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Por que vereadores de Goiânia devem ir ao Festival Varilux de Cinema Francês

Legisladores parecem não saber aproveitar o tempo na Câmara, e acabam criando estimulando debates que causam desrespeito social. Por isso (quem sabe?), a sétima arte possa ser alternativa para pensar e refletir sobre discussões pertinentes

Na Maratona de Boston, a reafirmação da identidade nacional americana

É impossível caminhar por qualquer região da cidade e não encontrar referências ao espírito de resistência e ao patriotismo desencadeados pelo atentado terrorista

Nós, os mortos

Lamento pelo tapa que não levei do PM. Pela bordoada que não tomei pela resistência que não ofertei. Antes a tivesse levado e gemido, chorado

Terceirização: o fim das relações de emprego?

Um mesmo empregado terá de trabalhar em dobro (ou ganhar a metade) para gerar lucros, não mais para uma só empresa, mas para duas. Não existe almoço grátis

O ódio que nos une

Haroldo Caetano Especial para o Jornal Opção [caption id="attachment_31716" align="alignleft" width="192"]Adolescentes no crime: redução da maioridade não resolve Adolescentes no crime: redução da maioridade não resolve[/caption] Nada como um inimigo comum para fazer desaparecer diferenças políticas, religiosas, sociais e até futebolísticas. Se existe algo com enorme capacidade de unir pessoas é o ódio. Seja em pequenos ou grandes grupos, homens e mulheres se juntam para celebrar o ódio aos gays, aos negros, aos judeus, aos muçulmanos, aos presos, aos drogados, aos corruptos, aos petralhas ou tucanalhas. Eis que agora reaparece um antigo inimigo comum, novamente indesejável da hora: o adolescente infrator. E as agendas da política e da grande mídia voltam à carga com a velha e cansada proposta de redução da maioridade penal para 16 anos. Os adolescentes infratores são, pela enésima vez, os novos inimigos. O número da proposta de emenda constitucional que trata do tema é sugestivo: 171. Mesmo número do artigo do Código Pe­nal relativo ao estelionato, crime praticado mediante fraude contra vítimas que muitas vezes sucumbem ao afã de levar vantagem em algum negócio, mas que acabam mesmo é caindo no conto do vigário e ficando com o prejuízo. Estamos diante de uma clara tentativa de estelionato. A população mais pobre, aquela mesma de onde vêm os prisioneiros de todos os cárceres Brasil afora, agora é usada como massa de manobra para uma iniciativa que promete trazer segurança pública, mas que na prática está fadada a produzir ainda mais violência, principalmente contra ela própria. Ou alguém acredita que adolescentes das classes sociais mais favorecidas serão levados à prisão? Isso por acaso já acontece com os criminosos adultos? Entretanto, seduzidos e entorpecidos pela ideia de que o inimigo comum deve ser combatido com todas as forças, também os mais pobres apoiam a iniciativa. Acreditam, tal qual a vítima do estelionato, que será uma vantagem para eles próprios. Que terão paz. Ledo engano. Aprovada a medida, não tardará em aparecerem aos montes os enganados, as vítimas da PEC 171. Se não temos uma educação de qualidade, se a greve dos professores não é sequer notícia na televisão, se o governo oferece um salário de miséria para seus professores, se não temos conselhos tutelares decentes, se não há creches para as crianças, se não existem praças de esporte e lazer nos bairros periféricos, se não temos acesso a serviços públicos dignos, como transporte e saúde, se temos meninas e meninos marginalizados pelas ruas da cidade... Tudo isso não importa tanto para uma causa comum. Não! Se nada disso nos une, vamos então apoiar a exclusão dos adolescentes nas masmorras de sempre. Eles são os reais culpados pela violência que impera nas cidades, pela nossa depressão e pela alta do dólar. Não os “nossos” adolescentes, fazemos questão de ressaltar. O problema não é nosso, mas do outro, do filho do vizinho do lado de lá do muro. Se as causas que poderiam levar à transformação da realidade brasileira para melhor não nos mobilizam, vamos, então, nos unir em torno do ódio, esse sentimento tão gostoso de sentir, em que projetamos toda nossa ira e ignorância para um inimigo imaginário, porém comum. E o inimigo é aquele rapaz, compleição física de homem feito, drogado, coincidentemente negro, pobre, analfabeto e desempregado, mas que pode até votar. Olhe lá! Ele está com uma arma na mão! Mo­vidos pelo ódio vamos, então, defender a redução da maioridade penal. Mas vamos assumir desde agora, com o mesmo rubor de vergonha da vítima do conto do vigário, que aceitamos o discurso fácil que vem de Brasília e que ecoa na televisão e nas redes sociais. É que para que o estelionato aconteça não basta o vigarista; é preciso também o otário. Haroldo Caetano da Silva é promotor de Justiça e mestre em Direito.

