Podem até questionar a obra poética de Tagore Biram, principalmente acadêmicos obesos e sebosos de presunção e acadêmicas besuntadas com o cosmético da confraria, mas não podem tirar-lhe os méritos conquistados

Valdivino Braz

Especial para o Jornal opção

O poema “Prólogo”, de Tagore Biram, encontra-se, em russo e português, no livro “O Anjo Desafinado”, de sua autoria. Este foi o primeiro livro a ser premiado, em 1987, pela Bolsa de Publicações Cora Coralina, então criada pelo governo de Goiás. Referido poema foi por mim publicado aqui mesmo, no Opção Cultural, em 2007, como parte do artigo “Sobre Tagore  Biram”, redigido alusivamente aos nove anos de sua morte, ocorrida em 13 junho de 1998, na cidade de Tirúa, no Chile, país onde ele residia desde 1996. O poeta morreu aos 40 anos de idade. Consta que em Tirúa um centro cultural leva seu nome, homenagem de amigos que por lá cultivava.

Tagore deixou no Chile vários amigos, e os tinha também em Goiás, os que o conheciam mais a fundo, assim como tinha os inimigos, muitos dos quais, de público, ele mandava à pqp. Com Tagore não tinha meios-termos. Tirado do sério, quando se sentia ofendido ou humilhado, dava o troco na hora, e proferia seu revide com palavras nuas e cruas, mesmo na presença de distintas e emperucadas madames.

Com tempo, o poeta amadureceu e refinou um pouco seus modos, tornou-se verbalmente mais comedido, mais sociável no trato com as pessoas, inclusive com os garçons dos botecos — por vezes era meio ríspido com eles, e se melhorou neste aspecto, creio que um pouco foi por instância minha, que sempre o repreendia, lembrando que também fui garçom e sei bem o que é esse negócio de se dizer que freguês sempre tem razão. Parece que ter deixado Goiânia o beneficiou neste sentido da amabilidade. Mudança de ares. Foi viver em Campo Grande (Mato Grosso do Sul), antes de se mudar para o Chile, primeiramente retornando a Goiânia e aqui permanecendo por alguns dias, para verificar que o clima lhe era adverso: ele não conseguiu emprego em jornais, como pretendia, não encontrou espaço nem oxigênio, então decidiu partir.

Certa noite, coisas de uns dois dias antes de sua partida, ele apareceu em minha casa e vinha com as suas pastas de poemas debaixo do braço; disse que tinha discutido com seus familiares, mas não dava detalhes, e que ia embora para o Chile. Era noite, ele estava abalado, meio que em estado de choro. Queria que fôssemos beber, e eu bem que teria ido, solidariamente, mas estava mal dos brônquios, tossindo forte e dolorosamente; achava-me depressivo e sem o mínimo ânimo; disse isso a ele, que se mostrou contrafeito e fez menção de ir embora. Indaguei se ele iria para o hotel, onde costumava pernoitar, no centro de Goiânia, ele meio que deu a entender que sim, se despediu e se foi. Olhando-o se afastar pela rua, dentro da noite, mortifiquei-me ao sentir o quanto, naquela hora, ele precisava de um amigo. Fiquei doente de alma, por isso.

Daí a mais um dia, o poeta me telefonou para se despedir de vez, dizendo que estava de saída e que me escreveria do Chile, como realmente fez algumas vezes. Não mais o vi, senão morto. Nas cartas, falava de sua vida por lá e me remetia livros seus publicados em espanhol pelo seu amigo e editor Sergio Ramón Funtealba, com qual, após a morte de Tagore, eu vinha trocando correspondência, e a quem, por último, enviei de presente quatro livros meus, além de uma longa carta, creio que cerca de quatro laudas, sobre os mesmos, e também falando de Tagore. Como não me veio resposta desta vez, e já se vão alguns anos me pergunto o que terá havido, se foi extravio de correio ou se o extraviado fui eu tagarelando — pedante? —, sobre o meu caráter poético e minhas obras imperfeitas. Mais como justificativa do que pedanteria, me parecendo que os poetas, às vezes, se sentem constrangidos por serem poetas no desgraçado mundo de hoje.

O poema “Prólogo” foi declamado por Tagore Biram em Moscou, em 1985, quando lá esteve participando do Festival Internacional da Juventude, promovido por Mikhail Gorbachev. Declamou-o durante reunião noturna de poetas de várias partes do mundo, ao que se sabe, num teatro grã-fino da cidade — não temos o nome do teatro. O certo é que a empolgada declamação foi simultaneamente traduzida para mais de 50 línguas. De acordo com testemunha ocular goiana, o poeta foi ovacionado de pé, aos brandos de “Bravol! Bravol!”, e ninguém menos do que o poeta Ievtuchenko lá estava, na plateia, aplaudindo efusivamente. E o poema foi publicado, no original e em russo, na primeira página do “Jornal do Escritor Soviético”, do qual Tagore me trouxe um exemplar.

Sem dúvida, aquele recital foi uma noite de glória para ele. Imagine-se, com isso, a cara roxa da inveja goiana. Sem falar nas belas soviéticas que, ainda segundo o testemunho, Tagore arranjou e, mesmo sem conhecer o idioma, namorou no Parque Lênin, aos pés da estátua do próprio. Vale lembrar que, em Goiânia, não só por seus modos rebeldes, mas também pelo seu “dom” de conquistador, com a lábia poética da felicidade, era dado a paquerar as namoradas dos outros, enquanto degustava a cerveja paga por eles (risos). Por essas e outras, alguns o tomavam por persona non grata.

Podem até questionar, em aspectos, a obra poética de Tagore, principalmente acadêmicos obesos e sebosos de presunção, e acadêmicas besuntadas com o cosmético da confraria, mas não podem tirar-lhe os méritos conquistados, ele que chegou onde nenhum outro poeta goiano já esteve, nem mesmos os acadêmicos que o criticavam. E nem lhes conto o que rolou de inveja quando Tagore foi a Moscou; a bile invejosa.

Valdivino Braz é poeta e jornalista. O texto foi publicado no Jornal Opção, na edição de 20 a 26 de abril de 2008.