Por Euler de França Belém

[caption id="attachment_18250" align="alignleft" width="300"] Amy Dunne: psicopata? Provável, mas é uma mulher quase tão encantadora quanto Gilda[/caption]
“Garota Exemplar”, ótimo filme pós-policial, está em exibição nos cinemas. É um filme de Hitchcock que não foi filmado pelo diretor britânico, e sim por David Fincher, com roteiro de Gillian Flynn, autora do romance homônimo.
A loura hitchcockiana Amy Dunne, a bela (e ótima atriz, ao menos neste filme) Rosamund Pike, é casada com Nick Dunne, o unidimensional Ben Affleck. Certa dia, desaparece e o espectador é levado a crer, pela investigação policial e pelo aparente desinteresse do marido, que tinha uma amante, que ele é o assassino.
A partir de agora, se não assistiu o filme, não leia o texto a seguir.
De repente, a enigmática Amy Dunne, que logo os especialistas, entre os quais jornalistas, que rotulam tudo com uma facilidade impressionante, chamarão de psicopata, reaparece.
Amy Dunne, glacial e durona, certamente por saber que o marido tinha outra e por outros motivos — maluquice, digamos —, queria ver o sensaborão Nick na cadeira elétrica ou cumprindo prisão perpétua.
Depois de uma fase deprê, perseguido pela imprensa e pela polícia, que chega a detê-lo, Nick intui, a partir de certa lógica, que Amy Dunne está viva. Por isso, concede uma entrevista à mídia na qual diz que está arrependido por tê-la traído e garante que a ama.
Era o ponto apropriado. Nick usou a entrevista, num canal de tevê, menos para se defender e mais para “tocar” Amy Dunne.
Ao vê-lo na televisão, com a cara “compungida” e “destruída”, pedindo desculpas, Amy Dunne mata o homem que a estava protegendo — um sujeito com cara de maluquete — e, ensanguentada, volta para casa e, sobretudo, para o marido “apaixonado”.
Nick tenta livrar-se de Amy Dunne, por entendê-la desequilibrada, mas a jovem o enreda, apresentando-se grávida e sedutora. Fica-se com a impressão de que Nick se torna prisioneiro voluntário da garota má “de” Hitchcock. O filme termina com os dois “ligados” e o mundo do espetáculo assediando-os em busca, por assim dizer, de uma novela.
Para filmes de Hollywood, o final é surpreendente — à Henry James. O mocinho e a vilã permanecem juntos, mas ninguém sabe, talvez nem a autora do livro, se são ou serão felizes.
Da tumba, contatado por poderosas forças espirituais, Hitchcock manda dizer aos leitores, inclusive aos céticos Flávio Paranhos, Cezar Santos, Ricardo Spindola, Carlos Willian, Carlos Augusto Silva, Arnaldo Bastos, Tânia Rezende e André LDC (ótimo crítico de cinema), que devem assistir o filme — com ou sem algemas.
O romance “Do Mais Longe do Esquecimento” (Rocco, 118 páginas, tradução de Maria Helena Franco Martins), de Patrick Modiano, Nobel de Literatura de 2014, mostra um escritor em pleno domínio de seu trabalho. Trata-se de um Proust minimalista, dada a reconstrução da memória, mas a forma deve muito a Raymond Queneau (“Zazie no Metrô”) e aos autores do Novo Romance.
“Do Mais Longe do Esquecimento”, tudo indica, é autobiográfico. Mas histórias reais, contadas por um escritor do nível de Patrick Modiano, são também histórias imaginárias. As elipses às vezes deixam o leitor no escuro e, quando se pensa que a história vai se tornar mais límpida, isto raramente acontece.
O texto telegráfico, às vezes parecido com o de Hemingway, mostra o que está ocorrendo, quase nada — como se fosse um sonho repetitivo —, mas sempre deixando certo mistério no ar. Mistério que nada tem de sobrenatural, pois trata-se tão-somente de mostrar que a vida é complexa e nem todas as coisas “fecham”, quer dizer, têm um belo destino, um “fim” harmônico. O Nobel de Literatura para Modiano é merecido? É. Trata-se de um grande e discreto escritor. Os romances de Patrick Modiano, pequenos, parecem novelas. Mas têm uma arquitetura muito bem articulada.
Há uma grita geral de que a polícia de Goiás demorou muito para descobrir o serial killer Tiago Henrique Gomes da Rocha. Foram 70 dias de investigação. Parece muito, e as famílias das vítimas têm o direito de reclamar, porque, se tivesse sido preso mais cedo, muitas pessoas não teriam sido assassinadas. Porém, a polícia não deve produzir um culpado ou torturar pessoas para chegar mais rapidamente, e às vezes não chega, ao criminoso efetivo.
Falta à polícia de Goiás prender os assassinos da estudante Camila Lagares e do médico Boadyr Veloso. A eficiência usada para encontrar o assassino Tiago Henrique Gomes da Rocha não foi e parece que não vai ser utilizada para encontrar aqueles que mataram Camila e Boadyr. Os inquéritos estão esquecidos em algum armário, até que as traças “decidam” destrui-los.
Na sexta-feira, 17, a “Folha de S. Paulo” publicou a reportagem “Suspeito de mortes em Goiás trata vítimas por número, afirma polícia”, escrita pela jornalista Juliana Coissi. No subtítulo, acrescenta-se: “Preso disse ter matado gays, moradores de rua e prostitutas”. A reportagem levou ao erro do editor: “Os alvos seguintes foram prostitutas e moradores de rua”. Na verdade, das 22 mulheres mortas por Tiago Henrique Gomes, de 26 anos, apenas duas eram prostitutas. A reportagem da “Folha” sugere, de maneira irresponsável e leviana, que todas eram prostitutas. Veremos se a ombudsman vai cobrar a correção.
O “Pop” cometeu uma injustiça contra a equipe de policiais que investigou e prendeu o serial killer Tiago Henrique Gomes da Rocha, de 26 anos, que pode ter matado 39 pessoas. Na verdade, ao contrário do que desinformou o jornal, o serial killer não foi preso por acaso. A Polícia Civil de Goiás fez uma investigação minuciosa, absolutamente científica, e não precisou tocar num fio de cabelo do assassino confesso.
O “Suplemento do Campo”, do “Pop”, trouxe uma foto de um pássaro-preto tomando banho num córrego de Bonfinópolis. O registro de Manoel de Sousa ficou muito bonito e mostra a sensibilidade do fotógrafo. Houve apenas um pecadinho formal no texto que explica a foto — uma crase imprópria: “... no município de Bonfinópolis, próximo à Goiânia”, Nem todos nomes de cidade permitem crase. Uma maneira fácil de não se cometer esse escorregão formal é recorrer a um macete muito simples: quando dizemos “vou a-volto da”, ocorre crase (Vou à Bahia/Volto da Bahia); vou a-volto de, não ocorre (Vou a Goiânia/Volto de Goiânia).
Mesmo com alguns textos mal escritos e uns bem escritos, o “Pop” deu um banho geral na imprensa goiana e nacional na cobertura da prisão do serial killer. As reportagens foram amplas, detalhadas, com gráficos muito bem feitos. Uma equipe experimentada costuma produzir material de mais qualidade.
Escorregada do “Pop” em título de matéria na área de economia: “Reforma não ‘sae’ antes da eleição, diz Mantega”. O verbo sair, que é da terceira conjugação (por terminar em “ir”), só muda de “i” para “e” na terceira pessoa do plural do presente do indicativo.
Daniel Messac, Victor Priori, Henrique César, Waguinho Siqueira, Marcos Martins, Carlos Leréia, Sônia Chaves e o pastor Jeferson Rodrigues tiveram mais votos do que o Major Araújo

[Heuler Cruvinel, do PSD, deputado federal reeleito, é cotado para a Secretaria da Agricultura]
O governador de Goiás, Marconi Perillo, favorito para a disputa no segundo turno, não quer saber de salto alto e de discutir secretariado (com agências) agora. Mas o mercado persa da política já começa a discutir os possíveis secretários do quarto governo do tucano chefe. A seguir, uma lista mínima dos mais cotados, na avaliação de deputados, deputados eleitos e secretários.
O leitor não deve estranhar se o nome de uma pessoa aparecer em dois lugares. Significa que é cotada para um lugar ou outro. É o caso de José Taveira, que está bem na Secretaria da Fazenda, mas pode ir para a Secretaria de Saúde.
Thiago Peixoto fez um trabalho de qualidade na Secretaria da Educação, mas saiu com desgaste político. Raquel Teixeira, que decidiu não disputar mais mandato, é o nome mais cotado. O nome de Henrique Tibúrcio está em alta.
[Henrique Tibúrcio: o presidente da OAB é cotado para a Secretaria de Segurança Pública]
Listão dos cotados para o primeiro escalão do governo Marconi Perillo entre 2015-1018
1 — Fazenda — José Paulo Loureiro e José Taveira
2 — Saúde — José Taveira, Antônio Faleiros e Cristina Lopes
3 — Segurança Pública — Joaquim Mesquita (o governador aprecia seu trabalho), Henrique Tibúrcio (irá para o primeiro escalão, falta definir o cargo) e Waldir Soares
4 — Educação — Raquel Teixeira
5 — Seplan — Thiago Peixoto ou Igor Montenegro
6 — Gestão (que pode ser desmembrada da Segplan) — Igor Montenegro e Marcos Abrão
7 — Governo — Vilmar Rocha, Jayme Rincon e Virmondes Cruvinel Filho.
8 — Agecom — Orion Andrade (o mais cotado) e Sandes Júnior
9 — Agetop — Jayme Rincon
10 — Agricultura — Heuler Cruvinel (favorito) e José Mário Schreiner
11 — Meio Ambiente — Leonardo Vilela (cotado para o TCM) e Jaqueline Vieira.
12 — Detran — João Furtado.
13 — Cidadania e Trabalho —Flávia Morais, Virmondes Cruvinel Filho e Henrique Arantes.
14 — Juventude — Rodrigo Zani.
15 — Cultura — Aguinaldo Coelho, Nasr Chaul, Décio Coutinho.
16 — Saneago — Júlio Vaz
17 — Casa Civil — Joaquim Mesquita e Henrique Tibúrcio
Parece claro que a “Folha de S. Paulo” não tentou censurar artigo do jornalista e escritor Xico Sá (foto). O colunista tentou declarar, no caderno “Esporte”, seu voto na presidente Dilma Rousseff, do PT. Porém, pelas normas de redação, o caderno esportivo não é o espaço adequado para declaração de voto político. Xico Sá, que escreve há muitos anos no jornal, por certo sabia disso, antes mesmo de escrever o artigo. Os jornalistas da “Folha” conhecem seu, digamos, “regimento interno”.
O editor-executivo da “Folha de S. Paulo”, Sérgio Dávila, diz que declarações de voto ferem a política editorial do jornal. “Os colunistas devem evitar fazer proselitismo eleitoral em seus textos. Se quiserem, podem escrever artigos em que revelam seu voto e defendem a candidatura na página A-3 da ‘Folha’. Esta opção foi dada a Xico Sá, que recusou a oferta”.
Se Xico Sá não aceitou expor sua opinião na página 3 da “Folha”, como sugeriu o editor, não se pode dizer que foi censurado. O mais provável é que o jornalista, sabendo de antemão que não poderia publicar sua opinião na coluna esportiva, tentou criar um factoide para ajudar a presidente Dilma Rousseff, reforçando a imagem de que a “grande imprensa” (expressão que deve ser mudada, com urgência, dada a reconfiguração da imprensa no pós-internet) apoia Aécio Neves para presidente.
Dada a explicação convincente de Sérgio Dávila, informando que abriu o espaço adequado (e tido como nobre), “Tendências e Debates”, a jogada — um “golpe”, diria Dilma Rousseff — para apoiar a candidatura da petista-chefe deu com os burros n’água. O Xico Sá virou Xico Só, ou uma espécie de Chicó do jornalismo patropi. Os petistas vão adorar e Xico Sá poderá comemorar com eles num boteco chique de Sampa — acompanhados pela cantoria de Eduardo Suplicy.
Xico Sá escreve bem, é quase sempre divertido, e certamente fará falta. Mas agiu como amador político. O PT e seus ideólogos são capazes de jogadas mais hábeis. Os companheiros vão admoestá-lo, certamente.

[caption id="attachment_17718" align="alignleft" width="620"] Vassili Grosman (à esquerda): o escritor russo que foi perseguido pelo stalinismo. Lezama Lima é, disparado, o maior escritor de Cuba. E era bom poeta. Já Donna Tartt, discípula de Dickens, é autora de uma prosa refinada | Fotos: Divulgação[/caption]
Os ombudsmen Carlos Wilson e Arthur de Lucca perguntam: “Qual o melhor romance do ano?” Difícil responder, porque não li a maioria dos romances publicados no Brasil em 2014. Mas como os dois insistem e garantem que, se eu não responder, não vão mais me ajudar a escrever a coluna Imprensa, vou arriscar a apresentar um breve comentário.
O melhor romance do ano? Talvez não seja apenas um, e sim dois — “Paradiso”, de Lezama Lima, e “Vida e Destino”, de Vassili Grossman — ou talvez três.
