Não dou ouvidos àqueles que me dizem “de que lado nasce o sol”
19 março 2024 às 16h45
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Enquanto faziam um lanche matinal num estabelecimento famoso da Rua 55 no Centro, dois homens já adentrados na terceira idade ruminavam uma antiga notícia falsa que rolou sobre a morte do presidente Lula da Silva “ocorrida”, segundo a fake news, em setembro de 2023 quando ele colocou uma prótese no quadril no Hospital Sírio-Libanês. Para eles, o homem que dirige o país não é de modo algum Lula, mas sim um sósia. Minha língua coçou na vontade de lhes perguntar sobre a quantidade de dedos das mãos do sósia e se está desfrutando do leito conjugal com Janja, que deu (ainda bem) uma pausa no deslumbramento inicial de quando se tornou primeira-dama. Ficou só na vontade. “Mas isso o Xandão não vê”, disse um deles, se referindo ao ministro do STF Alexandre de Moraes.
Era uma conversa dando a entender ser fruto de uma convicção sólida. Deu para sacar de imediato que ambos surfavam na onda das “verdades bolsonaristas” disseminadas no ventilador das redes sociais. Nitidamente são mentiras contadas mais de mil vezes que acabam virando verdade, conforme disse Joseph Goebbels, homem da propaganda nazista, que, com a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, ele e Magda, sua mulher, mataram os seis filhos envenenados com cápsulas de cianureto e depois deram fim à própria vida. Tudo isso em nome do Führer, o grande líder, que também se matou minutos antes do seu lacaio especial.
Não se apresse, altaneiro leitor, em pensar que este cronista de meia-pataca é integrante da claque lulista. Não faço parte de nenhuma legião política. Não dou ouvidos àqueles que me dizem “de que lado nasce o sol”. Quem precisa disso é cego mental. Em todos os grupos políticos, a busca por soldados para engrossar as fileiras sempre é feita com discursos que tiram o povo do inferno e o leva para o céu. Não vejo nenhum lado realmente com o propósito de tirar o povo do inferno. Pelo contrário. George Orwell mostra isso com clareza em seu metafórico livro “A Revolução dos Bichos”. Há sempre um Napoleão nos dois lados, só que alguns chefes de nação costumam ser mais porcos do que outros.
O que está ocorrendo são grupos se digladiando com seus arsenais de ideias, as quais na verdade são excrementos de “homens ocos” (…) com “o elmo cheio de nada”. Vi nos homens da lanchonete dois besouros rola-bostas, cada um arrastando sua bolinha de cocô, acreditando numa “verdade” de uma certa maioria. Há milhões de brasileiros nos dois lados da moeda que são rola-bostas.
E verdade de maioria é algo perigoso. “É a prova de uma mente inferior o desejar pensar como as massas ou como a maioria, somente porque a maioria é a maioria. A verdade não muda porque é, ou não é, acreditada por uma maioria das pessoas.” Estas aspas têm a ver com “maioria”, e elas são do padre, filósofo, poeta Giordano Bruno, cuja vida teve um final dantesco no dia 17 de fevereiro de 1600, numa quinta-feira ensolarada.
Por não pensar como a maioria, contestou, influenciado pela teoria do heliocentrismo defendida por Nicolau Copérnico, a tese de que a Terra era o centro do universo, e a Santa Inquisição ficou brava e o condenou a morrer queimado numa fogueira realizada numa praça de Roma. Não apenas isso pesou contra ele em sua morte, como também o fato de que, em suas obras, “havia” blasfêmia, comportamento devasso e heresia às doutrinas católicas. Em 1633 o astrônomo, físico e engenheiro italiano Galileu Galilei por pouco não foi condenado também a morrer sapecado. Ao contrário de Sócrates, que poderia ter evitado a sua condenação à morte por envenenamento e não evitou, Galilei renegou suas ideias.
Sobre os dois homens, terminei meu lanche e fui caminhando pela calçada a pensar na conversa cega deles. Cheguei a vê-los todos eufóricos, com sensação de justiça cumprida, entre a multidão que assistiu à morte de Giordano Bruno, que começou sua rebeldia benigna ainda jovem lendo Erasmo de Roterdã no convento em que estudava e assim deu início à sua vida de herege. Certamente no que leu de Roterdã constava: “Deus, arquiteto do universo, proibiu o homem de provar os frutos da árvore da ciência, como se a ciência fosse um veneno para a felicidade”.
Falando em ciência, altaneiro leitor, você é do time da tubaína ou cloroquina? Já o meu time é o Goiânia, mas não sou torcedor de ficar mal-humorado nas derrotas. No domingo o Galo perdeu suas penas no jogo com o Atlético, mas seu couro continua para novos embates.
Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza.