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Cineasta João Batista de Andrade: “A literatura é a loucura que pode salvar o mundo”

Com mais de 40 obras em sua filmografia, Andrade nunca deixou de manter estreita ligação com a literatura. O livro “Poeira e escuridão” acaba de chegar às prateleiras

Ex-governador de Goiás traduz livro de filosofia inédito em língua portuguesa

Irapuan Costa Júnior escreve ao Opção Cultural para explicar como foi o processo de tradução de “First Principles”, livro do filósofo inglês Herbert Spencer

Obra de Clarice Lispector é eleita dentre as melhores de 2015 pelo New York Times

“The Complete Stories” ainda não foi publicado no Brasil. A expectativa é que chegue às livrarias brasileiras no próximo ano [caption id="attachment_53319" align="alignright" width="250"]Ilustração de Jean-Philippe Delhomme | NY Times Reprodução Ilustração de Jean-Philippe Delhomme | NY Times Reprodução[/caption] “Eu disse a uma amiga: — A vida sempre superexigiu de mim. Ela disse: — Mas lembre-se de que você também superexige da vida. Sim.”

Clarice Lispector, em Aprendendo a viver

Yago Rodrigues Alvim A crítica literária do The New York Times (NY Times) publicou uma lista dos cem melhores livros de ficção, poesia e não-ficção de 2015. A surpresa, ou nem tão surpresa assim, está entre os dez primeiros colocados, mais especificamente no sexto lugar. É o livro “The Complete Stories” (New Directions), de Clarice Lispector. Com edição de Benjamin Moser e sensivelmente traduzido por Katrina Dodson, a obra ainda não foi publicado no Brasil. A expectativa é de que ele chegue por aqui no ano que vem. [caption id="attachment_53320" align="alignleft" width="250"]Foto: Reprodução/Rocco Foto: Reprodução/Rocco[/caption] “[...] Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir um ambiente, por exemplo, em apreender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por outro lado, longe de precoce, estava em incrível atraso em relação a outras coisas importantes. Continuo, aliás, atrasada em muitos terrenos. Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais. Até mais que treze anos, por exemplo, eu estava em atraso quanto ao que os americanos chamam de fatos da vida. Essa expressão se refere à relação profunda de amor entre um homem e uma mulher, da qual nascem os filhos. [...] Depois, com o decorrer de mais tempo, em vez de me sentir escandalizada pelo modo como uma mulher e um homem se unem, passei a achar esse modo de uma grande perfeição. E também de grande delicadeza. Já então eu me transformara numa mocinha alta, pensativa, rebelde, tudo misturado a bastante selvageria e muita timidez. Antes de me reconciliar com o processo da vida, no entanto, sofri muito, o que poderia ter sido evitado se um adulto responsável se tivesse encarregado de me contar como era o amor. [...] Porque o mais surpreendente é que, mesmo depois de saber de tudo, o mistério continuou intacto. Embora eu saiba que de uma planta brota uma flor, continuo surpreendida com os caminhos secretos da natureza. E se continuo até hoje com pudor não é porque ache vergonhoso, é por pudor apenas feminino.” — Trecho do livro “Aprendendo a viver” ( Rocco, 2004), de Clarice Lispector. A escritora ucraniana, de nascença, é muitíssimo traduzida fora do país em que fora naturalizada, o Brasil. Por exemplo, no Peru, ela é a única autora brasileira que tem obra completa traduzida. Na reportagem do NY Times, eles a descrevem como “uma dos originais escritores da América Latina”.

Débora Ferraz vence o Prêmio São Paulo de Literatura

Realizada na Biblioteca Parque Villa-Lobos, a premiação também condecorou Estevão Azevedo e Micheliny Verunschk [gallery size="full" type="slideshow" ids="53305,26853"] Yago Rodrigues Alvim “Eu era incapaz de chegar a um lugar e dizer o que queria. Sempre envolvida pelas possibilidades de estar querendo — ou acreditando querer — a coisa errada. Sempre que eu ia a uma lanchonete com meu pai, eu precisava ver o cardápio inteiro, todas as vitrines de bolos, ponderando, desesperadamente, sobre as opções. Ele sempre se impacientava com isso. Em lanchonetes, ele caminhava decidido ao balcão e, sem perguntar o que serviam, sem ter em mãos o cardápio, pedia: Um misto quente e um café. Ele não se preocupava com as opções. E por que deveria? Eu é que tive opções demais na vida. Ele, não. Ele sabia o que queria. Adaptou-se ao fato de que qualquer birosca ofereceria misto quente e café. Ele teve uma só possibilidade. — Tem que ser simples — ele dizia. — Mas com o senhor vai saber se eles não têm algo muito melhor a oferecer que o misto quente?” Do romance “Enquanto Deus Não Está Olhando” (Record), o trecho, acima citado, é apenas um aperitivo de Débora Ferraz, autora pernambucana que venceu o Prêmio São Paulo de Literatura 2015, na categoria Melhor Livro de Romance do Ano – Autor Estreante com menos de 40 anos. Realizada na Biblioteca Parque Villa-Lobos, a premiação também condecorou Estevão Azevedo, na categoria Melhor Livro de Romance do Ano, com o livro “Tempo de Espalhar Pedras” (Cosas Naify), e Micheliny Verunschk, na categoria Melhor Livro de Romance do Ano – Autor Estreante com mais de 40 anos, com o livro “Nossa Teresa - Vida e Morte de uma Santa Suicida” (Patuá). [relacionadas artigos="26397"] Não linear e com fluxo de pensamento, o romance de estreia de Débora narra a história de Érica, uma jovem artista plástica que conta com a companhia de Vinícius, um antigo amigo, para desvendar o paradeiro do pai, que fugiu do hospital em que estava internado. Além da perda e da insegurança de entrar na vida adulta despreparada (leia o trecho abaixo), a obra é sobre o que a escritora chama de “instante modificador”, o ínfimo de segundo que transforma completamente a trajetória do homem. Natural de Natal, no Rio Grande do Norte, Estevão Azevedo graduou em Jornalismo e Letras. Atualmente reside em São Paulo, onde atua como editor e escritor. Publicou os livros de contos “O Terceiro Dia” (2004) e “O som do nada acontecendo” (2005), ambos pelo coletivo Edições K. “Nunca o Nome do Menino” (Terceiro Nome, 2008), seu primeiro romance, foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura em 2009. Já Micheliny Verunschk, também pernambucana, estreou no gênero romance com “Nossa Teresa – Vida e Morte de uma Santa Suicida”. Doutoranda em Comunicação e Semiótica e mestre em Literatura e Crítica Literária, ambos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Micheliny também é autora dos livros “Geografia Íntima do Deserto” (Landy, 2003), “O Observador e o Nada” (Edições Bagaço, 2003) e “A cartografia da Noite” (Lumme Editor, 2010). Por fim, mais um trecho de “Enquanto Deus Não Está Olhando” de Débora, escritora que participou do projeto Quatro Estações, idealizado pelo escritor e crítico literário Sérgio Tavares, e publicado no Jornal Opção. O projeto se trata de quatro contos em que dois autores escrevem, a quatro mãos, uma breve narrativa inspirada em uma estação do ano. Luisa Geisler e Débora abriram o projeto com o conto Primavera. “— Ora, por que eu deveria me preocupar? Misto quente está ótimo. A pessoa tem que ter decisão na vida. Tem que chegar já sabendo o que quer. — Ele parecia ter listas definidas: cerveja em bares, misto quente e café nas lanchonetes, churrasco de picanha em restaurantes. Fim de papo. Enquanto eu lia detalhadamente as descrições de cada prato, atravessando labirintos e vagando, eternamente, entre uma e outra opção, na névoa delas, rezando para topar, por acaso, com a coisa que eu queria sem saber. Pessoas assim nunca vão crescer, de fato. Pensei, desanimada, sobre minha própria incompetência para uma vida adulta.”

Irapuan Costa Junior lança tradução do filósofo Spencer e livro de crônicas

O articulista e cronista Irapuan Costa Junior lança a tradução de “Primeiros Princípios” (Cânone Editorial), escrito pelo filósofo inglês Herbert Spencer, e o livro “Jogo de Memória – Lembranças, Livros e Histórias” (Ex Machina), na segunda-feira, 7, às 19h30. O lançamento será realizado no Palácio do Governo de Goiás, na Praça Cívica, e toda renda será revertida em benefício do Hospital Araújo Jorge, por meio da Associação de Combate ao Câncer em Goiás.

Jornalista da TV Globo lança biografia de Maria, mãe de Jesus Cristo

Correspondente da TV Globo em Jerusalém, Rodrigo Alvarez publica “Maria” (Globo Livros, 255 páginas), biografia da mãe de Jesus Cristo. O autor fez uma pesquisa ampla e escreveu um livro preciso sobre uma das mulheres mais importantes da história. O autor faz um agradecimento especial a Herbert Moraes, colunista do Jornal Opção, que o ajudou a conhecer Israel. maria

Escritor goiano Walacy Neto rompe a fronteira do Estado ao participar da Balada Literária em SP

Idealizado por Marcelino Freire, o evento recebeu autores de diversos cantos do Brasil [gallery type="slideshow" size="full" ids="52637,52638,52636"] Yago Rodrigues Alvim Escritor, Marcelino Freire, além de perambular pelos diversos cantos do Brasil, ministrando oficinas de escrita literária – parte do projeto Quebras, da dupla Marcelino e Jorge Filholini –, teve a ideia de reunir cronistas, contistas, poetas e demais escritores que encontrou no caminho. De 18 a 22 de novembro, o centro Cultural B_arco, em Sampa, foi palco da Balada Literária. O poeta goiano Walacy Neto, que tem realizado sarais literários pelo coletivo Zé Ninguém, comandou, no espaço Plínio Marcos, mais um encontro a fim de declamar poesias. Ex-repórter do Jornal Opção, Walacy tem desbravado novas possibilidades de expandir seu trabalho, assim como outros escritores, também novatos no cenário nacional, caso de Eliseu Braga, de Porto Velho, que visitou pela primeira vez a região Sudeste. De Macapá (AP), Herbert Manuel e sua esposa Adriana Abreu levaram para Sampa sua poesia.  Na cidade amapaense, diversos grupos de poetas tem se destacado. Demais escritores de Vitória, Teresina e Aracaju viajaram para Balada Literária. Dentre eles, os autores distantes do eixo Rio-SP que deram vida ao livro “Quebras – Uma Viagem Literária pelo Brasil”, lançado pelo selo Edith. Na ocasião, o cantor Chico César apresentou seu novo álbum, o intitulado “Estado de Poesia”, no Auditório Ibirapuera. O show abriu o evento, que teve fim com uma mesa de cinema e literatura que recebeu ninguém menos que a homenageada da Balada, Suzana Amaral. A cineasta bateu um papo com as escritoras e roteiristas Luciana Miranda Penna, Lucimar Mutarelli e Gisele Mirabai. A Balada celebrou seus dez anos em 2015.

“Quarenta Dias”, romance vencedor da 57ª edição do Jabuti

Além de Maria Valéria Rezende, autora do título, Carol Rodrigues e Alexandre Guarnieri são alguns dos premiados

Livro analisa obra de Castro Alves e de outros poetas “cultos” brasileiros

Intitulada “Proclamações”, a obra do ensaísta e crítico literário Anderson Braga Horta deve ser lida por todos que se interessam por poesia

A casa de Vinicius de Moraes na web: uma metáfora e uma poética

À disposição de qualquer leitor, a vasta produção literária do Poetinha se encontra numa casa digital, o site de Vinicius

Professor Rogério Santana encerra ciclo de palestras em homenagem à escribas centenários

O evento é realizado na sede da Academia Goiana de Letras Em 2015, os escribas goianos José J. Veiga, Carmo Bernardes, Eli Brasiliense e Bernardo Élis completariam 100 anos. Em homenagem aos centenários, a Academia Goiana de Letras (AGL) propôs um ciclo de palestras sobre os literatas. Idealizado pela Comissão Permanente de Eventos, como parte das atividades do Ano Cultural Ana Braga Gontijo, o projeto se encerra com chave-de-ouro com palestra do professor Rogério Santana, da Universidade Federal de Goiás (UFG). O foco, a obra de Bernardo Élis. Em seguida, será realizada uma mesa redonda composta pelo palestrante e pelos acadêmicos Aidenor Aires, Moema Olival e Luiz de Aquino. Ambas as atividades acontecem na quinta-feira, 22, às 17h, na sede da Academia Goiana de Letras.

