Imprensa
O “Pop” está passando a impressão para seus leitores que se tornou uma espécie de “Daqui 2”. Numa busca frenética por leitores (está perdendo assinantes e seu público envelheceu), o jornal está priorizando o jornalismo policial. Repórteres categorizados estão sendo transferidos para a cobertura policial. Por sinal, o jornal cometeu um erro ao demitir os revisores. Porque o número de erros é crescente em suas páginas policiais. A quantidade de repórteres na área policial estaria assustando até a repórter policial-mor do jornal, Rosana Melo. Um repórter brinca e diz que ela “estaria com receio de perder o emprego”. Não perderá, claro, pois é a mais competente repórter policial do jornal. É a que tem as melhores fontes. Quando tira férias, a cobertura do jornal cai. Aliás, se dependesse dela, já estaria fora da redação há muito tempo. Porém, como sabe tudo do ramo, a editora-chefe Cileide Alves faz o impossível para mantê-la. O “Pop”, com sua história de jornalismo correto, não pode ganhar a pecha de jornal que, “se torcer, sai sangue”. Ao priorizar o jornalismo policial, o jornal está perdendo espaço nas áreas de política, economia e cultura.
[Herbert Moraes, correspondente da TV Record em Tel Aviv, Israel]
Jornalistas do “Jornal da Record” ganharam o Prêmio Allianz Seguros de Jornalismo, ao lado de profissionais do “Estado de Minas”, “O Tempo Online”, Gente Brasília BandNews FM, na categoria Sustentabilidade – Mudanças Ambientais. Os repórteres da TV Record, premiados pela série “O desafio da água” (telejornalismo), são: Rosana Teixeira, Ademir Salandin, Alberto Cunha, André Cunha, Ângela Canguçú, Catarina Hong, Cleisla Garcia (que trabalhou na TV Anhanguera), Edmar Dutra, Helena Vieira, Herbert Moraes (correspondente da TV Record em Tel Aviv e colunista do Jornal Opção), Jean Brandão, Jefferson Monteiro, Ludmilla Fontainha, Luís Gustavo, Nathália Bueno Caldas e William Silva.
Profissionais do shopping Eldorado foram premiados na categoria Especial Comunicação Corporativa, devido ao case Projeto de Compostagem. Cristiane Segatto, da revista “Época”, Carol Rodrigues, da revista “Cobertura Mercado de Seguros”, Beth Koike, do “Valor Econômico”, e Taís Laporta, do iG, venceram na categoria Seguros.
Documentos apreendidos pela Polícia Federal mostram a anotação do doleiro Youssef: ‘Leonardo Attuch 6×40.000,00′
Augusto Nunes

NOTA DO 247 SOBRE CALÚNIA DE AUGUSTO NUNES

O livro sai em novembro, pela Editora Agir. Como é uma biografia autorizada, as histórias de seus muitos amores foram cortadas
Sai em novembro a biografia (ou autobiografia) “Ivete Sangalo — Pura Paixão: Minhas Histórias, Dicas, Rotinas e Inspirações” (Editora Agir), de Jorge Velloso (autor do texto final). Trata-se de uma "biografia autorizada"(ou uma autobiografia), tanto que o autor concorda com aquilo que nenhum biógrafo da categoria de Fernando Morais, Ruy Castro e Lira Neto concordariam: “O fato de hoje ela estar bem casada e ter formado sua própria família faz com que esse assunto [os antigos amores da cantora] não lhe pareça tão relevante. A ideia era que ela ficasse à vontade para relembrar as histórias que quisesse. Não que houvesse assuntos proibidos, mas era natural que só relembrasse de histórias que ainda façam sentido para ela”. Quer dizer que o casamento “amputa” parte da história da atriz? Só mesmo no Brasil tamanha desfaçatez pode ser dita sem que o repórter, no caso um jornalista do “Extra”, acrescentasse, de imediato, a palavra ridículo. A biografia, portanto, não é apenas autorizada — é mutilada. Quer dizer, só contém a versão de Ivete Sangalo e, mais, só aquilo que lhe interessa revelar.
Ivete Sangalo namorou, entre os mais conhecidos, o nutricionista Daniel Cady (com quem se casou e tem um filho), o empresário Marcelo Rangel, o apresentador de televisão Luciano Hulk, o músico Davi Moraes, o estudante Marcelo Valente, o dançarino Fábio Duarte, o empresário Marcus Braga, o modelo sérvio Andrija Bikic e o empresário Felipe Simão.
A julgar por aquilo que publica o “Extra”, o livro é cauteloso e omisso. Mas discute a suposta homossexualidade de Ivete Sangalo. “Em algum momento das entrevistas ela falou sobre o assunto. O engraçado é que isso nunca foi uma questão. Ivete até brincou que assumir um relacionamento homossexual para um baiano não é exatamente algo difícil”, diz Jorge Veloso. Noutras palavras, Ivete Sangalo é heterossexual. Se não é difícil para um baiano assumir que é gay, ou que pelo menos que teve um relacionamento homossexual, Ivete Sangalo está sugerindo que, para ela, baiana, também não seria difícil. Não assume, portanto, porque sua paixão são homens, e não mulheres.
