Por Sinésio Dioliveira

Todo cuidado é pouco com as flores em nosso caminho, muitas podem ser “flores do mal”; as pedras não se escondem entre as pétalas

Já a reforma do Colégio Lyceu, que se tornará uma escola bilíngue, contribuirá, isto sim, para revitalizar o Centro de Goiânia

Confira a frase polêmica: “Os lugares mais quentes do inferno estão reservados para aqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise”

Agora nem Carlos Drummond de Andrade existe mais; no entanto, o essencial dele a vida não soterrou, continua vivo: a sua poesia. Os livros, ainda bem, não são frias carnes de um cadáver ao alcance da fome dos vermes
Além das tetas de minha mãe, suguei as de uma vizinha da casa onde nasci. Isso em Boa União de Itabirinha, um distrito do município Itabirinha, pertencente a Minas Gerais; no estado também existe Itabira (“pedra que brilha” na língua tupi), município em que nasceu o poeta Carlos Drummond de Andrade.
Em outubro de 2016, visitei o Memorial Carlos Drummond de Andrade, inaugurado em 1998. Na entrada da cidade, encontrei o poeta numa escultura gigante numa praça, e ele me fez uma confissão dolorida: “Itabira é apenas uma fotografia na parede./ Mas como dói!” Talvez venha disso o fato de Drummond, em “E agora, José”, ter dito que “Minas não há mais”. Na verdade, agora nem o poeta existe mais, no entanto o essencial dele a vida não soterrou, continua vivo: a sua poesia. Os livros, ainda bem, não são frias carnes de um cadáver ao alcance da fome dos vermes.

A vizinha mencionada, cujos peitos me alimentaram, não chegou a ser minha ama de leite propriamente, apenas me amamentou por alguns dias. Houve um motivo que impediu minha mãe da tarefa. Talvez algum problema de saúde. Não me lembro se minha mãe me contou a razão, e agora, no entanto, não há como mais saber, haja vista que os mortos não falam (exceto quando deixaram alguma coisa escrita ou repassaram suas memórias para terceiros). E leite ainda continua em minha rotina alimentar: todo dia pela manhã tomo café com leite e quitandas diversas, como bolos, biscoitos, pães de queijo. Sobre estes, vou aproveitar o assunto para fazer um desabafo: a maioria das lanchonetes que os vende em Goiânia oferece uma quitanda fake, ou seja, vende gato por lebre, ou melhor, vende pão sem queijo. Se o leitor é um apreciador de um legítimo pão de queijo, certamente há de convir comigo.
Voltemos ao leite. E aqui entra um homem que morreu aos 75 anos no dia 28 de agosto de 430. Seu nome é Aurélio Agostinho de Hipona, mais conhecido como Santo Agostinho. Em sua obra “Confissões”, para falar de sua adoração por Deus, o filósofo cita a doçura do leite que sugou de sua mãe e suas amas: “Saboreei também as doçuras do leite humano. Não era minha mãe nem as minhas amas que se enchiam a si mesmas os peitos de leite”. Segundo ele, tais mulheres eram apenas instrumentos de Deus, que lhes enchia os peitos. Santo Agostinho, acredito, pode ter inspirado Khalil Gibran a dizer algo com uma certa semelhança ao que aquele chama de “instrumento”: “Vossos filhos não são vossos filhos./ São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma. / Vêm através de vós, mas não de vós”.

