Por Sinésio Dioliveira

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Antes da revitalização do Centro de Goiânia, seus moradores e comerciantes precisam se reciclar

Há prédios que usam dois recipientes (um para cada tipo de material: reciclável e não-reciclável), no entanto isso pode ser contado a dedo na cidade

Crônica
Por que a Equatorial, ignorando a lei 10.206, não coloca fiação subterrânea em Goiânia?

Nenhuma ação aconteceu pra obrigar a empresa concessionária de transmissão e distribuição de energia elétrica “a tornar subterrâneo todo cabeamento de linha de transmissão energia elétrica”

A mulher que só comprou flores por causa do Natal

Poema de minha lavra: “Na tal era/ muitos vão ao baú empoeirado/ no fundo de sua alma/ e se vestem duma alegria/ cheirando a naftalina/ imposta pelo calendário”

Fez-se silêncio a vida de Bariani Ortêncio

Viva Bariani — o amigo de José Mauro de Vasconcelos — por ter passado pela vida de modo intenso, numa mistura de quantidade e qualidade

Soldadinhos e um celular em troca da amizade de duas crianças

João Lucas sempre usa o meu celular. É uma criança com uma certa deficiência, não tem dicção perfeita. João sabe apenas reconhecer as letras

Crônica
O útero podre da ganância

O irmão de Elenice não era um homem de “elmo cheio de nada”, como disse T.S. Eliot em seu poema “Homens Ocos”

Uma amizade que durou cinco meses e treze dias: crônica de mortes anunciadas

“De mais a mais, eu mato mais pela morte do que pelo dinheiro. Minha encomenda era seu marido, num vou fazer nada com a senhora não, que frita peixe como ninguém”

A história a seguir é verdade verdadeira, não o nome das pessoas envolvidas. Não as conheci, mas conheci a cidade em que ocorreram os fatos, que me foram contados por um conhecido, que antes eu julgava ser amigo. Sua ambição desenfreada o fez vender o bumbum de sua alma. Ele, no entanto, me foi útil ao se mostrar de alma imunda, pois me afastei dele antes de ganhar um beijo de véspera de escarro. Alguns dias atrás — naquele período de calor de fazer até o capeta chupar picolé —, vi um cachorro de rua rolando num resto de carniça seca no asfalto (acho que era um pombo doméstico morto por um automóvel apressado), eu o vi na alegria podre daquele cão. Vamos à história.

A amizade entre Juraci e Malvino durou precisamente cinco meses e 13 dias. Astucioso que é, você, altaneiro leitor, já manjou que o título foi sugado do que disse o machadiano Brás Cubas, personagem de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, sobre o amor de uma cortesã (garota de programa naquela época) espanhola por ele: “Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis”. A cortesã era a dona do puteiro, ao qual Brás Cubas foi levado por seu tio, que perguntou ao sobrinho se ele “queria ir a uma ceia de moças”.

Segundo o personagem, a sua chegada ao coração de Marcela demorou trinta dias e isso não “cavalgando o corcel do cego desejo, mas o asno da paciência, a um tempo manhoso e teimoso”. Essa chegada ao coração de Marcela é questionável, haja vista que a cortesã era “luxuosa, impaciente, amiga de dinheiro e de rapazes”. Vamos à história.

Juraci e Malvino se tornaram amigos num boteco, cujo dono era aquele. Nesse período de amizade, Malvino chegou a salvar Juraci de afogamento quando ele pescava traíras e tilápias numa lagoa e a canoa tombou. Malvino surgiu do céu e o salvou, jogando-lhe um pedaço de corda de sisal já velha. Por pouco Juraci não foi "estudar a geologia dos campos-santos".

 Malvino era o melhor freguês: tomava suas pingas e cervejas e tira-gostos (principalmente peixe frito) e pagava certinho. Nunca pediu pra pendurar. Fato que às vezes levava Juraci a se perguntar onde o cliente conseguia dinheiro, visto que não o via trabalhar desde que chegou à cidade. Uma vez até comentou o assunto com Adenailda, sua mulher, que lhe recomendou a não julgar mal as pessoas e se lembrar de quem o salvara quando caiu da canoa. O comentário da esposa afugentou de vez sua indagação sobre o amigo.

Juraci, de certa forma, tinha razão em ficar desconfiado do freguês. Em seu passado, havia uma nódoa de sangue: briga num puteiro da pequena cidade em que morava. Confusão que foi resolvida a tiros entre alguns jovens de duas famílias mais antigas do lugar e inimigas. Se tivesse havido o mesmo saldo de morte entre as duas famílias, provavelmente o jorrar de sangue teria uma longa pausa.

Juraci perdeu um primo; do outro lado morreram dois irmãos, um deles vitimado por Juraci com dois tiros. A pólvora das mortes foi uma quenga de beleza abundante, que saiu da cidade no outro dia por recomendação da dona do puteiro. Um tio de Juraci o levou para uma fazenda em outro Estado, a uns 800 quilômetros da cidade. Por lá ficou quase dois anos. Voltou e montou um boteco copo-sujo numa rua atrás do cemitério. Alguns pinguços inclusive faziam piada: dizendo que, se morressem no boteco de tanto tomar pinga, já estavam perto da "terra dos pés juntos", de modo não gerariam trabalho à família.

Bonfim, tio de Juraci, aconselhou-o a não voltar: "Sua volta é alegria pra nossa família, mas tristeza pra outra, e a ferida pode voltar a doer e mais sangue ser derramado". O conselho do tio entrou num ouvido e saiu no outro: "A vontade de vingança deles já passou, tio, estou aqui há quase dois anos, e ninguém fez nada, mas, se fizer, o 38 vai cuspir fogo de novo". Ele não se despregava do trabuco.

O monstro mora, quase sempre, ao lado: hora é de esquerda e hora é de direita | Foto: Reprodução

Numa manhã de novembro, Malvino foi ao boteco de Juraci tomar duas pingas como de costume. Acabou tomando quatro. Só havia ele de freguês. Os dois acabaram combinando para a noite daquele mesmo dia uma pescaria. Muitos peixes eram vendidos no boteco.

Ao voltar da cozinha trazendo numa das mãos uma porção de peixe para Malvino e na outra um pedaço que veio comendo, Juraci foi surpreendido com dois tiros no peito ao abrir a cortina de pano. Nem deu tempo de pegar seu revólver na cintura. Ao ouvir os tiros, Adenailda veio correndo assustada, e, ao ver o marido caído e agonizando, não teve medo de questionar Malvino sobre o assassinato sendo que ele havia salvado a vida de Juraci.

— Não salvei Juraci por amizade não, dona. Foi pra não deixar a água da lagoa fazer o que me foi pago pra fazer. De mais a mais, eu mato mais pela morte do que pelo dinheiro. Minha encomenda era seu marido, num vou fazer nada com a senhora não, que frita peixe como ninguém. Fiquei muito tempo na cidade por causa dos peixes.

Sinésio Dioliveira é jornalista

Crésio, o homem que planta sombra

Você já comeu achachairu? Não sabe o que está perdendo. O quilo de fruta, de origem boliviana, custa 30 reais

Uma metáfora sinistra dentro de uma flor

Todo cuidado é pouco com as flores em nosso caminho, muitas podem ser “flores do mal”; as pedras não se escondem entre as pétalas

Avô de Mário de Andrade não gostou da escola que encontrou na província de Goiás 

Já a reforma do Colégio Lyceu, que se tornará uma escola bilíngue, contribuirá, isto sim, para revitalizar o Centro de Goiânia

O desassisado Javier Milei citou o gênio Dante Alighieri ou o best-seller Dan Brown?

Confira a frase polêmica: “Os lugares mais quentes do inferno estão reservados para aqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise”

Santo Agostinho saboreou a doçura do leite de sua mãe e de suas amas

Agora nem Carlos Drummond de Andrade existe mais; no entanto, o essencial dele a vida não soterrou, continua vivo: a sua poesia. Os livros, ainda bem, não são frias carnes de um cadáver ao alcance da fome dos vermes

Além das tetas de minha mãe, suguei as de uma vizinha da casa onde nasci. Isso em Boa União de Itabirinha, um distrito do município Itabirinha, pertencente a Minas Gerais; no estado também existe Itabira (“pedra que brilha” na língua tupi), município em que nasceu o poeta Carlos Drummond de Andrade.

Em outubro de 2016, visitei o Memorial Carlos Drummond de Andrade, inaugurado em 1998. Na entrada da cidade, encontrei o poeta numa escultura gigante numa praça, e ele me fez uma confissão dolorida: “Itabira é apenas uma fotografia na parede./ Mas como dói!” Talvez venha disso o fato de Drummond, em “E agora, José”, ter dito que “Minas não há mais”. Na verdade, agora nem o poeta existe mais, no entanto o essencial dele a vida não soterrou, continua vivo: a sua poesia. Os livros, ainda bem, não são frias carnes de um cadáver ao alcance da fome dos vermes.

Sinésio Dioliveira fotografa estátua de Carlos Drummond de Andrade, em Itabira | Foto: Paulo Vítor

A vizinha mencionada, cujos peitos me alimentaram, não chegou a ser minha ama de leite propriamente, apenas me amamentou por alguns dias. Houve um motivo que impediu minha mãe da tarefa. Talvez algum problema de saúde. Não me lembro se minha mãe me contou a razão, e agora, no entanto, não há como mais saber, haja vista que os mortos não falam (exceto quando deixaram alguma coisa escrita ou repassaram suas memórias para terceiros). E leite ainda continua em minha rotina alimentar: todo dia pela manhã tomo café com leite e quitandas diversas, como bolos, biscoitos, pães de queijo. Sobre estes, vou aproveitar o assunto para fazer um desabafo: a maioria das lanchonetes que os vende em Goiânia oferece uma quitanda fake, ou seja, vende gato por lebre, ou melhor, vende pão sem queijo. Se o leitor é um apreciador de um legítimo pão de queijo, certamente há de convir comigo.

Voltemos ao leite. E aqui entra um homem que morreu aos 75 anos no dia 28 de agosto de 430. Seu nome é Aurélio Agostinho de Hipona, mais conhecido como Santo Agostinho. Em sua obra “Confissões”, para falar de sua adoração por Deus, o filósofo cita a doçura do leite que sugou de sua mãe e suas amas: “Saboreei também as doçuras do leite humano. Não era minha mãe nem as minhas amas que se enchiam a si mesmas os peitos de leite”. Segundo ele, tais mulheres eram apenas instrumentos de Deus, que lhes enchia os peitos. Santo Agostinho, acredito, pode ter inspirado Khalil Gibran a dizer algo com uma certa semelhança ao que aquele chama de “instrumento”: “Vossos filhos não são vossos filhos./ São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma. / Vêm através de vós, mas não de vós”.

Papa Francisco: "reabilitando" Dante Alighieri | Fotos: Reproduções

Santo Agostinho, que chamava o homem de “fragmentozinho da criação, particulazinha da criação”, virou santo pela aclamação do povo. E 868 anos depois, mais precisamente em 1298, recebeu o título póstumo de “doutor” da Igreja, dado pelo papa Bonifácio VIII. Na sua juventude, o filósofo não privou sua carne de luxúria. Pôs para moer. Mas depois caiu nos braços de Deus. Certamente, se pudesse interferir, ele não aprovaria receber esse título de tal pontífice. Conforme relato histórico, Bonifácio pôs o capeta no bolso na realização de maldades.

Bonifácio sacaneou feio com o poeta da “Divina Comédia”, Dante Alighieri, que se opunha ao poder absoluto da Igreja. O poeta, além de ter sua casa destruída, foi banido de Florença. Morreu sem poder regressar à sua terra. Bonifácio está entre os pontífices mais infames, mas levou na tarraqueta ao excomungar o rei da França, Filipe, o Belo: perdeu o papado aos 72 anos de idade, levou taca nos três dias em que ficou preso e morreu alguns dias depois de ser solto por apelo popular. Feriu com ferro e se ferrou.

O papa Francisco, no sétimo centenário da morte de Dante, isso em 2021, publicou uma carta em março do respectivo ano. Uma longa carta, na qual fala de seus antecessores que homenagearam o poeta. Ele não cita que papa arruinou a vida de Dante: “Nem me custa recordar que a voz de Dante se ergueu, pungente e severa, contra mais de um romano pontífice, e teve amargas reprimendas para instituições eclesiásticas e pessoas que foram ministros e representantes da Igreja”. O papa Francisco relata que o vate italiano recorreu, sem sucesso, contra a sentença que foi lhe aplicada: exílio de dois anos, expulsão de cargos públicos e multa elevada: “Dante rejeita a sentença, em sua opinião injusta, e o julgamento contra ele torna-se ainda mais severo: exílio perpétuo, confiscação dos bens e pena de morte em caso de regresso à terra natal”.

Sinésio Dioliveira é jornalista

Montaigne leu Maquiavel; Rogério Cruz ainda não (e precisa)

“Quero apenas que te outonizes com paciência e doçura. O dardo de luz fere menos, a chuva dá às frutas seu definitivo sabor. Outoniza-te com dignidade, meu velho”

crônica
O ‘ogronegócio’ não sabe que poetas são abelhas nem liga para a vida desses serzinhos que fazem a comida chegar à nossa mesa

Cheguei à definição metafórica de que os poetas são abelhas. Essa figura de linguagem me veio enquanto eu colhia caju do cerrado neste final de semana, mais precisamente no domingo pela manhã, na chácara de um casal de amigos em Terezópolis de Goiás. O quintal desses amigos (Edvâni e Jeovar), por ser repleto de árvores (muitas frutíferas), vive cheio de pássaros e insetos polinizadores devido às muitas flores por lá. No momento, há dois casais de pássaros (corruíra e fim-fim) chocando na área da casa. Caminhando pelo quintal, encontrei até um filhote de tatu-galinha vasculhando as folhas secas à procura de comida.

Ao colher um caju, percebi que nele havia dois furos, e, dentro de cada um, havia uma abelha, mais precisamente uma europa e outra silvestre (a que não tem ferrão), que para mim era uma arapuá, também conhecida como irapuã, arapuã, abelha-de-cachorro entre outros nomes. Não colhi todos os frutos maduros, deixei alguns para os insetos (principalmente o que tinha as duas abelhas) e também para um lobo-guará que anda por lá e come os que caem no chão. Encontrei fezes do canídeo sob o cajueiro. Eu já vi esse lobo uma vez circulando dentro Ecovila Santa Branca.

Na digo que tive uma epifania observando as abelhas dentro do caju (inclusive filmei a cena), mas me senti maravilhado vendo-as buscando doce para fabricação de mel num fruto que só foi possível existir em decorrência do trabalho delas de polinização, que é a transferência de pólen entre as partes masculina e feminina da flor. Esses serzinhos, que são os animais mais importantes do planeta – polinizam mais 70 das espécies de vegetais que fornecem 90% dos alimentos consumidos no mundo --, têm levado a pior com o pessoal do ogronegócio. Esse pessoal, não estou generalizando, em filosofia letal de trabalho, ignora a sustentabilidade ambiental e só visa ao aspecto econômico, excluindo, portanto, dois aspectos que integram o ciclo racional de desenvolvimento: o social e o ambiental.

E neste último entram as pobres abelhas. O terror mortal delas é um tal de fipronil, um inseticida usado em culturas de soja, batata, cana-de-açúcar, milho, algodão, arroz, soja, cevada e feijão. Tal inseticida, por sua letalidade às abelhas, foi proibido em vários estados brasileiros, inclusive Goiás. Sua proibição também foi adotada em vários países. Nos da Europa que o usavam, esse inseticida é chamado de “exterminador”. Não há como não se chamar de ogronegócio uma atividade que está pouco se lixando para a sobrevivência das abelhas, bem como de outros bichos e dos recursos hídricos.

Quanto à metáfora, vamos a ela. O fato de eu ver os poetas como abelhas explico agora. Não vem das abelhas o doce que se encontra no mel, mas do néctar das flores e do doce das frutas. Porém sem enzimas digestivas delas, não seria possível haver o mel, que, ao contrário da prejudicialidade do açúcar, é medicinal, pois possui substâncias antibióticas, sais minerais poderosos na proteção do nosso corpo contra infecções e no aumento do nosso sistema imunológico. Da mesma maneira se pode dizer que o poeta encontra nas coisas a poesia e assim (com suas “enzimas poéticas”, digamos assim) produz o poema.

As abelhas não correm o risco de fazerem mel que não seja delicioso e saudável, fato que nem sempre ocorre com os poetas. Para Rainer Maria Rilke, o poeta deve acusar a si mesmo na sua incapacidade de extrair as riquezas do seu cotidiano e transformá-las em bons poemas. Há poemas que nem como tais podem ser chamados pela ausência de engenho e arte, sem os quais não construir versos autênticos e bem burilados esteticamente.

Platão, que não é o protagonista da antiga divergência entre filósofos e poetas e isso por razão ético-religiosa, ressuscita o assunto na sua República. Para o discípulo de Sócrates, a poesia não gera benefício algum à alma das pessoas, mas sim malefícios. O nosso psicanalista, educador, teólogo e escritor Rubem Alves, que foi embora da vida em julho de 2014, enaltece a importância dos poetas: “Faz tempo que para pensar em Deus, não leio os teólogos, leio os poetas”. Mas Alves também fala, em sua crônica “A beleza dos pássaros em voo”, de seu encontro com o ‘sagrado’ “no capim, nos pássaros, nos riachos, na chuva, nas árvores, nas nuvens, nos animais”. Eu mesmo encontrei Deus nas duas abelhas dentro do caju.

Crônica
Rodrigues Alves, Bolsonaro, a gripezinha, a cloroquina e as emas

Em 1796, Jenner pegou o pus retirado da mão de uma ordenhadora com varíola bovina e o inoculou num garoto de oito anos, que não adquiriu a varíola humana. Disso surgiu a cura