Ao examinar o mais conhecido comunista brasileiro, historiador faz também uma biografia do século 20
Iúri Rincon Godinho Goiânia completou 81 anos na sexta-feira, 24. Na véspera do aniversário, a malária — uma doença que nem faz parte do vocabulário dos médicos da capital — aparece pela segunda vez entre os goianienses. E, por mais fantástico que seja, da outra vez que a enfermidade ameaçou também foi às portas de uma data importante, no caso o Batismo Cultural de Goiânia, em 1942. O caso não ganhou repercussão nos jornais, devido à censura imposta pelo Estado Novo, mas foi sério e serve de alerta para o que podemos enfrentar se o mosquito transmissor não for combatido. Em 1942 quem trabalhava na construção de Goiânia ainda vivia à margem do Córrego Botafogo — nada sobrou dessas primeiras casas. Naquele início de ano, de uma hora para outra, em menos de um mês, o contingente de operários caiu pela metade. As reclamações pelas faltas coincidiam: febre alta, calafrios intensos seguidos de ondas de calor, suor abundante, dor de cabeça e no corpo, falta de apetite, pele amarelada. Um cansaço ancestral que não permitia nem virar o pescoço. Depois da crise havia melhora mas tudo se repetia a cada dois ou três dias. O palco da Exposição de Goiânia, durante o Batismo Cultural, seria a Escola Técnica (hoje Instituto Federal de Educação, IFG). Mas a construção parara. A obra — como o Liceu, o Teatro Goiânia, o Palácio das Esmeraldas —, era monumental para a época. Um quarteirão de construção art déco ao lado do Bosque do Botafogo, em estilo de praça espanhola, com um pátio ao centro. Dos 200 trabalhadores locais, apareciam 30, 40. Pedro Ludovico Teixeira, interventor federal (o governador da época) desesperou-se. Como médico, suspeitou logo dos sintomas da malária e trouxe o colega recém-formado Aldemar de Andrade Câmara, para dar um jeito na situação. Aldemar sabia que a parte fácil seria cuidar dos doentes. Difícil saber onde nascia o foco. Para quem caísse de cama já existia no mercado a plasmoquina, do laboratório Bayer, um comprimidinho amarelo, pequeno. Os servidores humildes, não acostumados a engolir pílulas, acabavam vomitando até se acostumarem. Tratados os enfermos, Aldemar precisava controlar a epidemia. Procurou na construção da Escola Técnica pistas do criadouro do mosquito transmissor. Nada. Foi às casas dos operários, mas a distância das residências entre um doente e outro logo mostrou que o foco estava longe, provavelmente um lugar que o mosquito adorava: beira de rio. Mas qual? Depois de estudar cursos d´água e córregos, o médico Aldemar se concentrou no Meia-Ponte. De lá se retirava a areia para a construção da Escola Técnica. E o mesmo pedreiro que apanhava a areia a levava até a obra. Estava descoberto o foco e a epidemia foi controlada, apesar do atraso momentâneo da construção. Em 1942 como em 2014, o mosquito se aproveitou das condições tropicais da capital. Para sobreviver, precisa de regiões com temperaturas que não caiam a menos de 15 graus Celsius, de preferência onde a média seja 25 de graus. Só as fêmeas se alimentam de sangue humano — os machos vivem de seivas das plantas. A altitude também é importante. Na capital estamos a cerca de 700 metros acima do nível do mar e o transmissor raramente é ativo acima de 1.500 metros. Portanto, o palco para o mosquito sempre estará armado. Resta que aprendamos com a história a sermos atentos. Iúri Rincon Godinho, publisher da Contato Comunicação, é jornalista, escritor e pesquisador da história de Goiás.
O envolvido num escândalo de 10 bilhões de reais está internado num hospital de Curitiba
As redes sociais são excelentes para vulgarizar informações verdadeiras. Ao mesmo tempo, são úteis para propalar informações desencontradas e, mesmo, equivocadas. Qualquer sinal de fumaça é apresentado como resultado de um incêndio de grandes proporções. Como a esquerda, ao longo da história, tem cometido as maiores barbaridades, como matar e envenenar adversários (Stálin chegou a criar uma fábrica de venenos), acredita-se, ao menos nas redes sociais, que o doleiro Alberto Youssef foi envenenado. Mais: estaria morto e a notícia seria divulgada tão-somente depois das eleições. Falta lógica, das mais primárias, ao boato: por mais que tenha receio da língua do doleiro, que pode documentar a corrupção da Petrobrás – que envolve políticos do PT, do PMDB e do PP –, os petistas não são néscios. A morte do doleiro prejudicaria única e exclusivamente a candidata do PT, Dilma Rousseff.
O jornal “Gazeta do Povo”, de Curitiba, relata que Alberto Youssef passou mal na carceragem da Política Federal, na capital do Paraná, no sábado, 25. “O hospital em que está internado o doleiro Alberto Youssef, em Curitiba, divulgou nota para informar que o paciente tem um quadro provável de angina instável, condição grave na qual o coração não é irrigado corretamente com sangue e que pode levar ao infarto”, relata o jornal.
O jornal paranaense diz que “a nota não faz referência a qualquer agente externo que tenha levado à crise. Nas redes sociais, há uma intensa boataria de que Youssef fora envenenado na carceragem. Em nota, a Polícia Federal negou a suposição de envenenamento e lembrou que o doleiro tem histórico de doença cardíaca e que esta foi a terceira vez que ele teve um atendimento médico de urgência desde que foi preso”.
Alberto Youssef “tem um histórico de doença cardíaca. Na nota do Hospital Santa Cruz, está relatado que ele teve dor torácica e um desmaio, mas que manteve os sinais vitais estáveis. Em nota, a Polícia Federal afirmou” no domingo, 26, que Youssef passou bem a noite e deve permanecer internado por pelo menos 48 horas, sob escolta de policiais federais”.
A íntegra da nota do hospital:
"Nota técnica
Às 14:03 do dia 25/10/2014, a Central do SAMU regional metropolitano de Curitiba recebeu chamada para realizar atendimento do paciente Alberto Youssef, sendo realizado deslocamento de uma ambulância de suporte avançado de vida para realizar o atendimento e transporte, com escolta policial, até o Hospital Santa Cruz. O atendimento foi finalizado às 16:45.
No momento do atendimento o paciente referiu dor torácica, sendo dois episódios ao repouso, associados a um episódio de síncope. Durante o atendimento encontrou-se consciente, lúcido e orientado, com dados vitais estáveis.
Hipótese diagnóstica: Angina instável
Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba/PR”
O americano Chad Mendes é um dos lutadores mais versáteis do UFC. Boxeia bem. Sua pegada parece de meio-pesado. O muay thai é eficiente. Luta no chão com rara habilidade. É rápido e bem condicionado fisicamente. Perdeu para o notável José Aldo, depois de uma luta, como dizem os comentaristas de MMA, “épica” (com algum evidente). Sim, foi uma grande luta. Um lutaço. Pancadas lá e cá.
José Aldo saiu com o rosto inchado, mas lutou muito bem. Sobretudo, enfrentou um atleta duríssimo. Atletas parelhos às vezes se anulam. No caso, os dois travaram uma batalha extraordinária.
Entrevistado, Chad Mendes não reclamou do resultado. Porém, se a luta tivesse sido realizada nos Estados Unidos, ou em um país neutro, possivelmente os jurados veriam mais um empate do que a vitória de José Aldo. Seria mais justo. O que fazer? Uma terceira luta, em 2015.
Ao final, José Aldo, citando Romário (contra Edmundo), disse que na categoria dos penas a corte finalmente está completa: há o rei, o próprio José Aldo; o príncipe, Chad Mendes; e o bobo, o irlandês Conor McGregor.
O brasileiro Júnior Cigano perdeu duas lutas para Cain Velasquez, na categoria dos pesos-pesados, porque é menos completo e complexo do que o americano. Cigano é mais lutador de boxe do que de MMA. É unidimensional. Glover Teixeira é o Cigano dos meios-pesados. Só luta em pé e é meramente um boxeador. Perdeu para Phil Davis porque é previsível, mais lento e com reflexos ruins. Não chuta e, se o faz, o chute passa longe do alvo. Não luta no chão com desenvoltura. Davis o venceu até em pé.
É provável que tenha sido a luta mais fácil de Davis. Contra Jon Jones, muito melhor do que Davis, Glover lutou com um repertório um pouco mais amplo.

O jornalista e escritor Klester Cavalcanti conta a história de Júlio Santana, que matou quase 500 pessoas, entre elas a guerrilheira Maria Lúcia Petit, crianças, mulheres e o sindicalista goiano Nativo da Natividade (no mandato de Iris Rezende e Onofre Quinan). Ele feriu José Genoino, na Guerrilha do Araguaia
“Só mato quando me pagam para matar.” Júlio Santana
[caption id="attachment_18931" align="alignleft" width="350"] “O Nome da Morte” mostra que a realidade pode ser tão ou mais virulenta do que obras literárias. Fiódor Dostoiévski possivelmente ficaria interessado na história do assassino brasileiro Júlio Santana[/caption]
O livro “O Nome da Morte — A História Real de Júlio Santana, O Homem que Já Matou 492 Pessoas” (Editora Planeta, 245 páginas), do jornalista Klester Cavalcanti, ex-repórter da “Veja”, contém histórias impressionantes e muito bem-contadas. Persistente, Klester demorou sete anos para convencer Júlio Santana, o Julão, hoje com 60 anos, a relatar sua história. O assassino serial começou a matar aos 17 anos, ajudou a prender José Genoino Neto e matou Maria Lúcia Petit, na Guerrilha do Araguaia, em 1972. Mais tarde, matou, em Goiás, o sindicalista Nativo da Natividade e um homem não identificado no livro em Porangatu, Norte do Estado.
Leitores menos atentos podem alegar que o repórter trata um “monstro” como se fosse um ser humano “normal”. É um engano. Se tivesse tentado mostrar Júlio Santana como “monstro”, primeiro, a história não teria sido contada; depois, a tentativa de demonização não seria útil para compreender a personagem que, apesar de tudo, é muito rica. Ao mostrar, mais do que demonstrar, Klester julga o assassino, ou melhor, o julgamento é a narrativa de sua história.
O romance “Crime e Castigo”, do escritor russo Fiódor Dostoiévski, conta a história de Raskólnikov, o jovem que mata duas mulheres e tenta justificar os crimes filosoficamente. Mesmo sendo ficção, a história é espantosa. O livro de Klester prova que a realidade pode superar a ficção. Nem mesmo Dostoiévski, um escritor que tinha um instinto especial para descrever as misérias humanas, seria capaz de imaginar Júlio Santana. Raskólnikov é frango de granja perto de Júlio Santana.