Santo Agostinho, que chamava o homem de “fragmentozinho da criação, particulazinha da criação”, virou santo pela aclamação do povo. E 868 anos depois, mais precisamente em 1298, recebeu o título póstumo de “doutor” da Igreja, dado pelo papa Bonifácio VIII. Na sua juventude, o filósofo não privou sua carne de luxúria. Pôs para moer. Mas depois caiu nos braços de Deus. Certamente, se pudesse interferir, ele não aprovaria receber esse título de tal pontífice. Conforme relato histórico, Bonifácio pôs o capeta no bolso na realização de maldades.
Bonifácio sacaneou feio com o poeta da “Divina Comédia”, Dante Alighieri, que se opunha ao poder absoluto da Igreja. O poeta, além de ter sua casa destruída, foi banido de Florença. Morreu sem poder regressar à sua terra. Bonifácio está entre os pontífices mais infames, mas levou na tarraqueta ao excomungar o rei da França, Filipe, o Belo: perdeu o papado aos 72 anos de idade, levou taca nos três dias em que ficou preso e morreu alguns dias depois de ser solto por apelo popular. Feriu com ferro e se ferrou.
O papa Francisco, no sétimo centenário da morte de Dante, isso em 2021, publicou uma carta em março do respectivo ano. Uma longa carta, na qual fala de seus antecessores que homenagearam o poeta. Ele não cita que papa arruinou a vida de Dante: “Nem me custa recordar que a voz de Dante se ergueu, pungente e severa, contra mais de um romano pontífice, e teve amargas reprimendas para instituições eclesiásticas e pessoas que foram ministros e representantes da Igreja”. O papa Francisco relata que o vate italiano recorreu, sem sucesso, contra a sentença que foi lhe aplicada: exílio de dois anos, expulsão de cargos públicos e multa elevada: “Dante rejeita a sentença, em sua opinião injusta, e o julgamento contra ele torna-se ainda mais severo: exílio perpétuo, confiscação dos bens e pena de morte em caso de regresso à terra natal”.
Sinésio Dioliveira é jornalista

“Quero apenas que te outonizes com paciência e doçura. O dardo de luz fere menos, a chuva dá às frutas seu definitivo sabor. Outoniza-te com dignidade, meu velho”

