Opção cultural

Cantora paulistana de MPB se apresenta no sábado 13 de maio dentro da programação do festival goianiense, que acontece de 8 a 14 do mesmo mês

Aprecie mais uma Playlist Opção, talvez a mais malucas de todas. É só dar Play! https://www.youtube.com/watch?v=uMaS3VDbWRE https://www.youtube.com/watch?v=3T1c7GkzRQQ&index=10&list=LLDuRM8T6yLymBOzx8AXmlOw https://www.youtube.com/watch?v=fBd94swat4M https://www.youtube.com/watch?v=HRC-gKU9NWo https://www.youtube.com/watch?v=3yd_eoMOvqk https://www.youtube.com/watch?v=p7FCgw_GlWc https://www.youtube.com/watch?v=2_HXUhShhmY https://www.youtube.com/watch?v=D7ab595h0AU https://www.youtube.com/watch?v=13D1YY_BvWU

Banda antecipa anúncio da programação do festival, que será feito no dia 28 de março, e cria evento no Facebook com data da apresentação no evento

Na canção musical, como bem percebeu Manuel Bandeira, a letra está como que “algemada à melodia”. A observação de Bandeira é bastante esclarecedora, uma vez que a melodia da canção, muitas vezes, nasce antes da letra
[caption id="attachment_90067" align="aligncenter" width="620"] "Orpheus". Detalhe de pintura atribuída a Jean François Paul Duqueylard (1771-1845)[/caption]
Bernardo Souto
Especial para o Jornal Opção
O saudoso poeta Bruno Tolentino – em artigo publicado no Jornal do Brasil em agosto de 1995, e republicado recentemente como apêndice da nova edição de sua Balada do cárcere (Record, 2016) – explica muito bem a enorme diferença que há entre poesia e letra de música:
[caption id="attachment_90070" align="alignleft" width="285"]
Poeta carioca Bruno Tolentino (1940-2007)[/caption]
Letra não é texto, é subtexto, até porque é esta a sua função. Hofmannsthal, o maior poeta austríaco do século [20], era também o autor dos libretti para as óperas de Strauss, mas não os reuniu às suas Poesias completas, pela óbvia razão de que a autonomia do poema é de outra ordem. Auden jamais sonhou incluir seus libretti para Stravinsky e Britten nos Collected longer poems, porque não são poemas, são poéticos, como bem disse o Sr. Lyra, o que não basta para se constituírem em obra literária.
Fernando Pessoa chamou à poesia ‘a música que se faz com as idéias’; os franceses chamam suas letras de paroles e não de vers... As palavras para um texto musical, mesmo erudito, não aspiram sequer à condição de arte autônoma, menos ainda à de poema. Quanto às palavrosas ‘idéias’ dos senhoritos do telecoteco, protestando contra suas “exclusões” de uma Antologia de Poetas, são apenas simplórias, bamboleiam entre o violão, o tamborim na marcação e o reco-reco. E não se trata nem sequer de coisa deles: é fruto podre de outra armação dos notórios irmãos Campos, que por sua vez copiavam (como é de seu hábito) a tese-hipótese, abortada nos anos 60, do crítico inglês Frank Kermode em favor do letrismo dos Beatles como sendo poesia. Foi-se ver, riu-se muito e nunca mais se ouviu falar dessa tolice no mundo (como se sabe, civilizado) de língua inglesa.[i]
O bardo e ensaísta Wagner Schadeck, meu companheiro de geração, também trata deste tema de forma minuciosa, no denso ensaio “Poesia, canto e canção”, publicado na Revista Amálgama (podendo ser acessado aqui).
De tempos em tempos, tal debate volta à tona. A recente atribuição do Nobel de Literatura ao cantor e compositor norte-americano Bob Dylan pôs novamente o assunto em evidência. Afinal de contas, o que de fato diferencia o poema da letra de música? Nos próximos parágrafos, direi o que penso a respeito, a fim de acrescentar algumas informações ao já riquíssimo corpus existente.
Ei-las:
Na canção musical, como bem percebeu Manuel Bandeira, a letra está como que “algemada à melodia”[ii]. A observação de Bandeira é bastante esclarecedora, uma vez que a melodia da canção, muitas vezes, nasce antes da letra (é importante salientar que canção musical não tem nada a ver com a canção poética, que é uma fôrma lírica surgida no medievo europeu). Já na poesia lírica, o campo de força sonoro, para usarmos uma expressão cara a Emil Staiger[iii], é construído através da recorrência intencional de certos sons semelhantes, tais como: rimas, paranomásias, paralelismos, aliterações consonantais, assonâncias, etc.; também é arquitetado pela cadência e pela modulação rítmica e acentual (ou seja, a melodia é intrínseca). A poesia lírica não deve ser moldada por nenhum elemento extrínseco ou exterior, sob pena de redirecionar a correnteza da linguagem, interferindo naquilo que Valéry chamou de “permanente oscilação entre som e sentido”[iv] – fenômeno que se dá no seio mesmo da esfera sonoro-semântica do poema durante a sua gestação –.
É que ritmo do poema, como bem observou Vladimir Maiakóvski, nasce do “fluxo do psiquismo”[v], que está diretamente ligado à Stimmung – isto é, à “disposição anímica” através da qual “o sujeito mergulha em si mesmo”, nas palavras de Staiger –. Ocorre que, quando existe a presença de um elemento extrínseco – por exemplo, a melodia de origem instrumental –, essa “disposição anímica” passa a ser pré-determinada, interferindo na sondagem autêntica do psiquismo profundo.
Para o poeta inglês Wordsworth, poesia é "emotion recollected in tranquility" (“emoção recolhida na tranquilidade”), recolhida dos recessos mais profundos da alma, onde medra a recordação. “O passado como tema do lírico é um tesouro de recordação”, diz-nos Staiger. É bastante significativo, a propósito, o regate etimológico da palavra recordação feito pelo ensaísta alemão: re-cordar (do latim re-cordis, que significa trazer de volta ao coração).
Fica claro, portanto, que a poesia possui uma densidade bem diversa da canção musical popular – esta, em geral, estruturada de maneira simples, visto que o seu objetivo primordial é o entertainment, o que praticamente a obriga a ser de fácil assimilação: em suma, a possuir um tecido metafórico bem menos sofisticado e um ritmo que é refém da melodia extrínseca. Além disso, como observou Tolentino, as melodias instrumentais, por via de regra, estão demasiado presas ao Zeitgeist, ao espírito da época.
Outro ponto interessante é o seguinte: tanto os textos dos salmos bíblicos como os poemas de provençais de Arnaut Daniel, de Guilhem de Poitiers ou de Bernart de Ventadorn eram acompanhados por instrumentos musicais, e não pré-moldados para se encaixar em melodias produzidas por instrumentos de corda ou de sopro.
Podemos concluir, pelo que foi dito acima, que há diferenças muito significativas entre a natureza do poema e a natureza da canção musical, o que não quer dizer que a questão esteja encerrada. É que, embora não aconteça com frequência, existem algumas letras de música que se sustêm como poemas de valor. São os casos, por exemplo, das milongas produzidas pelo grande escritor argentino Jorge Luis Borges (como a Milonga de Manuel Flores e a Milonga de Calandra), ambas incluídas pelo autor portenho em suas Poesías Completas[vi].
Bernardo Souto é bacharel em Letras/Crítica Literária pela Universidade Federal de Pernambuco e mestre em Literatura e Cultura: Estudos Comparados, pela Universidade Federal da Paraíba.
NOTAS
[i] TOLENTINO, Bruno. A Balada do Cárcere. Rio de Janeiro: Record, 2016. pp. 177- 179.
[ii] BANDEIRA, Manuel. Manuel Bandeira: Poesia e Prosa (vol. 2). Rio de Janeiro: José Aguilar, 1958.
[iii] STAIGER, Emil. Conceitos fundamentais de poética. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993.
[iv] VALÉRY, Paul. Variedades. Tradução Maiza Martins de Siqueira. São Paulo Iluminuras, 2011.
[v] MAIAKÓVSKI, Vladimir. “Como fazer versos?” in SCHNAIDERMAN, Boris. A poética de Maiakóvski. São Paulo: Perspectiva, 1971.
[vi] BORGES, Jorge Luis. Poesía completa. Barcelona: Debolsillo, 2015.

É preciso um esforço para compreender o parnasianismo segundo suas próprias premissas estéticas, o que não significa suspender o juízo contemporâneo sobre ele
[caption id="attachment_90054" align="aligncenter" width="620"] Trio do Parnasianismo brasileiro: Alberto de Oliveira, Raimundo Correia e Olavo Bilac[/caption]
Emmanuel Santiago
Especial para o Jornal Opção
Em torno do parnasianismo brasileiro, cristalizaram-se inúmeros lugares-comuns, muitos dos quais estabelecidos desde que os modernistas de 1922 tomaram de assalto as letras nacionais, imprimindo sobre a fronte da poética anterior um verdadeiro sinal de Caim. Décadas de estudos literários não foram capazes de dirimir os mal-entendidos que então se fixaram; pelo contrário, parecem tê-los reforçado. Grande parte de tal estado de coisas deve-se à maneira como, em geral, a poesia parnasiana é apresentada ao público, sobretudo por meio de antologias e materiais didáticos.
