BaianaSystem encanta 7,5 mil pessoas na sua primeira passagem pela capital

24 maio 2017 às 17h58

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Quinta noite do festival teve histeria da plateia ensurdecedora da Scalene, além da estreia da banda de Salvador (BA) em Goiânia, que transformou o público em pipoca

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“Até porque a vida ainda parece longa.” O verso, retirado da canção Um Charme, da banda Raça (SP), foi a uma das primeiras coisas que escutei ao chegar à Esplanada JK do Centro Cultural Oscar Niemeyer (CCON) na sexta-feira (12/5). Era a quinta noite da 19ª edição do Festival Bananada. No Palco Spotify, uma versão melhorada da experiência que deu certo em 2016 com o Palco do Mancha, Popoto (vocal e guitarra) e sua banda faziam um bom show.
Depois de uma generosa sequência indie que serviu como um bom cartão de visitas para o restante da noite, Popoto, Tamashiro (guitarra), Novato (vocal e baixo) e Thiago (bateria) se despediram do festival, sem antes agradecer a oportunidade ao curador do palco, Mancha. “Esse é nosso primeiro festival grande, nosso primeiro festival fora de São Paulo. […] E aí, Bananada, vocês gostaram?”, perguntou ao já bom público o vocalista Popoto.
O primeiro artista a se apresentar no Palco Skol foi o pernambucano Barro. Já eram 20h35, com 35 minutos de atraso, quando ele, Ricardo Fraga (bateria, samplers e baixo) e Guilherme Assis (baixo, sintetizador, teclado e sampler) subiram começaram a mostrar o disco Miocardio (2016). E o início da apresentação de Barro seguiu a ordem inicial do álbum, com Vai e Ficamos Assim. O sotaque e as misturas de estilos nordestinos em uma MPB que dialoga com outras sonoridades fez parte do público dançar.
Os versos “E nos perdemos tanto/Que a gente nem sabia/Se era meia-noite/Ou o sol do meio-dia“, da música Poliamor, agradaram quem ainda não conhecia o recifense estreante no Bananada. “Primeira vez em Goiânia, primeira vez no Centro-Oeste, lançando o disco Miocardio“, agradeceu Barro. Piso em Chão de Estrela manteve embolada a mistura de referências culturais do artista. “Fora, Temer. Fora todo mundo que queria roubar o que é nosso. ‘Vamo’ ficar esperto.”
“Chega de machismo”
Ao anunciar a banda carioca Ventre por volta de 21 horas, o produtor Carlos Miranda falou sobre o show que o trio fez com os paulistanos da E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante no Teatro Sesc na terceira noite do Bananada. Mas chamou o grupo de “E A Terra Tão Distante” e não entendeu bem quando o público tentou corrigi-lo.
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Depois de cinco minutos de espera, a baterista e vocalista Larissa Conforto falou “primeiramente pela legalização do aborto”. “Chega de machismo, chega de racismo, mais amor por favor”, deu nota inicial ao show Larissa. E a Ventre iniciou sua apresentação com Quente, encerrada com a baterista: “Respeita as mina, porra!”.
Se na segunda vez que se apresentou em Goiânia, no mesmo Bananada, a Ventre ocupou um pequeno desmontado e refeito palco de madeira Casa do Mancha no cantinho da Esplanada JK do CCON em 2016, em seu quinto show na capital goiana o trio ganhou espaço no Palco Chilli Beans, o principal da estrutura do festival em 2017. E o número de pessoas que sabia cantar todas as músicas aumentou junto com a importância dada para a banda na programação, que se apresentou duas vezes na 19ª edição.
Bailarina parecia um hino cantado pela plateia em coro e gritos. Quem não conhecia se assustava como tanta gente acompanhava cada verso cantado pelo vocalista e guitarrista Gabriel Ventura e Larissa. Carnaval antecedeu Mulher, quando Gabriel e Larissa se alternavam nas partes interpretadas por cada um. Foi quando Larissa agradeceu com um “obrigado demais, gente”. “A gente fica esperando o ano inteiro para tocar aqui.”
