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Legisladores aproveitam mal o tempo na Câmara e reforçam o desrespeito social, como na sessão em que pastores se disseram contra atos da Parada Gay de São Paulo. A sétima arte, quem sabe, pode estimular o debate coeso sobre preconceito

Vereadores Fábio Lima, Divino Rodrigues e Rogério Cruz protagonizaram sessão taxada de "antigay" | Fotos: Alberto Maia/Câmara de Goiânia
Vereadores Fábio Lima (à esquerda), Divino Rodrigues e Rogério Cruz protagonizaram sessão taxada de “antigay” | Fotos: Alberto Maia/Câmara de Goiânia

A capacidade do cinema em fazer o espectador se identificar com coisas distantes da vida dele talvez seja uma das premissas para que a sétima arte tenha se tornado o que é hoje: inspiradora e contagiante. Seja para assistir a um clássico vampiresco interpretado pelo ator britânico Christopher Lee, morto aos 93 anos, ou para ver uma produção qualquer de ação.

Por isso, sugiro a alguns vereadores da Câmara de Goiânia ir ao Festival Varilux de Cinema Francês, enquanto é tempo. Especialmente os que lideraram a frente contra as manifestações LGBTs — leia-se bancada evangélica. O discurso pedindo respeito pregado no plenário nesta semana foi constrangedor. Quiçá, aquelas palavras se encaixem mais no ambiente da igreja, no culto, onde todos ficam sentados e hipnotizados. Mas não em uma sessão plenária, aos berros, como se tivesse pregando para surdos.

Os vereadores Fábio Lima (PRTB), Divino Rodrigues (Pros) e Rogério Cruz (PRB) protagonizaram sessão taxada de “antigay”. Mas ao mesmo tempo, os parlamentares podem questionar: porque então o movimento gay não se limita a boates, ou seja lá o que for, para protestar, enfiar a cruz onde bem entenderem?

É que estamos em um País dito democrático. Então, o Brasil é lugar de respeito às liberdades de imprensa e de expressão, sendo que cada um deve “cuidar do seu” com responsabilidade. O povo está farto de interferências do governo e de preconceitos, seja de cor, raça ou gênero. E onde entra o Varilux nessa história? Aqui, agora, pois no mesmo dia da fatídica sessão “antigay”, o festival de cinema francês de 2015 promovia sua pré-estreia, com o filme Qu’est-ce qu’on a fait au Bon Dieu? (Que mal eu fiz a Deus?), do diretor Philippe de Chauveron.

Foram mais de 1h30 de risadas diante de cenas que expõe as piores rusgas de preconceito. Não quanto ao gênero sexual, mas sim com os estrangeiros. O enredo envolve o casal francês Claude (Christian Clavier) e Marie Verneuil (Chantal Lauby). São católicos, tradicionais e extremamente preconceituosos, que relutam em aceitar o casamento de suas três filhas com homens de diferentes nacionalidades e religiões. Um gestor chinês, um empresário judeu e um advogado argelino.

A esperança estava na última solteira, a filha Laure. Mas para desgosto dos pais, ela se casa com um negro, preto, com cabelo crespo, Charles Koffi, africano da Costa do Marfim. E é a partir daí que a trama se desenvolve, mostrando que podemos acreditar no poder de transformação (para o bem) das pessoas.

Pais preconceituosos (ao centro), as filhas e os genros: filme francês traz a reflexão sobre preconceito | Foto: Divulgação
Pais preconceituosos (ao centro), as filhas e os genros: filme francês traz a reflexão sobre preconceito | Foto: Divulgação

Ainda se perguntam quais os motivos da conexão Câmara de Vereadores x cinema francês? Vamos lá: a cerimônia de lançamento do festival contou com 130 convidados. Uma pena que pelo menos quatro dos políticos eleitos para legislar em uma capital tão diversificada como Goiânia não tenham sido convidados. Se o fossem, refletiriam não só sobre o que disseram na tribuna e plenário, mas também sobre a Parada Gay de São Paulo, bem menos passíveis de preocupação do que a Educação e Saúde do município.

O mesmo vereador-pastor que endossou o posicionamento de um colega é investigado por suposto esquema de nepotismo cruzado entre a Câmara de Vereadores e a Assembleia Legislativa de Goiás, além de fraude em licitação e contratação de funcionários fantasmas. Como reprovar um protesto gay sendo um vereador criminoso?

Apreciar cinema e consumir a arte refletem no descarrego do peso e da pressão do dia a dia, a reflexão. Propicia, também, a reavaliação de atos e pensamentos, sejam lícitos, imorais ou contra os princípios cristãos. Dizer que a imagem de alguém pregado na cruz é o maior símbolo da humanidade ou que homem não pode se vestir como uma mulher é uma afronta ao próprio pensamento. Afinal, qual é o mundo que eles conhecem?!

Talvez, alguns vereadores deveriam ir às salas de cinema não só do Shopping Bougainville — onde é realizado o Festival Varilux, até o próximo dia 17 —, mas a outros espaços de apresentação e discussão artística. Tem os becos do Centro, com o rap, o hip hop, a poesia e o grafite, e as praças mal iluminadas do Setor Sul, com o slackline, street bike e o skate, meros exemplos.

É que a realidade extra-Câmara, além dos corredores que cheiram a café, é outra, mas está mais próxima do que se imagina, senhores legisladores.