Aos 17 anos, Júlio Santana tinha 1,76m e era excelente atirador (“aos 11 anos, o garoto já conseguia acertar um animal ‘do outro lado do rio’”, o Tocantins, “a uma distância de cerca de 100 metros”). A família vivia do que pescava e caçava em Porto Franco, à beira do Rio Tocantins, no Estado do Maranhão. Em agosto de 1971, o jovem recebe a visita do tio Cícero Santana, de 31 anos, que dizia ser policial militar. Pistoleiro, Cícero havia sido contratado para matar Antônio Martins, o Amarelo. Marcos Lima, pai de uma garota de 13 anos que havia sido estuprada por Amarelo, pagou para Cícero liquidá-lo.
Com malária, Cícero não tinha condições físicas de matar Amarelo, mas, como já havia recebido parte da recompensa, decidiu convencer Júlio a substituí-lo. “Tio, eu não quero saber de nada disso. Eu não vou matar ninguém. Até agora, não consigo acreditar que o senhor está me pedindo um negócio desse. Quer que eu vire um assassino como o senhor? Deus me livre”, disse Júlio.
Pressionado por Cícero, a quem admirava, Júlio aceitou matar Amarelo: “Está bem, tio. Eu vou fazer esse serviço para o senhor. Mas nunca mais me peça uma coisa dessas”. Mesmo assim, o garoto relutou. O tio insistiu: “Depois de matar Amarelo, é só você pedir perdão a Deus e Ele vai perdoar”. Aproveitando que o adolescente ficou confuso, Cícero continuou: “Deus perdoa tudo, Julão. (...) Amanhã, depois de matar Amarelo, você volta para casa e reza dez ave-marias e 20 pai-nossos. Assim, eu garanto que você estará perdoado”.
Depois da conversa, Júlio seguiu para a mata e, após relutar muito, atirou em Amarelo, matando-o. Ao se encontrar com o tio, disse, profundamente abalado: “Só quero esquecer essa desgraça toda. E nunca mais venha conversar comigo sobre esse negócio de matar gente para ganhar dinheiro. Não quero nem ouvir falar nesse tipo de coisa”. Deitado numa rede, prometeu a Deus: “Nunca mais vou matar ninguém na minha vida, Senhor. Nunca mais”.
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[caption id="attachment_18925" align="alignleft" width="350"] Nadine Gordimer: a escritora percebe Jorge Luis Borges como sucessor de Kafka e diz que a literatura de Alejo Carpentier é maravilhosa / Foto: Berthold Stadler/Publico[/caption]
Numa entrevista a Jannika Hurwitt, da “Paris Review” (publicada no livro “Os Escritores — As Históricas Entrevistas da Paris Review”, Companhia das Letras, 327 páginas, tradução de Alberto Alexandre Martins e Beth Vieira), a escritora sul-africana Nadine Gordimer (1923-2014) acerta e erra sobre a literatura latino-americana. “O tema entre os escritores latino-americanos dignos de nota é o ditador corrupto. No entanto, apesar da repetição do tema, eu a considero a ficção mais excitante que está sendo escrita no mundo hoje em dia” (entre 1979 e 1980).
Jannika Hurwitt pede que mencione quais escritores latino-americanos são mais interessantes. “Gárcia Márquez, é claro. Nem é necessário citar [Jorge Luis] Borges. Borges é o único sucessor vivo de Franz Kafka [o autor argentino morreu em 1986]. Alejo Carpentier era absolutamente maravilhoso. ‘O Reino Deste Mundo’ é um livrinho delicioso... é brilhante. Há também Carlos Fuentes, um escritor magnífico. Mario Vargas Llosa. E Manuel Puig. [...] Mas há sempre esse tema obsessivo — o ditador corrupto. Todos eles escrevem sobre isso; são obcecados por isso”. Não há o que contestar: os autores citados são do primeiro time e escreveram sobre ditadores. Algumas das estrelas do chamado boom latino-americano chegaram a se reunir para escrever sobre o assunto, mas não publicaram romances e contos apenas a respeito disso.
Há as injustiças de praxe. Lezama Lima (1910-1976), maior escritor cubano, não é mencionado. Nadine Gordimer concedeu a entrevista dois anos depois de sua morte. “Paradiso”, seu notável romance — Laurence Sterne certamente o leria com prazer —, não merece a mínima referência e seu tema não é o mesmo de alguns romances de García Márquez (“O Outono do Patriarca”) e Vargas Llosa (“Conversa no Catedral”). O uruguaio Juan Carlos Onetti, autor de “Junta-Cadávares” e “A Vida Breve”, é esquecido. Guimarães Rosa, autor de “Sagarana” e “Grande Sertão: Veredas”, não merece um comentariozinho. Ele morreu em 1967, doze anos depois da entrevista. O pesquisador alemão Willi Bolle diz que a opus magna de Guimarães Rosa é uma resposta literária à história do Brasil. Deve ser. Mas, para além de ser uma réplica histórica, é um romance no qual personagens, gigantes e, até, épicos, são rivais e, ao mesmo tempo, complementos da linguagem. Assim como a obra de Lezama Lima. Clarice Lispector, autora de uma obra cada vez mais valorizada no exterior, morreu em 1976, dois anos antes da entrevista. Com algum esforço, Nadine Gordimer poderia ter lido traduções dos quatro autores latino-americanos.