Cheguei à definição metafórica de que os poetas são abelhas. Essa figura de linguagem me veio enquanto eu colhia caju do cerrado neste final de semana, mais precisamente no domingo pela manhã, na chácara de um casal de amigos em Terezópolis de Goiás. O quintal desses amigos (Edvâni e Jeovar), por ser repleto de árvores (muitas frutíferas), vive cheio de pássaros e insetos polinizadores devido às muitas flores por lá. No momento, há dois casais de pássaros (corruíra e fim-fim) chocando na área da casa. Caminhando pelo quintal, encontrei até um filhote de tatu-galinha vasculhando as folhas secas à procura de comida.
Ao colher um caju, percebi que nele havia dois furos, e, dentro de cada um, havia uma abelha, mais precisamente uma europa e outra silvestre (a que não tem ferrão), que para mim era uma arapuá, também conhecida como irapuã, arapuã, abelha-de-cachorro entre outros nomes. Não colhi todos os frutos maduros, deixei alguns para os insetos (principalmente o que tinha as duas abelhas) e também para um lobo-guará que anda por lá e come os que caem no chão. Encontrei fezes do canídeo sob o cajueiro. Eu já vi esse lobo uma vez circulando dentro Ecovila Santa Branca.
Na digo que tive uma epifania observando as abelhas dentro do caju (inclusive filmei a cena), mas me senti maravilhado vendo-as buscando doce para fabricação de mel num fruto que só foi possível existir em decorrência do trabalho delas de polinização, que é a transferência de pólen entre as partes masculina e feminina da flor. Esses serzinhos, que são os animais mais importantes do planeta – polinizam mais 70 das espécies de vegetais que fornecem 90% dos alimentos consumidos no mundo --, têm levado a pior com o pessoal do ogronegócio. Esse pessoal, não estou generalizando, em filosofia letal de trabalho, ignora a sustentabilidade ambiental e só visa ao aspecto econômico, excluindo, portanto, dois aspectos que integram o ciclo racional de desenvolvimento: o social e o ambiental.
E neste último entram as pobres abelhas. O terror mortal delas é um tal de fipronil, um inseticida usado em culturas de soja, batata, cana-de-açúcar, milho, algodão, arroz, soja, cevada e feijão. Tal inseticida, por sua letalidade às abelhas, foi proibido em vários estados brasileiros, inclusive Goiás. Sua proibição também foi adotada em vários países. Nos da Europa que o usavam, esse inseticida é chamado de “exterminador”. Não há como não se chamar de ogronegócio uma atividade que está pouco se lixando para a sobrevivência das abelhas, bem como de outros bichos e dos recursos hídricos.
Quanto à metáfora, vamos a ela. O fato de eu ver os poetas como abelhas explico agora. Não vem das abelhas o doce que se encontra no mel, mas do néctar das flores e do doce das frutas. Porém sem enzimas digestivas delas, não seria possível haver o mel, que, ao contrário da prejudicialidade do açúcar, é medicinal, pois possui substâncias antibióticas, sais minerais poderosos na proteção do nosso corpo contra infecções e no aumento do nosso sistema imunológico. Da mesma maneira se pode dizer que o poeta encontra nas coisas a poesia e assim (com suas “enzimas poéticas”, digamos assim) produz o poema.
As abelhas não correm o risco de fazerem mel que não seja delicioso e saudável, fato que nem sempre ocorre com os poetas. Para Rainer Maria Rilke, o poeta deve acusar a si mesmo na sua incapacidade de extrair as riquezas do seu cotidiano e transformá-las em bons poemas. Há poemas que nem como tais podem ser chamados pela ausência de engenho e arte, sem os quais não construir versos autênticos e bem burilados esteticamente.
Platão, que não é o protagonista da antiga divergência entre filósofos e poetas e isso por razão ético-religiosa, ressuscita o assunto na sua República. Para o discípulo de Sócrates, a poesia não gera benefício algum à alma das pessoas, mas sim malefícios. O nosso psicanalista, educador, teólogo e escritor Rubem Alves, que foi embora da vida em julho de 2014, enaltece a importância dos poetas: “Faz tempo que para pensar em Deus, não leio os teólogos, leio os poetas”. Mas Alves também fala, em sua crônica “A beleza dos pássaros em voo”, de seu encontro com o ‘sagrado’ “no capim, nos pássaros, nos riachos, na chuva, nas árvores, nas nuvens, nos animais”. Eu mesmo encontrei Deus nas duas abelhas dentro do caju.

Em 1796, Jenner pegou o pus retirado da mão de uma ordenhadora com varíola bovina e o inoculou num garoto de oito anos, que não adquiriu a varíola humana. Disso surgiu a cura

Alice disse: “Você, que encontrou este livro: eu o deixei para você!” Esta é a frase inicial. Um pouco abaixo, ela conta, metaforicamente, que “Livros guardados, sem ser lidos, são como pássaros engaiolados, entristecidos, impedidos de cumprir seu destino”

Devemos amar as árvores como a nós mesmos. Elas não precisam de nós para sobreviver, já sem elas, nossa sobrevivência é impossível

A competência não é constatada na quantidade de diplomas que o médico tem na parede do seu consultório nem “pela sua fama nas mídias sociais”

“Nenhum país é desenvolvido de forma inclusiva sem que a sociedade em geral entenda de educação e esteja envolvida com o assunto”, diz Claudia Costin

Pois é: salvei um filhote de arribaçã. Mas, de repente, ele desapareceu. Procurei e vi o filhotinho morto atrás da porta, justamente onde não o procurei

Eu que já amava a natureza, por nela encontrar Deus de maneira mais explícita do que nos labirintos das igrejas, após ler “Walden”, o meu amor por ela aumentou cem vezes

O poeta Aidenor Aires certa vez abriu a janela do seu quarto e se deparou com um filhote de bem-te-vi pendurado por um pé numa linha. Decidiu salvá-lo

Não creio que seja destruindo estátuas e realizando outros descalabros afins que se vai consertar a história.