Resumidamente, “ensinar parnasianismo” no Ensino Médio é apresentar meia-dúzia de clichês (correção formal, temas clássicos, linguagem erudita, objetivismo, impassibilidade, absenteísmo político) e possibilitar a leitura de alguns poemas antológicos dos três autores mais consagrados. E só. Será que isso realmente faz alguma diferença na formação literária dos alunos — levando-se em conta que, nos três anos de Ensino Médio, não se pode esperar mais do que uma formação literária básica — ? Parece-me que não.
[caption id="attachment_90055" align="alignleft" width="214"]
Capa do catálogo de exposição da Semana de Arte Moderna de 1922, desenhado por Di Cavalcanti[/caption]
Contudo, o parnasianismo cumpre um papel importante na atual narrativa de nossa história literária. Em tal narrativa, de natureza teleológica, o parnasianismo existiria para que os escritores da geração de 1922 pudessem romper com ele, justificando, assim, o surgimento e a existência do modernismo, descrito como um movimento de combate a uma poética pedante, alienada e obsoleta. Em alguns sentidos, isso não é completamente falso, mas também não é a verdade toda; é apenas uma forma parcial de enxergar as coisas, encaixando-se na versão de um modernismo triunfante, à sombra da qual se desenvolveu a crítica brasileira do século XX.
Dessa maneira, o parnasianismo deixa de ser visto como ele de fato foi e passa a ser apreendido como aquilo o que ele deveria ter sido e não era, ou seja: o modernismo. Este, por sua vez, legitima-se na medida em que rompe com aquele outro, apresentado como seu inverso simétrico. Numa dialética estranha, o modernismo passa a ser definido pelo parnasianismo, que, como vimos, é definido tendo em vista sua oposição àquele: o modernismo passa a ser valorizado justamente por não ser o parnasianismo; na verdade, por ser o seu contrário. Em última instância, tal modelo explicativo é um círculo vicioso que não explica nada.
Assistimos, por consequência, à entronização de algumas obras modernistas que possuem um interesse puramente historiográfico, o de terem rompido com o establishment literário da época, enquanto outras obras, de fato significativas, são valorizadas não por seus méritos particulares, mas pela ausência de determinadas características associadas à poética anterior.
Não falamos do parnasianismo propriamente, mas do que ele deveria ter sido (o modernismo). De maneira semelhante, não falamos do que o modernismo foi, e sim do que ele não era (o parnasianismo). É um jogo de espelhos, em que as obras são convertidas em fantasmagorias sem substância. Se excluirmos o parnasianismo, o modernismo desaparece no ar. E, sem o modernismo, o que dizer dessa miragem conceitual chamada “pré-modernismo”, que reúne autores tão díspares quanto Euclides da Cunha, Lima Barreto, Monteiro Lobato, Graça Aranha e Augusto dos Anjos?
Avizinhando-se dos 100 anos da Semana de Arte Moderna de São Paulo, é passada a hora não apenas de revermos a posição da primeira fase do modernismo em nosso sistema literário, mas também de reconsiderarmos o consenso que se formou em torno da poética que lhe antecedeu. Sobretudo, é preciso um esforço de se compreender o parnasianismo segundo suas próprias premissas estéticas, o que não significa, necessariamente, uma suspensão do juízo contemporâneo sobre ele. Em síntese, a questão é dissociar a poesia parnasiana da imagem construída pelos modernistas de 1922.
Emmanuel Santiago é poeta e tradutor. Autor do livro de poesias “Pavão Bizarro” (São Paulo: Editora Patuá, 2014).

O médico Heitor Rosa lança novo livro no dia 31 de março, na sede do Cremego, na RuaT-27,n. 148, Setor Bueno. O livro: "A história de André da Conceição: o misterioso pintor de São Francisco de Paula". O livro, que já ganhou o Prêmio de Literatura Moacyr Scliar, é o sexto do professor aposentado e ex-diretor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG). Serviço: Lançamento: "A história de André da Conceição: o misterioso pintor de São Francisco de Paula", de Heitor Rosa Data: 31 de março de 2017 Horário: 20 h Local: Cremego, Rua T-27, n. 148, Setor Bueno, Goiânia.

Pelo Facebook, sócios anunciaram artistas que se apresentam na 19º edição do evento, que acontece entre os dias 8 e 14 de maio

Novas traduções de L’Albatros e Un voyage à Cythère, de Baudelaire, lavradas por Wladimir Saldanha
[caption id="attachment_89974" align="alignleft" width="300"] Charles Baudelaire (1821-1867)[/caption]
Wladimir Saldanha, poeta e tradutor baiano, verteu uma série de poemas de Charles Baudelaire para o português, sob uma ótica diferente, ou em uma «nova chave», por assim dizer, para a qual ele deu o nome de «Baudelérias». Já que Baudelaire é um dos poetas mais traduzidos no Brasil, a ideia, em linhas gerais, é a de não se aferrar tanto à ênfase na poética do autor, eliminando algumas nuances do original, o que, em dada medida, torna-o um poeta completamente sem humor e despido de prosaísmo. Assim sendo, recursos tradutórios como o uso do pronome você, rimas toantes, e maior atenção ao humor do autor de «As flores do mal» foram as diretrizes que Saldanha adotou para um projeto de traduzir Baudelaire – por isso, «Baudelérias», um exercício de fidelidade às avessas, modesta brincadeira a sério com o mestre da brincadeira a sério.
O leitor pode conferir, abaixo, duas traduções da série de Baudelérias, acompanhadas dos respectivos poemas originais. E já adianto que o Jornal Opção publicará, no domingo, 26, mais alguns exemplos.
Apreciem!
L’Albatros
Souvent, pour s'amuser, les hommes d'équipage
Prennent des albatros, vastes oiseaux des mers,
Qui suivent, indolents compagnons de voyage,
Le navire glissant sur les gouffres amers.
A peine les ont-ils déposés sur les planches,
Que ces rois de l'azur, maladroits et honteux,
Laissent piteusement leurs grandes ailes blanches
Comme des avirons traîner à côté d'eux.
Ce voyageur ailé, comme il est gauche et veule!
Lui, naguère si beau, qu'il est comique et laid!
L'un agace son bec avec un brûle-gueule,
L'autre mime, en boitant, l'infirme qui volait
Le Poète est semblable au prince des nuées
Qui hante la tempête et se rit de l'archer;
Exilé sur le sol au milieu des huées,
Ses ailes de géant l'empêchent de marcher.
O ALBATROZ
Vai que, por distração, a boa marujada
Faz presa do albatroz, esse avejão dos mares,
Que vai, à toa e companheiro de jornada,
Atrás da nau vogante nos cruéis algares.
Baixados ao convés, que logo se atravanca,
Os reis do azul, malamanhados e cabreiros,
Dão dó de rir com a grande envergadura branca
Das asas como remos a arrastar remeiros.
O alado capitão, como é gauche e decrépito!
De belo, é uma comédia, com a aparência cava!
É um que o bico lhe arrelia com seu pito,
É outro a imitar, mancando, quem voava!
O Poeta assim faz crer um rei que tem de aias
As nuvens, e o trovão assombra, e ri da flecha;
No exílio sob o sol e em meio só de vaias,
Gigante, quer andar – e alado, não se deixa.
[caption id="attachment_89968" align="aligncenter" width="620"]
"L'Embarquement pour Cythère", pintura de Antoine Watteau que teria influenciado Baudelaire a escrever o poema "Un voyage à Cythère"[/caption]
Un voyage à Cythère
Mon coeur, comme un oiseau, voltigeait tout joyeux
Et planait librement à l'entour des cordages ;
Le navire roulait sous un ciel sans nuages,
Comme un ange enivré d'un soleil radieux.
Quelle est cette île triste et noire ? - C'est Cythère,
Nous dit-on, un pays fameux dans les chansons,
Eldorado banal de tous les vieux garçons.
Regardez, après tout, c'est une pauvre terre.
- Ile des doux secrets et des fêtes du coeur!
De l'antique Vénus le superbe fantôme
Au-dessus de tes mers plane comme un arôme,
Et charge les esprits d'amour et de langueur.
Belle île aux myrtes verts, pleine de fleurs écloses,
Vénérée à jamais par toute nation,
Où les soupirs des coeurs en adoration
Roulent comme l'encens sur un jardin de roses
Ou le roucoulement éternel d'un ramier!
- Cythère n'était plus qu'un terrain des plus maigres,
Un désert rocailleux troublé par des cris aigres.
J'entrevoyais pourtant un objet singulier!
Ce n'était pas un temple aux ombres bocagères,
Où la jeune prêtresse, amoureuse des fleurs,
Allait, le corps brûlé de secrètes chaleurs,
Entre-bâillant sa robe aux brises passagères;
Mais voilà qu'en rasant la côte d'assez près
Pour troubler les oiseaux avec nos voiles blanches,
Nous vîmes que c'était un gibet à trois branches,
Du ciel se détachant en noir, comme un cyprès.
De féroces oiseaux perchés sur leur pâture
Détruisaient avec rage un pendu déjà mûr,
Chacun plantant, comme un outil, son bec impur
Dans tous les coins saignants de cette pourriture;
Les yeux étaient deux trous, et du ventre effondré
Les intestins pesants lui coulaient sur les cuisses,
Et ses bourreaux, gorgés de hideuses délices,
L'avaient à coups de bec absolument châtré.
Sous les pieds, un troupeau de jaloux quadrupèdes,
Le museau relevé, tournoyait et rôdait;
Une plus grande bête au milieu s'agitait
Comme un exécuteur entouré de ses aides.
Habitant de Cythère, enfant d'un ciel si beau,
Silencieusement tu souffrais ces insultes
En expiation de tes infâmes cultes
Et des péchés qui t'ont interdit le tombeau.
Ridicule pendu, tes douleurs sont les miennes!
Je sentis, à l'aspect de tes membres flottants,
Comme un vomissement, remonter vers mes dents
Le long fleuve de fiel des douleurs anciennes;
Devant toi, pauvre diable au souvenir si cher,
J'ai senti tous les becs et toutes les mâchoires
Des corbeaux lancinants et des panthères noires
Qui jadis aimaient tant à triturer ma chair.
- Le ciel était charmant, la mer était unie;
Pour moi tout était noir et sanglant désormais,
Hélas ! et j'avais, comme en un suaire épais,
Le coeur enseveli dans cette allégorie.
Dans ton île, ô Vénus ! je n'ai trouvé debout
Qu'un gibet symbolique où pendait mon image...
- Ah ! Seigneur ! donnez-moi la force et le courage
De contempler mon coeur et mon corps sans dégoût !
UMA VIAGEM A CITERA
No céu, como rodou, você que todo prosa
E solto – coração! – planava sobre amarras;
Como anjo embriagado pelo sol nas farras,
A nau quase rolava sob o céu de louça.
Que ilha é aquela, escura e triste? – “É Citera”,
Nos disse um tio, “era assunto em toda roda,
Dos jovens do meu tempo foi lugar da moda.
Repare, olhe a que ponto, ninguém diz que era.
– A ilha dos festins e ternas confidências!
Da antiga Vênus o fantasma ali assoma
E vai planar no mar como se fosse aroma
E encher o ser de amor e de malemolências.
Ilha aberta em flor, mirtais para sustança,
Louvada a mais não ser por tudo o que é nação,
Os ais dos corações em plena adoração
Rolando nos rosais como um incenso avança
Ou como rola eterno o arrulho da rolinha!”
– Citera não era mais que a terra devastada,
Um areal pedrento e azedo de zoada.
Mas uma coisa eu vi, que não se adivinha!
Não era mais o templo bom do interior,
Onde a moça vestal, a que amava as flores,
Lá ia, o corpo em brasa de íntimos calores,
Dando seus lances quando o vento faz favor;
Mas eis que, bordejando, a nau investe
Nosso velame branco de encontro às aves;
Vimos então aquela forca de três traves,
Retinta contra o céu, com agouros de cipreste.
As aves de rapina, sobre o mesmo cocho,
Destroem com furor um réu que já supura,
Calcando, cada qual, a sua broca impura
Ainda onde sangrava nesse corpo roxo;
Os olhos, duas fendas; a barriga em mossa
Com tripas recheadas a vazar nas partes
Que seus algozes, cheios de hediondas artes,
Já tinham a bicadas feito ser de moça.
Sob os dois pés, todo um tropel de quatro patas,
A farejar o ar, rodopiava em ronda;
No meio se agitava a besta mais redonda –
Carrasco e seus capangas invejando as catas.
Morador de Citera, ó filho do bom signo,
Você no seu silêncio padecia insultos
Como em expiação de seus infames cultos
E faltas que lhe negam um enterro digno.
Otário do cambão, as dores são amigas!
Eu sinto, vendo os membros a boiar pendentes,
Que já vou vomitar o que me sobe aos dentes:
O longo rio de fel das dores mais antigas;
Ante você, cabrão cuja memória é cara,
Senti os bicos todos e os maxilares
Dos corvos lancinates e seu negros pares –
panteras já freguesas de trinchar-me a cara.
– O céu encantador, o mar na maresia;
Pra mim de sangue e escuro ficou sendo o troço,
Pena! Eu tinha, como num sudário grosso,
O peito amortalhado nessa alegoria.
Na sua ilha, ó Vênus!, só achei a forca
Simbólica de pé, com minha pensa imagem...
– Ai, Deus! Pra contemplar meu corpo, dai coragem,
E o meu coração, sem nojo – dai-me força!
***
Wladimir Saldanha é poeta e tradutor. Doutor em Letras pela Universidade Federal da Bahia – UFBA, com tese sobre a poesia de Lêdo Ivo.
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O Jornal Opção divulga três partes do longo poema “A Legenda de Robert Johnson”, de Emmanuel Santiago, ainda inédito em livro
[caption id="attachment_89946" align="aligncenter" width="620"] "Robert Johnson and the Devil". Pintura de Nicola Verlato[/caption]
Teria sido o músico norte-americano Robert Johnson (1911-1938) um pactário? É o blues filho do capiroto? Tais questões fazem parte da lenda que envolve Johnson, morto ainda muito jovem. Lenda esta que tornou-se o mote para o poema de Emmanuel Santiago.
Após a leitura das três partes da “legenda”, o leitor pode ainda ouvir duas das principais músicas de Robert Johnson: “Me and The Devil Blues” e “Crossroad”.