E ela aproveitou o espaço para pedir aos homens que prestem mais atenção a seus atos. “Homens nascem estupradores em potencial. O que difere vocês de estupradores são seus atos.” As palavras da baterista eram acompanhadas por palmas e gritos de mulheres na plateia que já conheciam os discursos feministas de Larissa e quem a via pela primeira vez ao vivo. “Você precisa olhar para o seu amiguinho do lado e falar ‘velho, tá feio’. Vamos junto com as minas vocês também, homens”, disse Larissa.
Em seguida veio a forte Peso do Corpo, que deu espaço para Pernas. Descalço no palco, Gabriel repetiu o que disse dois dias antes no Teatro Sesc Centro: “a gente se força a acreditar que a nossa música é mais do que entretenimento”. Outro com os pés no chão era o baixista Hugo Noguchi, que preferiu só tocar e deixar as falas para Gabriel e Larissa. Ao pedido de bis do público, a banda atendeu com Aperto e um Beijo, que fecha o disco de estreia do trio. Era o fim de mais um show maravilhoso da Ventre em Goiânia.
Herdeiros musicais de Gilberto Gil
Às 21h50 foi a vez da banda Sinara (RJ) subir ao Palco Skol, com os herdeiros musicais e genéticos de Gilberto Gil. Luthuli Ayodele (vocal), João Gil (guitarra), Francisco Gil (voz e guitarra), José Gil (bateria) e Magno Brito (baixo) mostraram seu bom disco de estreia Menos É Mais (2017).
Com o single Sem Ar em evidência nos principais canais de músicas das TVs por assinatura, o grupo mostrou que tem bastante carisma e qualidade ao vivo. A sua música, que é definida por eles como “o gênero que se sente”, que vai da favela ao rock, reggae, asfalto e atitude, não deixa de lado as raízes da MPB do pai e avô com uma cara nova e chamativa. Vale procurar em qualquer plataforma na internet se você perdeu o show da banda.
No meio da apresentação, corri para a frente do Palco Spotify, que para mim continua sendo Casa do Mancha, às 22h10. Era hora da E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante (tá, Miranda?) fazer um belo show instrumental de pós-rock. Aliás, os palcos Spotify e Slap, à sombra dos dois maiores, reuniram bom público em toda a sexta-feira. Teve gente que até abriu mão das chamadas atrações principais do Bananada para ver as boas apresentações da Branda, Magaly Fields (Chile), The Baggios, Luziluzia, Raça, Plutão Já Foi Planeta e Hierofante Púrpura.
Mas o quarteto E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante, ou apenas EATNMPTD, formado por Lucas Theodoro (guitarra e sintetizadores), Luden Viana (guitarra), Luccas Villela (baixo) e Rafael Jonke (bateria), atraiu a atenção de muita gente desde a primeira música, Dayanny, a mais nova da banda. Depois veio a boa Pequenas Expectativas, Menores Decepções.
Muita gente tende a cansar de um show todo instrumental por não estar acostumado a ouvir uma banda sem a presença da voz nas canções. Mas a terceira música do show da EATNMPTD, Medo de Tentar, é uma prova de que quando as viradas e melodias são bem compostas a pessoa que ouve nem tem tempo de sentir falta do vocalista. Medo de Morrer, com abuso do sintetizador, veio em seguida.
Antes de encerrar a apresentação com PMR, o guitarrista Luden falou algumas palavras. “Eu sei que a noite é de festa, mas não dá para vir a Goiânia e não falar de Mateus Ferreira da Silva, que foi brutalmente agredido por um policial. Essa última música vai para ele, a família dele e para todo mundo que luta.”
Sambão do bom
Quando alguém falava “o irmão do Emicida toca hoje no Bananada”, a primeira ideia que se tinha era a de mais um show de rap. Mas Fióti (SP), que usa a base de letras no estilo do rap, transforma as rimas em bons sambas. Com toda a sua banda, formada por Mônica (guitarra), Digão (baixo), Sivuca Sete Braço (bateria) e Fred (trombone), de branco, Fióti apresentou seu show Gente Bonita.
Eram mais de 22h40 e muita gente dançava na plateia. “Fora, Temer” vindo do público e “Do iapoque ao Chuí, é isso que eu sou/Mistura de tupi com sangue de nagô/Herdeiros de zumbi, batuque de tambor/Brasil é isso aí em todo canto por onde for” do Palco Chilli Beans com a bela canção Obrigado, Darcy, em referência a Darcy Ribeiro.