Como amam os Homens

TCDCHBR EC014 Por Cristiano Pimenta* Não me parece possível abordar esse tema sem antes enfrentar uma difícil questão: o que é ser homem hoje? É ser machão? É ser heterossexual? Sabemos que há o metrossexual e também — seguindo tendências mais recentes — o lumbersexual. Dizem, aliás, que Brad Pitt, Ben Affleck, dentre outros, já aderiram ao estilo do “lenhador sexy”. Por outro lado, por que um homossexual não seria um homem? E o que dizer de certas mulheres que em tudo parecem ser “mais macho que muito homem”? Ora, essa confusão evidencia que, nessas questões, a vida contemporânea é atravessada por uma ruptura com os antigos padrões. O homem com “H” maiúsculo Tentemos fazer o contraste entre o passado e o presente. Antes, as referências pareciam mais claras e firmes. A teoria psicanalítica lacaniana mostrou como eram feitos os homens. Na década de cinquenta, Lacan elaborou uma fórmula chamada Metáfora Paterna para traduzir em termos formais a teoria do Complexo de Édipo de Freud. Para psicanálise, também quanto ao sexo masculino, é certo dizer que não se nasce, mas torna-se homem. Dito em termos simples, a Metáfora Paterna nos mostra como um menino torna-se um homem, a saber, pela interdição que a função paterna introduz nas relações mãe-criança. Trata-se da famosa interdição do incesto, mas que atinge não só a criança como também a mãe. Pelo lado da criança, a função paterna lhe impõe um “Não te deitarás com tua mãe”. E pelo lado da mãe um “Não reintegrarás teu produto”. O pai, portanto, salva a criança de ser devorada pela mãe e é isso que lhe permite tornar-se um homem. Restará apenas o passo seguinte dado pelo projeto de homem: "Eu quero ser igual ao papai". Eis que nasce um homem! Sim, pois, na medida em que sou igual ao papai me sinto no direito de ter uma mulher, ou seja, me é permitido que um objeto venha substituir a mãe. A coisa culmina na família, no interior da qual terei minha autoridade de pai, do homem da casa, etc. Antes de apontarmos o declínio dessa maquininha de fabricar homens à imagem do pai, quero chamar a atenção para as características gerais desse antigo homem-pai. Ele era absolutamente seguro de si na relação amorosa com a mulher. Ele se sentia, ele se via, como sendo o possuidor daquilo que uma (a sua) mulher mais poderia desejar, a saber, sua própria masculinidade, à qual Lacan consagrou o termo falo. Ser homem aqui é ser o portador daquilo que satisfaz o desejo de uma mulher, daquilo que estabiliza, orienta e apazigua a aflição feminina. Nesse sentido, ser homem é anterior ao ser o provedor. Ser homem é, antes, a condição necessária para prover. Ser homem é estar no poder. De um modo geral, na história humana, o poder sempre foi coisa de macho, e o falo é a essência do macho. E como ama esse homem simbolizado pelo pai severo, cuja vontade era expressa e atendida com um simples olhar enfurecido? Digamos que ele não foi talhado para amar, mas sim para ser amado. É que amar fragiliza, enfraquece, gera dependência para com o objeto amado. Amar é confessar sua falta (Miller). No contexto desse homem-pai-possuidor-do-falo, o amor concerne mais à mulher. Amar é coisa de mulher. Daí que, se esse Homem com maiúscula se enfraquece por amor ele pode ser depreciativamente chamado de “mulherzinha”. Compreende-se, por outro lado, que, dessa perspectiva, ser mulher é ter inveja do pênis (Penisneid), como formulou Freud. A inveja do pênis é o nome freudiano da falta feminina, falta que se apazigua na relação com aquele que é o detentor do objeto do desejo. A liberação do desejo feminino Mas um Homem assim terá existido realmente algum dia? Deixo de lado essa questão para dizer que, de todo modo, enquanto Ideal, referência simbólica e identificatória, ele existiu sim. Sua produção dependia da eficácia do pai, enquanto o interditor da relação mãe-criança. Todavia, o pai enfraqueceu. Por quê? Para responder tal questão é preciso observar que essa engrenagem da Metáfora Paterna só funciona se o desejo feminino estiver enganchado nesse Homem, ela foi montada para responder ao desejo feminino, ao qual se supõe poder dizer: "Afinal, o que mais uma mulher poderia desejar além de ter marido e filhos?" Impossível não nos lembrarmos de que a psicanálise foi inventada por Freud justamente na tentativa de tratar das mulheres que não se encaixavam nesse padrão: as histéricas. As histéricas do final do século XIX já testemunhavam, ou melhor, já produziam, o fracasso desse Homem. O desejo histérico se caracteriza justamente por se remeter sempre a uma Outra coisa; ele é por definição insatisfeito, não se apazigua com o falo e nem com os objetos substitutos como o filho. As histéricas foram as primeiras a deixar esse Homem a ver navios. Seus pais, numa última tentativa desesperada de colocá-las na via correta, diga-se arranjar-lhes um marido, as levavam a Freud, como se dissessem: "Quem sabe essa tal psicanálise possa dar um jeito". Digo de passagem que Freud jamais se propôs simplesmente atender às demandas de adaptação dos pais. O projeto de Freud foi, antes, o de tentar explicar os mistérios que governam a vida amorosa das pessoas. Eis, portanto, o motivo fundamental do declínio desse Homem-pai: a liberação do desejo feminino. Liberação em relação ao padrão “papai-mamãe”. Já de início, poderíamos dizer que, nesse terreno, o homem está sem bússola, pois o que antes era o Norte para ambos os sexos, o falo, já não cativa tanto, ou já não se encontra lá onde se espera encontrá-lo, tal como podemos ver no filme Jovem e bela. Depois de perder a virgindade para um rapaz que acabara de conhecer, num encontro frio e sem amor, a linda e jovem moça dá início ao exercício da prostituição. Ela se vende a homens mais velhos, sendo que por um deles ela desenvolve um apego maior. Com o falecimento deste em pleno ato sexual ela é descoberta e faz um tratamento psi para voltar a ser uma garota “normal”. Tudo parece caminhar para sua reabilitação, pois ela começa um namoro romântico com um rapaz da sua idade. A surpresa do filme é que ela simplesmente se desencanta disso que seria uma promessa de felicidade e retorna à prostituição. Quando ela reativa o antigo número de celular as mensagens dos clientes pululam uma atrás da outra para regozijo seu. A simplicidade dessa história parece testemunhar o que dizemos aqui: que o desejo feminino segue agora caminhos misteriosos e fora dos padrões estabelecidos. A psicanálise lacaniana, seguindo as pegadas do desejo histérico, já havia descoberto que um dos traços fundamentais do desejo feminino é o de estar essencialmente ligado ao vazio. Isso permite que a mulher mude com mais facilidade que o homem o objeto de seu desejo, pois lhe interessa mais o vazio que o objeto venha ocultar ou o vazio que possa haver no objeto. É isso que, igualmente, explica o talento das mulheres para representação. É justamente pelo fato de seu próprio Ser estar atravessado pelo vazio, por se reconhecer no vazio, que a tarefa de encarnar qualquer personagem se torna tão acessível a uma mulher. Essa mudança no feminino, ou melhor, essa liberação, por sua vez, fez com os homens também se transformassem. Um homem que ama Mas quando nos interrogamos sobre o que seria essa transformação não nos vem à mente, justamente, a imagem do lenhador sexy, ou seja, um ideal encarnado por um Brad Pitt, um homem sedutor que arrebata toda e qualquer mulher, um “pegador”, um Don Juan? E para quem se destinaria o visual cuidadosamente desleixado se não para o desejo feminino? Além disso, essa concepção de homem parece ir ao encontro da queixa de muitas mulheres, a de que os homens hoje não se apegam, não se apaixonam, querem apenas desfrutar do sexo, evitar o amor, o compromisso, etc. Nesse mesmo sentido, poderíamos ainda convocar o ponto de vista de um sociólogo de peso, Zygmunt Bauman, que denunciou, em “Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos”, a superficialidade dos amores na vida contemporânea, a liquidez com que os amores se desfazem antes mesmo de começar. Contudo, nos tempos atuais, há um fato desconcertante que subsiste ao lado desse o homem fluido, livre e desapegado, a saber, com o declínio do modelo paterno, o homem passou a amar. Eis uma novidade! Sem a proteção das antigas identificações paternas, sem uma bússola para se orientar frente ao desejo feminino, ele se valeu do recurso ao amor. Ao fazer isso, no entanto, o homem adentra um terreno que ele não domina, ou melhor, um terreno dominado pelas mulheres. Inexperiente, se assim podemos dizer, o homem corre o risco