Parte I – A origem
A alma, prenda que foi paga
com o sangue de Jesus,
Robert Johnson a vendeu,
conquistando o dom do blues.
Trabalhava na fazenda,
na colheita do algodão,
mas o branco dessa fibra
encarnava suas mãos.
Mãos de negro, carregavam
a memória dos avós:
dois escravos, entre tantos
cuja dor não tinha voz.
E por isso quis cantar:
sua dor não era muda;
arrancá-la foi preciso,
transformá-la toda em música.
Todavia, reza a lenda
que ele não levava jeito;
sua voz soava fraca,
seus acordes, imperfeitos.
Eis que, numa encruzilhada,
Robert Johnson, pertinaz,
envergou-se de joelhos,
invocando Satanás.
O Diabo então surgiu
numa grande labareda
(porém não me comprometam;
como eu disse: reza a lenda).
Parte II – O pacto
E Satã lhe perguntou:
— O que queres, afinal?
— Quero ter o dom da música,
ó Senhor-de-Todo-o-Mal!
— Estás mesmo certo disso?
Por acaso não preferes
ter dinheiro, boa vida,
serviçais, poder, mulheres?
[caption id="attachment_89948" align="alignleft" width="248"]
Robert Johnson (1911-1938), tido como o responsável por consolidar o "Blues" como gênero musical[/caption]
— Não! Aquilo que mais quero,
e meu ser inteiro o clama,
é tocar o violão
como quem empunha lâmina;
é cantar de peito aberto
(coração exposto, nu),
transbordar o sofrimento,
derramá-lo todo em blues.
— Pois que seja! Mas tu sabes
qual o preço deste acerto?
Quero que me dês tu’alma;
menos que isso não aceito.
— Como não se perde mais
o que já está perdido,
eu te dou minha alma, sim,
pois não vejo prejuízo.
O Diabo, satisfeito,
a guitarra pôs ao colo
e, afinando cada nota,
dedilhou um belo solo.
Robert Johnson assistiu
bem atento ao dedilhado
e Satã assim lhe disse:
— Vai e toca, desgraçado!
Parte III – A carreira
A partir daquela noite,
cada vez tocou melhor;
as pessoas o escutavam
e ficavam ao redor.
E trabalho não faltava;
quase não dormia, nunca;
concertou por toda parte
em centenas de espeluncas.
Mas a grana, como sempre,
era curta, muito pouca;
certas noites, só uísque
dava gosto a sua boca.
E algo estranho o perturbava,
pois, tão logo a noite vinha,
escutava um som horrível
de fazer gelar a espinha:
eram uivos e latidos,
animal feroz rosnando;
uma pérfida matilha
a correr-lhe atrás, mas quando
se virava, nada via;
pareciam cães do inferno
pretendendo enlouquecê-lo
ou levar-lhe a vida a término.
No entanto, nesses tempos,
satisfez um velho sonho:
conseguiu gravar um disco
que ninguém ouviu. Tristonho,
afogou-se na bebida,
foi perdendo as esperanças,
pois cantar a dor não cura,
nem conforta, apenas cansa.
Um consolo, ao menos, tinha:
por mais tímido que fosse,
era um grande sedutor,
um galã de lábios doces.
E por causa de mulher
nosso herói seria morto;
morreria envenenado
num funesto mês de agosto.
(...)
Emmanuel Santiago é poeta e tradutor. Autor do livro de poesias “Pavão Bizarro” (São Paulo: Editora Patuá).
***
https://www.youtube.com/watch?v=YYsnRc09csQ
https://www.youtube.com/watch?v=Yd60nI4sa9A

João Filho traduz dois sonetos que têm por tema Baruch de Spinoza, um de Sully Pruhdhomme e o outro de Jorge Luis Borges. E para complementá-los, na sequência, segue um soneto de Machado de Assis, também sobre sábio solitário
[caption id="attachment_89911" align="aligncenter" width="620"] O judeu-holandês Baruch de Spinoza (1632-1677) foi um dos maiores nomes do início do pensamento moderno, ao lado de René Descartes e Gottfried Leibnitz
[/caption]
João Filho
Especial para o Jornal Opção
Deparei-me com o soneto de Borges no livro El outro, el mismo, na sua obra poética completa. Segundo o autor argentino era o livro que mais apreciava. O soneto de Sully Prudhomme retirei do Itinerário de Pasárgada, de Bandeira; cotejei com uma edição virtual e há algumas ligeiras mudanças de pontuação, fora um erro estranho de digitação. Coisas da Internet. Conservei a de Bandeira. O “natura” do 10º verso fica, além da facilidade rímica, também pelo sabor de contração comum ao século do poeta francês. O nome do filósofo, no final do soneto, fica Bento mesmo por causa da métrica, além de condizer com o espírito do poema. O de Borges ficou em decassílabo, e o de Prudhomme em alexandrino.
ESPINOSA
As translúcidas mãos desse judeu
que lustram na penumbra seus cristais
e essa tarde morrendo é medo e breu.
(As tardes dessas tardes são iguais.)
As mãos e o seu espaço de jacinto
que empalidece no confim do Gueto
quase inexiste para esse homem quedo
que está sonhando um claro labirinto.
Não o perturba a fama, esse parelho
de sonhos com os sonhos de outro espelho,
nem o amor temeroso dessas virgens.
E livre da metáfora e do mito
lustra um árduo cristal: o infinito
mapa d’Aquele dono das origens.
SPINOZA
Las traslúcidas manos del judio
labran en la penumbra los cristales
y la tarde que muere es miedo y frío.
(Las tardes a las tardes son iguales.)
Las manos y el espacio del jacinto
que palidece en el confín del Ghetto
casi no existen para el hombre quieto
que está soñando un claro laberinto.
No lo turba la fama, ese reflejo
de sueños en el sueño de outro espejo,
ni el temeroso amor de las doncellas.
Libre de la metáfora y del mito
labra un arduo cristal: el infinito
mapa de Aquel que es todas Sus estrellas.
Jorge Luis Borges
UM HOMEM BOM
Era um homem tão doce, de saúde frágil,
Que de tanto polir os cristais de mil lentes,
Pôs a essência divina numa fórmula ágil,
E o mundo apavorado o viu como um descrente.
O sábio demonstrou, com um simples adágio,
Que tanto o bem quanto o mal são velhos dementes,
E os mortais são fantoches que devem seu ágio
Aos fios necessários de mãos descontentes.
Admirador devoto da Santa Escritura,
Não poderia ver um Deus contra a natura,
Ao qual a sinagoga se opunha raivosa.
Longe dela, polia os cristais de mil lentes,
E socorria os sábios contando astros e entes.
Era um homem tão doce, Bento de Espinosa.
UN BONHOMME
_C’était un homme doux, de chétive santé,
Qui, tout en polissant des verres de lunettes,
Mit l’essence divine en formules très nettes,
Si nettes, que le monde en fut épouvanté.
_Ce sage démontrait avec simplicité,
Que le bien et le mal sont d’antiques sornettes,
Et les libres mortels d’humbles marionettes
Dont le fil est aux mains de la nécessité.
_Pieux admirateur de la sainte Écriture,
Il n’y voulait pas voir un Dieu contre nature;
A quoi la synagogue en rage s’opposa.
_Loin d’elle, polissant des verres de lunettes,
Il aidait les savants à compter les planètes.
C’était un homme doux, Baruch de Spinoza.
Sully Prudhomme
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João Filho é poeta e tradutor, autor do livro “A Dimensão Necessária”, que foi publicado pela editora Mondrongo, em 2014, tendo sido o vencedor do Prêmio da Biblioteca Nacional de 2015, na categoria poesia.
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Por sugestão do também poeta e tradutor Wagner Schadeck, incluímos nesta publicação o soneto “Spinoza”, de Machado de Assis, que segue abaixo:
SPINOZA
Gosto de ver-te, grave e solitário,
Sob o fumo de esquálida candeia,
Nas mãos a ferramenta de operário,
E na cabeça a coruscante idéia.
E enquanto o pensamento delineia
Uma filosofia, o pão diário
A tua mão a labutar granjeia
E achas na independência o teu salário.
Soem cá fora agitações e lutas,
Sibile o bafo aspérrimo do inverno,
Tu trabalhas, tu pensas, e executas
Sóbrio, tranqüilo, desvelado e terno,
A lei comum, e morres, e transmutas
O suado labor no prêmio eterno.
Machado de Assis

Se até mesmo Deus (para os cristãos e budistas) também descansou após o trabalho de criar o mundo, tendo exercido, segundo escrituras e pergaminhos sagrados, o shâbath, também eu, simples e errante humano mortal quero, se estiver vivo, usufruir do meu descanso, da minha aposentadoria

Morreu ontem, 17 de março de 2017, o poeta santa-lucense, tido como o maior poeta caribenho de todos os tempos e um dos maiores do século XX, Derek Walcott, contando então 87 anos. Walcott caracterizou-se por estabelecer em sua obra um diálogo transversal entre a tradição poética europeia e a caribenha. O maior exemplo deste diálogo está em seu livro "Omeros", publicado no Brasil pela Cia das Letras (1ª ed. 1994; 2ª ed. 2011), com tradução e prefácio de Paulo Vizioli. Àqueles que quiserem saber da importância de Walcott, sugiro que leiam o percuciente ensaio do poeta Joseph Brodsky, intitulado: "On Derek Walcott", publicado na The New York Review Of Books, em 10 de novembro de 1983. Abaixo, segue o canto primeiro do Capítulo 1 de "Omeros", em tradução de P. Vizioli. *** I “Foi assim que, num amanhecer, nós talhamos aquelas canoas.” Philoctete sorri para os turistas, que com suas máquinas fotográficas tentam tirar sua alma. “Logo que o vento traz a notícia para os laurier-cannelles, suas folhas se põem a tremer no instante em que o machado da luz do sol fere os cedros, porque podiam ver os machados em seus próprios olhos. O vento levanta as samambaias. Soam como o mar que alimenta a nós pescadores durante a vida inteira; e as samambaias se curvaram: Sim, as árvores têm que morrer! Assim, punhos premidos nos paletós — porque estava frio nas alturas — e a respiração fazendo plumas como a névoa, passamos o rum. Quando voltou, a bebida deu ânimo para a gente se tornar assassinos. Eu ergo o machado e rezo por força nas mãos, para ferir o primeiro cedro. O orvalho me enchia os olhos, mas atiro mais um rum branco. Então avançamos.” Por algum dinheiro extra, sob uma amendoeira marinha, ele lhes mostra uma cicatriz feita por uma âncora enferrujada, enrolando uma perna das calças com o lamento ascendente de uma concha. Ela ficou enrugada como a corola de um ouriço-cacheiro. Não explica a sua cura. “Tem coisas”, sorri, “que valem mais do que um dólar.” Desde que os altos loureiros tombaram, ele deixou que uma loquaz catarata derramasse o seu segredo do cimo do La Sorcière, deixou que o grito de acasalamento da pomba-do-mato passasse a sua nota aos tácitos montes azuis, cujos regatos tagarelas, ao levá-la para o mar, se tornam charcos preguiçosos, onde os claros peixinhos disparam e uma garça-real espreita os juncos com um grito rouco, enquanto fura e perfura a lama com um pé a se erguer. Depois o silêncio é serrado ao meio por uma libélula, e enguias assinam seus nomes pela areia clara do fundo, quando a aurora ilumina a memória do rio e ondas de samambaias enormes se agitam ao som do mar. Embora a fumaça esqueça a terra de onde ela ascende e urtigas guardem os buracos em que os loureiros morreram, um iguano ouve os machados, toldando cada lente sobre seu nome perdido, quando a ilha corcovada se chamava “Iounalao” — “Onde o iguano se encontra”. Mas, sem pressa, o iguano irá escalar o cordame das lianas num ano, sua barbela em leque, seus cotovelos nos quadris, sua cauda vagarosa a mover-se com a ilha. As vagens fendidas de seus olhos amadureceram numa pausa que durou séculos, que se ergueu com a fumaça dos arauaques até que uma nova raça desconhecida do lagarto se pôs a medir as árvores. Estas eram os seus pilares que tombaram, deixando um espaço azul para um Deus único onde antes os velhos deuses se postaram. Foi o primeiro deus uma gomeira. O gerador começou com um ganido; e um tubarão, de mandíbula enviesada, mandou lascas que voavam quais cavalas sobre as águas para dentro de ervas trêmulas. Agora desligam a serra, ainda quente e trepidante, para examinarem a ferida que fizera. Rasparam o seu musgo gangrenoso, depois arrancaram a ferida da rede de lianas que ainda a prendia a esta terra, e fizeram sinal com a cabeça. O gerador chicoteou de volta ao trabalho, e as lascas voaram mais depressa ainda, enquanto os dentes do tubarão roíam por igual. Eles cobriam os olhos ante o ninho estilhaçante. Agora, sobre as pastagens com bananeiras, a ilha levantava seus chifres. A aurora escoou por seus vales, o sangue se espalhou sobre os cedros, e o bosque inundou-se com a luz do sacrifício. Uma gomeira estalava. Suas folhas uma enorme lona que perdera o suporte central. O som rangente fez que os pescadores saltassem para trás, enquanto o mastro oblíquo se inclinava devagar sobre os leitos das samambaias; depois o chão tremeu em ondas sob os pés; depois as ondas passaram.

O que encanta em “O Rei de Amarelo” não é u m segredo que devamos descobrir, ou um enigma que buscamos resolver, mas a presença de uma realidade misteriosa, uma espécie de espectro “instalado na evidência das coisas”, inacessível ao pensamento

Proposta está no livro “Os órfãos da Constituição”, de José Navarrete, que analisa as falhas do sistema democrático contemporâneo; lançamento da obra será na sexta-feira, dia 24 de março, em Goiânia

Se a tragédia, como bem percebeu Aristóteles, é a representação de homens superiores, o que faz de Lear superior? Podemos dizer que Lear é um herói trágico por excelência, pois ele concentra em si uma paixão e um desejo de ação que lhe serão fatais