É possível que, mais tarde, tenha lido autores brasileiros. Numa coletânea recente de seus ensaios e resenhas não encontrei referência à literatura patropi.
Quando entrevistado, o americano Philip Roth, de 81 anos, tem o hábito de dizer que está relendo clássicos, raramente citando autores vivos, e lendo livros de história. Às vezes, menciona Saul Bellow, John Updike e Primo Levi, coincidentemente, todos mortos. Outros autores dizem a mesma coisa. Menos Nadine Gordimer: “Muitos escritores dizem que não leem outros escritores, os contemporâneos. Se é verdade, é uma grande pena”.
Leitora apaixonada de D. H. Lawrence, Hemingway e Virginia Woolf, Nadine Gordimer afirma que, “em fases diferentes” de sua vida, foi “psicologicamente dependente de diversos escritores”. A tal angústia da influência citada pelo crítico Harold Bloom.
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Fotos: Wikipédia Commons[/caption]
Ao escrever contos, a autora de “Uma Mulher Sem Igual” admite que sofreu forte influência de escritoras do Sul dos Estados Unidos. “Eudora Welty foi uma grande influência para mim.” É uma “contista sublime”. “Katherine Anne Porter me influenciou. Faulkner. Sim. Mas, outra vez, a gente mente, porque, tenho certeza de que, quando estávamos ensaiando o bê-á-bá da arte do conto, Hemingway deve ter influenciado todo mundo que começou a escrever no fim da década de 1940, como eu. Proust tem sido uma influência em mim, durante toda a minha vida — uma influência tão profunda que me assusta... não apenas nos meus escritos, mas nas minhas atitudes com relação à vida. Mais tarde vieram Camus, que foi também uma influência bem forte, e Thomas Mann, que passei a admirar mais e mais. E. M. Forster, quando era moça. E ainda acho ‘Passagem Para a Índia’ um livro absolutamente maravilhoso, que não pode ser assassinado ao ser ensinado nas universidades.” O que a autora quis dizer? Não fica claro. Talvez, como Harold Bloom, temesse os estudos de gênero ou as interpretações politicamente corretas, que às vezes retalham e mandam para o ostracismo obras complexas mas que não cabem em alguns figurinos políticos, ideológicos e intelectuais. O choque cultural entre indianos e ingleses, exibido com mestria e abertura por Forster, pode ser interpretado de maneira simplista pelos policiais-acadêmicos do politicamente correto.
Como Hemingway, com sua prosa telegráfica, influenciou a autora de “Beethoven era 1/16 Negro — E Outros Contos”? “Ah, através dos seus contos. A redução e também o uso do diálogo. [...] Os contos são uma excelente disciplina contra o excesso de palavas. [...] Hoje penso que uma grande falha nos contos de Hemingway é a onipresença da voz de Hemingway. As pessoas não falam por si mesmas, em seus próprios esquemas de pensamento; elas falam como Hemingway. O ‘disse ele’, ‘disse ela’ da obra de Hemingway. Cortei essas atribuições dos meus romances há muito tempo. Algumas pessoas se queixam que isso torna os meus romances difíceis de serem lidos. Mas não me importo. Simplesmente não consigo mais suportar disse-ele/disse-ela. E se não consigo fazer com que os leitores saibam quem está falando pelo tom de voz, os torneios da frase, bom, então fracassei.”
O monólogo interior, tão caro aos escritores modernos, é utilizado por Nadine Gordimer. “Uma espécie de monólogo interior que fica pulando de um lado para outro, de diferentes pontos de vista. Em ‘O Amante da Natureza’, às vezes é Mehring falando de dentro de si mesmo, observando, e às vezes é um ponto de vista totalmente desapaixonado do exterior.”
A entrevistadora sugere que há semelhança entre “A Filha de Burger” e o romance “Enquanto Agonizo”, de William Faulkner. Nada a ver, ressalva Nadine Gordimer. Os estilos são diversos. “Foi Proust quem disse que estilo é o momento de identificação entre o escritor e a sua situação. Idealmente isso é o que deveria ser — permitir que a situação dite o estilo.”
O autor na maioria das vezes não é o melhor crítico de seus próprios livros. Mas alguns críticos costumam exagerar nas suas interpretações. Conor Cruise O’Brien, numa resenha de “A Filha de Burger”, ressaltou a arquitetura supostamente muito arrumadinha do romance. Nadine Gordimer discorda: “Muito pouco da construção é objetivamente concebido. Ela é orgânica, instintiva e subconsciente. [...] Não sei, antes de escrever, como vou fazer, e sempre receio não ser capaz de fazê-lo”.
A morte é apontada como um tema obsessivo para a autora de “Tempos de Reflexão — 1990-2008” (ensaios e resenhas). “A morte”, diz, “é realmente o mistério da vida. [...] Dizemos que é terrível se as pessoas morrem jovens, e que é terrível se continuam a viver por tempo demais”.
Jannika insiste para que a escritora discuta sexo e literatura. Mas Nadine Gordimer corta o barato da entrevistadora, pois considera os escritores como “seres andróginos”. “Em literatura, o sexo não importa; é a literatura que importa.” O que vale é a qualidade da prosa do autor, não se é homem ou mulher.

[caption id="attachment_18920" align="alignleft" width="300"] “Paradiso”: o romance de Lezama Lima é a obra-prima máxima da literatura cubana[/caption]
Estou iniciando a leitura de “Paradiso” (Martins Fontes, 623 páginas), de José Lezama Lima (1910-1976), na tradução da poeta Olga Savary. Não se trata de um trabalho inepto. De fato, é muito difícil traduzir o escritor cubano para qualquer língua. Ao profissional não basta saber, e muito bem, as línguas Espanhola, o ponto de partida, e Portuguesa, o ponto de chegada. Precisa travar uma verdadeira guerra para tornar uma obra enviesada, pouco “fluente”, num texto legível mas não simplista. Nós, brasileiros, temos o hábito de achar que o espanhol é uma espécie de português com defeito e, por isso, seria fácil traduzir de uma língua para a outra. Não é bem assim. As duas línguas são hermanas, sim, mas são como Caim e Abel. As dificuldades são maiores exatamente porque parece fácil traduzir de uma para a outra.
Traduzir significa ganhar e perder. Mas, sem as traduções, as pessoas deixariam de ler as principais obras-primas da literatura internacional. Ao comparar o original com a versão de Olga Savary, é preciso considerar duas coisas.
Primeiro, a perícia da tradutora é flagrante. Segundo, o fato de existir outra tradução, de Josely Vianna Baptista, certamente facilitou o trabalho de Olga Savary. Não estou sugerindo que a poeta copiou e inspirou-se no trabalho precedente da também poeta Josely Vianna Baptista. É possível que, para não se influenciar, a segunda tradutora não tenha examinado a versão anterior. Porém, se o fez, e isto é correto, às vezes decisivo, pôde encontrar outras soluções, adequar e melhorar frases, palavras, expressões e sentidos.
[caption id="attachment_18921" align="alignleft" width="250"]
Lezama Lima: Brasil ganha duas traduções do mais importante romance de Cuba, “Paradiso” / Foto: Wikipédia Commons[/caption]
Observe-se que, na nova tradução que fez para a editora Estação Liberdade, Josely Vianna Baptista recriou “Paradiso”. Porque há novos estudos sobre a obra, explorando nuances que haviam sido pouco percebidas, e a tradutora está mais experiente e atenta às filigranas da Língua Espanhola e à prosa de Lezama Lima. Percebe-se, numa comparação rápida entre os empreendimentos hercúleos das duas poetas, que, aqui e ali, há mais “fluência” no trabalho de Josely Vianna Baptista. Porém, no caso, fluência não tem a ver com tornar o texto mais pedestre, simplificado, e sim mais preciso em português — criando, por assim dizer, um texto em português (quase) tão rico quanto o texto em espanhol. É um tour de force.
É rico um país que tem duas traduções de alta qualidade de uma obra-prima seminal como “Paradiso”.
Há probleminhas na edição da Martins Fontes, a que, no momento, examino com mais cuidado. O prefácio de quatro páginas de Olga Savary nada acrescenta — só contém platitudes e autoelogios —, prendendo-se demasiadamente a um texto de Julio Cortázar. Um trecho do comentário do escritor argentino é repetido duas vezes, o que sugere uma revisão descuidada. O sumário cita o “prefácio” e o texto “Convite a ‘Paradiso’”, mas seus autores não são mencionados, exceto no final deles. A apresentação, bem feita, é de autoria de Cintio Vitier, coordenador da edição crítica do romance.
Uma reclamação tem a ver mais com o fato de que como manuseio muito certos livros, como “Paradiso” — a leitura é mais lenta, para não perder as filigranas —, as capas que não têm orelhas acabam por ter as pontas dobradas. Livros grossos, com mais de 600 páginas, exigem orelhas protetoras.
De resto, até agora, não há muito do que reclamar.
[caption id="attachment_18917" align="alignleft" width="300"] Nativo da Natividade: o importante sindicalista rural foi assassinado a mando de um político de Carmo do Rio Verde, em Goiás, em 1985 / Foto: Reprodução[/caption]
No caderno de Júlio Santana está (ou estava) escrito: “Matar Nativo da Natividade (presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais) em Carmo do Rio Verde, Goiás. Mandante, prefeito Roberto Pascoal. Contato na cidade, Genésio. Pagamento, 2 milhões de cruzeiros”.
Em 1985, Júlio morava em Porto Franco, com sua mulher, quando foi procurado pelo tio Cícero Santana para fazer um serviço: matar o sindicalista goiano Nativo da Natividade. “A mulher de Júlio odiava Cícero. Dizia que o tio era o culpado por ele levar aquela vida desgraçada de matador. Júlio sempre rebatia. Dizia que entrou para a pistolagem por vontade própria. Queria ganhar dinheiro e viver grandes aventuras. O tio havia apenas o ajudado a fazer o que desejava.”
O relato de Klester Cavalcanti: “Numa conversa que não demorou mais de 10 minutos, Cícero passou todo o serviço ao sobrinho. Ele teria de matar Nativo da Natividade, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Carmo do Rio Verde, no interior de Goiás. O mandante do crime era o prefeito da cidade, Roberto Pascoal, que se dizia incomodado com a influência política de Nativo na região e, principalmente, com os boatos de que o sindicalista seria candidato a prefeito nas eleições municipais de 1988. Quando contatou Cícero, Roberto
Pascoal disse que queria eliminar Nativo antes que ele ganhasse ainda mais força e projeção”.
A mando de Roberto Pascoal, Genésio buscou Júlio em Brasília e o levou para Carmo do Rio Verde. “Pelo trabalho, receberia 2 milhões de cruzeiros — pouco mais do que três salários mínimos da época, que era de 600 mil cruzeiros.” Júlio tinha 31 anos. Genésio disse ao pistoleiro que ele mesmo poderia fazer o trabalho. “E por que não fez?”, perguntou Júlio. “O prefeito disse que era mais seguro trazer um matador de fora, para não levantar suspeitas sobre ele”, explicou Genésio.
Nativo, informou-se Júlio, era casado e pai de dois filhos pequenos. Tinha 33 anos. “Muito pacato, só saía de casa para ir ao sindicato ou a alguma reunião de agricultores.” O motorista Pelé, num Fusca azul, levou Júlio para conhecer o sindicato onde Nativo atuava.
Informado dos hábitos de Nativo, Júlio decidiu matá-lo quando estivesse voltando para casa. “Eram quase 7 horas da noite quando o carro do sindicalista apareceu na esquina. Júlio ajeitou o chapéu de palha para esconder o rosto e ficou de pé. Caminhava lentamente, no lado oposto da rua, na direção da casa de Nativo. Tirou o revólver da cintura no mesmo instante em que o carro parou. Estava a uns 20 metros do homem. Mas queria chegar mais perto, para acertar o tiro na cabeça. O sindicalista estava tranquilo. Nem desconfiava que estava prestes a morrer”, escreve Klester.
“Nativo andava devagar, a caminho da porta”, relata Klester. “Do outro lado da rua, a uns 10 metros de distância, Júlio o tinha na mira de seu revólver. Estava puxando o gatilho quando viu uma menina de uns 5 ou 6 anos abrir a porta e correr, sorrindo, na direção do pai. Não teria coragem de matar um homem diante dos olhos da própria filha. Imediatamente, apontou a arma para o chão. O sindicalista agachou-se e pegou a menina nos braços. Júlio ainda viu quando os dois se beijaram pouco antes de entrarem em casa.”
No dia seguinte, Júlio saiu à caça de Nativo. Este voltou para o sindicato à noite e foi seguido pelo pistoleiro. [Júlio] “Chegou na porta do carro de Nativo antes que ele saísse. Apontou a arma para a cabeça do sindicalista. O homem reagiu, segurando o braço direito de Júlio com as duas mãos. Durante o embate, ele puxou o gatilho quatro vezes — os exames feitos no cadáver encontraram três perfurações no tórax e uma no pescoço. Só parou de atirar quando teve certeza de que Nativo estava morto (em 1996, 11 anos após o episódio, o prefeito Roberto Pascoal foi julgado como mandante do crime, e absolvido).” Promotores, juízes e advogados que atuaram no caso têm o dever de ler as informações do livro de Klester. Trata-se do próprio pistoleiro revelando quem encomendou o crime e mostra como este foi feito.
Crime cometido, Júlio foi levado para Brasília numa ambulância. Genésio disse: “Acho que, agora, concordo com o prefeito. Você fez por merecer os 6 milhões de cruzeiros pelo serviço”. Cícero havia passado o sobrinho para trás. Para matar Nativo, Júlio recebeu “apenas” 2 milhões de cruzeiros.
Em Imperatriz, ao se encontrar com o tio, Júlio ameaçou matá-lo. Cícero disse: “Já parou para pensar que você deve tudo o que tem a mim? Se não fosse por mim, você não teria nada, Julão! Você não seria ninguém”. Júlio replicou, gritando: “Grande vida de merda essa que o senhor me deu. Eu sou um assassino, tio. Ganho a vida matando gente. E o senhor tem coragem de dizer que isso é bom”. Cícero morreu em 1993, aos 53 anos, e o sobrinho descobriu que, ao contrário do que todos na sua família acreditavam, não era policial militar. Júlio também se passava por policial militar.
Detalhe: o maior assassino do Brasil agiu livremente em Goiás no mandato dos governadores Iris Rezende e Onofre Quinan — matando pessoas no Estado — e os peemedebistas-chefes não conseguiram, nem tentaram, prendê-lo. (E. F. B.)
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[caption id="attachment_18915" align="alignleft" width="620"] José Genoino, guerrilheiro do PC do B: preso, em 1972, por militares do Exército, na região do Araguaia / Foto: O Globo[/caption]
Em 1972, aos 17 anos, convencido pelo tio Cícero Santana, Júlio Santana aceitou trabalhar na equipe do delegado de Xambioá, o sargento da Polícia Militar de Goiás Carlos Teixeira Marra, como guia ou mateiro. Exímio conhecedor dos “segredos” da floresta amazônica, Júlio seria utilizado para caçar integrantes do Partido Comunista do Brasil (PC do B). Ele nem sabia o que era comunista, nunca tinha visto um automóvel, não conhecia energia elétrica e seu sonho era tomar Coca-Cola. Ao ver um helicóptero, pensou: “Como essa trepeça pode voar?”. Como uma personagem de García Márquez, “achou delicioso tomar água gelada. ‘Parece que a língua fica adormecida’”.
