Opção cultural

Atta Troll é o paralelo e a caricatura de um nobre banido, subjugado às performances do mais grosseiro entretenimento como forma de vida
[caption id="attachment_92673" align="alignleft" width="303"] Retrato de Heinrich Heine (1797-1856), por Moritz Daniel Oppenheim (1800-1882) [/caption]
Fabrício Tavares de Moraes
Especial para o Jornal Opção
Se considerarmos que Paul Valéry estava correto ao afirmar que “um poema ruim é aquele que se desfaz em sentido”, talvez possamos ser tentados a unirmo-nos ao coro do lugar-comum que sentencia o poeta como o nefelibata par excellence. Todavia, mediante uma perspectiva mais profunda sobre a filosofia da composição subjacente à frase do poeta e crítico francês, vemo-nos compelidos a corroborar, consigo, que “o trabalho de um poeta consiste menos em buscar palavras para suas ideias do que em buscar ideias para suas palavras e ritmos predominantes”.
E talvez com essa afirmação, tomando como moto a famosa frase de Mallarmé a seu amigo Degas – hoje constante em todos almanaques rasteiros de literatura – de que poesia não se faz com ideias mas com palavras, possamos nos lançar mais uma vez ao círculo vicioso, para não dizer espiral do silêncio, da antiga e falsa dicotomia entre a poesia engajada e a poesia nefelibata.
Em Atta Troll, o poeta alemão Heinrich Heine, mais do que um primoroso poema com ursos dançarinos e revolucionários, espíritos amaldiçoados de todas as épocas numa caçada noturna, e bruxas com seus filhos cadáveres, constrói uma defesa da autonomia da poesia, defesa esta que jamais, caindo em autocontradição, se expressa como simples ardor apologético.
Logo no princípio do poema, Heine nos apresenta o urso Atta Troll, que, juntamente com sua consorte Mumma, dança e realiza suas performances para o público humano, num contraste de sua posição aristocrática natural (tomada aqui em toda a amplitude do termo) e o trabalho servil e cômico ao qual é agora coagido:
Perante a população ei-lo que dança!
Ele, ele que outrora tão soberbo
Como rei das florestas habitava
Tão livremente o píncaro dos montes!
E é para ganhar alguns escudos
Que ele tanto se esforça e se afadiga!
Ele, ele que há pouco, em meio às selvas,
Na majestade de um robusto ânimo
Se julgava senhor do mundo inteiro!
Todavia, revoltado contra esse tratamento ignominioso que lhe é dispensado, Atta Troll certo dia rompe as cadeias e foge para as florestas, onde, com fervor político, discursa, perante seus filhos, contra a injustiça do mundo dos homens:
Morte e condenação! Ah! Esses homens,
Esses malditos arqui-aristocratas,
Contemplam com desdém os outros entes
Com a insolência de um senhor despótico!
(…)
Os direitos do homem! Quem, dizei-me,
Quem vo-los outorgou? A natureza?
Oh! Tão desnaturada não é ela!
Os direitos do homem! Quem, dizei-me,
Quem esses privilégios concedeu-vos?
A razão? Ela ainda é razoável!
Dum ponto de vista panorâmico, o poema de Heine aborda a tensão entre duas perspectivas então vigentes e antitéticas sobre a natureza. De um lado, os ideais da Revolução Francesa, que tomavam a natureza inculta, o direito natural, como sua fonte e ponte de partida. Daí Atta Troll, com seu discurso igualitário, exigindo a abolição imediata do domínio humano sobre os demais entes do reino natural. Grande parte da ironia do poema repousa nas consequências e eventuais absurdidades desse hipotético colapso das hierarquias naturais.
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“Atta Troll e outras canções”, de Heinrich Heine (Anticítera, 2017, 217 páginas, tradução de Pedro Antônio Gomes Júnior)[/caption]
De outro lado, porém, Heine, refletindo as visões, ou mais exatamente as reações, de Goethe [1] para com essa natureza virgem, descreve um esplendoroso quadro (uma das passagens mais belas do poema) de uma caçada noturna na qual espíritos malditos, hereges e párias, incluindo o próprio Goethe, percorrem os bosques sombrios como forma de castigo eterno. E isto ainda mais estranhamente se dá quando o caçador se encontra na casa de Uraka, a bruxa e mãe de Láscaro, seu companheiro de caçada e cadáver redivivo por meio das poções e unguentos mágicos preparados e administrados por sua genitora. De certo modo herdeira da goetheana Noite de Valpurgis, essa atmosfera será retomada em seu “poema-dança” (Tanzpoem) “Doutor Fausto”, publicado em 1846, alguns anos após a primeira edição de Atta Troll.
Uma dessas figuras condenadas é justamente Herodíades, tão bela ao ponto de o caçador – o eu-lírico na passagem em questão – ponderar a danação de sua alma em troca da companhia eterna da dançarina. Curiosamente, além de fundir Herodíades e Salomé [2] numa única figura sedutora, Heine, talvez sinalizando tacitamente para suas origens judaicas, descreve que as tradições afirmavam, ao contrário ou complementarmente às Escrituras, que João Batista era objeto não da aversão, mas do amor da esposa de Herodes:
Ama-me, e vem a mim, bela Herodíades!
Ama-me e vem a mim! Ao longe atira
O prato ensanguentado e a cabeça
Do santo que não soube apreciar-te.
Eu sou o cavalheiro que procuras!
Para mim é de certo indiferente
Que estejas morta e mesmo condenada;
Sobre isso não tenho preconceitos;
Eu, cuja salvação é problemática;
Eu, que mesmo duvido por momentos
De minha própria vida.
Junto de ti cavalgarei à noite
Entre a chusma infernal dos caçadores;
E nós riremos!
Outro ponto digno de nota é a referência, que acaba se tornando refrão ao longo da obra, ao poema “O Rei Negro” (“Der Mohrenfürst” – a tradução literal do título em alemão seria algo como o Príncipe ou Rei Mouro.), de Ferdinand Freiligrath, citado na epígrafe do prefácio de Heine, no qual um guerreiro mouro, que tocava tambores adornados com caveiras humanas, cercado de realeza e poder, é levado cativo por conquistadores e posteriormente, vivendo entre saltimbancos, é obrigado a encantar plateias com seus dons musicais como forma de subsistência.
Valendo-se desse mote, Heine satiriza não o poema ou seu autor, a quem, na verdade, admirava, mas sim a submissão da poesia à égide ética ou política, em especial o nacionalismo e militarismo que então grassavam em sua Alemanha. Assim, Atta Troll é o paralelo e a caricatura de um nobre banido, subjugado às performances do mais grosseiro entretenimento como forma de vida.
Talvez com isto Heine esteja advogando que a poesia, caso cativa de uma ideologia ou partido, torna-se sempre, num falhanço irredimível, objeto de troça de seus oponentes. Ou dito de outro, o patético (tomado aqui no sentido de pathos), ainda que imbuído dos fins mais morais e louváveis, distorce o propósito e natureza do poema. É o que o poeta afirma, de modo memorável, em seu prefácio:
Há espelhos, cujo vidro está cortado em facetas tão oblíquas que o próprio Apolo neles representado não seria mais do que uma caricatura: rimo-nos então da caricatura, e não do deus.
Atta Troll é o testemunho de um poeta que, embora ligado a movimentos ideológicos de seu tempo [3] (não esqueçamos sua amizade para com Engels e Marx e seus poemas influenciados pela ideia de ambos, como “Os Tecelões de Silésia”), jamais sacrificou a poesia ao altar dos partidos, conforme seu próprio testemunho e compromisso, preferindo, como no caso do poema em questão, antes a sátira do que a deformação moralista.
Por fim, pode-se dizer que Heine foge, resoluto, ao dilema inicialmente apresentado neste ensaio mediante a simples retomada da verdade contida nos clássicos versos de Catulo. Pois, afinal, “a um poeta pio convém ser casto/ele mesmo, aos seus versos, porém, não há lei”.
Obs.: Artigo publicado originalmente na Revista Amálgama.
Fabrício Tavares de Moraes estuda Literatura na Queen Mary University of London.
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NOTAS:
[1] Goethe notoriamente se opunha à visão um tanto dessacralizada da natureza inculta propugnada pelos revolucionários. Com o decorrer da Revolução, tornar-se-á claro o endeusamento literal da Razão (com efeito, instaurou-se o culto à Razão na Catedral de Notre-Damme por um período) e uma visão tecnicista e quantitativa sobre a natureza, algo que repugnava ao espírito de homens como Goethe e Lessing. A influência da personalidade e ideias do autor de Fausto é visível na vida de Heinrich Heine, que, anos antes, enviara seu primeiro livro de poemas a Goethe, na expectativa de sua aprovação.
[2] De acordo com alguns críticos, essa passagem do poema que celebra a volúpia de Herodíades-Salomé exerceu crucial influência sobre os mais diversos escritores europeus, que, de um modo ou outro, retomaram o tema: Oscar Wilde, Charles Baudelaire, Flaubert e Mallarmé.
[3] Conforme consta em todos manuais didáticos de literatura, Heine exerceu influência até mesmo sobre a poesia condoreira de Castro Alves, com seu poema Das Sklavenschiff [O navio de escravos].

“Vitória” tem início com o drama de uma gravidez indesejada e, aos poucos, compõe o retrato de uma geração
[caption id="attachment_92624" align="alignleft" width="261"] Giovanni Arceno | Foto: Divulgação[/caption]
Sérgio Tavares
Especial para o Jornal Opção
Danilo é um sujeito de 21 anos, com uma vida medíocre. Saiu da casa dos pais, no interior, para se acomodar num emprego desinteressante, cujo rendimento é o suficiente para comprar comida e pagar o aluguel de um apartamento tão pequeno que mal cabem ele e os móveis.
Xeretando o Facebook alheio, conhece Vitória. De uma mensagem aqui e outra ali, rola uma afinidade e eles combinam um encontro. Ela mora numa cidade distante, de modo que o relacionamento se concentra nos finais de semana, contudo são momentos de total intimidade. “Ficávamos à vontade na presença do outro de uma maneira surpreendente e até mesmo ridícula, pois não existiam filtros e o que vinha à tona era aquele tipo de conversa que geralmente censuramos em público”, observa.
Ocorre que, por um motivo a princípio insondável, a coisa esfria e o caso chega ao fim. Durou apenas três meses, e não mais se falaram. Até o instante em que se inicia o romance de estreia do catarinense Giovanni Arceno. Logo na primeira frase, Vitória, que empresta nome ao livro, telefona para Danilo e dispara: estou grávida.
Essa é a chave do enredo, mas não o que dá substância à trama. Estruturada a partir de dois arcos distintos que se confluem nas últimas páginas, a história ganha corpo através do olhar vacilante e ao mesmo tempo acuado de Danilo em relação ao mundo e a todos que o cercam, em relação ao fim do seu namoro.
Vitória não quer a gravidez, está decidida em abortar. “Eu não me importo que coisas inesperadas aconteçam na minha vida, mas existe uma fronteira que algo novo não deve ultrapassar, porque a vida precisa de um mínimo de planejamento. Nem toda mudança é boa. Às vezes é uma tragédia”, considera. Danilo contra-argumenta, porém ao ser questionado se está pronto para ter um filho, responde: “Não sei ainda. Não sei de nada”.
Não é difícil sacar qual escolha prevalece. As consequências, no entanto, perduram-se na vida de somente um deles.
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Livro: "Vitória" | Editora: Oito e Meio | páginas: 98 | Preço: R$ 38[/caption]
O tempo avança e, agora, Danilo namora Marcela, uma jovem abastada, negligenciada pelos pais, que sofre de uma doença que a impede de se expor ao sol. Por isso, apesar de viver numa casa em frente à praia, só frequenta o litoral à noite. Danilo não se chateia, sujeita-se ao que for. “(Marcela) insistia que eu fosse sozinho, aproveitasse pra tomar um banho e pegar um bronzeado, mas eu sinceramente não me importava”, declara.
Sem amigos (“apesar de ter trabalhado tanto tempo no mesmo lugar, não fiz um amigo sequer”), flana entre os dias, tocado apenas pela solução do aborto e pelo que aconteceu com Vitória, feito a ideia de um fantasma insepulto que o torna também um.
Fantasia como seria o filho com um ano de idade, rememora sua infância numa tentativa de criar um laço com essa não-existência. Uma atitude mais consistente, todavia, não faz parte de sua natureza. Então uma oportunidade inesperada, envolvendo uma criança, o faz tomar uma decisão das mais bizarras.
Arceno constrói um romance de formação de maneira improvável. Um exame de personagens que, à medida que amadurecem, tornam-se incompletos, menos comprometidos com a intenção de um futuro. Vitória nunca esteve de fato com Danilo, pois seu amor juvenil foi um ex-namorado que morreu num acidente de carro, e a maternidade a deslocaria dessa condição. Danilo imagina que ser pai o manteria num estado em que viveria ao lado de Vitória, num tipo ilógico de reparação por tê-la engravidado. Ainda que de forma inconsciente, querem ser eternamente filhos, aqueles sobre os quais não cabem deveres, resoluções, o mundo de frente.
“Vitória” é um retrato de uma geração que teme derrotas e portanto não tenta, assumindo assim uma posição de defesa contra o próprio destino. Um livro dotado de uma linguagem despretensiosa, intuitiva, que se enquadra perfeitamente em seu tempo.
Trecho do livro
"Entardecia e as pessoas começaram a ir embora. Essa era a hora que normalmente eu e Marcela cogitávamos ir à praia. Naquele dia talvez não fosse assim, já tava me convencendo que teria que dormir no sofá e aguentar Marcela arisca pelos próximos dias – ou, não me surpreenderia, até o fim das férias.
O guarda-vidas tinha ido embora, então resolvi subir na sua cabine pelas escadas. Entrei na salinha e me deparei com uma vista privilegiada, inspiradora o suficiente pra despertar no maior filho da puta de todos a vontade de salvar alguém. A profissão com o nome mais bonito do mundo: guarda-vidas".
Sérgio Tavares é jornalista e escritor.

Ella Fitzgerald é lembrada como “primeira dama do Jazz”... um apelido bastante pomposo e merecido, mas que pode enganar os mais apressados e restringi-la a uma redoma conservadora, assaz restrita, uma ideia pronta e, portanto, limitada
[caption id="attachment_92566" align="aligncenter" width="620"] Ella Fitzgerald (1917-1996)[/caption]
Vitor Hugo Goiabinha
Especial para o Jornal Opção
Antes que o Google homenageie Ella Fitzgerald com um doodle em sua tela inicial, lembrando o seu centenário no próximo 25 de abril, gostaria de compartilhar com vocês leitores a delícia que é falar de e, recomendo, ouvir a sua voz (o que estou fazendo enquanto escrevo essas linhas).
A voz suave, sólida e versátil (com uma extensão vocal que alcançava impressionantes três oitavas) de Ella a tornou uma dessas figuras presentes no imaginário do público de Jazz não apenas pela sua reconhecida competência técnica e por seu carisma, mas por ter composto uma carreira integrada à própria trajetória do Jazz, incorporando elementos inerentes à inovação jazzística mas sem abandonar o estilo robusto e preciso de interpretação. Seu caminho confunde-se com a do estilo que ajudou a construir. Conhecer Jazz no século XX é, em parte, conhecer Ella Fitzgerald. Não é à toa que os centenários de ambos praticamente coincidem.
O início de sua carreira, ainda adolescente, na fase swing do Jazz, nas ruas do Harlem, em Nova York, lhe garantiu entradas nas big-bands da região e o contato com as referências musicais da época: Louis Armstrong e Billie Holliday. Sua carreira ganhou ascensão com sua entrada na big-band de Dizzy Gillespie, na década de 1940, e com a adesão ao estilo be-bop. Com a carreira em crescimento, aliou-se à gravadora Verve Records e ao produtor Norman Granz, com quem desenvolveu grandes parcerias musicais e sucesso comercial ao lado de Duke Ellington, Nat King Cole, Frank Sinatra. Apaixona-se pela mistura brasileira entre samba e o cool-Jazz. A bossa-nova e Tom Jobim entrariam em seu repertório para não mais sair.
Ella Fitzgerald era mestra tanto em interpretações intimistas quanto nas mais extrovertidas, fazendo do scat – a imitação de instrumentos com a voz – uma das suas marcas. Bem antes de Camille Bertrault se tornar um fenômeno da internet usando divertidamente essa técnica, a adoção do improviso vocal característico mostra não apenas agilidade e versatilidade, mas sobretudo a descontração (contrastante com a imagem da elegância e sobriedade que foi construída em torno da musa) e a capacidade de um ouvido absoluto, capaz de “conversar” com os outros instrumentos ao nível do improviso. Característica também das performances do “Acrobata do Scat”, Al Jarreau. Recomendo ouvir “Blue Skies” e as performances ao vivo, em que ela de fato se soltava pelas ondas harmônicas, improvisando e “brincando” com sua voz.
Ouvir os diversos discos ao longo da carreira de Ella pode dar a sensação de estar escutando cantoras diferentes a cada nova etapa. Miles Davis foi chamado de “o Picasso do Jazz” por sua capacidade de reinventar-se. Ella Fitzgerald, apesar da versatilidade nata, é lembrada como “primeira dama do Jazz”... um apelido bastante pomposo e merecido, mas que pode enganar os mais apressados e restringi-la a uma redoma conservadora, assaz restrita, uma ideia pronta e, portanto, limitada. O apelido de “primeira dama do Jazz”, pelo qual Ella é (re)conhecida, refere-se a essa magnitude que sua figura ganhou ao longo do tempo. Mas toda denominação é também uma restrição. Ouvir Ella Fitzgerald em sua amplitude comprova a fragilidade dessas restrições que mais criam selos comerciais do que auxiliam a compreender a artista em sua dimensão.
Ella e o Brasil
A paixão pela Bossa-Nova rendeu a Ella várias gravações de canções de Tom Jobim, João Gilberto, João Donato e, já na década de 1970, de Ivan Lins. Os altos-e-baixos constantes da melodia vocal do estilo auxiliam, sem dúvida, cantoras e cantores que têm competência para interpretar e brincar com o gingado da Bossa-Nova. Talvez por isso Ella mostrava tanta familiaridade e descontração ao cantar ou a fazer seus scats com as melodias brasileiras. Gravou diversas Bossas durante a carreira, mas deixou apenas para o final desta, em 1981, um disco inteiro com músicas de Tom Jobim.
Teve duas passagens pelo Brasil, em 1960 e em 1971, nas quais deixou além de sua marca com interpretações de “Samba de Uma Nota Só”, “Wave” e várias outras, a saudade no público que, lotando todas as apresentações, teve a oportunidade de presenciar uma das cantoras do século.
Obrigado Ella.
Vitor Hugo Goiabinha é doutor em história pela Universidade Federal de Goiás (UFG), professor de história na Universidade Estadual de Goiás (UEG), no Colégio Sagrado Coração de Jesus – Pires do Rio, e na Faculdade Brasil Central-Goiânia. E-mail: [email protected]
https://www.youtube.com/watch?v=PbL9vr4Q2LU

Álbum da banda de Vila Velha (ES) foi gravado em março no Estúdio Tambor, no Rio de Janeiro, e traz 22 músicas recheadas de críticas à sociedade, punk e sarcasmo

Antes do show em Goiânia, Rodrigo Lima, vocalista da banda Dead Fish, falou sobre música, política, fãs e o momento de reformas no Congresso

A leitura atenta de Sófocles e da tradução de Hölderlin (que auxilia a entender o texto grego), feita por Kathrin, mostra como funciona a produção de significação através dos modos (irônicos, sarcásticos, lacônicos, acusatórios, etc.) de dizer certas coisas

Como Joanyr de Oliveira deixou claro, nunca houve por parte do organizador a pretensão de constituir uma antologia perfeita. Seja como for, há nomes de todas as regiões do Brasil

Horácio (65 a.C. – 8 a.C.), ou Quintus Horatius Flaccus, foi um dos maiores poetas da Roma Antiga. Contemporâneo do autor da Eneida, Virgílio, Horácio é conhecido por suas odes e sátiras. Entre estas últimas, está a 1.9, em que se destaca o recurso da autoironia

Começando com Ella Fitzgerald, cujo centenário se aproxima (é dia 25 de abril, próxima terça-feira) e finalizando com Mike Love, passando por Pearl Jam e muito mais. Se liga em mais uma Playlist Opção! Aperte o play! https://www.youtube.com/watch?v=222UoHUCR0o https://www.youtube.com/watch?v=BpIvh3gXAOg https://www.youtube.com/watch?v=U76rNcBB3aY https://www.youtube.com/watch?v=4L0DInKUnzc https://www.youtube.com/watch?v=CxKWTzr-k6s https://www.youtube.com/watch?v=72UO0v5ESUo https://www.youtube.com/watch?v=Aruv2nBqCBM https://www.youtube.com/watch?v=DnGPxmxVTuE&feature=youtu.be https://www.youtube.com/watch?v=fU7hZ3smj0g

Com direção e coreografia de Danilo Santana, o espetáculo conta a história do conhecido personagem do clássico livro de Antoine de Saint-Exupéry
[caption id="attachment_92165" align="alignleft" width="321"] Cartaz de divulgação do espetáculo[/caption]
Amanhã, quarta-feira, 19, a Cia Goiana de Musicais apresentará o espetáculo “Pequeno Príncipe, o Musical”, no Teatro Goiânia, às 20h30.
Com direção e coreografia de Danilo Santana, o espetáculo conta as aventuras do conhecido personagem literário, que sai de seu planeta em busca de conhecimento e aventuras. A adaptação do clássico livro de Antoine de Saint-Exupéry também foi desenvolvido por Danilo Santana, com colaboração de Oswaldo Neto, que também integra a produção do espetáculo.
Com quinze artistas no elenco, o espetáculo dispõe ainda de um grande número de cenários e um esmerado trabalho com figurinos, além de contar com um elenco de 15 artistas que interpretam, dançam e cantam ao vivo as letras que foram escritas por Danilo Santana. As coreografias, também criadas pelo diretor, são carregadas de técnica de Jazz, Sapateado e Ballet Clássico, bem como os grandes shows feitos na Broadway.
Apostando nesse formato inovador, a Cia Goiana de Musicais pretende firmar-se no cenário das artes cênicas de Goiânia como a única companhia qualificada para executar musicais. Sendo assim, o espetáculo atende o público em geral, de crianças a adultos, não ficando restrito, portanto, ao público infanto-juvenil.
Serviço
Pequeno Príncipe, o Musical
Dia: 19 de Abril
Horário: 20:30 horas
Local: Teatro Goiânia
Direção: Danilo Santana
Produção: Oswaldo Neto e Giulyane Nogueira
Ingressos: R$40,00 (inteira) - R$20,00 (meia) - Bilheteria do Teatro (na data)/ https://meubilhete.com/pequenoprincipeomusical
Elenco:
Pequeno Príncipe : João Victor Flores,
Aviador Jovem: Roni Suares,
Aviador Velho: Thiago Morais,
Raposa: Oswaldo Neto,
Rosa: Bruna Lemes,
Cobra : Grace Ribeiro,
Vaidosa: Kamila Sousa,
Rei: Tharyc Batista
Corpo de Baile: Júlia Arantes, Leonora Siqueira, Maria Luiza Faria, Manuella Castioni
Informações pelo WhatsApp: 62 98567-3292

Claudio Sousa Pereira, que acompanha de perto a trajetória dos dois poetas baianos, entrevistou-os na ocasião do lançamento conjunto de "Auto da Romaria" e "Natal de Herodes", especialmente para o Jornal Opção
[caption id="attachment_92127" align="aligncenter" width="620"] Poetas João Filho e Wladimir Saldanha, em lançamento de seus respectivos livros "Auto da Romaria" e "Natal de Herodes", ocorrido em 31 de março de 2017 | Foto: divulgação
[/caption]
Claudio Sousa Pereira
Especial para o Jornal Opção
Eles se conhecem há seis anos, porém possuem um diálogo literário que parece existir há décadas. Wladimir Saldanha e João Filho são poetas e amigos que, nesse espaço de tempo, vão ajudando a reconstruir a poesia brasileira. Encontros inicialmente para discutirem poesia alheia tranformaram as tardes de sábado em momentos luminosos. Em um crescendo de interesse mútuo e sincero, ao qual agregaram-se por vezes as companheiras Állex Leilla e Cristiana Rocha, foram aperfeiçoadas as obras pessoais, tais como Lume Cardume Chama, Culpe o Vento, Cacau Inventado de Wladimir, e A Dimensão Necessária, de João, que ganhou o Prêmio Alphonsus de Guimaraens, da Biblioteca Nacional em 2015. O diálogo se intensificou de tal forma que se estendeu aos dois livros, nos quais há muito de cada um no processo das obras individuais: Natal de Herodes (Mondrongo Livros, 2017) e Auto da Romaria (Mondrongo Livros, 2017), de Wladimir e de João, respectivamente. Lançados em conjunto, no dia 31 de Março, integram na Mondrongo a Coleção Katharina, que homenageia o poeta Bruno Tolentino (1940-2007). Na entrevista que segue, através de cinco perguntas feitas aos escritores, saberemos mais sobre os livros que vieram a lume recentemente, além de outros aspectos ligados ao processo de escrita e obra de cada poeta.
***
“O que busquei com a poesia foi servir-me da lacuna para ir além dela. Ausência que sonha uma Presença – no caso, o Cristo”

“Então isso me deu extrema liberdade: são tão poucos os leitores de poesia, que você pode fazer o que quiser. As muitas remissões do Natal de Herodes foram uma necessidade do tema e eu soltei a mão. Já não espero a mediação da crítica”A partir da seção Tempo do Natal, vários personagens bíblicos são revisitados, contudo apresentados por uma ótica pouco usual. Que visão almeja alcançar com a perspectiva dada nesse segmento? A seção tenta fazer uso de lições da chamada antilira para temas líricos e até religiosos, ou ao menos bíblicos, como você coloca. O efeito soará blasfemo, talvez. Seria de uma infantilidade absurda se eu pretendesse blasfêmia em poesia a estas alturas, ainda que isso correspondesse a qualquer necessidade particular (o que não é o caso). Seria também um anacronismo ignorante, em relação ao “estado da arte”. A revolta não é com o tema de fundo, o encontro da dimensão lacunosa do pai com a Pessoa de Cristo. É uma revolta de linguagem, porque eu andava com muita birra de certa poesia contemporânea que me parece apologal, como se fosse possível “passar a régua” em Jorge de Lima, em Murilo Mendes. O poema-apólogo, para mim, é forma inversa de infantilidade e ignorância. Mas admito a “leitura blasfema”: não é algo que o livro rejeita, é um risco dele. É algo que o autor rejeita. Diversos mitos e referências são retomadas no Natal de Herodes: há uma profusão de subtemas e remissões históricas. Como julga que isso será recebido, tendo em vista o atual panorama crítico? Meu livro anterior, Cacau inventado, de 2015, tem muito da chamada metaliteratura, na proposta de discussão do imaginário moldado pelos escritores da região do cacau, alguns hoje obscuros. Tentei uma metaliteratura que não fosse vazia, não fosse narcisismo de linguagem. Pensando no problema das referências, fiz um prólogo e até notas de rodapé. Pois foi obra semifinalista de um prêmio internacional, divulgada em grandes jornais, e até hoje não teve nem sequer uma resenha. Então isso me deu extrema liberdade: são tão poucos os leitores de poesia, que você pode fazer o que quiser. As muitas remissões do Natal de Herodes foram uma necessidade do tema e eu soltei a mão. Já não espero a mediação da crítica. Fora os próprios poetas, as pessoas que mais poderiam fazê-la estão, como naquela canção do Roberto, “com a cabeça cheia de problemas”. No ano de 2017 se registra a passagem do décimo ano de falecimento de Bruno Tolentino (1940-2007). Como se sabe, seu livro Natal de Herodes integra, assim como a obra Auto da Romaria, de João Filho, a Série Katharina, que a editora Mondrongo está encampando. De que modo seu livro dialoga com o poeta homenageado? Em dois aspectos mais evidentes: primeiro, o trabalho formal, pois Bruno trouxe de volta, na década de 1990, a questão da métrica, que parecia sepultada pelo Concretismo; segundo, no plano temático, a busca transcendente, igualmente soterrada pelos “poemas-coisa” da mesma vanguarda. Ambos os livros assimilam tais pontos, que a obra As horas de Katharina trabalha de modo exemplar. Quanto ao meu verso, particularmente, deve haver algo de Bruno no que toca à lírica de melopeia, mas por oposição. Minha relação tornou-se instável com a obra dele, sobretudo depois de tê-lo conhecido pessoalmente, pois eu o havia lido muito como o grande lírico de A balada do cárcere e, depois, de As horas de Katharina. O poeta de quem me aproximei era alguém que fazia pouco caso de sua produção mais lírica, estava empenhado em construir uma imagem de poesia “filósofa” – sobretudo o autor de O mundo como ideia e do então inédito A imitação do amanhecer. Eu me afastei dele em parte por isso, como reação meio involuntária do lirismo, da melopeia tão dele e que no entanto desdenhava. Foi um desencontro de leitor com a expectativa de leitura que o autor tinha de si. Essas coisas também fazem parte da literatura – e eu era muito jovem. Mas ainda prefiro As horas e A balada aos outros dois. Então deve haver em mim algo que é Bruno, malgrado seu. “Te juro que o verbo amar/ só Deus conjuga contigo” – são os versos dele que talvez respondessem a Herodes. ***
“Inúmeros outros poemas estão impregnados de Catolicismo. Há um preconceito rasteiro contra o Cristianismo entre os ditos intelectuais. A pessoa pode ser tudo, menos católica”

“Há tantos incontáveis vínculos numa única vida humana que ignorá-los é, no mínimo, cegueira. A grande maioria das pessoas gosta de transpirar sua autossuficiência, mas tudo, tudo nos foi emprestado. Até para negarmos a vida temos que estar vivos!”O seu Auto da Romaria amplia alguns caminhos já presentes no livro anterior, A dimensão necessária (Prêmio Biblioteca Nacional 2015). No entanto, considero o Auto como o ponto dominante de sua obra até então. Mas isto pode configurá-lo, dada a cosmovisão de matriz católica, como um eixo restritivo para obras vindouras? Acredito que não, pois há livros inéditos com poemas que possuem essa mesma índole. No caso do Auto, a abordagem não poderia ser de outro modo; o tema e a minha vivência de fiel pediam esse procedimento. Como você percebeu: o que já publiquei e os livros inéditos são variantes, às vezes bem distintas, de uma mesma matriz. Sendo assim, não vejo porque o Auto da Romaria restringiria outras obras futuras por ter sido escrito numa perspectiva cristã, que tem como base o perdão e a transcendência. Foi essa direção que desejei imprimir em A dimensão necessária. Há poemas ali eminentemente cristãos. Não sofrem de nenhum didatismo redutor, é verdade, pois primo pelo tratamento estético, mas não deixam de ser cristãos. Poemas como “Capela do Hospital Santo Antônio”, que é sobre a Beata Dulce, toda a seção “A fonte vertical”, e inúmeros outros poemas estão impregnados de Catolicismo. Há um preconceito rasteiro contra o Cristianismo entre os ditos intelectuais. A pessoa pode ser tudo, menos católica. Diante de uma produção literária em que, além dos livros supracitados, possui alguns livros inéditos tão bons quanto ao recém-publicado, porém todos saídos de uma base comum, explique como o seu processo de escrita tem desdobrado para que, nessa fecunda oficina poética, aparecesse um livro de tamanha coesão interna como o Auto da Romaria. Penso que a coesão vem do menino que fui. Explico: há uma imagem que eu chamo de “A teia”; nome singelo, bobo até, mas de enorme importância para mim. Aquele menino imaginava uma raiz comum da qual surgiriam vários trabalhos estéticos, talvez em forma de desenho, palavra ou música. Prevaleceu a palavra, pois não aprofundei em estudos e técnicas os outros dois suportes. Talvez ainda faça isso com o desenho; na música, prefiro continuar como letrista, apesar de ter algum conhecimento técnico musical. Claro que, àquela altura, era um vislumbre, algo ainda muito primário, mas eu idealizava mesmo o que chamo de “A teia”. O menino que eu fui era – e continua sendo – um contemplativo, e o mundo é, para mim, um espanto. Sinceramente não sei como alguém pode se entediar diante do espetáculo da vida. Vejo que a partir do Auto você lança a pedra de fundação de sua poética, ainda que esteja apenas no terceiro livro de poesia. Dentre esses elementos, um já se mostra claro, não só nesse livro como no anterior, mas na fase onde se encontra, que é a Aceitação da Transcendência. Essa questão de ordem metafísica em sua Poética – que está em franca formação – já se apresenta como uma resolução plenamente resolvida na sua vida/obra? Como você mesmo diz: tudo ainda está em franca formação. Desse modo, se alguém pode afirmar criticamente o que você afirma, esse alguém tem de vir de fora, pois está num um ponto de observação privilegiado que eu não posso estar. No entanto, quem se mete com algum tipo de arte é ambicioso. O poeta, por mais humilde que seja, é movido pela ambição de fazer uma obra simples. Sem ambição não há arte. Sim, essa questão já está resolvida no sentido de eu não conceber a vida sem transcendência. Como assevera acertadamente o professor e escritor Tiago Amorim – a vida é metafísica. A vida humana que se fecha sobre si mesma se torna pobre, de uma pobreza mortal. Viktor Frankl, num dos seus livros, diz que mesmo o mais inflexível ateu, na hora da morte, percebe que “há algo mais”. E Viktor Frankl, que chegou lúcido aos 92 anos, sabia do que falava. Considero a vida uma dádiva. Conheço a dor, a humilhação, o fracasso, mas sei que a vida é positiva. Isto não quer dizer que eu vejo o mundo com um otimismo cândido. Se o ser abarca o não ser, logo, a positividade é intrínseca à vida como um todo. O que procuro enxergar é o mundo em suas multifacetadas manifestações. Há tantos incontáveis vínculos numa única vida humana que ignorá-los é, no mínimo, cegueira. A grande maioria das pessoas gosta de transpirar sua autossuficiência, mas tudo, tudo nos foi emprestado. Até para negarmos a vida temos que estar vivos! Isto para mim é tão óbvio, mas sei que não é uma visão facilmente aceita. Veja o seguinte: se não existisse o cenário – o mundo – onde atuaríamos? Se não existissem pessoas, com quem interagiríamos? O pessimista, o niilista, o relativista etc. são os teimosos da ingratidão. Como diz Chesterton, que cito como epígrafe de um dos poemas do Auto da Romaria: “a vida não é somente um prazer, mas uma espécie de excêntrico privilégio.” Que saibamos ser dignos desta excentricidade ímpar. ***


Aos 53 anos, vocalista da banda Ratos de Porão passou por Goiânia duas vezes em um intervalo de cinco dias para conversar, discotecar e lançar sua autobiografia

Em vez de reconhecer nas miniaturas de Kharms metáforas da vida, o que se pode ver na peça de Fayad, que continua diferentemente o movimento do literato soviético, não são metáforas, mas, sim, símbolos do absurdo
[caption id="attachment_92050" align="aligncenter" width="620"] Atores Saulo Dallago, Guerhard Sullivan, Leopoldo Rodriguez e Edimar Pereira em cena de "Cerimônia paras personagens estranhos: Miniaturas Grotescas", de Marcos Fayad |Foto: Corália Elias/Divulgação
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Thiago Cazarim
Especial para o Jornal Opção
Nos dias 06 e 07 de abril, pude assistir ao espetáculo “Cerimônia para personagens estranhos – Miniaturas Grotescas”, adaptação de histórias curtas do autor russo Daniil Kharms (1905-1942), feita pelo diretor teatral Marcos Fayad. Não sendo dramaturgo, nem crítico, nem conhecedor da obra de Kharms, penso então no excelente espetáculo levado a público no Teatro Sesc Centro em Goiânia como espectador impactado pelo desconhecido.
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A alcunha “literatura do absurdo”, emprestada por este jornal à produção de Kharms, fornece uma pista interessante para os espectadores que se aventuraram pelo trabalho de Fayad. Como o próprio diretor afirmou em entrevista (link ao lado) ao Jornal Opção, tratam-se de 18 histórias fugazes que, pelo insistente emprego de uma estruturação inacabada, produzem a sensação de estranheza e de incompatibilidade com o fluxo ordinário da vida. Não é à toa que, no início do espetáculo, logo após a saída dos atores do palco (aliás, o lógico não seria que o espetáculo começasse pelo vazio do espaço?), o público ouve uma voz que avisa que o teatro nada mais é que o cotidiano ao qual se deu outro uso. Algo por si só estranho, já que o limite entre arte e vida comum normalmente é visto como rigidamente marcado e impermeável.
Ao mesmo tempo, o espectador desavisado poderia esperar no palco um absurdo estereotipado, como no caso de Um cão andaluz e A idade de ouro, ambos do cineasta Luís Buñuel. Para ficar na comparação com o cinema de Buñuel, talvez o espetáculo de Marcos Fayad tenha encontrado em Daniil Kahrms aquele absurdo mais sutil, tanto quanto mais paradoxal, de O anjo exterminador, em que não é a mera sequência de disparates que confere o teor de absurdo, mas sim a constatação de que por dentro do convencional, da vida repetitiva é que o absurdo aparece e se dissipa sem maiores explicações. Nada extraordinário, então; ou ao menos nada não-ordinário serve para explicar o absurdo visceral do cotidiano.
As Miniaturas Grotescas, quando levadas ao palco, trabalham com o jogo do ordinário sobre si mesmo: as falas retas, o cenário clean, o elenco reduzido, os temas aparentemente sem sentido ou profundidade – nada aponta para o exagero e o choque como categorias dramáticas prioritárias. Seria possível até, se quisermos, reduzir a apreciação do espetáculo, por um lado, aos quadriláteros e círculos que compõem tanto o cenário (quadraturas: o número de atores, o formato do pequeno palco vermelho, o painel retangular ao fundo, as duas kalimbas tocadas brevemente pelos atores, as cadeiras coloridas, a caixa posta sobre a cabeça em que cabem igualmente a morte e a vida) e, por outro, às circularidades de paralelismos internos à estrutura do texto (o trocadilho “sem tirar nem pôr”, que ironiza o recém-nascido tirado e posto de volta dentro de sua mãe, reaparece mais três vezes ao longo do espetáculo com sentidos bastante diferentes).
Para o espectador, talvez a melhor forma de captar o sutil absurdo de Cerimônia para personagens estranhos seria atentar para o caso de Nikolai Ivanovich. Nesta cena, aparecem condensados todos os paradoxos do espetáculo de Fayad. Nikolai Ivanovich, homem apático, cercado de outros homens que narram suas ações e descrevem sua personalidade. Nikolai Ivanovich, presente em cena, mas incapaz de atuar por si, dependente de outros que lhe deem significado. E, numa espécie de sofística revisitada, não se trata de discutir o caráter de Ivanovich, mas apenas de dizer da vodca que ele bebeu – ou não bebeu. Os narradores começam a desfazer todo grau de certeza que pode haver sobre a existência da personagem narrada num crescendo de absurdo. Primeiro, abolem a existência do espaço em torno de Nikolai Ivanovitch: não existe nada, nem mesmo um espaço vazio, atrás, aos lados nem à frente dele. (Este não é o espaço do teatro, afinal?) Em seguida, afirmam que não há nada dentro de Ivanovitch; mais que isso: que nem mesmo existe Ivanovitch. Só existe a garrafa de vodca, mesmo que não se possa negar ou afirmar que ela tenha cumprido seu desígnio etílico...
A cena de Nikolai Ivanovitch, por sua vez, parece formar um arco com o início da peça, quando uma sequência de ações sem sentido aparente se realiza antes de qualquer diálogo. Após marcharem um percurso retangular, os atores, cada um portando um objeto diferente, detêm-se ao fundo do palco e desenvolvem três gestos. O primeiro ator abre um compasso, circulando-o pelo palco. O segundo sucede-o com um pequeno laser no traçado invisível do compasso, em que é acompanhado pela iluminação que forma um anel de luz sobre o palco. O terceiro, portando um aspirador de pó, coloca-o em funcionamento seguindo pela borda do anel luminoso que progressivamente vai se borrando até formar um foco de luz sem contorno. A cena de Nikolai Ivanovitch é apenas o ritornelo dessa cena inicial que anuncia que a distância entre o palco e o espectador, o ordinário e o absurdo, esteve sempre condenada a desaparecer.
[caption id="attachment_92051" align="alignleft" width="300"] Diretor Marcos Fayad | Foto: Corália Elias/Divulgação
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O absurdo então se multiplica. Afirma-se diante do público que o próprio público não existe, que a personagem diante do público (inexistente) não existe, que a personagem nada contém que não o seu vazio, que o momento comum da vida e o tempo especial do teatro não se diferenciam senão por um acidente. Mais forte que isso tudo, o absurdo reside em usar o teatro para dizer que o teatro não existe. Isso não soa apenas absurdo a quem assiste o espetáculo: esta auto-sabotagem parece ser uma completa mentira. Porém, neste movimento de abortar a própria possibilidade, talvez a peça de Fayad enuncie uma verdade incômoda. Nada havendo no exterior ou no interior de uma personagem levada à cena, resta apenas a indelével presença do absurdo que nenhuma racionalização ou negação podem controlar.
Uma solução fácil seria recair no niilismo como opção de vida: nenhuma solução possível. Outra saída para o paradoxo de Nikolai Ivanovitch e as demais personagens estranhas seria, seguindo a pista do próprio Fayad, reconhecer o absurdo como metáfora da realidade. Em outros termos, seria reintroduzir o absurdo do cotidiano no fluxo ordinário dos fatos históricos – uma opção certamente coerente com o contexto histórico de Daniil Kharms e da repressão stalinista. Mas a visão do autor sobre sua obra sempre é parcial já que a obra ultrapassa o gesto e o autor que a compõem. Por isso, em vez de reconhecer nas miniaturas de Kharms metáforas da vida, o que se pode ver na peça de Fayad, que continua diferentemente o movimento do literato soviético, não são metáforas, mas, sim, símbolos do absurdo.
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Símbolo, em sua acepção mais corrente, diz sobre aquilo que representa ou substitui algo. Nesse sentido, uma metáfora pode se comportar como um símbolo e se torna impossível distingui-los. Porém, símbolo, do verbo grego symballein, remete mais originalmente ao objeto dividido em dois (symbollon), entregue a diferentes emissários ou portadores de uma mensagem que, para serem reconhecidos e fazerem valer sua verdade, apresentavam as metades do objeto então partido. A bela leitura que Michel Foucault faz do “Édipo Rei” de Sófocles na década de 1970 (O saber de Édipo; A verdade e as formas jurídicas) recupera este sentido mais antigo do “simbolizar”: a busca da verdade por Édipo, construída num procedimento de symbollon, é precisamente o domínio daquilo que divide e reúne, que afasta e coloca frente a frente, que busca a verdade por meio da suspeita. Símbolo é, à diferença da metáfora como substituta, o confronto direto com a verdade que se custa a captar. Diante do irresistível absurdo de Kharms-Fayad, o que resta senão enfrentar de cara limpa o absurdo de um teatro que arruína sua verdade ao mesmo tempo que faz dessa impossibilidade sua condição?
Se há uma metáfora possível, algo a extrair desse buraco-negro do pensamento, quem sabe não é a ideia de que o absurdo do cotidiano reside na impossibilidade de o cotidiano se sustentar sozinho sem aquilo que o nega – o extraordinário? Entre a impossibilidade do teatro e a impossibilidade do cotidiano, o absurdo talvez seja a força edipiana que os divida e coloque permanentemente em confronto. O absurdo, pois, como símbolo do teatro e da vida.
Thiago Cazarim é bacharel em música e mestre em filosofia.

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