Conheça os ganhadores da Bolsa de Publicação Hugo de Carvalho Ramos

A Bolsa contempla dois gêneros literários, lírico (poesias) e épico (prosa), sendo assim, duas obras literárias e menções honrosas  Após ler, analisar e comentar, entre si, a comissão julgadora da Bolsa de Publicação Hugo de Carvalho Ramos de 2015, divulgou as obras selecionadas, dentre as demais inscritas ao concurso. No gênero Lírico – Poesia, “Encanto Perverso”, de Francelina, pseudônimo de Hélverton Baiano, foi o vencedor. À obra “Modus Operandi”, de Iris Peixoto, pseudônimo de Thaise Monteiro da Silva Melo, foi atribuída Menção Honrosa. No gênero Épico – Prosa, o ganhador foi Gavião Planador, pseudônimo do escritor Carlindomar José de Oliveira, com a obra “Ciclos do Vento”. A Menção Honrosa foi atribuída à obra “Desconstruíndo Sofia”, de Solemar Silva Oliveira, inscrita sob o pseudônimo Peregrino Buri. Cristiano Deveras, Delermando Vieira e José Ubirajara Galli compuseram a comissão julgadora da Bolsa 2015. O resultado foi divulgado no site da seccional goiana da União Brasileira de Escritores (UBE-GO), na última semana.

“O Livro do Depois” e “A Invenção do João”: uma homenagem a Cora Coralina na Itália

De autoria da psicanalista Claudia Machado, as obras, além de lançadas em Goiânia, ganham o Festival de Cinema, Arte e Biografia de Asolo