Seu rap em ritmo de samba ou seu samba em letras de rap foi bem recebido por um grande público, que até a madrugada de sábado (13) chegaria a 7,5 mil pessoas. Leve Flores, que no disco tem participação de Anelis Assumpção, é um reggae da melhor qualidade, e que manteve a boa conexão de Fióti com o público do Bananada.
“Falta uma pitada de amor no lance/Só um pouco pra ser romance/E eu ando louco atrás da chance”, de Pitada de Amor, deixaram uma boa impressão no final do show de Fióti.
Das danças dos casais na plateia, o clima da plateia mudou para uma histeria jovem na frente do Palco Skol. A partir das 23h10, quando Gustavo Bertoni (vocal e guitarra), Tomas Bertoni guitarra), Lucas Furtado (baixo) e Philipe Makako (bateria e vocal) começaram o show da banda Scalene (DF), uma histeria sem fim acompanhada de dez músicas cantadas do primeiro ao último verso tomou conta do Bananada.
Do álbum Éter (2015), Sublimação foi a escolhida para abrir o show pela Scalene. Os versos “Tudo girou e o que era meu/Agora é seu“, usados aqui com outro sentido, traduzem muito bem o que aconteceu com a banda, que agora vê suas letras fazendo mais sentido quando são cantadas por pessoas que pagam para ver seus shows. Até os coros eram cantados com emoção pela plateia.
A cada intervalo de música no show, o público se tornava um sem fim de histeria e gritos agudos. Foi aí que Histeria casou muito bem com o momento vivido pela Scalene. “Já me sufoquei/Dei adeus ao controle/E o prazer que busquei/Agora me consome. A segunda canção do show deu lugar a uma sequência Sonhador I e Sonhador II, na mesma ordem que as músicas aparecem no DVD Ao Vivo Em Brasília (2016). Um desavisado poderia muito bem achar que as duas músicas são uma só.
Surreal, do disco Real/Surreal (2013), mantem a sintonia entre banda e público em um ritmo mais calmo, que casa bem com Entrelaços, do single Entrelaços/Inércia (2016). Vultos traz um lado mais pesado da Scalene ao show. O final da apresentação é um agrado da banda aos fãs, com Danse Macabre, do primeiro álbum, e Legado, do segundo. Depois de tirar foto com o público, os quatro descem do palco, cumprimentam quem está na grade e saem pela lateral, no meio da plateia.
Encantamento imediato
Para muita gente Akua Naru (Estados Unidos) era apenas um nome na programação da sexta-feira do Bananada sem dar muita atenção. Bastou a americana cantar a primeira música para criar uma conexão imediata com o público no Palco Chilli Beans. A mistura ao vivo de Hauryn Hill e Nina Simone encantou aos desavisados e cativou os curiosos.
Era meia-noite, já com uma hora de atraso para o horário marcado, quando Akua Naru brincou com a plateia e chamou a todos para cantarem junto. “I wanna know if you’re preparados”, arriscava algumas palavras em português a cantora. Além dela, seu time, a Live Band, valia cada centavo do ingresso.
“I came here to make you a ‘pregunta'”, continuou Akua Naru. Com belas canções que misturam rap, jazz, blues e soul como Poetry: How Does It Feel?, The Journey e The Ride, a cantora botou a plateia no bolso. “I need you to rap with me as hard as you got”, convidava Akua.
Em um momento mais do que especial, Akua Naru fez uma homenagem a Nina Simone com o refrão de Feeling Good na canção Nag Champa. Enquanto uma das backing vocals cantava o refrão de Nina Simone, Akua mostrava seu flow ao público. “Do you love funk music?”, perguntava a cantora ao público que, já conquistado pela apresentação, aceitava funk, soul, rap, blues ou o que viesse do palco. Fernando Carmo, o DJ NYACK (Emicida), comentou horas depois enquanto voltava para São Paulo: “Esse foi o melhor show dela na turnê brasileira até agora”.
Se o encanto com o quanto as mulheres já tinham feito bonito nos palcos principais do Bananada era grande, ele só aumentou quando a cantora Céu começou seu show e mostrou tudo que já fez em sua carreira, que brilhou ainda mais com o disco Tropix (2016). Rapsódia Brasilis, Perfume do Invisível e Arrastar-te-ei criaram, já no início da apresentação, uma hipnose sonora e visual impossível de ser interrompida até o fim do show da paulistana.