de ficar em desvantagem nesse jogo há muito jogado por elas. Uma posição desfavorável no amor já podia ser observada numa época muito antiga na qual o homem-pai ainda detinha o poder. Foi por volta do século XII, na Europa, onde alguns homens poderosos se lançaram a uma prática paradoxal para o seu tempo que ficou conhecida como amor cortês. Uma série de condutas foi relatada nos versos dos chamados trovadores. A Dama devia ser exaltada, com a correlativa desvalorização do homem devotado. Nos versos do amor cortês, a mulher torna-se um objeto supervalorizado, transcendente, inacessível, intocável. Ela não se caracteriza por ser virtuosa e amável com o homem que lhe “faz a corte”. Ao contrário, ela é extremamente arbitrária e impõe cruéis provas de amor àquele que se torna seu “servidor”. Encontramos, assim, o homem em uma posição de desvalorização e humilhação na relação amorosa. Posição paradoxal para uma época em que as mulheres não detinham nenhum poder econômico e social e o modelo patriarcal reinava. Essa Dama cruel e arbitrária, esvaziada de toda qualidade, encarnação do vazio, vazio que será contornando por uma série de procedimentos realizados pelo homem através de uma conduta de rodeio, serviu de referência para Lacan pensar sua noção de real sob a forma de a Coisa (das Ding). Segundo Lacan, essa mulher, que encarna o real, é para o homem “um objeto enlouquecedor, um parceiro desumano”. O fato de que a mulher enlouquece um homem na relação amorosa pode ser considerado uma herança do amor cortês presente nas relações atuais. Levado à loucura, um homem pode perder as estribeiras e bater na mulher. Mas o fato mesmo de enlouquecer, transgredir a lei a ponto de ser levado preso, deve ser avaliado em relação ao despreparo desse homem atual frente ao desejo feminino. No filme de Lars Von Trier, "Anticristo", encontramos um exemplo cheio de ironia de um homem que enlouquece na relação amorosa. Nesse longa, o marido terapeuta se dedica pleno de confiança e certeza ao tratamento de sua própria esposa. Ele a leva para uma fazenda isolada onde a natureza reina e ali aplica uma série de técnicas comportamentais de tratamento. Tudo fracassa. O especialista nos assuntos psi é o que menos sabia a respeito da psique de sua esposa. Ela surta, tenta matá-lo e ele tem que lutar pela própria vida para escapar. Enlouquecido pela loucura dessa mulher, ele a mata e queima seu corpo como o de uma bruxa. A ironia, portanto, é que o marido-terapeuta-salvador, se tornou o assassino de sua paciente-esposa. Por que motivo ele se dedicou de corpo e alma a esse tratamento? É simples: porque amava sua esposa. "Anticristo" coloca em evidência o fato de que a agressão masculina testemunha que o homem não controla mais a mulher. Esse descontrole evidencia também que amar, para o homem, é um modo de gozo, um gozo que pode ser mortífero. À mulher nada falta Nesse mesmo sentido, encontramos na teoria psicanalítica lacaniana uma formulação que inverte a clássica posição de superioridade do homem em relação à mulher, a posição de independência e poder do possuidor do falo e a correlativa dependência daquela a quem só restava a inveja do pênis. Hoje é comum o homem se apresentar como faltoso e a mulher, por seu lado, se apresentar como aquele ser a quem nada falta, ou que “não precisa de homem para nada”. Lacan percebeu que isso já estava inscrito em um nível básico da relação homem-mulher, o nível da relação sexual. Aí o homem está em evidente desvantagem pelo simples fato de precisar produzir e manter a ereção de seu órgão, o pênis. Assim, na hora “H” (que é a hora do Homem se colocar à prova) as coisas são tensas para ele: seu órgão pode não funcionar como esperado, a relação pode terminar antes do previsto ou simplesmente não acontecer. Por outro lado, mesmo que funcione bem, com ou sem ajuda de um “Viagra”, no final assiste-se inexoravelmente a uma detumescência, que simboliza a perda da sua virilidade. A mulher não. Neste nível ela sai do ato tal como entrou: intacta. Por não ter nada a sustentar, também não tem nada a perder. No nível do gozo não se pode falar em inveja do pênis na mulher, pois “não lhe falta nada” (Lacan). Ao contrário, “a mulher se revela superior no campo do gozo” (Lacan). Não é novidade que a vida sexual do homem seja atravessada pelo drama da impotência. Na adolescência a experiência sexual ainda inédita é temida, o que explica o tempo enorme dedicado aos jogos de internet. Na maturidade há o temor de uma impotência inesperada e na velhice pode haver uma impotência há muito esperada. Nem precisaríamos falar da perturbadora questão do tamanho do seu pênis. Enfim, ao vincular sua virilidade à ereção de seu órgão, o homem se torna refém desta última. Não é o caso, por exemplo, das mulheres homossexuais que na relação sexual ocupam o lugar masculino, ativo, que faz a parceira gozar satisfatoriamente. O fato de não terem um pênis não lhes traz nenhum problema. Algumas, aliás, sentem-se muito mais viris justamente por não possuírem esse órgão tão frágil e problemático. Pois bem, essa inferioridade masculina no campo do gozo é transposta ao campo do amor. Justamente por ter algo a perder, o homem se encontra em uma posição de desvantagem no amor. Poderíamos dizer que, quando um homem perde a sua mulher (ou até nos casos em que ele mesmo se separa dela), é como se uma parte de si mesmo lhe fosse cortada fora. Imagem que nos remete ao mito da costela de Adão com a qual Deus fez o objeto do desejo, Eva. Já a mulher, por já estar castrada de saída, por habitar o vazio, está muito mais preparada para a perda. Nenhum objeto é capaz de obturar sua relação íntima com o vazio. O sofrimento feminino está ligado mais às suas relações com o vazio. Via de regra, a solidão, por exemplo, é insuportável para a mulher. O homem, com seus apetrechos, seus canais por assinatura, lida melhor com a solidão. Seu mundo desaba apenas quando ele perde seu objeto privilegiado. Vale mencionar aqui a lembrança de um jovem que eu acabara de conhecer na mesa de um bar e que do nada soltou: "Não tem comparação, uma separação é muito mais difícil para nós, homens, do que para elas". Nesse sentido, a clínica psicanalítica nos mostra homens surpreendidos e traumatizados com isso que para eles se apresenta como absolutamente inesperado: o fato de que em dado momento de crise, mesmo em relacionamentos já duradouros, a mulher amada se revele perfeitamente capaz de viver sem ele. É aí que encontramos no homem, só para dar um exemplo, o medo da separação. Medo que conduz às mais variadas formas de covardia como, por exemplo, a de investir sua vida e seus bens em uma mulher que, ao menor deslize seu, teria todas as condições de lhe deixar. Portanto, a superação do amor perdido passou a ser problema de homem. Talvez possamos afirmar, em resposta às mulheres que dizem que os homens não se envolvem, não querem compromisso, etc., que o motivo, pelo menos em alguns casos, é que eles não superaram um relacionamento traumático anterior, um amor que deu errado. Em seu inconsciente, portanto, eles amam, eles estão sob o efeito do que Freud chamou de fixação da libido, por isso, não estão livres para viver um novo amor, só lhes restando as diversões descompromissadas do sexo. O luto e a alegria O que se revela de nosso percurso é que o desafio do homem hoje é o de poder amar e, ao mesmo tempo, preservar sua virilidade. Se, como diz Jaques-Alain Miller, “só se ama verdadeiramente de uma posição feminina; amar feminiza”, como ser viril e feminino ao mesmo tempo? Ora, isso só é possível se o homem conseguir evitar fazer de uma mulher a solução para sua falta. Erroneamente, a experiência amorosa se tornou a via pela qual o homem acredita resolver o problema da sua falta. É preciso que ele se dê conta de que essa Mulher, assim concebida, não é nada além da parte de si mesmo (a costela) que está definitivamente perdida. O objeto está perdido. É preciso, pois, fazer o luto dessa perda. Como diz Lacan, “o homem tem que fazer o luto de encontrar em sua parceira sua própria falta”. O luto é um processo dolorido, triste, mas que leva a um paulatino desapego. É isso que lhe permitirá que o objeto amado não se torne insubstituível e que ele se aposse da certeza de que a alegria de um novo encontro amoroso estará sempre em seu horizonte.   Cristiano Pimenta é graduado em Filosofia pela USP, mestre em Psicologia Clínica pela UNB e membro da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP), da Associação Mundial de Psicanálise (AMP) e da Delegação Geral GO/DF da EBP.

O Hutrin em Trindade e um bom plano de Saúde

Há dois anos, fotografei no hospital um paciente utilizar papel higiênico em ferifmento porque não havia gaze. Neste mesmo lugar, fui agora submetido a uma cirurgia com anestesia, sala climatizada e procedimentos de um excelente profissional [caption id="attachment_27426" align="alignleft" width="620"]trindade Procedimento cirúrgico com ótimos profissionais e equipamentos modernos: a norma no Hutrin / Foto: Iris Roberto[/caption]   Fábio Ph Especial para o Jornal Opção Abro este artigo particular, agradecendo o excelente atendimento que recebi na quarta-feira, 28, no Hospital de Urgências de Trindade (Hutrin), administrado pelo Instituto Gerir, bancado pelo governo do Estado de Goiás, uma conquista do prefeito da cidade, Jânio Darrot (PSDB), junto ao governador Marconi Perillo. Alguém pode pensar: “Mas você trabalha no governo do município, sempre será bem atendido no Hutrin.” Nada disso: não entrei no Hutrin pelas portas do fundo. Fui submetido a uma pequena cirurgia e passei pelo procedimento normal. Tinha marcado a cirurgia havia dez dias, no balcão, cheguei naquele dia por volta das 12 horas e, obedecendo à ordem de chegada — pessoas idosas com prioridade de atendimento —, fui operado com muita competência às 15h30 pelo médico Daniel Cabriny. Sentado ali no banco, por mais de três horas, pude observar o trâmite em um setor de atendimentos especiais do hospital. Ninguém reclamando, tudo muito organizado, limpo, seguro, pessoas desenvolvendo suas funções de forma tranquila, paramentada. Novamente, alguém pode pensar: “Mas a experiência que tive no Hutrin não foi essa.” Gosto de usar um ditado: por mais que o feirante zele do produto que vende não tem jeito, tem uma hora que vai aparecer um coró na alface. Principalmente se se tratar de saúde. Falava com Daniel Cabriny, também diretor-geral da unidade, durante o procedimento e ele pontuou: “Têm momentos em que, apesar de você estar muito bem preparado, a demanda excede o planejamento.” Claro também, que ninguém aqui está querendo “dourar a pílula”, falar que a unidade satisfaz e está tudo certo. O Hutrin passa por uma grande reformulação para tornar-se um hospital de referência. Vai dobrar sua capacidade de atendimento e especialidades. Basta ir lá para ver. As obras estão postas a olho nu. Mas eu, em meu tempo de oposicionista ao governo, há pouco mais de dois anos, fotografei aquele mesmo hospital com um paciente utilizando papel higiênico em um ferimento porque não tinham gaze. E neste mesmo lugar fui agora submetido a uma cirurgia com direito a anestesia, sala climatizada e procedimentos com requinte comandados por um excelente profissional. No fim do ano passado tive outra experiência familiar em termos de saúde, em que utilizei um bom plano de assistência. Meu filho Pedro, de 14 anos, joga nas categorias de base do Goiás e tomou uma sarrafada em um jogo-treino. Tive de correr com ele para o hospital, com a clavícula fora do lugar. Mesmo com a carteirinha do plano de saúde SulAmérica, chegamos pouco depois das 9 horas e ele foi atendido às 13. Os fatos me serviram para a comparação nos tempos de atendimento. E aí vou ao passado, lembrando-me dos pré-natais dos filhos, os quais acompanhei, todos os cinco, de forma particular e era sempre um desgaste de tempo, ali, no banco de espera. Na saúde o buraco é grande, é preciso muita terra pra tapar e mesmo assim, têm horas que a terra não dá. Fecho com o quinto parágrafo esta redação, sujeita ao crivo democrático de todas e todos, com a minha missão no governo municipal de Trindade, meu trabalho, que é posicionar a sociedade sobre as boas coisas que a administração faz. Tenho em mente que, fazendo isso, colaboro na motivação de uma grande equipe, de uma turma que está sempre correndo contra o tempo, contra as muitas demandas, contra a crise financeira — que para Trindade não é de agora, vem ao longo dos anos, por sua falta de desenvolvimento comercial. E já foi pior em outras gestões pela suspeição de desvio do capital público. Fábio PH é diretor cinematográfico e assessor de Comunicação Social da Prefeitura de Trindade.

“Para Darci Accorsi, com carinho”

[caption id="attachment_21415" align="aligncenter" width="620"]O ex-prefeito, com a filha Adriana Accorsi: “Darci tinha um poder infalível de fazer as pessoas se sentirem felizes”, escreve o professor Marcelo Brice O ex-prefeito, com a filha Adriana Accorsi: “Darci tinha um poder infalível de fazer as pessoas se sentirem felizes”, escreve o professor Marcelo Brice[/caption] Marcelo Brice Assis Noronha Eu nunca soube definir a imagem certa que Darci Accorsi ocupava no meu imaginário. Sempre tive com ele uma relação ambígua. E hoje sei um pouco mais do que se tratava, pelo que diz respeito ao pessoal e ao político. Não porque ele se foi fisicamente. Talvez por uma busca própria em reconhecer a figura que ele era e representa. Darci sempre foi uma figura amável, inteligente como poucos, rápido nas ideias, de uma sedução absoluta, rodeado por todos, atraía as energias para si. Tem uma música de Adoniran Barbosa que diz: “Eu sou a ‘lâmpida’, elas são ‘as mariposa’!”; Darci era essa luz, tinha um poder infalível de fazer as pessoas perto dele se sentirem felizes e animadas. Não tinha tempo ruim com ele. Eu nutria uma admiração juvenil pelo filósofo, professor, líder político, de voz marcante e poderosa, que levava a plateia com a capacidade do político de conduzir pela palavra e pelos rumos mais apropriados para as decisões. Estou aqui misturando a figura pública e a privada, deliberadamente. De algum modo, era assim que eu via o ex-prefeito, que chegou a Goiás no começo da década de 70, em Itapuranga, para fazer sua história como professor. Nossas famílias já tinham muita história juntas quando eu entrei nisso tudo. Meu pai, o professor Reinaldo Pantaleão, e minha mãe, Marilene, participaram ativamente da formação do PT em Goiás. Nessa, estavam Darci Accorsi e Lucide Sauthier Accorsi, na bravura própria dos gaúchos em suas farroupilhas, que, depois da estadia no interior e do nascimento de Adriana Accorsi, migraram para Goiânia. Na capital, marcaram seus nomes entre as grandes personalidades públicas do Estado. Anos depois, tive a oportunidade de conhecer Luiz Pedro, o filho mais novo, que, coleguinha de sala, se tornou meu grande amigo, um irmão que amo e admiro. Aí já sabíamos que meu pai havia sido professor da Adriana e naquele momento era do Sérgio, o filho do meio, o roqueiro mais metal que eu conheci até os 16 anos, sempre acompanhado de sua Aurilene. Pronto, eu já era parte dessa família. E assim os tenho hoje e sempre. Aos 13 anos, viajei com a família Accorsi. Ele, prefeito, dirigindo uma caminhonete, numa volta pelo sul da América do Sul. A certa altura, descíamos uma serra no Rio Grande do Sul, estrada de chão, rodeada por precipícios; no fim da serra, o freio acabou. Foi o momento mais emocionante da minha adolescência. Ele disse: “Meu Deus, acabou o freio!”, e bombeava o pedal; todos procuravam, incessantemente, um cinto de segurança a mais, a Adriana abraçava a filha, o Sérgio dizia (completamente desesperado) “calma, pai!”, o Luiz me olhou e tentou fechar o vidro, não sei por quê; a Lucide pegou na mão dele e disse: “Dinho (assim ela o chamava), calma, vai dar certo, desacelera na marcha...”. E paramos, a poucos metros de um paredão. Daquele dia em diante, eu me senti para sempre parte da família e concordei em rezar no começo do dia, antes de pegar estrada. Tive, com o Luiz, a responsabilidade de pajear a Verônica, filha da Adriana, com alguns meses de vida, e depois a vi crescer, tentando pronunciar meu nome e o adaptando para “Meleco”, o que não deve ser de todo errado. Eu fui acolhido pelos Accorsi como um filho, o que fazia bem a eles e eles a mim. Minha mãe sofria com uma doença grave e Lucide, sem saber, me ensinava, com seu carinho e estima, como as mães são amor. Darci nunca me cerceou. Eu com 15 anos, metido a saber de política e filosofias, queria escutá-lo e, se possível, dar uma opinião. Minha mãe os adorava, porque cuidavam de mim. Meu pai, um humanista, sabia que a formação sadia que eu encontrava naquela relação era inquebrantável. Em um desses domingos de pizza na casa dos Accorsi, Darci me disse: “Fala pro seu pai vir aqui, uai! Pra gente relembrar quando eu era trotskista. Diz pra ele que o velho Brice [Francisco Brice Cordeiro, de onde vem uma parte do meu nome] era porreta, que a homenagem de seu nome é corajosa. Certa vez o Brice falou: ‘Darci, só temos uma solução! Matar o Dom Fernando (bispo progressista) e colocar a culpa na direita! Hahaha!’”. E Darci sorria, o que ele fazia com maestria. E quando íamos, os amigos, almoçar aos domingos na chácara deles, era assim: “Uai, sô! Cêis demoraram demais!”. Escutava o Vila perder no rádio e fumava, pensando em política. No ano em que entrei para o curso de Ciências Sociais, fui dar uma olhada na biblioteca dele, o que eu sempre fazia, enquanto a outra parte da garotada jogava videogame, já que eu sempre perdia; lá, afanei um volume da coleção “Os Pensadores”, o de Durkheim, com a justificativa de que precisaria no curso; ele autorizou, mas todo ano fazia o Luiz me pedir o livro de volta. A casa tem livros, eles gostam de jornais, de filmes, literatura e música, de bebida e comida boa. Eu não entendia como Darci não havia sido governador. Hoje compreendo melhor que não são simplesmente, para o bem ou para o mal, os atributos pessoais de um homem que selam o destino de um político. As circunstâncias não eram propícias e Darci cometeu inúmeros erros de estratégia. Seus companheiros não cessaram de sugar o que havia de resplandecente em sua figura, lhe boicotando, e alguma vaidade o impediu de agir com precisão. Particularmente, meu ímpeto divergia das posições e aproximações que ele fazia. Mas, 20 anos, depois o PT fez um caminho de agregação que ele sabia ser necessário, para fins de força política. Infelizmente, na hora errada e sem mea-culpa, o deixando longe de cena, propositadamente, com medo da grandeza política dele, de seu brilho próprio. Foi dos melhores prefeitos da capital. Na época não tinha reeleição, senão estaria reeleito, pois sempre foi aprovado e reconhecido. Homem aberto, envolvente, carismático, gente boa, “o professor”. A última vez que o vi pessoalmente foi no aniversário do Luiz de 31 anos, no ano passado, se recuperando da cirurgia que havia feito para retirada do tumor na coluna. Dias antes havia sido o casamento do meu grande amigo com sua querida companheira Cynthia. Com menos de 20 dias de cirurgia Darci entrou na igreja para acompanhar a cerimônia e me fez chorar, pela vontade de ser forte e pelo carinho com os seus. Neste ano de 2014, mesmo debilitado, ele participou ativamente da caminhada da sua filha à Assembleia. Sua vivacidade foi fundamental para a vitória dela. Sem dúvida, futura deputada progressista, preparada no seio dessa família que eu adoro! Algumas pequenas lembranças, de várias... Darci vai passear seu brilhantismo por outras bandas. Marcelo Brice Assis Noronha é professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e doutorando em Sociologia pela UFG.

Levantamento do Hospital do Coração mostra aumento de 122% nos casos de intoxicação alimentar

Para prevenir enfermidades desse gênero, dois pontos devem ser sempre verificados: a armazenagem e a higienização dos alimentos consumidos

A neurocirurgia que pode curar a obesidade

DSC_0632 (1)Ledismar José da Silva A obesidade é um problema de saúde pública, crescente em todo o mundo, que acomete, atualmente, 300 milhões de pessoas. Aproximadamente metade da população adulta brasileira tem excesso de peso; enquanto 12,5% dos homens e 16,9% das mulheres apresentam obesidade. O Brasil ocupa a 77ª posição no ranking que define o país mais “gordo” do mundo. Além disso, o excesso de peso representa o quinto fator de risco de morte em nível mundial, matando cerca de 2,8 milhões de adultos anualmente, como consequência de diversas complicações e comorbidades advindas desta enfermidade. As projeções para os próximos anos indicam que em 2015 o mundo terá 2,3 bilhões de pessoas com excesso de peso e 700 milhões de obesos. Para 2030, os dados se tornam ainda mais alarmantes: estima-se que aproximadamente 3,3 bilhões de adultos apresentarão sobrepeso ou obesidade. O sobrepeso e a obesidade também estão associados a distúrbios psicológicos, incluindo depressão, distúrbios alimentares, imagem corporal distorcida e baixa auto-estima. A prevalência de ansiedade e depressão é de três a quatro vezes mais altas em indivíduos obesos. Com base nesses fatos, há, no meio científico, propostas para que a obesidade seja incluída na lista de diagnóstico de doenças psiquiátricas na próxima edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM). Tem origem multifatorial, incluindo fatores neuroendócrinos, psíquicos, intestinais e genéticos; causa desequilíbrio metabólico-energético, predispondo ao acúmulo de tecido adiposo, o que se relaciona com diminuição da qualidade de vida, comorbidades e redução da expectativa de vida. A opção terapêutica mais eficaz, na atualidade, é a cirurgia bariátrica. No entanto, além de não controlar todos os fatores etiopatogênicos, principalmente no que concerne ao aspecto neuropsiquiátrico, esse procedimento apresenta altas taxas de recidiva a longo prazo e pode causar complicações graves, como as nutricionais, neurológicas, psicológicas e psiquiátricas. A estimulação cerebral profunda (neuromodulação), técnica já consagrada no tratamento de distúrbios do movimento, como doença de Parkinson e doenças psiquiátricas refratárias, surge como outra opção terapêutica promissora para o controle da obesidade. Consiste na implantação de eletrodos acoplados a um marca passo que envia impulsos elétricos para o cérebro. Esse tratamento neurocirúrgico atua no hipotálamo lateral e ventromedial, centros da fome e da saciedade, respectivamente, podendo suprimir ou diminuir o apetite, propiciando, consequentemente, perda de peso. O hipotálamo faz parte do sistema límbico que é responsável pelo comportamento emocional e desta forma pode atuar no aspecto neuropsiquiátrico associado a obesidade, como a compulsão e ansiedade. Existem atualmente várias pesquisas em andamento tentando comprovar sua segurança e eficácia. Até o presente momento este procedimento é considerado experimental e apenas pode ser realizado em caráter de pesquisa científica. Mas, não demora, será a solução para que se revertam os índices deste que já está sendo considerado o mal do século. *Ledismar José da Silva é neurocirurgião e professor de Medicina da PUC-GO

Calçadas: uma necessidade

Fernando Cupertino Especial para o Jornal Opção [caption id="attachment_14040" align="alignright" width="620"]É preciso que os gestores municipais atuaem de maneira firme sobre a problemática das calçadas É preciso que os gestores municipais atuaem de maneira firme sobre a problemática das calçadas[/caption] Desde 1986, com a publicação da Carta de Ottawa, as atividades de promoção da saúde ganharam importância como referencial teórico para a definição de estratégias destinadas à manutenção do bem-estar e da saúde das pessoas pelo mundo afora. Um de seus pontos principais é o que chama atenção para a importância do ambiente saudável, que vai além da ausência ou do controle da poluição atmosférica, dos mananciais e da contaminação do solo. Importa refletir sobre algo relativamente simples, mas que tem profundo impacto sobre a vida das pessoas e que está ao alcance de todas as comunidades e das administrações municipais: a qualidade das nossas calçadas. Calçada ou passeio, é um “caminho pavimentado para pedestres, quase sempre mais alto que a parte da rua destinada aos veículos, e geralmente limitado pelo meio-fio”, segundo o dicionário Aurélio. Ou, pelo menos, deveria ser. Na verdade, o que se constata no quotidiano da maioria de nossas cidades, é que as calçadas — ou a falta delas, são fonte permanente de ameaça à saúde das pessoas. Se não existem, expõem os pedestres a riscos de atropelamentos; se existem e são mal conservadas impõem risco de quedas e suas consequências potencialmente graves para as vítimas. Quedas que resultam, quase sempre, em traumas de variados graus de complexidade, principalmente em idosos, crianças e gestantes. Além disso, negam veementemente os esforços das políticas de promoção da saúde, que recomendam a adoção de hábitos saudáveis de vida, como a prática regular de atividade física, de que a caminhada é o exemplo mais eloquente e ao alcance de todos. Esta prática está na dependência direta da existência, manutenção e nivelamento das calçadas. É um contrassenso a omissão das administrações municipais ao se negarem a promover as condições mínimas para a mobilidade urbana dos pedestres, seja na construção e na manutenção dos passeios de áreas públicas, seja pela negligência na fiscalização daqueles que se encontram sob responsabilidade de particulares. A administração pública torna-se, assim, responsável por uma falta grave, com repercussões importantes sobre a vida das pessoas, pois além dos prejuízos à saúde causados pela impossibilidade de acesso (ex. dificuldade dos cadeirantes) a ambientes saudáveis e propícios à prática regular de atividade física, há os danos físicos imediatos para as vítimas de quedas, além de prejuízos econômicos para estas e para os serviços de saúde que arcam com o tratamento e a reabilitação dos pacientes. É preciso, pois, que os nossos administradores municipais tenham a perspicácia de atuar de maneira firme sobre essa questão. Parece simples, mas trata-se de uma medida claramente inserida no capítulo da “intersetorialidade”, posto que conjuga as dimensões da mobilidade urbana e da saúde coletiva. Se assim não for, continuaremos a fazer de conta que promovemos a saúde das pessoas e que cuidamos adequadamente do ambiente em que vivemos. Fernando Cupertino é médico, mestre (ISC-UFBA) e doutorando em Saúde Coletiva (UnB)

Outro desfecho para o último ato

Falar sobre suicídio não coloca a ideia na cabeça, isto é um mito. O melhor modo de descobrir se alguém tem pensamentos de suicídio é lhe perguntando   [caption id="attachment_12636" align="aligncenter" width="620"]A persistência da memória | Salvador Dalí, 1931 A persistência da memória | Salvador Dalí, 1931[/caption] Cristina Vianna Especial para o Jornal Opção Início do semestre, os estagiários já estão postando mensagens otimistas sobre o fim do ano e a formatura, sobre como é bom ser psicólogo sem nunca ter sido. Fico sorrindo. Estão cursando o último ano, estágio em Psicologia, fase de treinamento profissional. Meus estagiários fazem atendimentos em situação de emergência e crise. Combinamos de conversar sobre o filme Gênio Indomável. Isto antes da notícia, da notícia do último ato. Do último ato de Robin Williams. Cada um de nós tem seus filmes preferidos dele. Quem não curtiu o clássico Uma babá quase perfeita? Eu gosto mesmo de Gênio Indomável e sou da geração que assistiu Sociedade dos Poetas Mortos no cinema. Nestes filmes os personagens são terapeuta e professor, e sua prática é subversiva e revolucionária. Robin Williams marcou seu público com personagens dramáticos e cômicos que arrancaram risadas sinceras, lágrimas amargas e doces. Eis que então, por todo mundo houve choque e surpresa, tristeza e comoção quando a notícia chegou fatal. Difícil mesmo é assumir que a gente não perdoa quem decide tirar a própria vida. Lidamos ainda com o suicídio por meio do julgamento moral. Interpretar o suicídio como um ato de coragem ou de covardia simplifica sua complexidade. Lamentar a perda e julgar o que irá acontecer com o suicida após sua morte também não ajuda a refletir seriamente sobre o caso. O suicídio é um problema de saúde e um problema social, complexo e resultado de múltiplos fatores. Na pesquisa clínica do professor Marcelo Tavares da UnB, pessoas que fazem tentativas graves, com danos médicos, relatam sobrecarga emocional, experiência de sofrimento psíquico insuportável, do qual sentem a necessidade definitiva e imediata de alívio. Esta morte é evitável, considerando que esses estados tendem a ser transitórios e podem ser transformados com escuta e tratamento adequados. Desde 1990, a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece o suicídio como uma questão de saúde pública e estimula que os países-membros desenvolvam programas preventivos relacionados com políticas públicas. A OMS estima dados globais para o suicídio, em torno de 1 milhão de mortes por ano. Em termos epidemiológicos, na maioria dos países, o suicídio está entre as dez causas mais comuns de morte, na população em geral. Para cada suicídio há, em média, cinco ou seis pessoas próximas ao falecido que sofrem consequências emocionais, sociais e econômicas. Pessoas com vidas marcadas por um evento extremo como o suicídio são consideradas sobreviventes. É importante saber que dois fatores estão mais relacionados ao risco de suicídio: a maioria das pessoas que cometeu suicídio tinha um transtorno mental diagnosticável e o comportamento suicida é mais frequente em pacientes psiquiátricos. Em suicídios consumados, a depressão é o diagnóstico mais comum. Tentativas de suicídio são mais comuns do que suicídios consumados. O que muitas pessoas não sabem é que tentativas de suicídio podem ser prevenidas, principalmente se for levado em conta que, de modo geral, pessoas com comportamento suicida comunicam seus pensamentos e intenções suicidas. O melhor modo de descobrir se uma pessoa tem pensamentos de suicídio é perguntando para ela. Falar a respeito de suicídio não coloca a ideia na cabeça das pessoas – isto é um mito. Muitas ficam agradecidas e aliviadas de poder falar, abertamente, a respeito desse dilema sobre o qual estão se debatendo no momento ou sobre o qual já se ocuparam, no passado. Se você conhece alguém que tentou suicídio ou tem pensado em se matar, você deve orientar esta pessoa a buscar ajuda profissional, psiquiátrica e psicológica. Você pode colaborar para prevenir o risco de suicídio e para mudar o desfecho do que poderia ser o último ato. Cristina Vianna é doutora em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília, psicoterapeuta e professora universitária.

O retorno de Dunga e a crônica da morte anunciada do futebol brasileiro

Se os entes de concreto exalassem uma espécie de “cheiro moral”, o prédio da CBF teria uma fragrância híbrida, entre as de mofo e esgoto a céu aberto

Os últimos 46 sonhos de uma vida quase efêmera

Nem mesmo os ponteiros do relógio, avançando sempre em direção ao fim, impediram que Stephen Sutton realizasse os seus desejos e ajudasse outros jovens com câncer. Ele arrecadou cerca de R$12 milhões para a caridade

A menos de um mês da Copa, protestos reúnem milhares em várias cidades

[caption id="attachment_4186" align="alignleft" width="450"]Foto: Nacho Doce/ REUTERS Foto: Nacho Doce/ REUTERS[/caption] A menos de um mês da abertura da Copa do Mundo, manifestações reuniram milhares de pessoas que protestavam em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília contra a realização do Mundial no país e por moradias e melhores serviços públicos. No início da noite, 1.200 manifestantes ocuparam a Avenida Paulista, uma das mais importantes vias paulistanas, enquanto cerca de 5 mil professores em greve, segundo a Polícia Militar, marchavam até a sede da prefeitura. As cidades-sede do Mundial também têm sido afetadas por greves realizadas por diferentes categorias. Imagens da TV mostraram cenas de confronto entre manifestantes e policiais na região da Avenida Paulista. Parte dos participantes dos protestos, alguns deles com o rosto coberto, tentou depredar estabelecimentos comerciais da região e incendiou sacos de lixo. A polícia respondeu com bombas de efeito moral. A PM informou a prisão de 20 manifestantes mascarados que portavam coquetéis molotov e martelos. Ao mesmo tempo, no Rio de Janeiro cerca de 1.200 manifestantes, segundo a PM, ocupavam a região central, com cartazes com palavras de ordem contra o Mundial, que começa no dia 12 de junho em São Paulo com o jogo entre Brasil e Croácia, na Arena Corinthians. E o local de abertura da Copa foi palco de uma das manifestações desta quinta-feira, quando integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) marcharam para lá a partir de um acampamento montado em um terreno ocupado a poucos quilômetros do estádio. A polícia formou um cordão de isolamento no entorno da arena para impedir o avanço dos manifestantes, que montaram uma barricada com pneus em chamas numa rua de acesso ao estádio. De acordo com o MTST, cerca de 1.500 pessoas participaram da manifestação. O governo, no entanto, evitou associar as manifestações com a realização da Copa do Mundo no país. "São manifestações que trazem reivindicações da população, não vejo como caracterizar essas manifestações como sendo contra a Copa, são reivindicações de movimentos que acontecem perto da Copa", disse o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, a jornalistas em Brasília. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, disse que as manifestações ocorrem porque as pessoas não têm uma série de informações sobre o "real significado" e a "janela de oportunidade" da Copa. "Difundiu-se muito de maneira equivocada que a Copa estava roubando o dinheiro da educação e da saúde. Nós estamos provando nos diálogos que não é verdade", afirmou o ministro, acrescentando que o governo espera que haja manifestações durante o Mundial, mas que ocorram pacificamente. "Fazer uma projeção é muito perigoso. Nós preferimos não arriscar, nem subestimar nenhuma capacidade de mobilização." "TÔ NA RUA DE NOVO" Em alusão ao Mundial e às manifestações que levaram milhares de pessoas às ruas no ano passado, o MTST divulgou um manifesto com o nome "Copa sem povo, tô na rua de novo!". No documento, o movimento reivindica mais recursos para transporte, saúde e educação, demandas que também motivaram os protestos de junho do ano passado. Integrantes do movimento em Brasília invadiram um prédio da empresa Terracap, estatal do governo do Distrito Federal responsável pela construção do Estádio Nacional Mané Garrincha, o mais caro da Copa, com custo estimado em 1,4 bilhão de reais. O MTST disse em sua página oficial no Facebook que membros do grupo foram expulsos do local em uma "ação truculenta da polícia" e que permaneceriam do lado de fora do prédio até serem recebidos por autoridades para apresentar suas demandas. De acordo com uma porta-voz da polícia do DF, houve uma "ação normal e sem violência" para retirada de cerca de 300 manifestantes do interior do prédio, e o grupo que permaneceu do lado de fora era inferior a 100 pessoas. No Recife, cidade que receberá cinco partidas do Mundial, uma greve de policiais militares provocou episódios de violência e saques nas ruas da cidade. A greve foi encerrada no começo da noite. As manifestações nacionais desta quinta-feira começaram logo cedo quando um grupo de manifestantes utilizou pneus queimados para bloquear a rodovia Anhanguera, na altura do limite entre São Paulo e Osasco, no sentido da capital paulista. A via foi liberada depois, mas o protesto provocou enorme congestionamento na região. Os protestos contra a Copa se somam aos atrasos nas obras de estádios e infraestrutura entre os problemas do Brasil na organização do Mundial. Durante a Copa das Confederações do ano passado, torneio preparatório para o Mundial, houve confrontos entre manifestantes e a polícia nos arredores de arenas, inclusive deixando torcedores no meio da confusão. *Da Reuters