Em 2 horas e 40 minutos, ex-beatle conquista mais uma vez fãs mineiros com apresentação recheada de simpatia e hits à altura da energia do músico, aos 75 anos

Com sete décadas e meia de vida, Paul McCartney prova mais uma vez que seu show é sempre um grande espetáculo | Foto: Pedro Vilela/Mineirão/Agência i7

De Belo Horizonte (MG)

Há quatro anos e cinco meses a turnê Out There!, do inglês Paul McCartney, aos 71 anos em 2013, passava pelo estádio Mineirão, em Belo Horizonte (MG), no dia 4 de maio e depois na memorável noite do dia 6 do mesmo mês na capital goiana. Quem foi ao estádio Serra Dourada naquela oportunidade sabe que Goiânia foi agraciada com um dos mais belos espetáculos da Terra. Sir James Paul McCartney, hoje aos 75 anos, não se cansa de viajar e tocar suas músicas, que vão do The Quarrymen, antes mesmo dos Beatles, até sua carreira solo, ao redor do mundo.

Pela turnê Out There!, que continuou com o lançamento do disco New (2014), Macca se apresentou no Brasil oito vezes entre 2013 e 2014. Antes, Paul esteve no País com três shows da On The Run Tour e outras cinco em 2011 e 2010 com a Up and Coming. Antes, na década de 1990, o músico de Liverpool veio para fazer dois shows da The New World Tour no ano de 1993 e os dois primeiros do sir em terras brasileiras em 1990 com a The Paul McCartney World Tour.

51 mil pessoas foram, em uma terça-feira, ver o sir James Paul McCartney ao vivo | Foto: Pedro Vilela/Mineirão/Agência i7

Quando cheguei em BH – como os mineiros chamam a sua capital -, cinco dias antes do show de terça-feira (17/10), nem passava pela minha cabeça ver novamente uma apresentação do Macca. Até que um primo me lembrou: “Vai ter show do Paul. Vamo?”. A primeira sempre olhada opção, ver de perto do palco, logo foi descartada. A inteira do ingresso custava R$ 880. Optei pela parte da plateia que tinha um valor abaixo da metade da pista premium, a pista comum: R$ 400 o preço cheio.

Desta vez Macca já havia se apresentado na sexta (13) em Porto Alegre (RS) e domingo (15) na capital paulista. O último show dessa passagem pelo Brasil acontece na sexta (20) em Salvador (BA). Quando chegamos ao Mineirão – palco de muitos jogos memoráveis do Galo, com direito até a gol de goleiro em cobrança de escanteio, a comemoração do título da Libertadores de 2013, e outros lamentáveis, como a recente derrota para o Corinthians por 2 a 0 em agosto -, nem parecia que estaríamos no meio de 51 mil pessoas. A maioria, como sempre, usava camisetas dos Beatles, que ocupam grande parte do repertório ao vivo de Paul.

Vi poucas famílias, quase raras, com camisetas do The Wings, para mim uma das melhores fases da carreira do músico. Entre 20 e 21 horas – o show deveria começar às 21h30 -, as cadeiras e o gramado coberto do Mineirão passaram do vazio inicial a uma multidão ansiosa para, grande parte dela, se reencontrar com Macca no mesmo palco de 2013.

Por volta de 21 horas, as tradicionais fotografias de todas as fases da carreira de Paul e seus inúmeros parceiros musicais começaram a ser mostradas no telão. Só que a interessante exibição de fotos divididas por cabos de baixos e guitarras durou cerca de 40 minutos, o que cansou muito boa parte do público.

Euforia

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Nem os 11 minutos de atraso, às 21h41, foram notados quando Paul McCartney, os guitarristas Rusty Anderson, Brian Ray, o baterista Abe Laboriel Jr e o tecladista Paul Wix Wickens surgiram no palco, montado no setor laranja do Mineirão, tradicional espaço ocupado pela torcida do Galo nos clássicos. A Hard Day’s Night (Beatles), que abriu os dois shows anteriores, deu início às 2 horas e 40 minutos de show em BH.

Com seu terno escuro sobre uma camiseta rosa, uma munhequeira rosa no punho direito e seu tradicional baixo Hofner 500/1, que o acompanha desde os anos 1960, Paul McCartney, aos 75 anos, emendou Save Us, do disco de 2014. “Ei, BH. Boa noite, gente. Tudo bem?”, arriscou, lendo no chão do palco, frases em português para saudar o público, que respondeu empolgado. Até mesmo quem já conhecia parte do roteiro da apresentação.

Save Us substituiu Junior’s Farm (Wings), que havia sido tocada em Porto Alegre e São Paulo, mas ficou de fora no show do Mineirão. Can’t Buy Me Love (Beatles) fez o coro voltar a ficar alto em todos os setores do estádio, que acompanhavam o sir no palco. Enquanto a mais do que talentosa banda de Macca e o artista tocavam a canção dos Beatles, o telão do fundo do palco mostrava imagens da fase Iê Iê Iê dos anos 1960 da banda formada por Paul, John Lennon, Ringo Starr e George Harrison. “We’re gonna have a party tonight (Nós vamos fazer uma festa esta noite)”, prometia aos fãs Paul.

Letting Go (Wings) também foi um ponto diferente no setlist dos shows deste ano no Brasil. Jet foi a escolhida nas duas apresentações antes de BH, e na capital mineira não fez parte do concerto. Paul arriscou mais uma vez outra frase em português e até que se saiu bem: “É bom estar de volta”. E emendou Drive My Car (Beatles), canção que alegrou fãs das mais diversas idades no Mineirão. Got to Get You Into My Life (Beatles) substituiu Drive My Car em Porto Alegre quatro dias antes, mas não entrou no show em Belo Horizonte.

Depois de gritar “BH” no microfone, o músico puxou Let Me Roll It (Wings), que veio acompanhada de uma jam instrumental de Foxy Lady, de Jimi Hendrix. “That last one was a little tribute to Jimi Hendrix (Essa última foi um pequeno tributo a Jimi Hendrix).” A essa altura do show, Macca já havia abandonado o terninho escuro há muito tempo. I’ve Got a Feeling (Beatles) botou todo mundo para cantar junto com o sir britânico. Antes, ele tinha agradado aos fãs com frases que ele mesmo dizia em inglês e traduzia na sequência, como “Tonight I’m gonna try to speak a little portuguese. Vou tentar falar um pouco de português”.

Fãs de diferentes idades se emocionaram com sucessos e canções mais recentes do ex-beatle | Foto: Pedro Vilela/Mineirão/Agência i7

Romantismo

Seja no baixo ou na guitarra colorida, no violão, piano ou tocando ukulele, Paul McCartney continua um excelente músico ao vivo. Quando foi para o piano, o músico emocionou os fãs antes de começar a tocar My Valentine. “Eu escrevi esta música para minha esposa Nancy. Ela está aqui hoje”, disse. Ao final da música, Macca fez coraçõezinhos com as mãos e os braços para o público.

Nineteen Hundred and Eighty-Five (Wings) foi encerrada com Paul fazendo uma pomba com as mãos pouco antes de dedicar Maybe I’m Amazed à ex-esposa Linda McCartney, que morreu em 1998. Essa canção é sempre um dos momentos mais altos dos shows do ex-beatle. “How you’re doing? OK? (Como vocês estão?)”, pergunta McCartney ao Mineirão. I’ve Just Seen a Face (Beatles) é outra que não foi tocada nos shows de Porto Alegre e São Paulo, que tiveram no lugar We Can Work it Out (Beatles).

I’ve Just Seen a Face é a primeira música do show com Paul no violão. “E agora vamos voltar no tempo. We’re gonna back in time, before The Beatles recording. É a primeira música que os Beatles gravaram.” O anúncio de Macca deu espaço para a execução de In Spite of All Danger (The Quarrymen), do final dos anos 1950, quando os Beatles ainda não existiam. Fizeram parte da The Quarrymen os beatles Paul, John e George. “A próxima música start with this riff (… começa com este riff)”, anuncia Macca a canção.

You Won’t See Me (Beatles) só não foi tocada no show de São Paulo. Wix foi para o acordeon, o que deu ainda mais charme à melodia de You Won’t See Me. Paul agradece ao público pelo entusiasmo e arrisca um gíria do mineirês: “Valeu, sô”. A reação imediata foi de encanto e risos do já mais do que arrebatado público.

Brincalhão, Paul esbanjou simpatia nas quase três horas de show | Foto: Pedro Vilela/Mineirão/Agência i7

“This is from the first record we did in Abbey Road Studios (Esta é da primeira gravação que fizemos no Estúdio Abbey Road)”, diz Macca para anunciar Love Me Do (Beatles) ao público. Na capital paulista, Love Me Do ganhou, em seu final, um trecho de She Loves You (Beatles). O tecladista mostra toda sua habilidade na gaita e os fãs respondem com um show de luzes dos celulares em todo o estádio.

