“Cora Coralina, de Goiás” é uma crônica muito especial do poeta Carlos Drummond de Andrade cuja publicação se deu em 27 de dezembro de 1980 no “Jornal do Brasil”. O texto do bardo mineiro mostrou ao Brasil que em Goiás havia uma poeta com dotes especiais no ofício da escrita. Há um parágrafo dela que aqui transcrevo com algumas pequenas alterações sem, portanto, aleijar o original. O nome “Cora Coralina” troquei-o por Sara Santos, “Goiás” por Bahia e alterei a preposição “de” para da:

— “(Sara Santos), para mim é a pessoa mais importante (da Bahia). Mais do que o governador, as excelências parlamentares, os homens ricos e influentes do Estado”.

Sara Santos: com a vasilha de cocadas na cabeça | Foto: Sinésio Dioliveira

Realmente, Cora era isso mesmo (e eu, altaneiro leitor, tenho autógrafo dela e do Drummond). Aproveitando a deixa drummondiana sobre as excelências, cabe dizer que, no time de parlamentares, é difícil encontrar um número significativo de parlamentares importantes, que faça jus ao salário (e prebendas) que recebe. A maioria é perna de pau, que só vive fazendo gol contra o povo e mesmo assim continua pendurada nas tetas dos cofres públicos, muitos até se fingindo patriota. A maioria se infiltrou na vida política para resolver seus problemas financeiros e não o do povo. Essa chusma se enquadra perfeitamente no bordão do personagem deputado Justo Veríssimo, criado pelo fera Chico Anysio: “Eu quero mais é que o povo se exploda”.

Sara, ao contrário de Cora, não é uma velhinha nem tem posses. Sua idade não chega a 40 anos. O que tem de precioso, conforme ela mesmo diz com orgulho, são as duas filhas: Elisa de um ano e seis meses, que toma mais água de coco do que mama, e Ester com 12, a qual já ajuda a mãe na labuta diária e cuidando da irmã quando Sara sai para o cumprimento de suas atividades microempresariais e outras atividades.

Sara Santos: busca dos cocos para fazer cocada | Foto: Sinésio Dioliveira

Sara também não faz poesia, fato que fez Drummond escrever sobre Cora. Igual à poeta de Goiás, que foi embora da vida em abril de 1985 e Drummond em 1987, Sara é doceira. E das boas. Especificamente fabrica cocadas de diversos sabores.

A doçura de Sara envolve duas características: a de sua pessoa e a de suas deliciosas cocadas. E foram estas que me possibilitaram conhecê-la.

Eu e alguns amigos almoçávamos num restaurante, entre estes um casal que mora na Península Maraú, Bahia, o qual nos recepcionou e nos levou a todos os points turísticos do lugar. Num deles, tive a honra de conhecer a Sara.

Ela parou em nossa mesa. Lizie e Pedro Henrique, o casal, são clientes e amigos dela. Nossa sobremesa foram suas cocadas. É ela mesma que busca os cocos numa fazenda. Mas não de carro, mas de stand up, o qual, segundo Sara, suporta carregar 30 cocos bem graúdos. Ela também cuida de algumas casas de praia de algumas pessoas que têm imóveis em Maraú e moram noutras cidades.

Sara Santos: no trabalho que, de alguma forma, também é lazer | Foto: Sinésio Dioliveira

No meu segundo encontro com Sara no mesmo restaurante, vi-a chegar em seu miniquadriciclo (comprado com o dinheiro vindo das casas que cuida) e na traseira do veículo a sua caixa de cocadas. Pôs a caixa na cabeça sem usar as mãos para carregá-la e saiu. Andou por alguns minutos. Pôs a caixa a sobre uma mesa, pegou um stand up e um remo e foi vender suas cocadas no outro lado de um braço de um rio que deságua no mar. E isso com a caixa na cabeça. Que destreza!

Já no meu último encontro com ela, no domingo, 25, à tarde, fiquei maravilhado com o que vi. Isso numa praia próxima à casa em que estou. Encontrei Sara com as duas filhas. As três ficaram alguns instantes em nossa mesa e foram embora. Alguns minutos depois, quando eu e meus amigos fomos para a beira do mar assistir ao pôr do sol, vi Sara num momento de lazer, todo zen: andando de prancha no mar, mas, óbvio, sem a caixa de cocadas.

O brilho do sol e a cena de Sara na prancha se misturam e fizeram a tarde ficar mais linda. Pelo menos para mim. E é o que me importa.

Sinésio Dioliveira é jornalista.