Opção cultural

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Volte a andar de skate com disco de estreia da Deb and The Mentals

Primeiro álbum da banda paulistana mistura influências dos anos 1990 nos pouco mais de 28 minutos divididos em 11 faixas

Para iniciar a noite de sexta-feira com muito som

De Cream a David Bowie. Confiram a Playlist Opção dessa semana [caption id="attachment_89615" align="aligncenter" width="620"] Da esquerda para a direta: Jack Bruce, Ginger Baker e Eric Clapton: o "Cream" (1966-1969)[/caption] Segue mais uma lista das músicas que a galera da redação do Jornal Opção mais ouve durante a semana. Aperte o Play! https://www.youtube.com/watch?v=0bcrkiCPNso https://www.youtube.com/watch?v=gUGda7GdZPQ https://youtu.be/1SmxVCM39j4 https://youtu.be/h8PQQvNn6aI https://youtu.be/dvgZkm1xWPE https://www.youtube.com/watch?v=xt925dJzZUE https://www.youtube.com/watch?v=n2MtEsrcTTs https://www.youtube.com/watch?v=sHQ_aTjXObs https://www.youtube.com/watch?v=6MgUzUHoLHY https://www.youtube.com/watch?v=N4d7Wp9kKjA

Indie Book Day ocorrerá em Goiânia neste sábado, 18 de março

Evento Indie Book Day ocorrerá em Goiânia neste sábado, dia 18 de março, na livraria física da Editora Caminhos [caption id="attachment_89584" align="aligncenter" width="620"] Evento de lastro internacional, iniciado na Alemanha em 2013, agora chega ao Brasil. Goiânia está no roteiro[/caption] A ser realizado amanhã, 18 de março, o #indiebookday é um dia especial para comprar, ler, e ajudar a difundir literatura independente com quem a produz: autores, editoras e livrarias independentes. [caption id="attachment_89585" align="alignleft" width="231"] Espaço físico da Editora Caminhos promove evento do Indie Book Day em Goiânia[/caption] Em Goiânia, o Indie Book Day será realizado nas dependências da Editora Caminhos, que aproveitará esse dia especial para "pré-inaugurar" sua livraria física, focada principalmente em poesia e literatura independente. As dependências da livraria ficam localizadas na Rua 1, número 43, Setor Central. O evento transcorrerá das 14h às 21h e contará com a seguinte programação: Discotecagem: Ennio Júnior (Jazz set) e Julierme Barreira (Saliência Set) Promoções: *Todos os livros da Editora Caminhos com desconto de 50% *Chope Colombina a R$ 5,00 para quem comprar livros! Livros e zines de editoras locais: Caminhos martelo casa editorial Edições Ricochete Cânone Editorial Livros de autores independentes: Adalberto De Queiroz Ademir Luiz Carlos Edu Bernardes Carlos Willian Leite Cristiano Deveras Edival Lourenço Fal Vitiello de Azevedo Nicolas Behr Sônia Elizabeth *** ESPECIFICAÇÕES SOBRE O INDIEBOOKDAY: Você gosta de livros bonitos e feitos com esmero? No Indiebookday – ou Dia do Livro Independente – você poderá compartilhar esse sentimento com todo mundo. É muito simples: No dia 18 de março de 2017, visite uma livraria local e compre um livro. Qualquer livro que você queira. Só o que importa é que ele tenha sido publicado por uma editora independente. Então, faça um post com uma foto do livro, da capa ou sua com o livro (ou como você quiser) em uma rede social (Facebook, Twitter, Instagram, etc) ou no seu blog ou newsletter pessoal, usando a hashtag #indiebookday. Se gostar da iniciativa, convide outros a se juntarem. PORQUÊ? Há um monte de editoras independentes incríveis por aí, criando livros maravilhosos com toda sua paixão. Mas muitas delas são muito pouco conhecidas. O Indiebookday é uma maneira de ajudar a dar maior visibilidade a elas e mostrar a beleza das publicações independentes. Saiba mais: Indie Book Day Brasil  

Se cada poça dessa rua tiver um pouco de suas lágrimas, você não pode perder o aniversário da Diablo

Comemoração de cinco anos da casa noturna inclui na programação festiva Neguim Beats, DJ Cinara, DonCesão, Tropkillaz, Black Drawing Chalks, Fresno e outros artistas

Roland Barthes e o caminho até à escrita do impossível

Barthes opera sob o primado da criação/invenção. É inclusive a ideia de um imperativo de “fabricação” o que provavelmente melhor justifica sua opção por Dante Alighieri. Pois é com o poeta inventor da Vita Nova que o curso começa [caption id="attachment_89544" align="aligncenter" width="620"] O francês Roland Barthes (1915-1980) foi um dos maiores estudiosos e teóricos da literatura do século XX[/caption] Tiago Ribeiro Nunes Especial para o Jornal Opção Ao longo dos anos de 1978-79 e de 1979-80, Roland Barthes trabalhava naquele que seria o seu último curso ministrado no Collège de France. Sob o título geral de A preparação do romance (São Paulo, Martins Fontes, 2005), reúnem-se duas partes de extensão desigual cujos subtítulos são, respectivamente, da vida à obra e a obra como vontade. Ao final do primeiro ano de trabalho, no resumo encaminhado para o anuário da instituição, ele escreve: “este ano começou uma interrogação, provavelmente de longa duração, sobre as condições (interiores) nas quais um escritor, hoje, pode conceber o empreendimento da preparação de um romance”. Em seguida acrescenta: “não se trata, absolutamente, de analisar de uma maneira histórica ou teórica o gênero ‘Romance’, nem mesmo de coletar informações sobre as técnicas que diferentes romancistas usaram, para preparar seus romances”. Mais adiante, arremata: “aliás, nem mesmo é seguro que se trate de ‘romance’: esse termo antigo foi escolhido por comodidade, para sugerir a ideia de uma ‘obra’ que, por um lado, tem vínculos com a literatura, e por outro, com a vida”. Em seu curso, Barthes opta por uma abordagem da composição literária que assume para si o risco inerente a toda escrita. Seu método sugere certa afinidade com aquele do torero, “[...] cuja ação inteira funda-se sobre a ínfima, mas trágica rachadura por onde se mostra o que há de inacabado [...] em nossa condição”. Afastando-se dos dados históricos e técnicos, ele acredita poder colocar as questões de escrita em termos renovados. Seu ponto de vista, não mais obrigado a ser aquele do erudito, estaria livre para ser o do próprio escritor: afinal, tal como ele propõe, “para saber o que pode ser o Romance, façamos como se devêssemos escrever um”. [caption id="attachment_89546" align="alignleft" width="233"] Dante Alighieri (1265-1321), autor de "A Divina Comédia" e "Vita Nova"[/caption] Barthes opera sob o primado da criação/invenção. É inclusive a ideia de um imperativo de “fabricação” o que provavelmente melhor justifica sua opção por Dante Alighieri. Pois é com o poeta inventor da Vita Nova que o curso começa. Para Barthes, conforme assinala Nathalie Léger no prefácio à edição brasileira, trata-se de voltar propositalmente àquele que, na tentativa de exprimir verdadeiramente “o poder do amor e a profundidade do luto” por Beatriz, compreendeu ser imperativo fazer de sua Vita Nova uma forma literária sem precedentes: novidade “(...) fundamentada no engendramento recíproco do poema, da narrativa e do comentário”. O exemplo do poeta florentino permite articular o advento da Vita Nova à “[...] descoberta de uma nova prática de escrita”. Todavia, essa nova prática de escrita à qual se liga uma vida nova não se oferece de modo gratuito nem aleatório. A ela não se pode chegar pela simples repetição de modelos reconhecidamente bem sucedidos. Uma nova escrita somente se produz à força: é preciso deitar a linguagem no leito de Procusto, distendê-la, amputá-la. Somente assim uma escrita em particular pode romper “[...] com as práticas intelectuais antecedentes” e se destacar “[...] da gestão do movimento passado”. Mas se o conceito é o vício inerente da língua, tal como Barthes demonstra, escrever é sempre uma luta travada contra a repetição. É exatamente por esse motivo que não convém ao texto romanesco repetir a estrutura formal daqueles outros textos que o precederam: o ineditismo de sua forma/substância performatiza aquele da existência marcada, de modo singular, por um acontecimento refratário à assimilação. Mas se cada obra literária realiza algo único e irrepetível, o que dizer daqueles autores cujas obras não fazem senão retornar, obsessivamente, às mesmas questões? O que dizer, por exemplo, de Georges Bataille, cujos escritos, notadamente diversos entre si, não cessavam de remeter a um número bem reduzido de motivos: o sexo, a morte e as experiências extremas? Soma-se a esse exemplo, o de Octavio Paz, que, no prólogo escrito em 1967 para a primeira reedição do seu O arco e a lira (São Paulo, Cosac Naify, 2013), admite: de uma a outra edição “as perguntas da minha adolescência retornavam; não nos mesmos termos mas no mesmo sentido e com uma urgência semelhante. Eram outras e eram as mesmas. Eu morava em Délhi e minha vida tinha mudado, mas não as minhas obsessões”. A contradição, todavia, é apenas aparente. O produto é irrepetível, não aquilo que o motiva. Entre repetição e invenção há talvez mais cumplicidade do que oposição: a invenção não é apenas a negação da repetição, mas uma espécie de segundo tempo no qual aquilo que retorna pode finalmente ser suprassumido. No momento da criação, algo inédito aflora à consciência e o eterno retorno daquilo que não-cessa-de-não-se-escrever se transfigura, ainda que momentaneamente, em inédita expressão. Primeiro repetir, e pela repetição experimentar os limites do idioma. Depois criar, arrancar a palavra de seu solo comum e já tão degradado, forçá-la para além do que lhe é habitual. Somente pela repetição se chega ao osso, àquilo que na experiência com a linguagem apresenta-se sempre como obstáculo intransponível; unicamente por meio da invenção se poderia fabricar uma passagem que levasse do impossível de escrever à escrita do impossível. Tiago Ribeiro Nunes é professor adjunto do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão.

Uma dança do subsolo: “A Sagração” de Pina Bausch

A dança do subsolo de Bausch nos traz à mente o Inferno de Dante. Suas repetições infinitas lembram várias cenas da Comédia, tal qual a que se passa no quarto círculo do Inferno: onde os avaros e os pródigos estão divididos em dois grupos opostos e empurrando grandes pesos. Obrigados a percorrer o círculo em movimento contrário um do outro, os dois grupos se chocam eternamente e gritam: "Por que poupas? Por que dilapidas?" [caption id="attachment_89475" align="aligncenter" width="620"] Bailarinos representando a coreografia de "A Sagração da Primavera" de Pina Bausch[/caption] Paulo Guicheney Especial para o Jornal Opção Pina Bausch e Igor Stravinsky não se conheceram. Pelo menos não no sentido mais comum de "se conhecer". A “Sagração da Primavera”, a obra mais célebre do compositor russo, foi composta em 1913. Pina nasceu em 1940, e sua coreografia da “Sagração” em 1975. Stravinsky morreu em 1971. Teria o compositor aprovado o trabalho de Bausch? É óbvio que não temos resposta para isso. E qual seria a importância? Nenhuma. Assim como a obra de Bausch, e a obra de qualquer artista que mereça ter seu nome citado, a música de Stravinsky permite várias interpretações, várias leituras. É óbvio também que não qualquer leitura. Mais de 150 coreografias foram criadas desde Nijinsky, e é interessante saber que o próprio Stravinsky não aprovou a primeira versão: "Nijinsky (...) desconhecia o alfabeto musical. Ele jamais compreendeu metros musicais e não tinha uma percepção muito correta de andamento. Pode-se imaginar então o caos rítmico que foi Le Sacre du Printemps (...). E Nijinsky também não fez nenhuma tentativa para compreender minhas próprias ideias coreográficas para Le Sacre. Ele acreditava que a coreografia devia reenfatizar o pulso e o padrão musical através de coordenação constante. Como resultado, isto restringia a dança à duplicação da música e fazia dela uma imitação." Se a crítica de Stravinsky é válida ou não, temos objeto para infindáveis discussões. Novamente: qual a importância de seu consentimento? Provavelmente, nenhuma. Mais produtivo é pensar a leitura que Bausch fez de sua peça. Uma leitura separada por mais de 60 anos. Arrisquemos uma fórmula para a coreografia de Bausch: Jovem dança até a morte. O Outro olha e goza, impassível. Não seria uma fórmula para a nossa própria existência? Não poderíamos nos colocar nesse lugar? Desagradável, sim. Mas um lugar provável. Da música de Stravinsky, desta, como definiu Alex Ross, "música do corpo, ao invés da mente" Bausch extraiu o máximo. Somos todo o tempo jogados de um lado a outro, ofegantes, sujos. Parodiando Schoenberg poderíamos dizer que a: "Dança expressa tudo o que habita em nós..." A dança em Pina Bausch expressa tudo o que de pior nos habita. Uma dança do subsolo. Uma possível semelhança com a coreografia de Nijinsky – e aqui vemos um elemento tradicional na poética de Bausch – é que a música também estrutura o todo. Ela é a responsável pela forma. Tal não acontece em “Café Müller” – aqui a música está destituída de seu poder de estruturar o indizível. A música de Purcell em “Café Müller” apenas evoca, machuca. É mais uma voz na polifonia do desespero e do isolamento. Uma personagem acusmática, mas também feminina, na voz angustiada de Dido. [caption id="attachment_89476" align="alignleft" width="150"] À esquerda, Stravinsky, acompanhado do coreógrafo de "A Sagração da Primavera", Nijinsky[/caption] A dança do subsolo de Bausch nos traz à mente o Inferno de Dante. Suas repetições infinitas lembram várias cenas da Comédia, tal qual a que se passa no quarto círculo do Inferno: onde os avaros e os pródigos estão divididos em dois grupos opostos e empurrando grandes pesos. Obrigados a percorrer o círculo em movimento contrário um do outro, os dois grupos se chocam eternamente e gritam: "Por que poupas"? "Por que dilapidas?". Perguntas sem resposta. Koans do desespero. Ou a própria técnica de pergunta-resposta, com a qual Bausch trabalhou desde 1978: 1) Copie o tique de alguém; 2) Faça algo do qual você se envergonhe; 3) Escreva seu nome com movimento; 4) O que você faria com um cadáver? 5) Mova sua parte favorita do corpo; 6) Como você se comporta quando perde alguma coisa? Perguntas que geram Koans do corpo. Podemos novamente nos arriscar – ter com Pina Bausch é estar sempre no risco – e dizer que toda arte aspira à condição de Koan. E somos forçados a lembrar Dante mais uma vez, quando na quarta vala do oitavo círculo do Inferno o poeta se comove com a pena dada aos adivinhos: com a cabeça torcida para as costas, impedidos de olhar para frente, eles estão eternamente, a condição do tempo no inferno, condenados a caminhar para trás. Podemos acrescentar uma pergunta ao questionário de Bausch: Como você caminharia se sua cabeça fosse torcida para trás? Uma pergunta que evoca uma resposta do Inconsciente. "A arte pertence ao inconsciente! O artista deve expressar a si mesmo! Expressar a si mesmo diretamente! Não seu gosto, sua educação, inteligência, conhecimento ou habilidade", diz Schoenberg em uma carta a Kandinsk. Poderia ter sido dito por Pina Bausch. Não há salvação possível, sabemos disso. A vida, ou melhor dizendo, a morte não perdoa nem mesmo os atores, lembremos do recado de Bergman no “Sétimo Selo”.  Mesmo a criação artística falha, no intuito de trazer a felicidade, quando é o corpo que sofre, nos ensina Freud: "(...) a suave narcose em que nos induz a arte não consegue produzir mais que um passageiro alheamento às durezas da vida, não sendo forte o bastante para fazer esquecer a miséria real". Mas o que devemos fazer? Tudo falha. Em um momento ou outro tudo falha. É a condição da vida. "A vida torna tudo feio", disse Strindberg. Um consolo é estar a par disso e não ser simplesmente uma vítima da fúria divina. Uma vítima do descaso divino. A obra de Bausch nos conduz por uma via desagradável onde todo tipo de promessa redentora esvanece. Assim, sua obra tem o poder de nos despertar. Poder que nasce da capacidade de, utilizando as palavras do psicanalista Jacques Alain Miller, "nos oferecer o próprio dejeto como objeto de arte"; da capacidade de "(...) estetizar o dejeto, idealizá-lo, ou, como dizemos em psicanálise, sublimá-lo". Nos palcos mais chiques do mundo sua mensagem é desagradável. A mensagem-peste que insistimos em recalque celebrar. A crítica do The New Yorker, Arlene Croce, desdenhosamente descreve em 1984 a estreia da turnê da “Sagração” nos EUA: "gordinhas... que não se parecem bailarinas." E de maneira ainda mais sintomática, a partir da ideia de Belo completamente desprovido de qualquer dejeto: "ao suar os bailarinos se sujam, e o piso coberto de terra acrescenta um elemento de eca ao 'Sacre', que... fez a Brooklyn Academy... cheirar feito um estábulo". Outra crítica do The New Yorker, Joan Acocella, acrescenta: "me aborrecia seu desespero tão na moda a respeito de sua sociedade, quando seus espetáculos sobre o assunto eram generosamente financiados pela mesma sociedade que ela culpava." Mas este é um preço que todo artista irá pagar, por mais radical que seja. É o jogo de azar em uma estranha economia da civilização que marginaliza, patrocina, estabelece, canoniza, extermina a obra de arte. Não nessa ordem e não serialmente. Acocella continua: "Para mim sua visão era solipsista, até mesmo imoral, e o fato de que os artistas alemães ainda estavam de luto pelo papel de seu país na Segunda Guerra não me parecia uma desculpa suficiente. Primeiro os alemães mataram os judeus, e então nós deveríamos nos sentir mal por eles porque isto pesa em suas consciências? E uma culpa tão grande que eles têm que deslocá-la, atribuir à toda a humanidade os pecados dos anos 30 e 40 da Europa do norte?" O que Acocella não percebe é que não é a culpa pelo Shoah que deve pertencer a todos os povos, mas a ideia de que o homem é fundamentalmente mau, ou que pelo menos, não é fundamentalmente bom. Ou de que se deve sempre esperar o pior do outro, ou que pelo menos, não se deve sempre esperar o melhor do outro. Esta é uma ideia paranóica, alguém poderia objetar. Sim, na medida em que, como diz Miller: "(...) a paranóia é consubstancial ao laço social, (...) é impossível ser alguém sem o apoio de uma paranóia". É temerário acreditar no "'Eu quero o seu bem'. É preciso pouca personalidade para que se possa botar fé nisso", ainda nas palavras de Miller. Primo Levi e Imre Kertész, para citar dois autores que sentiram na própria carne a instabilidade do "Eu quero seu bem", demonstraram como a desgraça do Shoah é algo que pertence à toda a humanidade, ou seja, ele é um acontecimento de cunho universal, e não um fato restrito aos europeus do norte dos anos 30 e 40. Se esta percepção do abismo humano permeia a obra de Bausch então compreendemos o quão profunda era a visão que ela tinha de nossa existência. "As dissonâncias que o espantam falam de sua própria condição e somente por isso lhe são insuportáveis", podemos ainda opor Adorno, em um trecho de seu livro sobre Schoenberg e Stravinsky, às afirmações de Acocella. Seremos ainda nos dias de hoje forçados a lembrar que os piores estados, os mais criminosos, do século XX foram justamente aqueles que proibiram, não apenas não patrocinaram, mas proibiram, exterminaram, os artistas que questionaram o statu quo destes mesmos estados? Proibir o anormal, proibir o estranho é um convite à barbárie. Pina Bausch se encontra na contramão disso. O que ela faz é jogar em nossa cara os dejetos de nossa existência higienizada, conformada e banal. Os corpos retorcidos, perdidos, com "cheiro a estábulo", condenados a movimentos repetitivos infernais falam de todos nós. São traços que nos constituem, a você e a mim. Não são um simples fruto da simples neurose de uma artista culpada alemã. Eles representam antes, o lugar desagradável que ocupamos no mundo. "Eu amava dançar porque eu tinha pavor de falar. Quando eu estava me movimentando, eu podia sentir", diz Pina Bausch. Mal sabia ela da força deste mover-se sem palavras. REFERÊNCIAS ACOCELLA, J. Pina Bausch's zone of discomfort. Disponível em: http://www.newyorker.com/online/blogs/culture/2012/01/pina-bauschs-zone-of-discomfort.html Acesso em 19 abr 2013 ADORNO, T. W. A filosofia da nova música. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002. DANTE ALIGHIERE. A Divina Comédia. São Paulo: Editora 34, 2009. FORESMAN, R. "Pina" and paradox. Disponível em: http://www.newyorker.com/online/blogs/backissues/2012/02/pinas-paradoxes.html Acesso em 19 abr 2013. FREUD, S. O mal-estar na civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. LAWSON, V. Pina, Queen Of The Deep. Disponível em: http://www.ballet.co.uk/magazines/yr_02/feb02/interview_bausch.htm Acesso em 19 abr 2013. MILLER, J.-A. A salvação pelos dejetos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011. ROSS, A. The rest is noise. New York: Picador, 2008. WHITE, E. W. Stravinsky. Porto Alegre: L&PM, 1991. Paulo Guicheney é bacharel em música e mestre em composição pela Universidade Federal de Goiás (UFG) *** Confira, na íntegra, a coreografia para “A Sagração da Primavera”, criada por Pina Bausch, em 1975: https://www.youtube.com/watch?v=nd_ZCuqYdVE&t=475s

Tom Zé, o artista brasileiro que não pode ser fabricado

Tom Zé não depende de instrumento algum para criar música e  já existia como gênio em países que sabem valorizá-lo. Por isso é, ainda hoje, mais conhecido no exterior [caption id="attachment_89440" align="alignleft" width="620"] Tom Zé, o artista que não depende de instrumento algum para fazer música[/caption] Em 1967, a recém fundada Música Popular Brasileira (MPB), tida ainda como um movimento artístico bem mais do que como um gênero musical, saiu às ruas numa manifestação explícita bradando, dentre outras coisas, contra a guitarra elétrica. Artistas como Elis Regina, Jair Rodrigues, Geraldo Vandré, Edu Lobo e até Gilberto Gil levantavam a bandeira do "Defender o que é nosso", transformando a guitarra em um símbolo da invasão estrangeira na cultura nacional. Em que pese o idealismo de valorizar o patrimônio artístico e cultural brasileiro, Tom Zé nunca teve a pretensão de achar que sabe o que é a essência da música nacional e o que é a estrangeira. O que é instrumento gringo e o que é instrumento tupiniquim. Pelo contrário, sempre acreditou que o valor não deve ser dado aos meios, mas sim ao conteúdo que reflui — esse sim, portador da identidade cultural. O artista não deve colocar seu ego (e muito menos um instrumento musical) à frente de sua obra. [relacionadas artigos="65341"] Essa e outras opiniões estão semeadas pelo filme "Fabricando Tom Zé", obra de Décio Matos Jr., lançada em 2006 e exibida nesta semana no Cine Cultura, dentro da programação da Bienal Internacional de Cinema Sonoro (BIS), que acontece em Goiânia até o dia 26 de março. O filme acompanha momentos interessantíssimos com o artista — ora camuflado em sua equipe, no decorrer de uma turnê europeia que passa, dentre outros lugares, por Veneza, Turim e Paris; ora explicitamente, com entrevistas bem humoradas e reveladoras. Não há possibilidade de se fabricar um Tom Zé. Porque "fabricar" — um processo industrial e dependente de planejamentos, projetos, moldes e intenções objetivamente elaborados — pressupõe a replicabilidade. Tom Zé é único. Daí a ironia do título da obra de Décio que, a pretexto de tentar explicar o artista, faz uma desconstrução de seu modo de vida e, principalmente de criação musical na tentativa bem sucedida de valorizar sua vida e sua obra. Nesse contexto, Tom explica a uma câmera sempre presente, mas muito mais voyeurista do que instigante (ao contrário dos filmes de Eduardo Coutinho, por exemplo), que as suas deficiências enquanto artista padrão o levaram a desenvolver outras formas de expressão musical. Sua deficiência enquanto instrumentista ou cantor o forçaram a procurar novos instrumentos e novas vozes capazes de expressar de forma fiel sua ânsia em ser escutado. Em suas palavras, se existiam tocadores de guitarra e de enceradeira, e se já havia muitos bons guitarristas, seria ele o primeiro tocador de enceradeira. Às favas a guitarra elétrica. Ou o piano, ou o trombone, ou qualquer forma de limitação do artista em si. Como um dos expoentes do movimento Tropicalista nas décadas de 1960 e 1970, Tom Zé acabou esbarrando no ostracismo com a ditadura e o fim do movimento. "Nunca tive problemas com a ditadura. Mas que ela me fodeu, fodeu", declara a certo ponto, contando sobre seus embates com a censura. Desvalorizado por seus próprios pares, Tom Zé nunca esteve no centro das atenções. Até hoje, seu nome é muito mais exaltado no exterior do que dentro do próprio país. Entrevistas com o artista em sua terra natal, que lhe traz, até hoje, os bons ares e a calma da vida interiorana, se contrastam na tela com grandes públicos em festivais europeus. Mas isso nunca foi problema para ele. Uma sequência em especial — uma das melhores do filme — retrata uma briga entre ele, sua banda e um técnico de som do Montreux Jazz Festival, colocando para fora todo o inconformismo de Tom com a arrogância dos países desenvolvidos em relação à cultura brasileira. Afinal, talvez sua própria vida e obra reflitam, de maneira direta, os empecilhos que o estereótipo do subdesenvolvido carrega nas costas para se afirmar no exterior e no próprio país. Mas não é preciso atear fogo às guitarras elétricas. "Eles só não podem nos tratar de forma vil", declara, inconformado. Com variações entre arrogância ("o rock nacional é um rock traduzido, essa é a verdade") e humildade, principalmente nos relacionamentos pessoais ("eu to tentando, na minha vida, ter a felicidade de trabalhar sem arrebentar meu estômago, nem tratar a Neusa [sua esposa] mal"), Décio mostra que Tom é um ser humano comum, mas um artista único, com uma obra vasta e ainda bastante inexplorada. Não é possível fabricar Tom Zé. Ironicamente, no final da década de 80, David Byrne, um produtor norte-americano, sem saber que era exceção, conseguiu dimensionar para o próprio Brasil o artista que não depende de instrumento algum para criar música, e que já existia como gênio, "made in brazil", em países que sabem valorizá-lo. O cara que veio explicar para confundir. João Paulo Lopes Tito é advogado e estuda Cinema e Audiovisual na UEG

O dia em que eu fui ao show dos Mamonas Assassinas

Era uma noite de domingo em um Mineirinho não muito cheio, o que não afetou o ânimo do maior fenômeno musical brasileiro entre o final de 1995 e 1996

Um exemplo da literatura absurdista de Daniil Kharms

Leia um dos poemas desse excêntrico escritor soviético, intitulado "Um linchamento" [caption id="attachment_89410" align="aligncenter" width="620"] Poeta absurdista russo, Daniil Kharms (1905-1942)[/caption] Confira, abaixo, o poema em prosa “Um linchamento”, do poeta russo Daniil Kharms (1905-1942). Kharms pertenceu à corrente literária soviética correspondente ao dadaísmo da Europa Ocidental, que ficou conhecida na historiografia russa como “absurdista”.  A tradução que segue é de Lauro Machado Coelho, extraída da coletânea selecionada pelo próprio tradutor: “Poesia Soviética” (São Paulo: Algol Editora, 2007). *** UM LINCHAMENTO Petróv monta em seu cavalo e, dirigindo-se à multidão, faz um discurso a respeito do que acontecerá se, na praça onde hoje há um parque público, for construído um arranha-céu americano. A multidão ouve e, evidentemente, concorda. Petróv faz anotações em sua caderneta. No meio da multidão pode-se distinguir um homem de meia-idade que pergunta a Petróv o que foi que ele anotou em sua caderneta. Petróv responde que isso só diz respeito a ele mesmo. O homem de meia-idade insiste. Uma palavra leva à outra e uma briga começa. A multidão toma o partido do homem de meia-idade e Petróv, para salvar a própria pele, esporeia o cavalo e dá volta na praça. A multidão fica agitada e, na falta de outra vítima, agarra o homem de meia-idade e arranca-lhe a cabeça. A cabeça arrancada rola na calçada e fica presa num ralo de esgoto que está aberto. A multidão, tendo satisfeito as suas paixões, se dispersa.

Grupo goiano faz homenagem a grandes sambistas em show gratuito

No Teatro do IFG de Goiânia, "Samba Matuto" promete boa música, relembrando os tempos de ouro das escolas de samba do Rio de Janeiro

14 versos luxuriosos

Duas traduções de um soneto "erótico-pornográfico” do “Século de Ouro” espanhol [caption id="attachment_89379" align="aligncenter" width="620"] Desenho de Mihály Zichy (1827-1906)[/caption] A “Terça poética” de hoje oferece ao leitor duas traduções de um soneto de autoria desconhecida, retirado  de um manuscrito do Século XVII, o denominado “Siglo de Oro”, “Século de Ouro”, espanhol, no qual floresceu toda arte barroca de Espanha e também pérolas da poesia erótica ocidental. A primeira tradução é de José Paulo Paes*, a segunda, de Silvério Duque** Texto original -¿Qué me quiere, señor ? -Niña, hoderte. -Dígalo más rodado. -Cabalgarte. -Dígalo a lo cortés. -Quiero gozarte. -Dígamelo a lo bobo. -Merecerte. -¡Mal haya quien lo pide de esa suerte, y tú hayas bien, que sabes declararte! y luego ¿qué harás ? -Arremangarte, y con la pija arrecha acometerte. -Tú sí que gozarás mi paraíso. -¿Qué paraíso ? Yo tu coño quiero, para meterle dentro mi carajo. -¡Qué rodado lo dices y qué liso! -Calla, mi vida, calla, que me muero por culear tiniéndote debajo. *** Tradução de José Paulo Paes — Que quer de mim, senhor? — Filha, foder-te. — Diga com mais rodeios. — Cavalgar-te. — Diga ao modo cortês. — Então, gozar-te. — Diga ao modo pateta. — Merecer-te. — Bem hajas que consigo compreender-te e mal haja quem peça de tal arte. Depois, o que farás? — Arregaçar-te e com a pica alçada acometer-te. — Tu sim hás de gozar meu paraíso. — Que paraíso? Eu quero é minha porra metida bem no fundo do teu racho. — Com que rodeio o dizes, tão precioso! — Caluda, amor, que de prazer já morra, fodendo-te, eu por cima, tu por baixo. *** Tradução de Silvério Duque – De mim, o que quer, Senhor? – Moça, foder-te. – Diga-o com mais rodeios. – Cavalgar-te. – Diga, ao modo cortês. – Quero gozar-te. – Diga-mo feito um bobo. – Merecer-te. – De certo, muito fiz por receber-te, e fi-lo bem, pois sabes declarar-te! – E logo, o que farás? – Arregaçar-te, e, com minha pica em riste, vou comer-te. Tu gozarás, enfim, em meu paraíso... – Que paraíso? Eu quero é o teu rabo e nele enfiar inteiro o meu caralho. – Diga-mo, então, de um modo mais preciso! – Cala, minha vida, cala, que eu me acabo, tilintando em teu cu com o meu vergalho. * José Paulo Paes (1922-1998) foi poeta, tradutor, ensaísta e crítico literário paulista, autor do livro “Anatomias” (1967). ** Silvério Duque (1978) é poeta, tradutor e músico baiano, autor dos livros “A pele de Esaú” (2010), “Ciranda de Sombras” (2011) e “Do coração dos malditos” (2013).  

Conselho de Arquitetura e Urbanismo dispõe de R$ 60 mil para patrocinar projetos diversos

Terminam nesta sexta-feira, 17, as inscrições para o edital de patrocínio do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU-GO). O edital foi aberto no dia 1º de fevereiro. Os interessados devem providenciar toda a documentação e ingressar com a solicitação na sede do Conselho, na Vila Maria José, em Goiânia. Feiras, palestras, cursos, exposições, publicações e produções audiovisuais, entre outros projetos, se enquadram na chamada pública. As propostas podem ser de âmbito municipal, estadual, regional, nacional ou mesmo internacional, desde que sejam executadas em território goiano. A verba disponível para o edital é de R$ 60 mil, valor que será dividido em cotas menores a serem distribuídas entre as propostas aprovadas. Serviço Chamada pública de patrocínio Inscrição e recebimento dos projetos e documentos de habilitação: de 1° de fevereiro a 17 de março Local: Sede do CAU/GO (pessoalmente ou por correio) Endereço: Av. Eng. Eurico Viana, 25, ed. Concept Office, 3° andar, Vila Maria José, 74.815-465, Goiânia – GO Divulgação dos projetos habilitados: 31 de março Prazo final para assinatura do convênio: 6 de abril

Leilão de “livros de esquerda” vende 310 obras (de Fidel a Cecília Meireles)

Com lances iniciais de R$ 10, o leilão reúne uma seleção variada de autores No mesmo dia em que vão ocorrer protestos em todo país organizados por centrais sindicais e movimentos sociais, acontece também um leilão de "livros de esquerda". A venda acontece via internet e oferece livros dos mais variados autores, de Fidel Castro a Mikhail Gorbachev; de Huxley a Shakespeare; de Guimarães Rosa a Cecília Meireles. Também tem Machado de Assis, Graciliano Ramos, Mário de Andrade e Guido Mantega (sim, o ex-ministro da Fazenda nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff). A selação é variada e, se há panfletários, há também obras de pensadores. Gilberto Freyre, que comemoraria seu aniversário de 117 anos neste 15 de março, é apenas um deles. Vale à pena dar uma olhada, mesmo que o leitor não seja de "esquerda". Quem quiser ver os livros do leilão é só acessar o link (http://migre.me/weHRm), se cadastrar e dar seus lances.

Literatura filosófica de amor e de ódio

Em “Desconstruindo Sofia”, de Solemar Oliveira, testemunhamos a obsessão de um matemático em encontrar a ex-esposa, chamada por ele de Sofia (será mesmo o nome dela?), madrugadas adentro pelas zonas de prostituição de uma cidade não nomeada

Pra não dizer que não falei da corrupção

[caption id="attachment_89145" align="alignleft" width="620"] "Justiça combatendo a Injustiça” (1737), pintura de Jean-Marc Nattier[/caption] Leonardo Teixeira Especial para o Jornal Opção Articula-se pelas redes sociais um movimento aparentemente apartidário para protestar nas ruas brevemente. Seria um déjà vu (na tríade “Fora Collor, Fora Dil­ma, Fora Temer”), como se algum dos políticos engravatados fosse compadecer da situação e abrir mão (e a carteira) das suas regalias no reino. A exemplo dos 30 mi­lhões anuais (em média), quantia gasta com um único político. Ou ainda mais esses exemplos: a aposentadoria rápida, os as­sessores nepotistas, as verbas indenizatórias, os planos médicos, os litros diários de gasolina, as passagens aéreas ou a imunidade parlamentar. Reza a lenda caótica que santo de casa não faz milagre. Mas o texto de hoje não tinha a pretensão ácida no mesmo tom dos dedos apontados – tão rijos e castos –, rumando alvos distantes, diretamente nos erros alheios; ou da velha verve que se diz julgadora superior da errante raça humana. Atiraram a primeira pedra e um turbilhão de achincalhes é metralhado em plena era digital sem fakes ou melhores looks. Nem a rebelião de Luke Skywalker, ou suas palavras sobre a força podem amenizar os desvios de conduta humana e seus gostos pelo lado negro e bizarro da coisa toda. Se até mesmo a nossa ficção parte de uma premissa mentirosa (que o diga qualquer ator teatral), nosso entretenimento também prioriza o riso grotesco. Cito como exemplo o apreço pelos vídeos idiotas do WhatsApp, as pegadinhas e cacetadas e demais similares. Quan­do o show de um mágico está ficando sem graça, ele apela para a guilhotina de braço. A ameaça de decepar o braço alheio craveja os olhos de suspense e emoção. To­dos os humanos são bipartidos à ma­neira yin-yang de ser. Essa é uma das poucas regras sem exceção. Eis o lado malvado, sem ser favorito, que brota quando ninguém está vendo. O jeitinho malandro de levar vantagem ultrapassa limites racionais. Sendo capaz, inclusive, de estar presente no momento de uma catástrofe ou grave acidente, quando mais é necessária a ajuda alheia. Quantos relatos não há sobre algum ser humano iluminado (pelas chamas infernais) que furta a mala, aliança, carteira, celular, óculos e roupas, em vez de prestar socorro? Por isso, ante um tombamento de caminhões, as pessoas frequentemente ameaçam ou machucam os motoristas e levam as cargas derramadas. Há poucos dias mesmo, vi a notícia de que dezenas de pessoas pararam os seus carros e os encheram com frascos de óleo de cozinha (que seriam distribuídos nos supermercados) que estavam dentro de um caminhão tombado. Não imagine que tais saques são novidades modernas. No museu de Turim há um papiro do reinado de Ramsés V (1145 a.C.) que menciona os roubos, saques e greves. Sem falar do antecessor Ramsés IV, cuja corrupção “endêmica” no governo do antigo Egito foi mencionada em um papiro (Harris) de mais de 40 metros de comprimento. Este sujeito saqueador é o mes­mo indivíduo que critica a corrupção brasileira, fala mal dos outros, dos partidos, dos bandidos. Tem uma noção tosca sobre errinhos e er­rões, pecadinhos e pecadões. Não se pode desviar dinheiro público, des­viar verbas, superfaturar obras, abusar de propinas robustas, levar van­tagens ilícitas, mas muitos acham que é normal falsificar carteirinha de estudante, furtar e burlar sinal de TV a cabo, comprar e vender produtos falsificados, furar filas, colar e passar cola nas provas (ou copiar trabalhos, textos e artigos da internet), bater ponto e assinar lista de presença para colegas de trabalho ou de estudo, apresentar atestados médicos falsos, inventar uma justificativa (as mentiras tidas como socialmente necessárias), vender ou comprar o voto, estacionar em vagas especiais (ainda que seja rapidinho), falsificar assinaturas, declarar informações falsas no imposto de renda (omitir ou comprar notas), receber troco a mais e não devolver, não dar nota fiscal (ou o valor correto), desrespeitar lugares reservados em ônibus, cinema, teatro, estacionamento etc, levar para casa enfeites de festa que não são cortesia, tentar subornar o policial ou guarda de trânsito, burlar normas de trânsito (sinais, parar em filas duplas, andar pelo acostamento ou em pistas reservadas a ônibus, e “gatos” por exemplo), desrespeitar normas trabalhistas, pagar multas e continuar desobedecendo a lei, jogar lixo pela janela ou nas ruas, receber auxílios sem necessidade (moradia, deslocamento, verbas de gabinete, despesas extras) etc. Ufa! Que textão! Você ainda está aí? Esse é o mesmo ser humano que se acha no direito de queimar um índio, um menor abandonado, um mendigo, ou qualquer outra pessoa que esteja numa pior, na sarjeta do mundo, ou sofrendo os preconceitos de uma minoria. Uns se diferenciam dos outros pelas escolhas diárias, pelos limites comportamentais etc. Mas é a mesma criatura humana, benevolente quando quer, mas diabólica ao extremo, frequentemente encontrado numa situação extremista ou terrorista. É o mes­mo que sai bradando o seu legítimo protesto, com cartazes e tintas típicas da bandeira, sem conhecer a própria hipocrisia, como um peixe que nada pelo rio sem saber que está na água... No livro “Raízes do Brasil” (1936), Sérgio Buarque Holanda cita nossos ancestrais e colonizadores europeus imersos nas imoralidades históricas e isso se “refletiria nas suas relações com outros indivíduos, instituições, leis e a política”. Curioso o fato de Platão, em sua “utopia republicana” ter falado que “a justiça e a honestidade apenas acontecerão na política quando os governantes forem amantes da sabedoria (filósofos), ou os amantes da sabedoria assumirem o governo”. Depois, em seu livro “As Leis”, ele já não confiava mais na incorruptibilidade de um governante sábio. Isso no mundo onde os filósofos sofistas foram acusados de corruptores da linguagem. Aristó­teles escreveu sobre corrupção no livro “A Geração e a Cor­ru­pção”, apesar de cunho mais metafísico e biológico. Em tese, todos os seres naturais possuiriam uma su­bstância e uma finalidade. Quando a substância de algum ser, ou sua finalidade, se modifica, este ser se corrompe, degenera, se perverte. A morte é a corrupção da vida, e tudo se corrompe quando não cumpre sua finalidade, ou a deturpa. Moral da história: corrupção é um problema ético, pessoal e cultural. Qualquer reflexo político é mero esparramar de fragmentos humanos. Podemos ao menos frear pequenos impulsos diante do que chamamos de corrupções menores. Se colocar verdadeiramente na frente de outra pessoa e pensar algo como “se fosse comigo, eu gostaria disso?” Era pra ser um texto mais ameno, talvez algo sobre o formato tosco e irregular de um brócolis, uma miniárvore antes de ser digerida. Antes que a música, de apenas dois acordes, símbolo das manifestações (“Caminhando e cantando...”) — seja amplificada a plenos e múltiplos pulmões — sigam nas várias direções do país, quem sabe possamos refletir como melhorar nossas próximas ações e condutas? Até a próxima página! Leonardo Teixeira é escritor