Paul cumprimenta todos os setores do Mineirão, desde as cadeiras no alto ao público em frente ao palco em inglês antes de cantar And I Love Her (Beatles). “Thank you. You’re a great crowd. This next song is about human rights. Direitos humanos (Obrigado. Vocês são uma ótima plateia. Esta próxima canção é sobre direitos humanos).” Era a vez de Blackbird (Beatles), com o músico sozinho no palco em uma plataforma elevada no palco. Neste momento, até os mais baixos na pista conseguiram ver Macca sem qualquer barreira à sua frente.

Homenagem a John Lennon

“Eu escrevi esta música para meu parceiro John.” Antes de tocar Here Today, McCartney puxa as palmas da plateia ao bater no corpo do violão, gesto que se repete. No seu piano colorido, Macca e sua banda mostram duas músicas do álbum de 2014: Queenie Eye e New. Ao contrário do que aconteceu em Brasília (DF) há três anos, quando o show atrasou 50 minutos por problemas técnicos no palco causados pela forte chuva na data da apresentação e um susto com o curto circuito que comprometeu o painel luminoso com o nome da música New, tudo correu bem no Mineirão na terça.

O músico entra na onda do público, que gritava “Paul, Paul, Paul, Paul, Paul…” e puxa o coro no microfone. Até que ele cansa e grita “stop (parem)”. O público cai na risada. Lady Madonna (Beatles) antecede a cansativa FourFiveSeconds (Paul, Rihanna e Kayne West), que na versão ao vivo da banda do Macca fica menos chata do que na gravação. Macca brincou com a transição de uma canção muito antiga – Lady Madonna – para a mais recente. E voltou para outra dos Beatles: Eleanor Rigby. A música ganha o coro de toda a banda no show.

Os Beatles voltam a dominar o repertório do show com I Wanna Be Your Man – “A música que eu escrevi com os Rolling Stones” -, Being For The Benefit of Mr. Kite! – e Something, quando Paul vai para o ukulele. “George Harrison was a very ukulele player (George Harrison era um grande tocador de ukulele)”, se recorda o músico. Something começa com Paul sozinho na primeira parte, é acompanhada pelo bumbo da bateria na segunda estrofe e ganha corpo com toda a banda no final. “Thank you and thank George for wrighting this beautiful song (Obrigado a vocês e ao George por ter escrito essa música bonita).”

Being For The Benefit of Mr. Kite! foi lançada há 50 anos no disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967) e foi tocada pela primeira vez ao vivo no show de 2013 em BH. A Day In The Live (Beatles) ganhou um trecho de Give Peace a Chance (John Lennon) e agradou o público. A animada Ob-La-Di, Ob-La-Da (Beatles) deu lugar à potente Band On The Run (Wings), que abriu espaço para a pesada Back in the U.S.S.R. (Beatles).

A clássica Let It Be (Beatles), acompanhada de um show de lanternas de celular da plateia, antecedeu a apoteose das explosões, fogos e luzes em Live and Let Die (Wings). Hey Jude (Beatles) e o coro “na na na na” foram a deixa para a primeira saída dos músicos do palco. Macca brinca que está surdo e não consegue mais ouvir o público, que grita cada vez mais alto.

Bis

Paul pediu e o público atendeu com uma grande festa | Foto: Pedro Vilela/Mineirão/Agência i7

Quando os fãs começam a se entender nos diversos setores ao tentar puxar em um tempo igual o coro “na na na na” de Hey Jude, Paul e companhia voltaram ao palco com Yesterday (Beatles) e Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band – Reprise (Beatles). Os músicos entram no palco com as bandeiras do Brasil, Reino Unido e a LGBT. Enquanto a maior parte do público aplaudia, uma minoria perdida no tempo tentou ensaiar uma vaia infundada que dissipou rapidamente na caverna do atraso de vida dessas pessoas. A multidão, dessa vez, não deu voz à ignorância e entendeu que o respeito à diversidade é mais importante do que o ódio gratuito.