“Paradiso” é uma espécie de “Grande Sertão: Veredas” de Cuba. É “o” romance cubano. Nenhum outro, seja de Alejo Carpentier e Cabrera Infante, chega aos seus pés de diamante. O livro chega ao Brasil em duas traduções, o que é muito bom. As responsáveis pelas versões patropis são as poetas Josely Vianna Baptista e Olga Savary. Só mesmo poetas, seres que dançam pelas palavras e dialogam com o inescrutável, têm condições de traduzir à perfeição a prosa intrincada e, às vezes, amarrada de Lezama Lima. Acima de tudo, uma prosa iluminada. Li a tradução anterior, feita por Josely Vianna Baptista, que é um primor. Ela não revisou a tradução que sai pela Editora Estação Liberdade. Fez uma tradução nova. A tradução de Olga Savary saiu pela Editora Martins.
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"Vida e Destino" talvez seja o melhor romance sobre a Segunda Guerra Mundial. “Paradiso” é o “Grande Sertão: Veredas” da literatura de Cuba. "O Pintassilgo" romance mistura de maneira brilhante “estilos” e “tempos”[/caption]
“Vida e Destino” é simplesmente o maior romance russo do século 20. Uma obra-prima incontornável. Liev Tolstói e Turguêniev, por certo, a aprovariam. “Doutor Jivago” (de Boris Pasternak), que não é ruim, apesar das críticas negativas, que às vezes não querem perceber que se trata de um romance do século 19 escrito e publicado no século 20, não chega à canela do livro de Grossman, que, perseguido pelo stalinismo, não conseguiu publicá-lo. O livro foi editado, depois de sua morte, em tempos políticos mais amenos na União Soviética.
Em segundo (ou terceiro?) lugar, embora Carlos Wilson e Arthur de Lucca não tenham perguntado, citaria o romance “O Pintassilgo”, da americana Donna Tartt. É um belo romance que mistura, prazerosamente, ideias e personagens dos séculos 19, 20 e 21. É uma catedral do século 19 com personagens do século 21. Aqui e ali, o livro pode aparecer lento e enviesado, menos leve e luminoso do que a prosa de Charles Dickens, o herói de la Tartt, mas leitores que leem por prazer, sem se preocupar com firulas acadêmicas, com invencionismos de linguagem, vão se apaixonar. Livro bom é o que nos põe de quatro, servos eternos, e nos agarra e nos força a ir até a última página, sem saltar capítulos. É o caso de “O Pintassilgo”.
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[caption id="attachment_17709" align="alignleft" width="620"] Ali Kamel, jornalista, tem sido atacado possivelmente porque defende, em seus artigos e livros,
ideias liberais, não esquerdistas | Foto: Reprodução[/caption]
Nas redes sociais e em blogs, os indivíduos se comportam como se estivessem participando de um linchamento. Como integrantes de uma massa imaginária, parecem ter a individualidade dissolvida e, portanto, não são (mais) indivíduos, e sim partes da massa. Neste processo de desintegração do indivíduo, a ideia de responsabilidade, portanto de punibilidade, vai para o espaço. Daí que as pessoas xingam as outras, famosos ou não, com os piores palavrões e, muitas vezes, dizem que políticos, empresários, advogados, médicos, jornalistas são corruptos, mas não apresentam nenhuma evidência para corroborar as opiniões exacerbadas.
A Justiça tem sido cada vez mais acionada devido às críticas infundadas — mais ataques — de usuários das redes sociais e autores de blogs. O diretor-geral de Jornalismo e Esportes da TV Globo, Ali Kamel, está ganhando todos os processos que moveu contra blogueiros. O motivo é o mais prosaico: blogueiros, assim como usuários de Twitter e Facebook, não apresentam provas do que dizem e isto facilita o trabalho dos advogados da parte agredida. Curiosamente, quando acionados judicialmente, comportam-se como se estivessem acima da lei — invocando a salvaguarda da “liberdade de expressão”.
Marco Aurélio Mello, do extinto site Doladodela, chamou Ali Kamel de “maconheiro” e, processado, foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e terá de indenizar o jornalista. Mello pode recorrer, mas, como não tem prova do que “denunciou”, a condenação possivelmente seria mantida.
Mello já havia sido condenado pela Justiça por ter dito que Ali Kamel assediava “moralmente” os funcionários do jornalismo da Globo.
Há pouco tempo, Luiz Carlos Azenha (jornalista qualificado) e Willians de Barros, do site Cloaca News, foram condenados pela Justiça porque disseram que Ali Kamel havia sido ator pornô. A acusação é falsa e, até, estapafúrdia.
Por que Ali Kamel é tão atacado na internet? Possivelmente porque defende, em seus artigos e livros, ideias liberais, não esquerdistas.
O livro “O Difícil Exercício das Cinzas” mostra um poeta em plena forma, inteiramente seguro de sua identidade e com a “angústia da influência” sob controle