A luta da memória contra o esquecimento. Adelto Gonçalves por Marcos Faerman

O Jornal Opção publica, nesta edição, o prefácio do livro “Os Vira-Latas da Madrugada”, de Adelto Gon­çalves, escrito pelo jornalista Marcos Faerman (1943-1999). Sob intervenção do BNDES, o livro foi publicado em 1981, mas teve seu prefácio cortado pela editora, que receava represálias do governo militar. Após 34 anos, a obra ganha sua segunda edição pe­la Associação Cultural LetraSelvagem (Tau­baté/SP), trazendo um texto até então desconhecido: o prefácio de Faerman. Confira a entrevista feita com o autor do livro, Adelto Gonçalves. [caption id="attachment_45431" align="alignright" width="620"]Com diversos trabalhos na chamada “imprensa alternativa”, Marcos Faerman (1943-1999) tornou-se conhecido pela prática do jornalismo literário Com diversos trabalhos na chamada “imprensa alternativa”, Marcos Faerman (1943-1999) tornou-se conhecido pela prática do jornalismo literário[/caption] Marcos Faerman “Os Vira-Latas da Ma­dru­­gada”, de Adelto Gonçalves, é um ro­mance de sons delicados e de histórias tristes. Em suas páginas, sopra o vento, bate a chuva, se ouve a ressaca do mar — e as vozes dos homens, sempre as vozes, construindo penosamente a narrativa e a vida de personagens que nos desafiam pela sua não-linearidade: marinheiros, prostitutas, malandros do cais, gente que vive no porto de Santos e que é subitamente cercada por um desses momentos-limites da História, como foi o ano de 1964 nessa cidade. Como é difícil o mundo para alguns homens! Como nosso planeta, nosso país, não parecem feitos para os homens — mas contra os homens, principalmente para os heróis e anti-heróis de Adelto. Nas conversas do cais, dos bares, nas luzes vermelhas e nas sombras dos cabarés as vozes murmuram “sempre seremos uns fracassados”. E como não se entender que flua com tanta insistência e consistência o sentimento de que ser humano é uma vergonha, quando os homens perdem até o direito ao sonho? Nessa história, nos comove o desejo de seu autor de reconstruir um circuito da vida de nossa Nação, da vida de alguns homens em certo espaço. A memória de Adelto se abre para o abismo do momento em que o autoritarismo se implanta violentamente no país. E a memória do autor passa a ser também a memória dos outros, personagens de uma história densa como o mitológico Nego Orlando, célebre no porto por sua arte na dança e na briga; homem que as grã-finas de São Paulo buscavam para algumas horas de amor, porque também nisso ele era bom, famoso... Por onde passava no porto, se abriam alas de reverência... “Lá vai o Nego Orlando”, aquele que participou da revolta da Ilha Anchieta e deixou de lado os colegas bandidos na hora em que eles ameaçaram matar crianças, mulheres... “Lá vai o Nego Orlando...”. [caption id="attachment_45427" align="alignright" width="250"]A ilustração, de Enio Squef, compõe a obra de Adelto Gonçalves, “Os Vira-Latas da Madrugada” A ilustração, de Enio Squef, compõe a obra de Adelto Gonçalves, “Os Vira-Latas da Madrugada”[/caption] Esta é uma história de muitas histórias e algumas confissões. O contraponto à narrativa é um discurso tímido do autor; breve interferência na vida que sopra aqui e ali, nos desenhos do cenário e personagens; e é assim que um tempo vai se construindo para os que o viveram e não o viveram. Adelto, como um Jorge Semprún, se coloca na postura de quem usa a linguagem para cavar no poço da memória. “Eu era muito pequeno”, conta Adelto, “quando algumas dessas histórias aconteceram. Mas, enquanto as escrevia, ouvi vozes. Vozes de pessoas que já não estão mais entre nós — perdidas por aí, por este mundo imenso, numa cova rasa e sem lápide, ou no fundo do mar”. Personagem e autor vasculhando a memória fazem do romance uma obra contemporânea, implicada no discurso que busca resgatar o tempo e a possibilidade até de sermos humanos. Porque se Merleau-Ponty tem razão quando diz que “uma sociedade vale pelo que nela valem as relações do homem com o homem” — o que valerá a nossa sociedade? Envoltas na neblina (é beira-mar), caminham essas vidas confusas em que o antigo militante comunista é hoje, ontem, recolhedor de apostas do jogo do bicho e os homens parecem caminhar para algum lugar indefinido, sem forma. É nesse aparente caos que emerge, poderoso, o golpe militar de 1964, e a Ordem se impõe e carrega os anônimos, os anti-heróis para a perplexidade e o horror de uma silhueta cinzenta que se vê da beira do cais; signo do Novo Estado é esse navio-calabouço e limite, cheirando a “mijo, suor e merda”. E quando a existência passa a ser um calabouço, não pensem que o mundo se torna um reino de heróis. “Os homens maldiziam o dia em que haviam entrado naquela merda de política e o que queriam era só uma oportunidade para voltar ao lar, conseguir um novo emprego e sobreviver”. Olhares que se alternam bruscamente, a geografia política ou a política geográfica penetram na alma de cada um. Já não olham para o mar, com as suas múltiplas formas e linhas; já não veem navios flutuando para algum lugar, qualquer lugar. Os prisioneiros do navio-calabouço estão condenados a olhar para a cidade onde viviam, a ver silhuetas da natureza, das casas, dos bondes correndo pelas ruas em que construíram as suas vidas. E o que pode ser mais comovente do que esses homens caminhando pelo navio e olhando essa cidade — história brasileira, próxima e perdida em umas poucas vidas que vão desaparecendo, assim como a lembrança dessa época? Adelto Gonçalves é um dissidente brasileiro. A sua história não vai agradar àqueles que venceram em 64. Não por acaso, no começo dos anos 1960, um dos generais vencedores disse que a história era escrita por quem ganhava. Mas para os nossos e outros dissidentes, num mundo em que a palavra se concentra em círculos cada vez mais restritos, o Poder se fecha, a palavra é negada aos intelectuais e aos homens comuns. Mas as coisas não ficam aí. No campo da memória, da história, das frases, há uma guerra que nunca termina. Não disse um dissidente tcheco, Milan Kundera, que “a luta do homem contra o Poder é a luta da memória contra o esquecimento”? Não nos diz um personagem de Adelto, em obscuro manuscrito encontrado depois de sua morte (no qual poderia falar com toda a sinceridade), que, “às vezes, penso que essa capacidade de discordar é a única possibilidade que a humanidade tem de não ser levada irremediavelmente para o abismo obscurantista”? E tudo isso ganha uma irremediável grandeza, pensem o que pensarem de nosso tempo os vencedores, os que querem monopolizar o ser e o pensar de nossa História. De vozes que alguns ouvem e outros falam emerge o contratempo, o contraponto, o resgate, a palavra não-oficial. É o poderoso terreno da linguagem em que flutuam (como aquele sórdido navio) — “a história, as histórias — estamos citando Semprún —, as narrativas, as memórias, os testemunhos, a vida, o texto, a própria textura, o tecido da vida”.

“A capacidade de discordar é a única possibilidade que a humanidade tem de não ser levada para o abismo”

A frase acima é do personagem Marambaia, do livro “Os Vira-latas da Madrugada”, de Adelto Gonçalves, que ganhou, recentemente, sua 2ª edição