Helter Skelter (Beatles) é cantada aos berros pelo público depois de mais de duas horas de show. Em seguida, Paul anuncia: “Everybody that has a birthday, this song is for you (Todo mundo que faz aniversário, esta canção é para vocês)”. Birthday foi a deixa para o ex-beatle se despedir. “Gente, está na hora de partir.” Ao agradecer “à melhor equipe do mundo”, o músico solta um “fantástija” ao tentar dizer, em português, que tem toca com uma banda fantástica. “Obrigado a vocês”, cumprimentou os fãs.

O roadie de Paul McCartney, ao ajudar o músico na troca de instrumentos, brinca com a plateia e pergunta se o Mineirão quer ouvir mais uma música. Ao responder em alto e bom som que sim, o show entra em seu final com a belíssima trinca Golden Slumbers (Beatles), Carry That Weight (Beatles) e The End (Beatles). Depois de 2 horas e 40 minutos de show, quando o relógio já marcava 0h21 de quarta (18), Macca se despediu do público no Mineirão. “All I can say is até a próxima (tudo que eu posso dizer é…)”, disse com dois bichinhos de pelúcia nas mãos que foram jogados pelo público.

Mesmo com grande parte do show sendo conhecida para muitos no Mineirão, Macca colocou – com ingressos muito caros (o mais barato, na cadeira inferior, custava R$ 350) – 51 mil pessoas em um estádio numa noite de terça-feira pós-feriado prolongado. Desde sua passagem por BH em 2013, o músico lançou um disco de inéditas no ano seguinte, gravou canção em parceria com Rihanna e Kayne West e continua a rodar o mundo se apresentando ao vivo. Tudo isso aos 75 anos com a vitalidade que muito jovem de 25 anos não tem.

E toda oportunidade de ver o Paul ao vivo é única, por mais que você já tenha assistido a algum show do ex-beatle. Fez parte de uma das bandas mais importantes da história da música, tem uma carreira solo mais do que consolidada, grava trilha sonora de jogos, se envereda por muitas vertentes musicais e arrasta multidões por onde passa.

Diferenças

Mais uma vez, Macca arriscou frases em português ao falar com o público | Foto: Pedro Vilela/Mineirão/Agência i7

Dos outros shows que vi, algumas canções mudaram no repertório da turnê. As apresentações em BH e Goiânia há quatro anos e cinco meses tiveram o mesmo setlist com 38 músicas. A noite de ontem no Mineirão teve 39 canções, a mesma quantidade de faixas tocadas em 2014 na capital federal.

As músicas que abriram os dois shows citados de 2013 (Eight Days a Week/Beatles) e do ano seguinte (Magical Mistery Tour/Beatles) não fizeram parte do repertório no Mineirão terça. All My Loving (Beatles), Junior’s Farm (Wings), Listen to What The Man Said (Wings), Paperback Writer (Beatles), The Long and Winding Road (Beatles), We Can Work It Out (Beatles), Hope of Deliverance, Another Day, Your Mother Should Know (Beatles), All Together Now (Beatles), Mrs. Vandebilt (Wings), Lovely Rita (Beatles), Hi Hi Hi (Wings), Day Tripper (Beatles), Get Back (Beatles), Everybody Out ThereI Saw Her Standing There (Beatles) também não estavam no setlist de ontem e foram incluídas, parte delas nos shows de Goiânia e BH há mais de quatro anos e outras no de Brasília em 2014.

Enquanto 19 músicas que fizeram parte dos shows que eu fui em 2013 e 2014 não estavam no setlist de ontem no Mineirão, A Hard Day’s Night, Can’t Buy Me Love, Letting Go, Drive My Car, I’ve Got a Feeling, In Spite of All Danger, You Won’t See Me, Love Me Do, FourFiveSeconds, I Wanna Be Your Man, A Day In The Life, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band – Reprise, Birthday Give Peace a Chance são as 14 canções que não tocaram no Mineirão e no Serra Dourada há quatro anos e cinco meses ou no estádio Mané Garrincha, na capital federal, há quase três anos.

Paul é um músico de qualidade e repertório extenso. Por mais que das 41 canções incluídas  (versões completas ou casadas com outras faixas) em um show você já tenha visto mais da metade do setlist ao vivo em apresentações anteriores do Macca, ele ainda irá lhe surpreender com algumas que com certeza você ainda não viu ao vivo. Ele disse “valeu, sô” na noite de ontem. Mas sou eu que agradeço. Valeu, sir. Mais uma vez.

Veja fotos do show: