizado
[caption id="attachment_278587" align="alignnone" width="620"] Bolsonaro dá "banana" para jornalistas na saída do Palácio da Alvorada | Foto: Reprodução/YouTube[/caption]
“Por que o Queiroz depositou R$ 89 mil na conta da Michelle?”. Essa pergunta foi repetida por nada menos do que 89 vezes seguidas na coluna de Renato Terra, publicada no dia 26 na Folha de São Paulo. Terra não foi o único. O questionamento também foi destaque nos jornais O Globo, Extra, Estadão, UOL, BBC e diversos outros veículos de comunicação nacionais e até internacionais, como Reuters, CNN, Time e The Guardian.
Os internautas também aderiram. No dia 23, a pergunta que faz referência a depósitos feitos por Fabrício Queiroz e sua esposa, Márcia Oliveira, na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro chegou ao trending topics do Twitter, após ser compartilhada milhares de vezes na rede social.
O efeito dominó do questionamento a respeito dos tais depósitos na conta bancária de Michelle começou depois que o presidente da República, Jair Bolsonaro, disse a um repórter do O Globo que tinha vontade de encher a boca dele de porrada quando o profissional de imprensa fez a pergunta. Não parou por aí. Alguns dias depois de ameaçar o repórter, o presidente chamou outro jornalista de "otário" quando o comunicador fez exatamente a mesma indagação - ainda sem resposta por parte de Bolsonaro.
A pergunta parece realmente incomodar o presidente do Brasil e sua reação é justamente o reflexo do turbilhão de ataques que a imprensa tem sofrido nos últimos tempos. O Art. 220 da Constituição Federal de 1988, prega que "manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição". Entretanto, profissionais da comunicação têm enfrentado uma onda violência e perseguição talvez nunca antes vista no Brasil desde que o país foi redemocratizado.
Segundo dados da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), que realiza o monitoramento e análise dos casos de agressões contra jornalistas, o Brasil registrou, em 2019, 208 ataques a veículos de comunicação e jornalistas, um aumento de 54% em relação a 2018. Do total, 114 casos foram de descredibilização da imprensa e 94 de agressões diretas a profissionais.
Além dos ataques, a entidade registrou, ainda em 2019, 2 assassinatos, 28 casos de ameaça e intimidação, 15 agressões físicas, 10 casos de censura ou impedimento do exercício profissional, 5 ocorrências de cerceamento à liberdade de imprensa por ações judiciais, 2 casos de injúria racial e 2 ações de violência contra a organização sindical da categoria.
A Fenaj aponta que os jornalistas do segmento de televisão são os mais agredidos. Em 2019, 35 jornalistas de TV foram vítimas de agressão direta, seguidos dos jornalistas de jornais: 33 profissionais agredidos. Em terceiro lugar estão os jornalistas de mídia digital (portais, sites e blogs) com 23 casos de agressão registrados em 2019.
Para presidente da Fenaj, há institucionalização da violência contra comunicadores
O relatório da Fenaj de 2019 foi o primeiro em que a entidade contabilizou as tentativas de descredibilização da imprensa. Em 2019, a modalidade tornou-se a principal forma de ameaça à liberdade de imprensa no Brasil e foi incluída no relatório diante da institucionalização da prática por meio das falas e discursos do presidente da República. Para ser ter uma ideia, a Fenaj apontou, em outro relatório, que, no primeiro semestre de 2020, Bolsonaro protagonizou, sozinho, 245 ataques contra a imprensa. Foram 211 casos de descredibilização da imprensa, 32 ataques pessoais a jornalistas e 2 ataques contra a Fenaj. A Presidente nacional da Fenaj, a goiana Maria José Braga, garante que a entidade tem monitorado o aumento da violência contra jornalistas e que esse aumento “se deu, principalmente, pela atuação do presidente Jair Bolsonaro”. “O presidente foi responsável, sozinho, por cerca de 54% dos ataques a jornalistas ou a veículos de comunicação. Temos o relatório que descreve cada caso pontualmente, para que ninguém duvide dos nossos números”, revela. [caption id="attachment_278588" align="alignright" width="386"]
Na região Centro-Oeste
A violência contra jornalistas não está restrita apenas às grandes metrópoles do Sudeste (que representa a maioria dos casos de agressões. Conforme a Fenaj, a região Centro-Oeste passou à condição de segunda mais violenta para o exercício da profissão de jornalista, lugar que nunca havia ocupado, desde o início da série histórica dos Relatórios. O maior número de agressões foi no Distrito Federal, que também passou ao posto de segundo estado mais violento, ultrapassando o Rio de Janeiro, que mantinha a posição nos últimos anos. Foram 13 casos (13,83%) de violência no DF. Em Mato Grosso, houve quatro casos e, em Mato Grosso do Sul, um. Segundo o presidente do Sindicato dos Jornalistas de Goiás (Sindjor Goiás), Cláudio Curado, não é raro o sindicato ter que intervir em casos de ataques contra profissionais de comunicação no Estado e cita como exemplo uma situação recente, ocorrida no município de Niquelândia. De acordo com Curado, um jornalista de Niquelândia, que mantém um portal de notícias da região, publicou uma matéria sobre um vereador, que não gostou nada do conteúdo. O parlamentar, então, teria mandado áudios com ameaças para o jornalista, que recorreu à ajuda do sindicato. “Fizemos contato com a Secretaria de Segurança Pública e orientei [o jornalista] a fazer um BO. O secretário de segurança pública de Goiânia ligou na delegacia pedindo providências”, detalha Curado. O caso agora corre na Justiça.Ascensão de onda conservadora no Brasil evidenciou ataques a jornalistas, diz professor doutor
Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutor em Epistemologia da Comunicação pela Unisinos, o professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), Luiz Signates, acredita que o crescimento da violência contra jornalistas pode estar diretamente relacionado com a “ascensão ao poder de Jair Bolsonaro, ampliando espaço e legitimidade para grupos extremistas de direita, de perfil autoritário e antidemocrático, para quem uma imprensa livre e crítica sempre constituiu uma ameaça”. Para Signates, o aumento do compartilhamento das chamadas fake News também foi decisivo para a existência desse fenômeno social. O professor explica que as fake News “não se limitaram às disputas de campanha, mas prosseguiram como parte da política de comunicação do próprio governo”. “Essa institucionalização de uma relação autoritária e conflitiva com a imprensa tende a criar um clima de quase legitimação da violência contra jornalistas”, esclarece. [caption id="attachment_278589" align="alignleft" width="349"]

Em todo o Brasil, prejuízo em perdas de arrecadação de impostos e perdas de faturamento das indústrias nacionais e legais chega a cifra de R$ 255 bilhões

Moradora de Goianápolis, Priscilla Neiva de Maria chegou a hospedar Sara Winter em sua casa
[caption id="attachment_277315" align="alignnone" width="620"] Sara Winter, militante extremista bolsonarista do movimento 300 do Brasil | Foto: Reprodução[/caption]
De ativista extremista contra o patriarcado a convertida ao catolicismo e antiaborto, Sara Giromini, ou Sara Winter, como é conhecida, é uma figura controversa. A militante de extrema-direita é a principal porta-voz do grupo bolsonarista “300 do Brasil” e tem um histórico de polêmicas e problemas com a Justiça.
Na última semana, o Ministério Público do Espírito Santo (MP-ES) acionou a Justiça contra Sara e pediu a condenação da extremista por divulgar na internet os dados pessoais de uma criança de 10 anos que engravidou após passar 4 anos sendo estuprada pelo próprio tio. Caso seja condenada, Sara terá de pagar o valor equivalente a R$ 1,3 milhão por danos morais ao Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente da cidade de São Mateus, no Espírito Santo.
O ato da moça, que já pertenceu a grupos radicais como o Femen, também gerou revolta entre internautas, que a acusaram de expor uma criança que já havia passado por grande sofrimento. O caso ganhou repercussão devido às circunstâncias lamentáveis. Após anos de abuso sexual por parte do tio, a menina obteve autorização da Justiça para interromper a gestação fruto do estupro, o que é previsto em lei.
Ao divulgar o hospital onde a criança estava, Sara Winter tinha como intenção inflar manifestantes contrários ao aborto e impedir a concretização do procedimento. A tática acabou não funcionando e Sara se viu em maus lençóis.
Entretanto, enquanto para alguns as atitudes de Sara chegaram ao ponto da crueldade para com a criança de 10 anos, para amigos próximos da extremista sua intenção era a melhor possível e o objetivo era um só: salvar vidas.
A amiga goiana de Sara
Natural de Goiânia, mas moradora há dois anos do município de Goianápolis, a 40 quilômetros da capital do Estado, a jornalista Priscilla Neiva de Maria é dona de uma marca de roupas homônima enquadrada no gênero ‘moda cristã’. Católica praticante, foi graças às peças de roupas de estilo clássico e a fé cristã que Priscilla e Sara acabaram estabelecendo um relação de negócios e amizade íntima. Ao Jornal Opção, Priscilla revela que parou de confeccionar roupas desde maio do ano passado. Porém, muitas de suas peças exclusivas eram frequentemente usadas por Sara. A jornalista conta que tudo começou quando, no início de 2018, decidiu tentar um contato com a militante para entrevistá-la sobre questões do feminismo, movimento alvo de extrema oposição por parte de Sara. “Ela ainda morava no Rio de Janeiro e eu entrei em contato como o primo dela, pedindo uma entrevista sobre o feminismo. A sara conheceu as minhas roupas e ficou bastante encantada. Mandei algumas peças de roupa pra ela e ela fez um evento só para mulheres no Rio, usando um dos meus vestidos. Aí começou a amizade”, recorda. [caption id="attachment_277316" align="alignleft" width="364"]
Enrolada na Justiça
Priscilla e Sara costumavam se falar com frequência, mas os problemas da extremista com a Justiça acabaram por afastá-las. Em junho deste ano, a Procuradoria da república no Distrito Federal denunciou Sara sob a acusação de injúria e ameaça, crimes que ela teria cometido contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Sara chegou a ser presa por ordem do ministro, decisão essa que foi tomada no âmbito de um inquérito que investiga atos antidemocráticos promovidos, segundo a investigação, com apoio de políticos. Sara também teve suas contas em redes sociais suspensas após determinação de Alexandre de Moraes "para a interrupção dos discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática". Em agosto, as redes sociais voltaram a ser derrubas, dessa vez pelas próprias empresas, após Sara divulgar os dados da menina estuprada. Os imbróglios com a Justiça, que levaram Sara a ter sua comunicação reduzida, acabaram respingando na relação dela com Priscilla. A goiana conta que não fala com Sara desde o início da pandemia do novo coronavírus. Mesmo assim, Priscilla defende a amiga. Para a jornalista, Sara não teve intenções ruins ao divulgar o nome da criança, que, segundo alegado por ela e pela própria Sara, já circulava no Twitter. “Como eu conheci a Sara pessoalmente, por tudo que conversamos, eu sei muito da questão do empenho da missão dela, até pelo histórico de vida. Ela é uma pessoa que ajuda inúmeros casos pró-vida, muitos mesmo. Ela é militante pró-vida, contra o aborto”, diz. “A questão da polêmica do vídeo [em que Sara expõe a criança de 10 anos], eu vi muita gente falando que ela divulgou o nome da criança e o hospital. Realmente, mas ela tem contato com o Brasil inteiro e a missão dela é pró-vida. O que ela esclareceu é que todo mundo já estava vinculando isso no Twitter então eu não acredito que a sara fez isso por maldade ou por querer aparecer”, defende.
O sistema de colaboração é amplamente usado pelo MPF. Mas até onde vão seu risco e eficácia?
[caption id="attachment_277105" align="alignnone" width="620"] Procurador da República em Goiás, Helio Telho esclarece questão das delações | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção[/caption]
Em relatório assinado no dia 11 de agosto e que veio a público no dia 16, a Polícia Federal (PF) concluiu que trecho da delação premiada do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, fechada em 2018 em ação contra Lula, não tem comprovação fática. Conforme o delegado federal Marcelo Daher, no relatório da PF, os "fatos delatados por Palocci foram desmentidos por todas as testemunhas, declarantes e por outros colaboradores da Justiça”.
Antes disso, no início do mês, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) também anulou acusações produzidas em conjunto por Palocci e pelo ex-juiz Sergio Moro às vésperas da eleição presidencial de 2018, em ação penal contra Lula. Segundo o ministro Ricardo Lewandowski, "a juntada, de ofício, após o encerramento da fase instrução, com o intuito de gerar, ao que tudo indica, um fato político, revela-se em descompasso com o ordenamento constitucional vigente".
Os acontecimentos envolvendo delações do ex-ministro Palocci trouxeram novamente para o centro dos debates o velho questionamento que nasceu junto com a Lava Jato: até que ponto delações premiadas devem ser usadas e creditadas? Até que ponto elas são úteis para verificar corretamente o dolo, ou não, dos investigados numa operação?
Para o procurador da República e representante do Ministério Público Federal (MPF) em Goiás, Helio Telho, aquilo que ele chama de colaboração é, na verdade, uma moeda de duas facetas. O procurador explica que quando um investigado decide delatar, sua cooperação vira um instrumento de acusação, do ponto de vista de quem é delatado, ou uma tática da defesa, do ponto de vista do delator. Porém, pode ajudar nem um e nem outro.
Tudo depende da situação do acusado e do material coletado pela investigação. “O advogado vai avaliar a situação jurídica do cliente e analisar as opções de defesa. Se ele tiver uma opção que não seja a colaboração que possa trazer uma maior vantagem para o cliente dele, ele vai aconselhar o cliente a não colaborar”, esclarece Telho.
Entretanto, mesmo que o investigado manifeste desejo de colaborar, ele pode não obter sucesso. O procurador relata que se o acordo proposto pelo investigado beneficia apenas o seu lado, oferecendo ao MPF informações já apuradas ou sem base fática, o próprio órgão pode recusar a proposta. “Às vezes, a defesa apresenta uma proposta de acordo que para a acusação não é interessante, porque aquilo que a defesa está oferecendo em termos de colaboração, de informação, de prova, a acusação tem outros meios de conseguir, ou a acusação já conseguiu, ou são coisas que não têm relevância quando comparado com o papel do investigado na organização criminosa”, diz.
Comprovação de informações
Se para comprovar o crime do acusado bastasse a simples palavra, meio mundo de processos já estariam finalizados. Todavia, para se apontar a culpa de alguém, deve-se apresentar provas e esse princípio jurídico também se aplica às colaborações feitas por investigados pelo MPF. Conforme o procurador Helio Telho, sob a ótica da investigação, a colaboração tem por objetivo obter informações e provas que, se não fosse pela colaboração, “ou não se conseguiria ou seria muito difícil, custoso e demorado para se conseguir”. Porém, Telho explica que a palavra do delator só tem validade caso ele apresente, junto aos fatos relatados, evidências que confirmem tudo o que contou aos procuradores. Caso contrário, a simples “boa fé” do colaborador não tem serventia alguma. “O colaborador não é aquele criminoso que se arrependeu de ter cometido o crime. Pode até acontecer isso, mas, via de regra, não é isso que acontece. Ele colabora porque é melhor pra ele”, conta Telho. [caption id="attachment_277106" align="alignnone" width="620"]
O que aconteceu no caso Palocci
Se o MPF cobra evidências das colaborações oferecidas ao órgão por investigados, então como Palocci conseguiu que informações falsas fornecidas por ele fossem homologadas no processo contra Lula? A delação de Palocci foi fechada em 2018 pela própria PF e tem 34 anexos. Nesse anexo que levou a uma investigação aberta em São Paulo, o ex-ministro relatou que André Esteves movimentou no banco BTG, em nome de terceiros, valores recebidos por Lula em crimes de corrupção e caixa 2. Em contrapartida, Esteves teria recebido informações privilegiadas do governo sobre a mudança da taxa Selic, que permitiu que ele tivesse lucro e que usasse parte desses recursos para fazer doações para a campanha do PT em 2014. Porém, o delegado da PF, Marcelo Daher, após investigação, acabou constatando que os fatos narrados Palocci parecem ter sido tirados de "pesquisas na internet" e "notícias dos jornais", sem que sejam apresentadas provas que sustentem a continuidade da investigação. [caption id="attachment_277108" align="alignleft" width="300"]

Autoridades afirmam que contar com colaboração da população não foi tão proveitoso quanto se esperava

Polícia Civil de Goiás registra média de 4 casos diários de violência sexual contra crianças e adolescentes. Em 2020, Justiça goiana recebeu 1.216 processos relacionados a abuso infantil

Da agricultura familiar à produção de leite, iniciativas passam por aperfeiçoamento e se organizam a partir de plataforma de incentivo à profissionalização do Sebrae Goiás

Aras é visto como uma "incógnita" até mesmo pelos procuradores mais experientes
[caption id="attachment_276945" align="alignnone" width="620"] Augusto Aras, procurador-geral da República| Foto: Reuters[/caption]
Segundo o artigo 6º do Decreto-Lei nº 9.608 de Agosto de 1946, o procurador-geral da República funciona perante o Supremo Tribunal Federal (STF) como chefe do Ministério Público Federal (MPF), além de representar os interesses da União e fiscalizar "a execução e o cumprimento da lei em todos os processos sujeitos a seu exame". Trocando em miúdos, é dever do cargo acompanhar e fiscalizar os procedimentos executados pelo MPF, em perfeita consonância.
Entretanto, desde que o jurista Antônio Augusto Brandão de Aras, ou simplesmente Augusto Aras, assumiu a Procuradoria-Geral da República (PGR) no lugar de Raquel Dodge, o clima tem sido estranho entre ele e procuradores do MPF, sobretudo aqueles que integram a famosa força-tarefa Lava Jato em Curitiba, berço da operação.
No ano passado, após alguns meses de negociação, o presidente Jair Bolsonaro decidiu ignorar a lista tríplice divulgada por eleição interna na Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) e escolheu Aras como o novo PGR. Quanto ao currículo, não há dúvidas: Aras tem qualificação para dar e vender. O PGR é bacharel em Direito pela Universidade Católica de Salvador, mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal da Bahia e doutor em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Aras Ingressou na carreira do Ministério Público Federal em 1987, foi procurador regional eleitoral, atuou na Câmara de Direitos Sociais e Fiscalização de Atos Administrativos em Geral, Câmara Criminal e Câmara do Consumidor e Ordem Econômica, sendo ainda representante do MPF no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), entre 2008 e 2010.
Prêmios também não lhe faltam. O PGR recebeu demonstrações de reconhecimento de sua atuação por meio de moções, medalhas e diplomas de Mérito nas áreas de Direito Eleitoral, Direito Econômico e Direito Coletivo, em distintos Tribunais do País e de placas comemorativas em reconhecimento aos serviços prestados ao MPF e à sociedade.
Entretanto, desde que assumiu a procuradoria-geral da República, Augusto Aras parece não se importar em emitir posicionamentos considerados, no mínimo, controversos. Quando sua nomeação foi aprovada pelo Senado, em setembro de 2019, Aras, que já se referiu à Ditadura Militar como uma “questão nebulosa” e disse que "há indígenas na Amazônia passando fome porque não têm direito de usar as próprias terras para produzir", adiantou que queria "afastar caprichos pessoais" que prejudicam o trabalho da procuradoria e sinalizou que corrigiria os "excessos da Lava Jato". "Sempre apontei os excessos, mas sempre defendi a Lava Jato", declarou, à época.
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O presidente Jair Bolsonaro dá posse ao procurador-geral da República, Augusto Aras, no Palácio do Planalto | Foto: Agência Brasil[/caption]
Uma das declarações polêmicas mais recentes do PGR em relação à Lava Jato foi feita no final de julho deste ano, quando disse que a operação tinha uma “caixa de segredos” e processos ocultos. A afirmação gerou uma reação em cadeia. A força-tarefa da Lava Jato de Curitiba apresentou esclarecimentos, assinados por Deltan Dallagnol, ao ministro Edson Luiz Fachin, do STF, sobre suas bases de dados e afirmou que não possui "caixa de segredos", classificando como "ilação" a afirmação feita Aras.
Os conflitos entre Aras e a Lava Jato não param por aí. No início deste mês, o ministro Fachin revogou liminar, concedida pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, que havia determinado que a Lava Jato compartilhasse com a PGR todos os dados já colhidos pelas forças-tarefas.
Toffoli havia mandado que as forças-tarefas da operação em Curitiba, no Rio de Janeiro e em São Paulo compartilhassem informações com a PGR pois, segundo o ministro, havia indícios de "transgressões" por parte dos procuradores de primeira instância. No despacho, Fachin ressaltou que não haveria respaldo legal no pedido da PGR e que não seria possível atestar que haveria investigações irregulares envolvendo políticos com prerrogativa de foro.
Para alguns, as movimentações de Aras então dentro da legalidade e são executadas de maneira a corrigir falhas que realmente existem dentro da Lava Jato. Para outros, o PGR age de maneira heterodoxa e pode estar chamando atenção demais para si.
Para advogado, postura da ex-procuradora era “mais adequada”
A Lava Jato quebrou tabus e praticou a Justiça, mas cometeu excessos. É o que acredita o advogado e presidente da Comissão de Direito Político e Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO), Wandir Allan. Segundo o advogado, a operação federal “acabou com aquele dogma de que rico não vai preso, de que grande empresário não paga por suas ações, que político importante não é condenado”. Todavia, conforme Allan como toda medida nova e drástica, ela acaba passando por excessos. “Às vezes, esses excessos podem causar danos tão grandes ao sistema como a própria corrupção, são danos à ordem jurídica. A segurança constitucional não é direcionada para o corrupto, o malfeitor. Ela é destinada a todo cidadão. E pra ela alcançar todos os cidadãos, eu tenho que ter um nível mínimo de garantias. O que a Lava Jato fez: acabou atropelando muitas dessas garantias em nome do punitivismo”, afirma. [caption id="attachment_276950" align="alignleft" width="407"]
“Já que ele falou, tem que apresentar provas”, diz deputado federal sobre críticas de Aras à Lava Jato
O deputado federal José Nelto, do Podemos, é um defensor assíduo da atuação dos procuradores e juízes da Lava Jato. Conforme o parlamentar, a parcela da sociedade que é crítica à operação “tem que aceitar que os procuradores de Curitiba e Sergio Moro foram heróis e tiveram a coragem de enfrentar os poderosos no Brasil, tanto políticos quanto empresários”. O deputado parte do princípio que foi justamente essa atuação de combate à corrupção que incomodou e “despertou a ira de uma parcela que não quer” que se combata os crimes do colarinho branco. “Não é fácil você enfrentar uma organização criminosa”, diz. José Nelto admite que existem falhas na operação, ao mesmo tempo em que questiona as denúncias de Aras. Segundo o deputado, já que o PGR trouxe tais denúncias à tona, “ele tem que apresentar provas”. “Se tiver, eu condeno. Condeno qualquer investigação ilegal. Eu defendo a legalidade, o Estado de Direito”, afirma. “Toda operação, seja ela na área do campo jurídico, seja operação da PM, do Exército, há alguém que acaba se excedendo. Quem comete excesso, será punido. Mas você não pode, por causa de uma ação com excesso, dizer que a Lava Jato é toda ilegal”, argumenta o parlamentar. O deputado federal diz ver um “conluio” com “gente da PGR, do STF e também do Senado e da Câmara” para barrar investigações da Lava Jato. Sem citar nomes, José Nelto diz que são “os chamados ‘enrolados’”.Uma incógnita
Helio Telho é procurador da República em Goiás. Mesmo com toda a experiência de MPF e suas figuras, Telho ainda não conseguiu decifrar a linha de atuação e a postura adotada por Augusto Aras frente à PGR. “Não se sabe exatamente o que o procurador-geral sabe, o que não sabe, o que ele pretende. Eu não sei te dizer, o procurador-geral pra mim é uma incógnita”, disse. Para Telho, os imbróglios envolvendo Aras e os procuradores da Lava Jato são causados por falta de “organização e comunicação” e o correto seria a abertura maior para troca de informações. [caption id="attachment_276953" align="alignnone" width="620"]