Até chegar em A Nave Vai, o público já tinha levantado voo com Céu há muito tempo. Se a plateia estava nas gravas da voz e inquestionável presença de palco da cantora, fotógrafos e profissionais da imprensa tinham dificuldades para registrar o show, seja com fotos ou vídeos para material dos veículos nos quais trabalham.
Tudo isso graças a um sistema para lá de questionável que resolveu privilegiar convidados e patrocinadores, que já tinham uma área destinada só para eles na distribuição de espaços do festival. A partir do show da Céu, esses mesmos vips começaram a atrapalhar bastante o trabalho de quem não estava ali para aparecer nas redes sociais do festival com a hashtag #humansofbananada ou ganhar bebidas e se sentir importante.
Dubstep popular baiano
Se no show da Céu o problema havia começado, quando os soteropolitanos da BaianaSystem começaram seu inédito show em Goiânia na madrugada de sábado, até trenzinho de convidados que esbarrava nas lentes de fotógrafos rolou. Fora os problemas para quem trabalhava na cobertura do festival, que a banda de Salvador (BA) nada tem a ver com isso, o público não teve do que reclamar do festival.
E os 7,5 mil presentes ganharam um belo show impecável de encerramento. A Esplanada JK do CCON se transformou em uma enorme pipoca do carnaval de Salvador. Com seu dubstep aliado a ritmos brasileiros como o frevo, o axé, os atabaques do candomblé, guitarra baiana, aquela surgida do cavaquinho e bandolim, e um showman mais do que animador de plateia, a BaianaSystem deixou muita saudade para muita saudade. Tem quem queira outro show deles o quanto antes em Goiânia.
Se músicas como a mais nova Invisível já tiraram o público do chão e fizeram com que toda a plateia se tornasse uma roda sem fim, como já havia sido notado nos três dias de trio elétrico no carnaval de Salvador e no Lollapalooza Brasil, o vocalista Russo Passapusso transformou hinos dos mascarados como Calamatraca, Jah Jah Revolta Pt. 2 e Lucro: Descomprimindo em grandes odes à festa, revolta e euforia. Sem dizer muita coisa, fez com que o público gritasse “Fora, Temer”.
Animador de plateia nato e incitador de euforia coletiva, Passapusso sabe mais do que ninguém utilizar o microfone e se mover no palco de uma forma que não precisa fazer muito esforço para levar todo o público junto, até quem nunca ouviu um dos dois discos da banda ou o EP Pirata (2013) antes de seus shows. “Mistura feijão, farinha e dendê” é o que a BaianaSystem sabe fazer melhor com quem os vê ao vivo. Ninguém fica parado.
A guitarra baiana de Roberto Barreto casada à percussão recheada de atabaques de Ícaro Sá e JapaSystem viram uma bela folia revolta na voz de Passapusso. Tanto que a prejudicada Terapia e a também encurtada por falta de tempo Playsom por serem mais de 3 horas do sábado na parte final do show só não fazem mexer quem não deixa a música entrar.
Com gestos e coros, Passapusso faz críticas pesadas à violência policial e às diferenças de tratamento a ricos e pobres sem deixar de proporcionar uma enorme experiência catártica aos presentes. A graça do disco Duas Cidades (2016), pensado para funcionar melhor ao vivo, tem a assinatura de um dos mais importantes produtores brasileiros: Daniel Ganjaman.
Tanto que a união de Passapusso com o baixista SekoBass os DJs João Meirelles e Mahal Pitta, além da guitarra baiana e da percussão, é melhor aproveitada no palco do que no fone de ouvido. Duas Cidades, inclusive, mantém a crítica social recheada de manifesto pipoca ao questionar: “Divi-divi-divi-dividir salvador/Diz em que cidade você se encaixa/Cidade alta ou cidade baixa diz/Em que cidade que você“.
Mais de 3 horas da madrugada de sábado e o público da sexta ainda tinha o cantor paraense Jaloo e a Festa Selvagem no Palco Slap, que no final da noite mudava de nome e se tornava El Club. Ou era hora descansar para a maratona do sábado, com outras 25 atrações.