No início da Guerrilha do Araguaia, os militares queriam capturar e não matar os militantes do PC do B. Eles buscavam informações sobre as forças de esquerda. Por isso, Carlos Marra avisou aos soldados e Júlio: “Se a gente encontrar algum guerrilheiro, é para capturar o cabra vivo. Não é para matar ninguém. Quero o sujeito vivo, para ele contar onde os outros guerrilheiros se escondem”. Júlio ficou aliviado, pois não queria matar.
Na selva, além de orientar os soldados, Júlio tinha a missão de achar alimentos para a tropa. “Matou um macaco, uma garça e uma onça-pintada. A carne musculosa e repleta de nervos do felino não agradou a ninguém.”
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Corpo de Maria Lúcia Petit: a guerrilheira foi morta na região do Araguaia | Foto: Reprodução[/caption]
Em 11 de abril de 1972, como integrante da equipe do delegado Marra, Júlio colaborou na prisão de José Genoino Neto. O grupo era constituído de Marra, Ricardo, Emanuel, Forel, Júlio e Tonho (um negro musculoso). Marra patrocinou um “campeonato” de tiro e Júlio ganhou com facilidade e, por isso, obteve a primazia de atirar primeiro num guerrilheiro.
Na mata, Júlio localizou José Genoino e alertou Marra: “Estou vendo um sujeito lá na frente”. Ao ser abordado, o guerrilheiro, que usava o nome de Geraldo, disse ao delegado que era “apenas um agricultor”. Logo depois, mesmo com as mãos amarradas, conseguiu fugir. O militar pediu que parasse. “Vou mandar abrir fogo, Geraldo”, gritou Marra. “Pode atirar”, respondeu Genoino.
Irritado, Marra ordenou: “Julão, derruba o cara. (...) Mas lembre que eu quero ele vivo”. Júlio atirou e acertou, de raspão, o ombro direito de José Genoino.
Recapturado, José Genoino, segundo a versão de Júlio, foi torturado pelo militares — chegaram a queimar suas pernas. Mesmo assim, respondia: “Não sei de nada, delegado”.
Sem aprovar as torturas, Júlio disse para José Genoino: “Rapaz, fala logo tudo o que você sabe. Você vai acabar morrendo de tanto apanhar”. José Genoino respondeu: “Mas eu não sei de nada. Não estou mentindo”. Estava mentindo, é claro. Ouvido por Klester Cavalcanti, o petista confirma o diálogo: “Diante de tanto sofrimento e agonia, agradava-lhe a ideia de que ao menos um de seus algozes preocupava-se com a sua integridade”. Na versão de Júlio, José Genoino não entregou seus companheiros.
Em maio de 1972, Júlio viu o corpo do guerrilheiro Bérgson Farias sendo chutado por militares. Assistiu o barqueiro Lourival Moura, aliado dos guerrilheiros, ser torturado até a morte. Júlio disse a Klester que não gostou do que viu.
No início de junho de 1972, os militares acuaram os guerrilheiros Miguel Pereira, o Cazuza, Rosalindo Souza, o Mundico (que teria sido justiçado pelos companheiros), e Maria Lúcia Petit da Silva, a Maria. Marra gritou para Júlio: “Derruba um deles. Pelo menos, um”. Júlio mirou no ombro de um guerrilheiro e atirou. “Por causa do ferimento na perna direita, o comunista machucado inclinou-se para o lado direito e dobrou levemente os joelhos. Esses movimentos fizeram com que o tiro, que deveria pegar no ombro, o atingisse na cabeça, do lado esquerdo. O corpo caiu no solo e ali ficou, sem mover-se. Júlio sabia o que tinha acontecido. Quis não acreditar que acabara de matar mais uma pessoa”, relata Klester.
Quando ouviu que havia matado uma “moça”, Júlio ficou ainda mais perturbado. Marra o recriminou: “Não era para matar, Julão”. Detalhe: a história relatada por Klester não estava registrada — até 2006 — em nenhum outro livro sobre a Guerrilha do Araguaia. Trata-se de um furo de reportagem publicado em livro. “Mata! — O Major Curió e as Guerrilhas no Araguaia” (Companhia das Letras, 443 páginas, publicado em 2012), do jornalista Leonencio Nossa, relata: “João Coioió e a mulher, Lazinha, posseiros amigos de Maria Lúcia Petit, contaram ao delegado Marra que a guerrilheira apareceria no sítio, na manhã seguinte, para buscar mantimentos que o casal tinha comprado a seu pedido. Marra e um grupo de soldados fizeram tocaia dentro da casa. Maria Lúcia se aproximou do sítio. Estava acompanhada de Cazuza e Mundico, que a ajudaria a carregar a compra. Um homem da equipe do delegado, Júlio Santana, de dezoito anos [na verdade, tinha 17], atirou nos guerrilheiros, acertando a cabeça de Maria Lúcia. Cazuza e Mundico escaparam”. A fonte da informação é Sebastião Rodrigues de Moura, o Major Curió, um dos militares mais bem informados sobre a Guerrilha do Araguaia. Os depoimentos de um dos algozes dos guerrilheiros do PC do B e de alguns moradores da região confirmam a versão de Júlio Santana.
Pelos serviços prestados ao Exército, Júlio recebeu 1.200 cruzeiros, cerca de cinco salários mínimos da época, e ganhou uma farda. Parece ter ficado mais feliz com o fardamento do que com o dinheiro. (E.F.B.)
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